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Proc.Nº 300/95
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - Em processo tutelar de menores que corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal de Menores de Lisboa, durante a inquirição de testemunhas a que se procedia, foi requerida a intervenção processual de advogado, requerimento este que foi objecto do seguinte despacho:
'A obstrução à intervenção de mandatário judicial no processo tutelar por parte dos representantes legais ou progenitores do menor, estipulada no artigo 41º da OTM, considera-se inconstitucional por se figurar violar tal preceito legal o disposto nos artigos 7º e 8º da DUDH, 6º e 13º da CEDH, 16, nºs 1 e 2, 20º, 36º, nºs 5 e 7, 67º, 68º e 205º da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual se recusa a aplicação daquele preceito legal e se admite a intervenção do ilustre advogado dos progenitores do menor dos autos no presente acto.'
A Curadora de Menores junto do referido Tribunal, interpôs recurso obrigatório de tal decisão para o Tribunal Constitucional, pretendendo que se aprecie a conformidade constitucional da norma do artigo 41º da OTM (Organização Tutelar de Menores - Decreto-Lei nº314/78, de 27 de Outubro).
2. - Admitido o recurso, neste Tribunal apenas o Ministério Público apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
'1º - A parte final do nº 2 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa considera como elemento integrador do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais o direito ao patrocínio judiciário, que envolve a possibilidade de as partes ou sujeitos processuais se fazerem representar em quaisquer causas por profissional do foro.
2º - Ao impedir a constituição de mandatário judicial próprio no processo tutelar, salvo na fase de recurso, o artigo 41º da Organização Tutelar de Menores introduz uma restrição excessiva e desproporcionada, que atinge o conteúdo essencial daquele direito, impedindo que sejam assistidos por profissional do foro da sua confiança os sujeitos potencialmente afectados pelas medidas decretadas, em desconformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo
18º da Constituição.
3º - Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida.'
Corridos que foram os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
3. - A questão que vem suscitada nos autos foi já objecto de várias decisões do Tribunal, no sentido da inconstitucionalidade da norma questionada, por violação do artigo 20º, nº2, conjugado com o artigo 18º, nºs 2 e 3, ambos da Constituição.
Tais decisões foram tiradas sem votos de vencido e, não existindo quaisquer razões para alterar a jurisprudência assim fixada (cfr. Acórdãos nº 488/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Novembro de 1995, e nºs 556/95, 611/95, 618/95 ainda inéditos), passa-se a reproduzir sinteticamente o essencial da doutrina adoptada nesses acórdãos.
O processo tutelar está estruturado pelo legislador por forma a visar essencialmente a realização do interesse do menor e, se necessária, a protecção do próprio menor, através da aplicação de medidas tutelares de protecção, assistência e educação, por formas simplificadas mas eficazes.
Assim, no processo não há acusação, não são admitidos assistentes, sendo a intervenção de advogado limitada à fase de recurso, não existe audiência de discussão e julgamento, cabendo especificamente ao curador a defesa dos interesses do menor.
A questão suscitada no processo é a de saber se a restrição ao exercício do mandato judicial por advogado - mandato que nestes processos apenas pode ocorrer na fase de recurso (artigo 41º da OTM) -, não é desadequada e desproporcionada aos fins em vista.
O Tribunal, nos acórdãos referidos, já respondeu afirmativamente, sendo a fundamentação aduzida a seguinte:
'Ora, a restrição ao patrocínio judiciário - elemento integrador daquele direito - revela-se, à luz do artigo 18º, nºs 2 e 3, da Lei Fundamental, desproporcionada e desadequada, pois excluindo-se a defesa dos interesses do menor e dos direitos que na matéria cabem aos pais por um mandatário judicial, ainda que ela não se mostre absolutamente necessária, atinge-se o núcleo essencial do referido direito (direito à nomeação no processo de um
'intermediário técnico', 'entendido como a representação em juízo das partes ou sujeitos processuais por profissionais do foro, no que se reporta à condução técnico-jurídica do processo').
Na verdade, o juiz pode, no decurso do processo, adoptar medidas que restringem fortemente a liberdade dos menores e os poderes que cabem a seus pais.
Assim, há-de entender-se que os interesses do menor e os correspondentes direitos dos pais podem não ficar suficientemente protegidos com a intervenção do Ministério Público, e até com a intervenção do próprio juiz, a quem é conferido o poder de julgar como o árbitro, não se podendo considerar salvaguardado esse 'núcleo essencial', e nem a celeridade exigida por tal tipo de processos, visando acudir a um menor em risco ou em vias de o estar, justifica a dispensa de mandatário judicial.
Aliás, do texto constitucional, a propósito da filiação e do poder paternal, extrai-se um complexo de direitos e deveres que espelham aquele poder e o superior interesse dos filhos. Assim:
- os 'pais têm o direito e o dever e educação e manutenção dos filhos (nº 5 do artigo 36º)
- os 'filhos não podem ser separados dos pais' (nº 6 do artigo 36º)
- ao Estado incumbe cooperar 'com os pais na educação dos filhos' (artigo 67º, c))
- os 'pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação' (nº 1 do artigo 68º).
Caracterizando-se o poder paternal, minuciosamente regulado nos artigos 1877º e seguintes do Código Civil, 'não como um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas como um conjunto de poderes-deveres, como uma situação jurídica complexa em que avultam poderes funcionais, que devem ser exercidos altruisticamente, no interesse do filho, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu harmonioso e integral desenvolvimento físico intelectual e moral' (na linguagem do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nº 8/91, de
16 de Janeiro de 1992, in Boletim, nº 418, págs. 285 e segs., com análise detalhada do instituto do poder paternal), com tal caracterização compadece-se a defesa plena dos interesses do menor e bem assim a dos correlativos direitos dos pais no processo tutelar por um mandatário judicial, sendo desproporcionado e desadequado excluir ou restringir essa defesa.
7. Em conclusão: parece que o artigo 41º da O.T.M., nos termos em que proíbe a 'intervenção de mandatário judicial', viola o artigo 20º, nº 2, conjugado com o artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição, como é a tese do recorrente, e tanto basta para o ferir de inconstitucionalidade material.'
Esta mesma fundamentação é inteiramente aplicável ao caso dos autos, pelo que também aquim se conclui no sentido de que a restrição imposta pelo artigo 41º da OTM, não é nem adequada nem necessária ou proporcional ao exercício do direito ao patrocínio judiciário, tal como deflui do artigo 20º, nº2, quando conjugado com o artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
III - DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 41º da Organização Tutelar de Menores, na parte em que não admite a intervenção de mandatário judicial fora da fase de recurso;
b) em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Lisboa, 17 de Abril de 1996 Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa