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Proc. nº 197/94
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em 7 de Agosto de 1993, foi enviado ao delegado do Procurador da República
na comarca de Sintra um auto de notícia referente a J..., levantado por um
agente da Guarda Nacional Republicana, por ter verificado que o referido
cidadão conduzia na madrugada desse dia na Várzea de Colares, em Sintra, um
automóvel ligeiro de passageiros com uma taxa de álcool no sangue de 1,75 gramas
por litro, taxa verificada por exame de pesquisa de álcool no ar expirado. Assim
sendo, foi acusado da prática de crime punido com pena de prisão até um ano e de
multa até 200 dias.
Submetido a julgamento nesse mesmo dia, o arguido foi condenado como autor
material do ilícito p.p. pelo art. 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de
Abril, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 200$00, fixando-se em
alternativa a pena de 60 dias de prisão. Mas o Senhor Juiz recusou-se a aplicar
a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir por julgar
inconstitucional o art. 4º, nº 1, e nº 2, alínea a), do mesmo decreto-lei.
Nessa decisão, é fundamentado assim o juízo de inconstitucionalidade:
'Ora na actual lei o legislador introduziu além daquelas duas penas principais
alternativas [prisão ou multa] a sanção acessória de funcionamento automático de
inibição do direito de conduzir, acoplada à condenação na pena principal pelo
cometimento do crime.
Trata-se pois de uma consequência do facto criminoso que é
acessória de qualquer uma das outras e que funciona autonomamente.
O legislador conferiu também uma moldura àquela sanção, o que,
como já se disse, indicia que a individualização da consequência se há-de fazer
aí segundo os critérios gerais do artigo 72º, do C.P., ou seja, segundo a culpa
do agente.
É certo que o legislador não tratou o problema da moldura da
inibição em caso de reincidência no crime, não podendo assim a culpa agravada
ter efeitos em termos de agravação da inibição. Tal não obsta, no entanto, a que
se considere que o legislador pretendeu fundar a punição da inibição na culpa,
isto é, pretendeu tratar a inibição como uma pena, tão só, isso sim, revela que
o legislador não autonomizou esta pena ao lado das outras penas principais,
antes a tratou como acessória destas [..].
Tratando-se, pois, de uma pena acessória com semelhantes
características há que saber da sua admissibilidade face à limitação
constitucional do artigo 30º nº 4 da CRP [...].
De tudo se extrai [ em especial, da doutrina do acórdão nº 224/90
do Tribunal Constitucional] que a pena acessória automática da inibição do
direito de conduzir se confronta com o impedimento constitucional. É que a
«assumida confusão entre as penas acessórias e os efeitos não automáticos da
pena principal», característica do regime de penas acessórias do direito penal
português (vd. Figueiredo Dias, Direito Penal - As consequências jurídicas do
crime, pág. 176) e a consequente relevância de limitação constitucional face a
qualquer efeito automático da pena sofre aqui um ataque claro por parte de uma
previsão legal de uma pena que limita o exercício de um direito civil, acoplada
à aplicação de uma outra principal, ou seja, de uma pena que funciona
acessoriamente e de modo automático.
Pode alegar-se que a previsão de uma moldura penal afasta a
crítica, pois permite que, ainda que de funcionamento automático, intervenha na
aplicação da pena acessória a ponderação da culpa.
Ao invés disso, o recurso ao princípio da culpa torna ainda mais
criticável o artigo em análise, mostrando outro flanco à censura constitucional.
Com efeito, sendo idêntico o período de inibição previsto para o
crime cometido sob a forma dolosa ou sob a forma negligente, há aí violação do
princípio da culpa. O artigo 4º nº 2 al. a) prevê um mesmo período de inibição
para todo o artigo 2º do mesmo diploma, o que não permite destrinçar as
diferentes culpas, dolosa e negligente, na forma de cometimento do crime.
Mas mais: ao prever-se o período de inibição mínima de seis
meses, a moldura da inibição é superior à própria moldura de pena principal pela
prática do crime na forma negligente, ou seja, a mesma culpa levaria a uma
punição na pena principal desfasada da punição na pena acessória. Só o máximo de
pena principal pelo cometimento do crime na forma negligente permitiria a
aplicação da inibição em período semelhante. Nada justifica esta disparidade,
nem aquela indistinção entre a culpa dolosa e a negligente, tudo impondo a
conclusão de que o preceito em análise viola pois o princípio da culpa (artigos
1º, 13º nº 1 e 25º nº 1 da CRP) e o princípio da proporcionalidade das sanções
criminais (artigo 18º nº 2 e 88º, nº 1, por identidade de razões, ambos da
CRP)'. (a fls. 10-12 dos autos)
Desta sentença interpôs o Ministério Público recurso de constitucionalidade,
nos termos do art. 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, o
qual foi admitido por despacho de fls. 21.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Alegaram a entidade recorrente e o recorrido.
O Ministério Público sustentou que a decisão devia ser revogada, formulando as
seguintes conclusões:
'1º Não pode considerar-se como efeito automático da condenação por certo tipo
legal de crime a imposição de uma sanção acessória, mediante decisão do juiz,
que se encontra habilitado a graduar a medida concreta daquela, em função da
ponderação das circunstâncias do caso.
2º O regime estatuído no artigo 4º, nºs 1 e 2, alínea a), [do Decreto-Lei nº
124/90, de 14 de Abril] não ofende o disposto no artigo 30º, nº 4, da
Constituição, nem envolve qualquer infracção aos princípios constitucionais da
culpa e da proporcionalidade das sanções criminais.' (a fls. 28 dos autos)
O recorrido propugnou pela manutenção da decisão recorrida, louvando-se nas
razões constantes dessa decisão e acrescentando que, ainda que a inibição da
faculdade de conduzir prevista na legislação desaplicada pudesse considerar-se
uma medida de segurança, nem assim deveria ser alterada a decisão, dado o
legislador penal português ter afastado a possibilidade de aplicar, ao mesmo
delinquente e pelo mesmo acto, uma condenação em pena e em medida de segurança.
3. Foram corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar o objecto do recurso, por não haver motivo que a tal obste.
II
4. O Decreto-Lei nº 124/90 foi publicado ao abrigo da autorização legislativa
conferida pela Lei nº 31/89, de 23 de Agosto.
No preâmbulo do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril, diploma a que pertencem
as normas tidas por inconstitucionais na sentença recorrida, indicam-se as
inovações por ele consagradas:
'A Lei nº 3/82, de 29 de Março, foi o primeiro diploma que versou sobre a
condução sob a influência do álcool.
O lapso de tempo já decorrido e os ensinamentos decorrentes da
aplicação daquela lei, aliados ao aumento da sinistralidade rodoviária em que o
álcool tem tido um papel relevante, determinam a adopção de novas sanções que
possam, por si só, actuar como medidas dissuasoras daquele comportamento.
Assim, pelo presente diploma cria-se um novo ilícito de carácter
penal, considerando-se crime a condução com a taxa de álcool no sangue igual ou
superior a 1,20 g/l.
Simultaneamente, agravam-se os montantes das multas aplicáveis às
contravenções, assim como se eleva a duração da pena acessória de inibição da
faculdade de conduzir.
Estabelece-se ainda a obrigatoriedade de a entidade fiscalizadora
dar conhecimento, a todos os que sejam submetidos ao teste de detecção de álcool
no sangue e em caso de teste positivo, da possibilidade de realização de
contraprova, a qual só será objecto de pagamento nos casos em que o resultado
for positivo. As medidas adoptadas estão de acordo com o preconizado pelas
Comunidades Europeias'.
Assim, passa a considerar-se que está sob a influência do álcool todo o
condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue (TAS) igual ou superior a
0,5g/l (art. 1º). Quem conduzir veículos, com ou sem motor, em via pública ou
equiparada, e apresentar uma TAS inferior a 1,20g/l e igual ou superior a 0,5g/l
comete uma contravenção (art. 3º, nº 1), punível diferentemente consoante os
valores da TAS; mas se, em idênticas circunstâncias, a TAS for superior a
1,20g/l, o condutor comete um crime 'punido com pena de prisão até um ano ou
multa até 200 dias, se pena mais grave não for aplicável' (art. 2º, nº 1). Se o
facto for punível a título de negligência, a pena será de prisão até 6 meses ou
multa até 100 dias (art. 2º, nº 2).
O art. 4º do Decreto-Lei nº 124/90 estatui:
'1. Às penas previstas nos artigos 2º e 3º acresce a sanção acessória de
inibição da faculdade de conduzir.
2. A inibição terá a seguinte duração:
a) Seis meses a cinco anos nos casos previstos no art. 2º;
b) Três meses a dois anos nos casos previstos nº 2 do artigo 3º;
c) Um a seis meses nos casos previstos no nº 3 do artigo 3º.
3. [...]
4. [...]'.
O art. 5º regula a reincidência, distinguindo
consoante se trate de crime ou de mera contravenção. Tratando-se de crime,
estabelece-se a aplicabilidade do regime previsto no Código Penal. Quando se
trate de contravenção, determina-se quando ocorre a reincidência e
estabelecem-se as consequências sancionatórias.
5. Da leitura das disposições referidas e em parte
transcritas, resulta que, quer se trate de crime, quer se trate de contravenção,
às penas principais cominadas no Decreto-Lei nº 124/90 acresce a sanção
acessória de inibição da faculdade de conduzir, cujos limites mínimo e máximo
variam em função da gravidade da infracção (crime, por um lado; contravenção de
maior ou menor gravidade, consoante o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 3º).
Na sentença recorrida, considera-se que o legislador
tratou a pena acessória de inibição da faculdade de conduzir com uma pena
acessória de funcionamento automático, o que seria inconstitucional.
Mas não assiste razão à tese perfilhada pelo Senhor
Juiz recorrido.
De facto, a pena acessória prevista no art. 4º do
Decreto-Lei nº 124/90 depende sempre de uma aplicação por um tribunal, no
exercício da função jurisdicional, carecendo de ser graduada em função de
gravidade da infracção. Se, porventura, na sentença não se determinar a pena
acessória a aplicar ao arguido, a decisão será, porventura, ilegal mas o arguido
não fica sujeito a qualquer inibição.
Como chama a atenção o Senhor Procurador-Geral
Adjunto nas suas alegações, a necessidade de determinação da sanção acessória no
caso concreto por acto judicial 'quebra, por si só, qualquer analogia com o
decidido no acórdão nº 224/90, [publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 16º vol., págs. 119 segs.] que efectivamente declarou
inconstitucional o regime estatuído no art. 46º, nº 2 do Código de Estrada [de
1954]' (a fls. 25 dos autos). É que a aplicação da sanção acessória 'passa
necessariamente pela mediação do julgador, investido em amplos poderes para, em
concreto, a adequar às circunstâncias do caso' (a fls. 26).
Na verdade, o nº 2 do art. 46º do precedente Código
da Estrada determinava a proibição pura e simples, ex lege, de condução de
veículos automóveis, enquanto não fossem reabilitados nos termos da lei, a
certas pessoas (indivíduos condenados três ou mais vezes por certos crimes; os
condenados por duas ou mais vezes em certas penas, os delinquentes declarados
como delinquentes habituais e por tendência, etc). Nessa medida, o Tribunal
Constitucional considerou que tal solução legal - independentemente da sua
qualificação como medida de segurança ou como inibição do exercício de um
direito civil - violava o art. 30º, nº 4, da Constituição, visto que, através
deste preceito constitucional, se pretendeu 'proibir que, em resultado de
quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e
simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis,
profissionais e políticos' (formulação acolhida neste acórdão e proveniente do
acórdão nº 284/89).
Ora, diferentemente do que parece sustentar o senhor
juiz recorrido, o nº 4 do art. 30º da Constituição não impede que o legislador
imponha em abstracto a aplicação de uma sanção acessória em todos os casos da
pratica de um crime, deixando ao juiz a fixação do quantum de duração da
inibição. O legislador podia ter optado por uma outra solução, de deixar à
discricionariedade judicial o aplicar ou não a sanção acessória no caso
concreto, mas não estava constitucionalmente obrigado a fazê-lo (veja-se um
exemplo da primeira opção no art. 218º do Código Penal).
É, porém, decisivo - para efeitos de apreciação de
constitucionalidade de solução - que, na solução concreta em apreço, a pena
acessória de inibição da faculdade de conduzir revele uma conexão indesmentível
com o facto ilícito gerador da responsabilidade penal. Por isso, não viola o
disposto no art. 30º, nº 4, da Constituição a norma penal objecto de recusa de
aplicação na sentença impugnada através do presente recurso, uma vez que a
sanção de inibição da faculdade de conduzir é encarada pelo legislador como se
de uma pena principal se tratasse: a aplicação da sanção acessória resulta de
prova da comissão do acto ilícito (a condução sob o efeito do álcool) e de culpa
do agente, não sendo necessária a prova de outros factos acessórios. De facto, é
pela circunstância de ter violado de forma gravemente censurável os deveres de
condutor de veículo automóvel que o agente é privado temporariamente da
faculdade legal de conduzir.
Outro juízo em matéria de constitucionaldade se
deveria talvez fazer se a medida em que se traduz a sanção acessória não tivesse
qualquer ligação com a infracção penal praticada. Não é, porém, a situação que
se verifica nos autos.
6. Em termos doutrinários, o que caracteriza uma
sanção acessória é a circunstância de a respectiva aplicação pressupor a fixação
na decisão condenatória de uma pena principal (cfr. Figueiredo Dias, Direito
Penal Português. Parte Geral. As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993,
pág. 172). E se nem sempre é fácil distinguir as sanções acessórias dos efeitos
das próprias penas, consequências necessárias, ainda que dependentes de
apreciação judicial, da aplicação de penas, a verdade é que, no caso da inibição
temporária da faculdade de conduzir, não se duvida hoje, entre nós, que se está
perante uma sanção acessória, aqui, de resto, como tal qualificada pelo próprio
legislador. Seja como for, a orientação do Código Penal de 1982 aponta para que
os próprios efeitos das penas carecem de mediação judicial (cfr. art. 65º desse
diploma).
Importa afirmar que, independentemente das dúvidas de
qualificação acerca da medida de inibição da faculdade de conduzir (vejam-se as
posições doutrinais recenseadas no ciitado acórdão nº 224/90, com referência às
inibições estabelecidas no Código de Estrada de 1954, e mais recentemente, o
assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 1992, in Diário da
República, I-Série A, de 10 de Julho de 1992, que qualificou a inibição prevista
no art. 61º daquele diploma como medida de segurança), é seguro que, no
Decreto-Lei nº 124/90, essa inibição não é prevista como um efeito autómático de
pena de prisão ou de pena de multa estatuídos no art. 2º deste último diploma.
Trata-se, antes, de uma medida acessória que o juiz gradua dentro de
determinados limites, mínimo e máximo, necessariamente em função de culpa dos
agentes, nos termos gerais da lei penal (a mesma solução é mantida no art. 69º
do Código Penal de 1995, com referência aos arts. 291º e 292º do mesmo diploma.
O art. 2º, nº 2, alínea e), do diploma preambular, Decreto-Lei nº 48/95, de 15
de Março, revoga os arts. 2º, 4º, nº 2, alínea a), e 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº
124/90, mas aquele diploma e o novo Código Penal só entram em vigor em 1 de
Outubro de 1995).
Nem se diga que a graduação feita pelo juiz - entre
os limites amplos que a lei estabelece, a saber, entre seis meses e cinco anos
- há-de basear-se na perigosidade do agente ou no carácter danoso de condução
automóvel sob o efeito do álcool, pelo que haveria de qualificar-se a medida, em
última análise, como medida de segurança. É que nada na lei permite sustentar
que a inibição possa ser graduada em função desses elementos e não
exclusivamente com base na culpa do agente. Sendo a inibição qualificada no
Decreto-Lei nº 124/90 como pena acessória, na sua determinação o tribunal há-de
considerar a intensidade do dolo ou da negligência do agente (cfr. art. 72º, nº
2, alínea b), do Código Penal), bem como os outros elementos constantes das
diferentes alíneas desse mesmo número e artigo, devendo fundamentar a opção
feita quanto à duração da medida (cfr. as considerações feitas no acórdão nº
442/93 deste Tribunal, quanto à aplicação da medida de expulsão de estrangeiros
condenados por crimes relativos ao tráfico e consumo de drogas - in Diário da
República, II Série, nº 16, de 19 de Janeiro de 1994).
7. Tão-pouco se pode aceitar a tese do Senhor Juiz
recorrido de que a alínea a) do nº 2 do art. 4º do Decreto-Lei nº 124/90 viola
os princípios constitucionais de culpa e da proporcionalidade.
Existem razões ponderosas e notórias para que o
legislador sancione com gravidade a condução sob o efeito de álcool. A altíssima
taxa de sinistralidade verificada em Portugal na condução automóvel, em elevada
percentagem devido à condução de pessoas etilizadas, impõe a tomada de medidas
de sancionamento eficazes, operando mesmo a criminalização de certas condutas.
Ora, o facto de o legislador estabelecer, como medida
abstracta da sanção acessória em apreciação, o período de seis meses a cinco
anos, independentemente de ter ocorrido a prática de um crime doloso ou
meramente culposo, não se afigura susceptível de violar o princípio de culpa,
uma vez que a mediação do julgador permitirá a adequação do quantum de duração
da inibição em função das circunstâncias do caso e do grau de culpa do agente
tendo obrigatoriamente de tratar diversamente as situações em que há dolo e as
em que há negligência.
No acórdão nº 143/95 da 2ª Secção deste Tribunal -
acórdão ainda inédito - negou-se que houvesse violação dos princípios da culpa e
da proporcionalidade pela norma desaplicada. Pode ler-se aí:
'Os limites máximo e mínimo fixados no artigo 4º, [nº 2], alínea a), do diploma
são suficientemente amplos (seis meses a cinco anos de inibição) para permitir
uma graduação justa, em função da imputação do facto a título de dolo ou de
negligência. É certo que a medida mínima de seis meses é aplicável tanto ao caso
de dolo como ao caso de negligência; simplesmente, isso não significa que o juiz
possa mecanicamente aplicar a mesma medida num caso ou noutro; terá de
graduá-la, em obediência aos critérios legais já referidos, designadamente em
função da maior ou menor intensidade do dolo ou da negligência.
É certo que o juiz, caso haja lugar a aplicação da pena
principal, não pode deixar de aplicar também a inibição.
Mas essa circunstância em nada afecta o princípio da culpa, e nem
sequer é uma característica específica da pena acessória.
Na verdade, o mesmo acontece nos numerosos casos em que a lei
prevê, para um dado facto ilícito, a aplicação de uma pena de prisão e multa.
Também nesses casos, quando aplica a pena de prisão, o juiz não pode deixar de
aplicar igualmente a de multa. Não há aí, como não há aqui, qualquer violação do
princípio da culpa.
De todo o modo, bem se compreende que, em infracções com a
natureza daquela a que se reportam os autos, o legislador preveja a aplicação da
pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, como se de uma pena
principal se tratasse: isto é, a aplicação da pena resulta da prova da prática
do facto ilícito e da culpa, sem necessidade de se provarem factos adicionais. É
que não deixa de haver uma óbvia conexão entre a inibição e o facto ilícito.
Pois se talvez pudesse questionar-se a medida no caso de não ter qualquer
conexão com a infracção praticada, não se poderá negar que neste caso tal
conexão existe: é por ter violado de forma intensa os seus deveres enquanto
condutor que o agente é privado temporariamente da faculdade legal de conduzir.
E também não há violação do princípio da culpa se o juiz, ao
aplicar a pena de prisão, tem de aplicar também a inibição de conduzir, não
podendo optar pela dispensa ou suspensão desta medida. Pois o mesmo acontece
quando se condena em prisão e multa: o juiz não pode suspender igualmente esta
última. E também é assim quanto à dispensa de pena, como decorre do artigo 75º
do Código Penal.
Finalmente, e ainda que se entenda que a substituição da inibição
da faculdade de conduzir por caução de boa conduta, referida no nº 3 do artigo
61º do Código da Estrada então vigente, não é aplicável ao caso dos autos, cabe
assinalar que a substituição é uma faculdade legal que a Constituição não
impõe.'
8. Especialmente no que se refere à invocada violação do princípio da
proporcionalidade, não pode considerar-se constitucionalmente imposta uma
correspondência ou coincidência entre os limites máximos ou mínimos das sanções
principais e os das sanções acessórias. Trata-se de uma matéria em que a
liberdade de conformação do legislador é muito ampla, sendo compreensível que a
sanção acessória de inibição da faculdade de condução se configure como
especialmente adequada aos fins de prevenção geral e especial, o que justificará
a amplitude da moldura abstracta da inibição (no caso sub judicio a pena
acessória de inibição varia entre seis meses a cinco anos, ao passo que as
molduras abstractas das sanções de prisão e de multa têm limites mínmos e
máximos diferentes daquele e entre si (um mês a um ano, no caso de prisão; dez a
duzentos dias no caso da multa).
De facto e citando de novo o acórdão nº 143/95, pode afirmar-se o
seguinte:
'[...] na verdade, sendo [a pena de prisão, a multa e a sanção acessória de
inibição] medidas sancionatórias com diferentes naturezas, elas podem ser
comparadas entre si, cabendo ao juiz estabelecer uma correcta proporção na sua
determinação concreta, de acordo com os critérios estabelecidos no já citado
artigo 72º do Código Penal.
Efectivamente, nada autoriza a pensar que o número de dias da
moldura abstracta da inibição tenha de ser idêntico ao número de dias da prisão
ou ao da multa. Aliás, nem mesmo entre a prisão e a multa pode ser feita uma
equivalência deste tipo: apesar de a lei estabelecer critérios para a
substituição da prisão por multa (artigo 43º do Código Penal) e para a
determinação da prisão alternativa (artigo 46º, nº 3, do Código Penal), nunca
pode haver uma igualdade entre as molduras abstractas respectivas, desde logo
porque a lei começa por fixar em geral o mínimo da multa em 10 dias e o mínimo
da prisão em 30 dias (artigos 40º, nº 1, e 46º, nº 1, do Código Penal), e
estatui em especial limites mínimos e máximos muito diversificados.
Por último, poder-se-ia perguntar se a distância entre o mínimo e
o máximo da inibição que a norma em apreço estabelece - numa proporção de um
para dez - não desrespeitará o princípio da legalidade. No entanto, e tal como
já foi observado no Acórdão nº 667/94 (Diário da República, II Série, de 24 de
Fevereiro de 1995), tendo em consideração, desde logo, que nos encontramos,
aqui, perante uma pena acessória e não perante uma pena principal, o Tribunal
entende que no caso não se poderá afirmar que esse princípio se acha
vulnerado.'.
9. Não merece, por isso, censura a solução tida por violadora dos
princípios de culpa e de proporcionalidade.
III
10. Termos em que decide o Tribunal Constitucional conceder provimento ao
recurso, revogando a sentença recorrida na parte impugnada, a qual deverá ser
reformada em consonância com o juízo sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa,16 de Maio de 1995
Ass) Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
Vitor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa