Imprimir acórdão
Procº nº 688/95. ACÓRDÃO Nº 176/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação do Porto e em que figuram, como recorrente, A e, como recorrida, o Banco B...., concordando-se, no essencial, com a exposição formulada pelo relator, ora de fls. 659 a 667, que aqui se dá por integralmente reproduzida, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 1996 Bravo Serra José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa
EXPOSIÇÃO PRÉVIA Procº nº 688/95.
2ª Secção.
1. A fez instaurar pelo Tribunal do Trabalho de Guimarães e contra B., acção seguindo a forma de processo sumário e emergente de contrato individual de trabalho, solicitando a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de Esc. 1.515.284$00, acrescida de subsídios vincendos e juros, também vincendos, quantia correspondente a subsídios mensais de valorização profissional equivalentes a 10% do vencimento base que o então Conselho de Gestão da mesma ré deliberou, em 5 de Janeiro de 1983, atribuir aos seus trabalhadores com efeitos desde 1 desse mês, deliberação que, posteriormente, fora suspensa por uma outra, de 19, ainda desse mês, sob invocação de um despacho proferido em 17 dos ditos mês e ano pelo Secretário de Estado do Tesouro.
Por sentença lavrada em 19 de Novembro de 1993 pelo Juiz daquele Tribunal do Trabalho, foi a acção julgada procedente, o que fez, no que ora importa e para além do mais ali aduzido, com base, muito em síntese, nas seguintes considerações:-
- nas empresas públicas, a tutela correctiva ou revestia a forma a priori ou a forma a posteriori;
- aos bancos - como a ora ré - integrados no sector económico estadual não era aplicável o regime regra de tutela das empresas públicas constante do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, mas sim o regime
ínsito no Decreto-Lei nº 729-F/75, de 22 de Dezembro, com a única excepção da aplicação do nº 2 do artº 49º daquele primeiro diploma, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 353-A/77, de 29 de Agosto;
- não estando a banca nacionalizada sujeita a qualquer forma de tutela administrativa, exercendo-se o controle estadual sobre ela tão só de forma indirecta ou mediata, a deliberação que concedeu a atribuição de subsídios era imediatamente eficaz, por não carecer de qualquer aprovação por parte do Governo;
- daí que o despacho proferido pelo Secretário de Estado do Tesouro não pudesse ter a virtualidade de servir como fundamento da deliberação da ré de 19 de Janeiro de 1983, através da qual suspendeu a sua anterior deliberação de 5 daqueles mês e ano;
- sendo válida e eficaz a mencionada deliberação de 5 de Janeiro, a ulterior suspensão veio a constituir uma diminuição de retribuição proibida por lei, pelo que eram devidos os subsídios atribuídos por aquela deliberação.
Do assim decidido apelou a ré para o Tribunal da Relação do Porto.
Na «contra-alegação» produzida, o então recorrido A, inter alia, referiu que:-
- ainda que porventura e 'em resultado de uma interpretação absurda' se viesse a defender que a alínea g) do nº 2 do artº 13º do D.L. nº 260/76 era aplicável às instituições de crédito, o que era certo é que essa norma 'não seria de aplicar ao caso em análise', já que se tratava de uma norma que, para se tornar exequível, necessitaria da 'mediação concretizadora do legislador', por isso que só através da aprovação dos estatutos de cada uma dessas empresas poderia o Governo estabelecer, de entre os actos da lista constantes daquela alínea g), quais os que ficariam sujeitos a controlo a priori e quais os que ficariam sujeitos a controlo a posteriori;
sendo assim, nenhuma outra entidade, designadamente um tribunal, poderia, substituindo-se ao legislador, fixar casuisticamente a lista dos actos e a forma ou o tipo de controlo a que cada acto ficaria sujeito, sob pena de, interpretando-se desse modo aquela norma, padecer ela de inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes.
2. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 6 de Fevereiro de 1995, concedeu provimento ao recurso da ré, absolvendo-a do pedido.
Nesse aresto pode ler-se, em dado passo:-
'..................................................
Previa-se no D.L. 132-A/75, de 14 de Março, - diploma que procedeu à nacionalização das instituições de crédito -, que a orgânica da gestão e fis calização destas seria estab[e]lecida em legislação a publicar, donde o aparecimento do já referido D. L. 729-F/75, de 22 de Dezembro, em cujo artigo 2º se consigna serem aquelas instituições pessoas co- lectivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira, com a natureza de em preasa públicas.
Deste modo, e atendendo ao que também se dispõe no seu artº 14º, nº
1, (-o conselho de gestão tem os poderes necessários à prossecução dos fins da instituição respectiva, designadamente com o objectivo de assegurar a gestão e o desenvolvi- mento da empresa, a administração do seu património, incluindo a aquisição e alienação de bens-), pareceria que nada haveria a objectar à validade da atribuição do subsídio. Acontece, entretanto, que no também já referido D.L. 260/76, de 8 de Abril, que veio estab[e]lecer as bases gerais das empresas públicas, se estatui, «artº 13º», que o estatuto do pessoal, designadamente no que respeita à fixação de remunerações, está dependente de autorização ou aprovação do Ministro da Tutela, «nº 2, g)», e que nesta matéria
é também necessária a autorização ou aprovação do Ministro do Trabalho. «nº 4».
Por este diploma ficou, pois, para as empresas públicas, - e as empresas nacionalizadas são-no também, e, portanto, sujeitas ao regime aí consa- grado, «artº 1º, nº 2» -, estab[e]lecida a tutela administrativa (económica e financeira), a qual como é sabido, pode revestir duas formas: a prática do acto exige a prévia autorização do órgão tutelar, ('a priori'); existe competência para praticar o acto, carecendo este, porém, de aprova- ção daquele órgão, ('a posteriori').
Estaria a R., empresa pública por nacionalização, submetida a essa tutela, como sustenta, ou a tutela instituida pelo D.L. 260/76 não é aplicável à banca?
Poderia pensar-se que, - embora através daquele D.L. tenha sido criado um corpo de normas definidoras do regime geral aplicável às empresas públicas, e as instituições de crédito sejam, nos termos já expressos, empresas públicas, como estas são reguladas por Bases Gerais próprias -, o regime-regra das empresas públicas não lhes diria respeito.
O diploma específico da banca nacionalizada, (o referido D.L.
729-F/75), lei especial, que pre- cedeu a lei geral, (o também já referido D.L.
260/ /76), que instituiu aquele regime-regra, prevalece- ria sobre este, uma vez que a lei geral não revogou de forma expressa a lei especial e não há revogação tácita, (artº 7º, nº 3, do C.C.).
E no artº 49º daquela lei geral estatui-se que 'as empresas públicas existentes, com excepção do Banco de Portugal e das instituições bancárias, pa- rabancárias e seguradoras, devem, no prazo de 120 dias, adaptar os respectivos estatutos aos princí- pios consagrados no presente diploma', «nº 1».
A verdade, contudo, é que, pelo D.L. nº 353-A/ /77, de 27 de Agosto, foi acrescentado um novo nú- mero a esse artº 49º, segundo o qual, «nº 2», 'as empresas públicas exceptuadas no número anterior ficam, porém, sujeitas aos princípios fixados no presente diploma'.
Se bem que utilizando uma técnica legislativa pouco comum e susceptível de deixar dúvidas de in- terpretação, não parece que a intenção do legisla- dor de 1977 tivesse sido outra que a de submeter todas as empresas públicas, sem excepção, aos princípios do regime para elas instituido, ainda que para algumas dessas empresas, como as institui- ções de crédito e seguradoras, existissem, criadas já, normas jurídicas a elas, especialmente, dirigi- das,
«D.L. 729-F/75, -banca-, e 72/76, -seguros-».
E, entre esses princípios está o da sujeição a tutela administrativa,
«artigos 12º a 14º», exercida de forma directa e imediata, quanto à fixação de remunerações, através dos Ministérios das Finanças e do Trabalho, intervenção tutelar plenamente justificada para prevenir a eventualida- de de ser assumida uma gestão descontrolada e isolada dos grandes objectivos da política económica e social. Mal se compreenderia, aliás, que estando todas as outras empresas públicas submetidas a essa tutela, a mesma tutela se não exercesse igualmente em relação aos bancos nacionalizados, já que a banca constitui um sector chave dessa política, e que a própria nacionalização não impusesse uma tutela mais actuante do que a exercida, indirecta- mente, por intermédio do Banco de Portugal.
A não serem esses os objectivos do legislador, esvasiada de conteúdo e alcance ficaria a nova dis- posição trazida pelo D.L. 353-A/77 ao D.L. 260/76.
E que aquela terá sido a intenção do novo «nº 2» do artº 49º, revela-o ainda a Resolução do Conselho de Ministros, publicada do D.R. de
9-V-80, que, não obstante não ser fonte imediata de direito, não perde a virtualidade de ajudar a interpretar o pensamento legislativo de 27-VIII-77.
Nessa resolução se estab[e]leceu deverem as empresas públicas, (sem que entre estas se fizesse qualquer distinção), para efeito de negociação colectiva, remeter cópias das propostas de celebração ou revisão, acompanhadas da respectiva fundamentação, apresentar os elementos necessários para a definição de parâmetros a que deve obedecer a negociação, parâmetros a definir pelo Ministro da Tutela, rigorosamente respeitados nessa negociação, em relação a todos os aumentos de encargos, e, «nº 7», não podem os Conselhos de Gerência proceder a aumentos genéricos de remunerações nas empresas públicas abrangidas por intrumento de regulamenta- ção colectiva, salvo através de novo instrumento. De notar que o sentido deste «nº 7» foi precisado, por via de interpretação autêntica, pela Resolução nº 35/93, publicada a 28 de Abril, e de acordo com a qual aquela disposição compreende tanto as remunerações previstas em intrumentos de regulamentação colectiva de trabalho como todas as demais atribui- ções patrimoniais realizadas pelas empresas públicas aos seus trabalhadores e a que deva ser reconhecida natureza retributiva.
Era, pois, necessária a aprovação dos Ministros das Finanças e do Trabalho para o Conselho de Gestão da R. atribuir o referido subsídio de valo- rização profissional, aprovação que se não mostra ter existido.
A deliberação de 5-I-83 não pode, consequentemente, ser considerada válida, não tendo, por isso, chegado a produzir os efeitos que se propunha atin- gir. - aumentar a retribuição dos trabalhadores-.
..................................................'
O agora recorrente ainda arguiu a nulidade deste acórdão, pretensão que, por aresto de 9 de Outubro de 1995, foi desatendida.
3. Inconformado, fez o A juntar aos autos requerimento do seguinte teor:
'..................................................
A, nos autos em referência que move contra o Banco B, tomando em consideração os acórdãos neles proferidos, respectivamente em 6.02.95 (decisão final) e 9.10.95 (indeferimento de nulidades), deles interpõe recurso para o Tribunal Constitucional (art. 70-1-b) da Lei 28/82 (15.11)) tendo por âmbito o apuramento da inconstitucionalidade do entendimento neles dado à norma constante do art. 13-2-g) do DL 260/74 (8.4), na redacção do DL 353-A/77 (29.8) e Res. CM
163/80 (9.5) que o recorrente reputa violador dos arts. 114 e 207 da CRP
(questão suscitada nos autos).
..................................................'
O recurso interposto por intermédio do transcrito requerimento foi admitido por despacho, datado de 30 de Outubro de 1995, proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto.
4. Porque o falado requerimento não obedecia à totalidade dos requisitos a que aludem os números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, foi, já neste Tribunal, dirigido ao recorrente o convite a que se reporta o nº 5 do mesmo artigo, solicitando-se que o mesmo, por entre o mais, indicasse 'qual a dimensão normativa que, em seu entender, reputou como inconstitucional', 'qual a interpretação acolhida pelo aresto recorrido que colide com aquela dimensão' e 'qual a peça processual onde suscitou aquela concreta questão de inconstitucio nalidade'.
Não obstante um tal convite, nenhuma resposta foi dada pelo recorrente.
5. Tem este Tribunal, nomeadamente por intermédio da sua
2ª Secção, realçado que, se o recorrente, mesmo após o convite a que refere o nº
5 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, não indicar todos os elementos a que se reportam os números 1 e 2 do mesmo artigo, ainda que eles sejam facilmente identificáveis nas peças processuais anteriormente apresentadas, não deverá este
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade conhecer do recurso
[cfr., por entre outros, os Acórdãos números 402/93 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 18 de Janeiro de 1994), 81/94 e exposição prévia do Relator, para a qual se remeteu (ainda inédito), e 156/94 (inédito)].
É que, como se afirmou no primeiro dos citados Acórdãos,
'a norma do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82 não impõe ao recorrente um mero dever de colaboração com o Tribunal: antes estabelece um requisito formal de conhecimento do recurso constitucional, que apenas pode ser apreciado em face das indicações fornecidas pelo recorrente, sendo que o mesmo recurso é delimitado por elas, salvo o disposto na parte final do artº 79.º-C da Lei do Tribunal Constitucional', acrescentando-se que '[p]or tal motivo é que a lei lhe dá uma oportunidade de suprir a falta dessa indicação, a convite do juiz (n.º 5 do artigo 75.º-A)', não dispensando, 'porém, tal indicação nem admite que o Tribunal oficiosamente possa suprir a sua falta'.
6. Perante o que se deixa dito, preconiza-se na presente exposição que, em face da circunstância de o ora recorrente não ter feito a indicação a que se referem os números 1 e 2 do citado artº 75º-A, muito embora lhe tivesse sido dirigido convite para tanto [e independentemente da questão de saber se na presente hipótese - caso o requerimento de interposição de recurso tivesse obedecido aos requisitos ínsitos naqueles números 1 e 2 - se deveria tomar conhecimento do objecto do recurso, e isto em face das razões aduzidas nos Acórdãos números 650/95, 651/95 e 691/95 (ainda inéditos), tirados em casos precisamente idênticos ao dos vertentes autos] -, se não tome conhecimento do recurso.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº
28/82.
Lisboa, 5 de Janeiro de 1996. Bravo Serra