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Procº nº 236/95. ACÓRDÃO Nº 376/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. A, S.A., deduziu, por apenso a uns autos de execução seguindo a forma de processo sumário, pendentes pelo 7º Juízo do Tribunal Cível de Lisboa e em que figura como exequente o Hospital de São José, embargos de executado, invocando a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos
2º, números 1 e 2, e 10º do Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro, por violação da alínea q) do nº 1 do artigo 168º da Constituição.
O Juiz daquele Juízo, por decisão datada de 13 de Janeiro de 1995, teve por procedentes os embargos.
Para alcançar essa conclusão, recusou o mesmo aplicação ao disposto nos números 1 e 2 do artº 2º e ao disposto no artº 10º, um e outro do Decreto-Lei nº 194/92, pois que, no seu entendimento, «tocaram» 'em matéria de competência (territorial) dos tribunais', sem que o Governo detivesse autorização ou sem que o fizesse 'no desenvolvimento de qualquer base ou sistema'.
2. Do assim decidido recorreu para este Tribunal o Ministério Público, aqui tendo alegado o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto que, propugnando pela procedência do recurso, concluiu:-
'1º
Constitui matéria de processo civil, situada no âmbito da competência legisla- tiva própria do Governo - por não incluí- da em nenhuma das alíneas que integram o artigo 168º da Constituição - a determinação de quais sejam os títulos executi- vos e a definição das condições da sua exequibilidade, incluindo a criação de novos títulos executivos administrativos, pelo que não se verifica a apontada in- constitucionalidade do artigo 2º do Decreto-Lei nº
194/92, de 8 de Setembro.
2º
Não constitui alteração ou modificação das regras atinentes à
'competência dos tribunais' a mera circunstância de - como pura decorrência da criação de um novo título executivo administrativo - a acção própria passar a ser a executiva, com a consequente alteração do tribunal territorial competente, segundo as regras processuais em vigor.
3º
O artigo 10º do Decreto-Lei nº 194/ /92, de 8 de Setembro, não padece da apontada inconstitucionalidade, já que se não configura como contendo norma inova- dora, relativamente ao estatuído na lei processual em vigor, para a determinação da competência territorial quanto às acções executivas que visam a cobrança coerciva de obrigações pecuniárias.'
Por seu turno, a A, S.A., rematou a sua alegação dizendo serem improcedentes as conclusões do recorrente, em consequência se devendo julgar improcedente o recurso.
Cumpre decidir.
II
1. A Lei nº 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde -, veio a estabelecer, na alínea b) do nº 2 da Base XXXIII, que os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde podiam cobrar receitas, a inscrever nos seus orçamentos próprios, de entre estas se compreendendo '[o] pagamento de cuidados por parte de terceiros responsáveis, legal ou contratualmente, nomeadamente subsistemas de saúde ou entidades seguradoras'.
Com vista a regular a cobrança de dívidas às instituições e serviços públicos integrados no S.N.S., e ponderando que tais dívidas estão sujeitas a regime de prescrição presuntiva cujos respectivos prazos são muitos curtos e que a propositura de uma acção declarativa com o fim de tornar, por via de uma sentença, inequívoca a existência do crédito dessas instituições e serviços, era uma via morosa que, em face daquele regime de prescrição, poderia acarretar na prática a não efectiva cobrança dos créditos, editou o Governo em 8 de Setembro de 1992 o Decreto-Lei nº 194/92, diploma que, inter alia, veio a dispôr:-
Artigo 1º.
Âmbito de aplicação
O presente diploma regula a cobrança de dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde.
Artigo 2º.
Exequibilidade das certidões de dívida
1 - As certidões de dívida a qualquer das entidades a que se refere o artigo anterior, por serviços ou tratamentos prestados, são títulos executivos.
2- São condições de exequibilidade do título: a) A identificação do assistido e dos terceiros legal ou contratualmente responsáveis, se os houver, nos termos do presente diploma; b) A menção precisa e individualizada dos serviços prestados; c) A indicação da quantia exequenda, calculada nos termos do presente diploma; d) A assinatura do presidente do órgão de administração da entidade credora ou de quem legitimamente o substitua; e) A autenticação do título de dívida com a aposição do selo branco em uso na instituição credora.
Artigo 4.º
Dívidas resultantes de tratamentos a si-
nistrados por acidentes de viação
1- Em caso de dívidas resultantes de assistência ou tratamentos prestados a sinistrados em acidentes de viação, a execução corre solidariamente contra o transportador e a respectiva entidade seguradora, se seguro houver.
2 - Se o sinistrado não circular em qualquer veículo, a execução corre contra a entidade seguradora do veículo ou veículos que tenham intervido no sinistro, salvo se ocorrer qualquer das causas de exclusão da responsabi- lidade a que se refere o artigo 505.º do Cód go Civil.
Artigo 5.º
Responsabilidade solidária do Fundo de Garantia Automóvel
Não havendo contrato de seguro válido ou eficaz ou não sendo possível proceder à identificação dos responsáveis pelo acidente, a execução corre contra o Fundo de Garantia Automóvel.
Artigo 6.º
Dívidas resultantes de tratamentos de sinistrados em acidentes de trabalho ou equiparado
1 - Se as dívidas resultarem de tratamento de sinistrados por acidentes de trabalho, a execução corre contra aquele a quem o sinistrado prestava os seus serviços, no momento da ocorrência do sinistro, indepen- dentemente da natureza jurídica do vínculo nos termos do qual eram prestados tais serviços.
2 - Havendo contrato de seguro, a execução corre contra a entidade seguradora respectiva.
Artigo 10.º
Foro competente para a execução
As acções de execução por dívida a que se refere o presente diploma são instauradas no tribunal da comarca em que se encontra sediada a entidade exequente.
2. De harmonia com o despacho recorrido, as normas constantes dos artigos 2º, números 1 e 2, e 10º, atrás transcritos, sofreriam de inconstitucionalidade orgânica, por isso que, constando de um diploma emanado do Governo, e sem que isso fosse imposto no desenvolvimento das bases gerais adoptadas pela Lei nº 47/90, versavam sobre a competência territorial dos tribunais.
Perante uma tal argumentação, sempre, em primeira linha, se poderia dizer que, incidindo o descortinado vício de desconformidade com a Lei Fundamental na circunstância de se ter alterado a competência territorial dos tribunais, o que deveria estar em causa seria, e só, a norma constante do artº 10º.
Todavia, se bem se atentar, tal norma, comparativamente com aqueloutra constante do artº 94º, nº 1, do Código de Processo Civil, e tendo por referência o disposto no artº 774º do Código Civil, não veio estabelecer, de per si, uma regra diferente no tocante à competência territorial do tribunal caso o credor esteja munido de um qualquer título dotado de força executiva que não o decorrente de sentença judicial.
Assim, verdadeiramente, a alteração de competência veio a resultar da conjugação do nº 1 do artº 2º com o artº 10º, ambos do D.L. nº
194/92, no ponto em que, conferindo-se a característica de título executivo às certidões de dívida emanadas das instituições e serviços públicos do S.N.S., a respectiva cobrança coerciva, porque incide sobre uma obrigação pecuniária, efectivar--se-á pelo tribunal do lugar do domicílio do credor, ao passo que, se, para conferir título executivo a essas dívidas fosse previamente necessária a prolação de sentença condenatória, o tribunal competente para a execução seria aquele em que a causa havia de ser julgada (artº 90º, nº 1, do C.P.C.), sendo certo que este seria, consoante os casos e na falta de estipulação em contrário, ou o do tribunal onde a obrigação deveria ser cumprida (que poderia ser o tribunal do domicílio do credor, do devedor ou do lugar onde a coisa se encontrava ao tempo da conclusão do negócio, na hipóteses, respectivamente, de se tratar de uma obrigação pecuniária, de uma qualquer outra obrigação ou de a prestação ter por objecto coisa móvel determinada - cfr. artigos 772º a 774º do Código Civil e 74º, nº 1, do C.P.C.) ou, se a responsabilidade se baseasse em facto ilícito ou fundado no risco, o tribunal do lugar onde o facto ocorreu
(cfr. artº 74º, nº 2, do C.P.C.).
Unicamente, pois, neste contexto e perante determinado condicionalismo, é que poderão, por via das normas constantes do nº 1 do artº
2º e do artº 10º, ambos do D.L. nº 194/82, surgir hipóteses de alteração do tribunal territorialmente competente (e isto, note-se, sem cuidar de saber se, na realidade, em face do que se dispunha no artº 6º da Lei nº 1981, de 3 de Abril de 1940, houve, no caso, qualquer alteração substancial no que respeita à questão da competência territorial para as execuções fundadas nas certidões de dívida pelos cuidados de tratamento passadas pelos Hospitais Civis de Lisboa).
2. Salientou-se já que, comparativamente à regra constante do diploma adjectivo civil e relativamente à competência territorial dos tribunais quando em causa estejam execuções não fundadas em sentença, o disposto no artº 10º do D.L. nº 194/92 não veio estabelecer qualquer inovação, ao menos no que, como no caso sucede, concerne aos créditos oriundos de responsabilidade civil por facto ilícito emergente de um acidente de trânsito. Por isso, mesmo para quem aceitasse, o que por mera hipótese se concebe, que na reserva estabelecida na alínea q) do nº 1 do artigo 168º da Constituição ainda se havia de comportar a alteração das regras de competência territorial advenientes da alteração de índole estritamente processual fora do âmbito criminal e do processo perante o Tribunal Constitucional (cfr., sobre a questão, verbi gratia, o Acórdão deste Tribunal nº 132/88, publicado na 2ª Série do Diário da República de 8 de Setembro de 1988), o que é certo é que, in casu, nenhuma alteração efectiva ocorreu, razão pela qual falece razão nas considerações a propósito aduzidas no despacho recorrido.
De todo o modo, ainda que tal alteração de competência territorial viesse a ocorrer, seguro é que a mesma se deveria, não a uma nova, diferente ou diversa estatuição incidente sobre as regras que comandam a competência territorial dos tribunais, mas sim, e simplesmente, seria consequência de uma alteração de carácter processual estrito e que consistiu na criação do novo título executivo.
Ora, como por várias vezes já este Tribunal teve ocasião de dizer (cfr. o aresto exemplificativamente indicado acima) 'qualquer que seja o nível ou grau de definição da competência dos tribunais reservado à Assembleia da República, seguramente que nele não entram as modificações da competência judiciária a que deva atribuir-se simples carácter processual'.
E nem se diga que, embora sob a veste processual, assiste-se aqui a uma real alteração de competência material no ponto em que, com a criação do título executivo, se retira competência aos tribunais, atribuindo-a a órgãos de administração.
É que, como adiante melhor se verá, uma tal criação não implica o dirimir de qualquer conflito, tornar certo um direito ou definir um responsável, o que o mesmo é dizer não implica o necessário e constitucionalmente imposto desenvolvimento de uma actividade integrada na função jurisdicional.
3. Perante tais parâmetros, a questão residirá, essencialmente, em saber se, de um lado, será permitido ao Governo não munido da adequada credencial parlamentar, criar novos títulos executivos extra-judiciais, designadamente títulos administrativos e, de outro, suposto que o poderá fazer, se a criação operada por via e nos termos do artº 2º do D.L. 194/92 se configura conforme à Lei Fundamental.
No que tange à primeira linha de análise, haverá, desde logo, que ponderar que nenhuma norma constitucional se divisa da qual resulte que se insere na competência reservada da Assembleia da República a enunciação e tipificação dos títulos executivos, motivo pelo qual se deverá concluir que também cabe na esfera da competência legislativa governamental a edição normativa estabelecedora da conferência da parata executio, quer aos documentos particulares, quer a títulos oriundos da administração e, bem assim, as condições de que dependa essa parata.
Como é sabido, a dação de exequibilidade a um título não resulta unicamente da circunstância de ele provir de uma sentença judicial (cfr. Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 1964, 32 e segs., Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1963, 74 e segs., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 58 e segs., e Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1977, 14 e segs.). Necessário é que a especial força detida pelo título e que serve de base ao processo executivo, lhe seja conferida pela lei e que ele obedeça a determinados requisitos (cfr. artigos 45º e segs. do Código de Processo Civil).
No caso sujeito à apreciação deste Tribunal, e já que dúvidas não há em como pela prestação de serviços prestados pelas instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde estas e estes se constituiram em credoras dos montantes correspondentes a tais serviços, não se poderá, de todo, dizer que não consta de lei (em sentido material) a conferência de exequibilidade às certidões que atestam a efectivação daqueles montantes, sendo que, como se afirmou acima, nenhuma disposição constitucional comete em exclusivo ao órgão parlamentar a edição de legislação sobre a dita conferência.
3.1. Enfrentando agora a segunda linha de análise
(recorda-se: saber se - assente que é lícito ao Governo legislar sobre a enunciação e tipificação dos títulos executivos e as formas e condições a que há-de obedecer a sua exequibilidade - a criação do presente título se mostra conforme ao Diploma Básico), há que equacionar se, de uma banda, a certificação da dívida pela entidade administrativa representa a prossecução de uma actividade que visa, quer a definição do responsável, quer a composição de um conflito entre credor e devedor e, de outra, se ficam patentemente diminuídos os direitos de defesa do que, no título, figura como devedor.
3.1.1. Quanto ao primeiro aspecto, a resposta é obviamente negativa.
Efectivamente, já por diversas vezes que este Tribunal se debruçou sobre aquilo por que se deva considerar a «função jurisdicional»
(cfr., por entre muitos, os Acórdãos números 104/85 - in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º Vol., 633 a 643 - 182/90 - publicado na 2ª Série do Diário da República de 11 de Setembro de 1990 - 443/91 - idem, idem, de 2 de Abril de 1992
- e 396/95 - idem, idem, de 15 de Novembro de 1995), tornando-se fastidioso estar-se aqui, de modo exaustivo, a enunciar o que em tais arestos, com desenvolvimento, foi dito a esse respeito.
Bastará, em síntese, definir que, para o Tribunal, e tal como se escreveu no mencionado Acórdão nº 182/90, a função jurisdicional consubstancia-se 'numa composição de conflitos de interesses, lavada a cabo por um órgão independente e imparcial, de harmonia com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como fim específico a realização do Direito e da Justiça'.
Perante estas características da função jurisdicional, claro é que os poderes conferidos pelas disposições conjugadas dos artigos 2º, números 1 e 2, alínea a), 4º e 6º nelas se não integram.
Na verdade, a emissão da certidão levada a cabo por uma entidade pertencente à Administração e que lhe vai conferir a característica de título executivo mais não é que uma simples operação de certificação de um crédito detido por essa mesma entidade em razão da actividade que dispendeu em benefício de outrem, não representando, por isso, qualquer forma de composição de litígio ou de definição dos direitos de determinado credor.
3.1.2. Tocantemente ao segundo ponto (consistente em saber se os direitos de defesa daquele que, no título, figura como devedor, ficam patentemente diminuídos), também a resposta é de índole negativa.
É que, ainda que no título se mencione quem é ou deva ser considerado 'terceiro legal ou contratualmente responsável' pela satisfação do crédito certificado, daí não resulta minimamente que fique irremediavelmente definido esse responsável, e isso pela simples razão perante a qual o mencionado
(responsável) poderá dispôr de todos os meios de defesa ao seu alcance - embargos de executado - que lhe seriam facultados caso se estivesse perante um processo declaratório visando a sua condenação (cfr. artº 815º do Código de Processo Civil).
A norma ínsita no artº 2º do D.L. nº 194/92 representa, desta arte, apenas a atribuição de uma especial fé a uma declaração de crédito
(e correspondente débito), sem minimamente pôr em causa a possibilidade de questionar, quer a obrigação exequenda (aí se compreendendo o respectivo montante), quer o responsável pelo seu cumprimento, caso se poste, nestes campos, um verdadeiro litígio.
Sequentemente, haverá que concluir que um tal normativo não só não intenta dirimir qualquer conflito (e, por isso, se não divisa ofensa do nº 1 do artigo 205º da Constituição), como ainda não preclude os meios de defesa dos executados (pelo que, desta sorte, não se verifica ferimento do artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental) que apenas, para os exercitarem, haverão de seguir um formalismo processual diferente (os embargos de executado) daquele que, normalmente, é usado (a contestação na acção declaratória).
Termos em que se não mostram violados os princípios decorrente daquelas normas constitucionais.
4. Não se poderá, quanto à situação em crise, esgrimir com uma eventual violação do princípio da igualdade.
Efectivamente, em todos os casos em que seja possível o recurso à execução fundada em título executivo que não o proveniente de sentença judicial, também aí o credor munido desse título não se encontra, processualmente, em situação idêntica aos que, não o possuindo, tenham de recorrer à acção declaratória, com as consequências que isso implica, quer do ponto de vista da atribuição jurisdicional em função do território, quer do prisma de alguma diferenciação nos actos processuais a praticar.
A diversidade - tão somente em relação a meios processuais e não quanto à substância da validade de defesa - deparada relativamente a quem é demandado em acções declarativas e em acções executivas tem justificação bastante pela incorporação do crédito no próprio título, razão pela qual tal diversidade não constitui arbitrária desigualdade.
Aliás, nem sequer se vê como é que - deduzidos que venham a ser pelas seguradoras, em autos de execução instaurados com base nos preceitos em análise, cabidos embargos, nos quais se venha a alegar, verbi gratia, a inexistência de factualidade de onde decorra a responsabilidade civil extra-contratual do segurado - se pode dizer que, nestes, as regras sobre o ónus da prova que impendem sobre os lesado e lesante (in casu a instituição ou serviço de saúde e o condutor e ou proprietário do veículo interveniente no acidente) se vão postar de jeito diferente relativamente a uma acção declarativa.
4.1. Cumpre ainda salientar que, embora sendo verdade que, recebidos os embargos, a suspensão da execução só tem lugar se o executado prestar caução (cfr. nº 1 do artº 818º do Código de Processo Civil), nem por isso, relativamente ao exequente, se desenhará uma posição desigualitária, já que, na hipótese de a execução embargada prosseguir, o mesmo só poderá obter pagamento se prestar caução (nº 1 do artº 819º do mesmo corpo de leis).
Por outro lado, tendo em atenção o montante, no caso, da quantia exequenda, nunca a exigência de caução - como condição de suspensão da execução - se pode vislumbrar como algo que, acentuada ou patentemente, vai dificultar a defesa, em termos tais que conduzissem a um visionamento de negação do direito de acesso à justiça.
E, seja como fôr, ainda que diversa perspectiva fosse acolhida quanto ao particular de que nos ocupamos - o da exigência de caução como forma de suspensão da execução embargada - então há-de convir-se que a eventual deferenciação resultaria, não das normas que constituem objecto do presente recurso, mas sim daquela que tal exigência prescreve (o citado nº 1 do artº 818º).
Em suma: a criação do título executivo a que se reporta o artº 2º do D.L. nº 194/92 e a estatuição do foro a que alude o artº 10º do mesmo diploma não se configuram como ofensivas da Constituição.
III
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, consequentemente se determinando a revogação do despacho recorrido, a fim de o mesmo ser reformado em consonância com o decidido quanto à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 6 de Março de 1996 Bravo serra Messias Bento José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida