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Proc. nº 34/95
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - No tribunal judicial da comarca de Vila Viçosa ao abrigo do disposto no artigo 89º nºs 2 e 3 do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro instaurou o Ministério Público contra A execução com vista à cobrança da quantia de 751.000$00 correspondente à condenação no pagamento de coima
(750.000$00) e de custas (1.000$00) em processo de contra-ordenação.
Ordenada a penhora e subsequente notificação à executada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 927º nº 3 do Código de Processo Civil veio depois a ser lavrado auto de penhora tendo por objecto um bem móvel avaliado em 1.200.000$00.
Determinou-se a seguir o cumprimento da prescrição contida no artigo 864º do mesmo código.
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2 - Havendo sido requerida pelo Ministério Público a dispensa da publicação de anúncios com base na inexistência de verba para o efeito o senhor Juíz proferiu referentemente ao assim peticionado despacho com o seguinte teor:
'A presente execução não segue a forma sumaríssima porquanto não se funda em sentença proferida em processo sumaríssimo ou por custas multa ou indemnização referida no artigo 456º do CPC.
Atento o valor do bem penhorado (1.200.000$00 - um milhão e duzentos mil escudos) e da obrigação exequenda (751.000$00 - setecentos e cinquenta e um mil escudos) não é de considerar esta execução como de diminuta importância.
Assim e nos termos do disposto no artigo 248º nº4 do CPC determino sejam publicados anúncios devendo o Sr. Secretário providenciar pela obtenção da verba necessária'
Na sequência deste despacho o Ministério Público trouxe aos autos novo requerimento alegando ser legalmente impossível proceder à publicação dos anúncios por decorrência do artigo 66º do Código das Custas Judiciais e da consideração de 'o preço por linha praticado pelos jornais [ser] muito superior ao fixado pelo Despacho Ministerial de 31 de Maio de 1982'.
Sobre este requerimento veio a recair novo despacho mandando se procedesse à publicação dos anúncios desaplicando-se para tanto com fundamento em inconstitucionalidade a norma do artigo 66º do Código das
Custas Judiciais 'na versão dada pelo Despacho Ministerial de 31 de Maio de
1982'.
Neste despacho desenvolveu-se o seguinte quadro argumentativo:
'A garantia e reconhecimento do direito à propriedade privada como Direito Fundamental (artigo 62º da CRP) abrange a 'consistência prática desse direito' e por isso as garantias do credor.
Uma dessas garantias é dada pela possibilidade de um credor que goze de garantia real reclamar créditos em execução já pendente - com fundamentação semelhantes os Acs. T.C. 494/94 Proc. nº 163/93 em 'B.O.A.' nº
4/94 Agosto/Outubro págs. 37/40 datado de 94/7/12 e ainda mais recentemente o Ac. nº 516/94 proferido no Proc. nº 778/92 ao que se supõe ainda inédito e datado de 94/9/27.
A forma de chamar ao processo pessoas ausentes ou desconhecidas é a da citação edital (artº 248º do CPC) prevista na convocação de credores em execução (artº 864/1 d) do CPC).
E a forma efectiva de a assegurar dá-se não só pela afixação de editais como também pela publicação de anúncios (artº 248º do CPC).
Ora por um lado nada há que justifique que os exequentes particulares suportem o custo elevado de anúncios e o Estado não; por outro os Direitos Fundamentais só podem ser restringidos nos casos especialmente previstos na Constituição e sempre na medida do necessário (artigo 18º nº 2 da CRP).
A não publicação de anúncios quando o preço da linha seja superior a 39$00 (trinta e nove escudos) quando o exequente seja o Estado viola o estatuto da igualdade por que as partes devem ser tratadas (artigo 13º da CRP) e também o direito à propriedade privada dos credores desconhecidos que gozem de garantia real (exemplos: titulares de direitos de retenção ou penhor) sem qualquer razão de proporcionalidade na salvaguarda de outro Direito Fundamental.
Pelo que o disposto no artigo 66º do C. C.J. na versão dada pelo Despacho Ministerial de 31 de Maio de 1982 é inconstitucional'.
3 - Contra este despacho sob invocação do disposto nos artigos 280º nº 1 alínea a) e 2 da Constituição e 70º nº 1 alínea a) e 72º nº 3 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro foi interposto pelo Ministério Público recurso obrigatório de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional.
Nas alegações depois oferecidas pelo senhor Procurador-Geral Adjunto suscitou-se uma questão prévia relativa ao 'lapso manifesto na identificação da 'norma' aplicável' porquanto na actualidade o programa normativo que se contém no artigo 66º do Código das Custas Judiciais é completado pelo despacho do Ministério da Justiça nº 30/91 de 23 de Março publicado no Diário da República II série de 6 de Abril de 1991 e não pelo dispositivo a que se alude na decisão recorrida.
E no desenvolvimento e fundamentação desta questão liminar escreveu-se assim:
'Parece-nos deste modo ter ocorrido um lapso manifesto na identificação da 'norma' regulamentar que densifica e desenvolve o preceituado no citado artigo 66º do Código das Custas Judiciais - e sendo certo que a constatação da óbvia impossibilidade de publicação dos anúncios partindo do preço por linha fixado em 1982 fica seguramente em crise face ao novo sistema instituído em 1991: na verdade longe de se fixar um 'preço tabelado' para o pagamento do serviço consistente na publicação dos anúncios atende-se ao preço praticado em termos de concorrência pela Imprensa Nacional no caso dos anúncios cujo preço é estabelecido por linha; e - de forma ainda mais clara - no caso dos anúncios cujo preço seja fixado por módulo deixa de se estabelecer artificialmente um 'tecto' ao respectivo custo limitando-se a norma a determinar que deverão realizar-se as diligências administrativas de que normalmente depende a aquisição de bens ou serviços pelo Estado com vista a determinar qual a empresa que no mercado pratica preço mais favorável.
Constata-se deste modo que a declaração de inconstitucionalidade do bloco normativo que constitui objecto deste recurso assentou por lapso manifesto num pressuposto viciado - a vigência do referido despacho ministerial de 1982.
Não cumpre obviamente ao Tribunal Constitucional sindicar a escolha e interpretação das normas de direito ordinário aplicáveis aos casos 'sub juditio' limitando-se a emitir um juízo sobre a
(in)constitucionalidade das que - bem ou mal - tiverem sido consideradas aplicáveis à hipótese em discussão.
Atenta porém a especificidade da situação em análise - e a circunstância de ao que supomos a 'repristinação' do despacho ministerial de
31 de Maio de 1982 não radicar numa opção deliberada do Tribunal mas porventura em simples lapso que importará rectificar somos de parecer que se deverá determinar a remessa a título devolutivo do presente processo ao tribunal 'a quo' a fim de aí se decidir esta questão que ora suscitamos.
Na verdade afigura-se que a decisão da questão objecto do presente recurso de constitucionalidade bem poderá configurar-se como inútil já que nada impedirá que - dirimida a questão de constitucionalidade do artigo
66º do Código das Custas Judiciais completado pelo despacho ministerial de 1982 e remetidos os autos à 1ª instância - aí se possa reponderar a questão da publicação ou não publicação dos anúncios face à 'norma' que verdadeiramente é hoje em dia aplicável; ou seja: a eventual aplicação do sistema instituído pelo despacho ministerial de 1991 bem poderá conduzir a conclusão de que afinal é exequível o determinado pelo juiz quanto à publicação dos anúncios...'
A recorrida não contralegou.
Os autos correram os vistos legais cumprindo agora apreciar e decidir.
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4 - A decisão sob recurso desaplicou com fundamento em inconstitucionalidade a norma do artigo 66º do Código das Custas Judiciais em conjugação com o despacho ministerial de 31 de Maio de 1982 enquanto elemento integrativo do próprio sentido e alcance daquele preceito.
Simplesmente como bem se salientou nas alegações do Senhor Procurador-Geral Adjunto aquele despacho já havia sido revogado e substituido na data do proferimento da respectiva decisão por um outro de conteúdo bem diverso concretamente o despacho ministerial nº 30/91 de 30 de Março de 1991.
E assim sendo sem embargo de não caber no âmbito da competência deste Tribunal fazer a sindicância da convocação das normas de direito ordinário levadas a efeito pelos tribunais recorridos porque a situação em apreço traduz porventura um mero lapso susceptível de ser corrigido pelo senhor Juiz da causa ao invés de se conhecer da questão de constitucionalidade do 'arco normativo' que vem definido como
objecto do recurso considera-se que os autos devem ser remetidos ao tribunal 'a quo' a fim de ser apreciada a questão preliminar assim levantada da qual poderá resultar a inutilidade superveniente do recurso.
Nestes termos e para os efeitos supra-referidos remetem-se os autos ao tribunal judicial da comarca de Vila Viçosa.
Lisboa 7 de Fevereiro de 1996
Ass) Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Vitor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa