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Proc. nº 121/93 ACÓRDÃO Nº 249/96
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, recurso contencioso de anulação do acto administrativo por que o Presidente da Comissão Instaladora da Administração Regional de Saúde do Porto a excluíra de concurso para admissão a estágio e ingresso na carreira técnica superior.
Porque a petição lhe foi liminarmente indeferida, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Apresentou, porém, o requerimento de interposição no terceiro dia seguinte ao termo do prazo legalmente fixado e a uma hora em que a Caixa Geral de Depósitos se achava já encerrada ao público. A recorrente pretendeu pagar de imediato a multa a que se refere o artigo 145º, nº
5, do Código de Processo Civil, e entregar o correspondente montante, em mão, na Secretaria Judicial. Mas a Secretaria não o recebeu, advertindo para que haveria de proceder a notificação para pagamento em dobro, nos termos do artigo 145º, nº
6, do Código de Processo Civil.
Perante tal recusa, a recorrente requereu ao juiz do Tribunal de Círculo o pagamento de multa simples. Mas, em despacho de 10 de Março de 1992, o requerimento foi indeferido, com as considerações de que 'o recebimento pelos funcionários de quaisquer importâncias é excepcional, só podendo verificar-se quando for urgente a prática do acto que dependa do depósito' e que 'não é de considerar urgente a apresentação de requerimento de interposição de recurso, uma vez que o interessado dispõe de um prazo bem razoável para o fazer'.
Do mesmo despacho foi depois interposto recurso de agravo para o Supremo Tribunal Administrativo. A recorrente suscitou, então, a questão de constitucionalidade do artigo 222º, nº 3, do Código das Custas Judiciais, na interpretação que não inclui nos casos urgentes que na previsão dessa norma se referem 'o acto de pagamento imediato da multa'
O Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 2 de Dezembro de
1992, negou provimento ao recurso. No essencial, afirmou o seguinte:
'Preceitua o nº 3 do art. 222º do CCJ, na redacção do DL 387-D/87, de 29 de Dezembro, que 'Exclusivamente no caso de ser urgente a prática de acto que dependa de depósito de quaisquer quantias e estar fechada a Caixa Geral de Depósitos, pode a secção de processos receber as importâncias devidas, lavrando cota com indicação do dia e hora do recebimento, e entregá-las ali no primeiro dia útil imediato com as respectivas guias. O funcionário que receba estas importâncias providencia, de acordo com o presidente do tribunal, sobre a sua guarda e é considerado, para todos os efeitos, depositário judicial das somas recebidas'.
Duas são, pois, as condições que a lei prescreve para que a secção de processos receba as quantias que deveriam ser depositadas, directamente, pelo interessado, na CGD:
- ser urgente a prática do acto que dependa de depósito de quantias; e
- estar fechada a CGD.
Ora, no caso vertente, se é certo que a CGD se encontrava fechada não o é menos que a interposição de recurso não é urgente.
Que não é urgente, no sentido de preclusão do correspondente direito, resulta do facto de tal acto poder ser praticado posteriormente, embora com multa em dobro, nos termos do nº 6 do art. 145º do CPC, ou ainda, como se escreve no acórdão deste STA, de 19 de Novembro de 1991, proferido no Processo nº 26914, por o interessado dispor de um prazo bem razoável para o fazer - 8 dias, mais três ou mais com multa simples ou em dobro, respectivamente.
Com efeito, actos urgentes são, por exemplo, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Abril de 1984, in BMJ, nº 336, pág. 370, citando o acórdão do mesmo tribunal de 1 de Julho de 1981, os arrestos, os arrolamentos, outros procedimentos cautelares, cauções de réus presos, etc., pois, como se acentua em tal aresto, o que tem de ser urgente é a prática do acto de que depende o pagamento, e não o próprio pagamento.
A não ser assim, 'todos os depósitos podiam ser feitos em mão, no
último dia do prazo, depois de estar fechada a Caixa, independentemente de ser urgente a prática do acto que deles dependem' (citados acórdãos).
Ou seja, por vontade do interessado, transformar-se-iam situações normais em excepcionais com todas as inconveniências daí decorrentes.
Consequentemente, porque o que por força de lei, tem de ser urgente
é a prática do acto de que depende o pagamento e não este, o disposto no nº 3 do art. 222º do CCJ não afronta os princípios da igualdade, de economia e equidade processual, ao contrário do que alega a recorrente'.
Deste acórdão vem agora interposto recurso de constitucionalidade, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. O objecto delimita-o a recorrente na norma do artigo 222º, nº 3, do Código das Custas Judiciais, com a interpretação que exclui 'in casu' o pagamento da multa nos termos do artigo 145º, nº 5, do Código de Processo Civil. Essa norma confronta-a com os artigos 13º, 16º e 20º, nº 1, da Constituição da República, e o artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
II - A fundamentação
No Código das Custas Judiciais, o artigo 222º, a abrir o Capítulo II
('Depósitos, pagamentos e verificação da tesouraria'), dispõe assim:
Artigo 222º
(Guias para depósitos ou pagamentos)
'1 - Logo que comece a correr qualquer prazo para depósito de preparos ou pagamento de custas ou multas, a secção do processo passa guias para estes depósitos ou pagamentos na Caixa Geral de Depósitos, lavrando termo, e delas faz entrega às partes, seus representantes ou mandatários, quando se apresentarem a recebê-las; havendo lugar a notificação para o depósito ou pagamento, se a notificação tiver lugar na área da comarca, a secção do processo juntará as guias, a fim de serem entregues ao notificando no acto da notificação, começando o prazo a correr da data em que esta foi feita.
2 - ...
3 - Exclusivamente no caso de ser urgente a prática de acto que dependa de depósito de quaisquer quantias e estar fechada a Caixa Geral de Depósitos, pode a secção do processo receber as importâncias devidas, lavrando cota com indicação do dia e hora do recebimento, e entregá-las ali no primeiro dia útil imediato com as respectivas guias; o funcionário que receba estas importâncias providencia, de acordo com o presidente do tribunal, sobre a sua guarda e é considerado, para todos os efeitos, depositário judicial das somas recebidas'.
Esta norma do nº 3, que aqui constitui o objecto do recurso, determina que apenas nos casos urgentes de acesso ao Tribunal é admitido o pagamento na Secretaria Judicial de preparos, custas ou multas.
O asseguramento assim, da realização inadiável dos actos judiciais,
é também o asseguramento do sentido útil desses mesmos actos. A norma está a garantir a própria função do tribunal, construindo uma solução urgente ali onde se requer uma tutela também urgente.
Como se afirmou no acórdão nº 307/94, D.R., II Série, de 29-8-1994 - e no controlo desta mesma norma -, 'o artigo 222º, nº 3, do Código das Custas Judiciais contém uma norma excepcional que visa assegurar na prática o direito à justiça em tempo útil, permitindo que, nos casos de actos processuais urgentes dependentes do depósito de quaisquer quantias, não seja necessário esperar pela abertura da Caixa Geral de Depósitos: os interessados praticam logo o acto, satisfazendo o pagamento ao próprio funcionário. (...) 'A possibilidade de a secção do processo receber as importâncias de cujo depósito depende a prática de um acto processual, quando se encontra fechada a Caixa Geral de Depósitos, somente se justifica para apressar a realização desse acto, no período compreendido entre as 15 horas (hora do fecho da Caixa Geral de Depósitos) e as
17 horas (hora do encerramento das secretarias judiciais), por a sua realização no dia seguinte ser susceptível de causar danos irreparáveis ou reflectir-se na liberdade do interessado'. (...) actos urgentes são somente os que visam evitar lesões graves e dificilmente reparáveis ou os que se destinam a manter ou restituir a liberdade, como os arrestos, arrolamentos, outros procedimentos cautelares e cauções de réus presos. (...) Esta interpretação da norma do artigo
222º, nº 3, do Código das Custas Judiciais - que é a que mais se harmoniza com a finalidade do legislador (realizar na prática o direito de acesso à justiça) - nada tem de inconstitucional'.
Devolvendo-nos, de novo, à situação em apreço, é de sublinhar que a norma, ao contrário do que aduz o recorrente, não está contra a Constituição a devolver o pagamento da multa dos termos do artigo 145º, nº 5, para os termos do artigo 145º, nº 6, do Código de Processo Civil [multa em dobro implicada numa prorrogação de mais três dias]. Ela não opera nenhuma forma de distinção arbitrária entre quem paga, pois não é em si dirigida unilateralmente ao facto pagamento, mas à conexão que o pagamento tem com a prática urgente do acto judicial em causa. Daí a sua conformidade à Constituição.
III - Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 222º, nº 3, do Código das Custas Judiciais, interpretada no sentido de que, entre os actos urgentes nela previstos, se não inclui o requerimento de recurso contencioso que se oferece no terceiro dias subsequente ao termo do prazo, nem o acto de pagamento de multa que lhe vai ligado.
b) Em consequência, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 29 de Fevereiro de 1996
Ass) Maria da Assunção Esteves Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Dinis Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa