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Processo n.º 227/2012
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, veio reclamar para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do despacho proferido no Supremo Tribunal de Justiça que não lhe admitiu o recurso interposto de acórdão aí prolatado para o Tribunal Constitucional.
2. A reclamação encontra-se abonada nos seguintes fundamentos:
“(...)
1. O sindicado despacho de 8.2.2012, é manifestamente ilegal, e não pode deixar de ser revogado. Com efeito,
1) foi proferido por entidade administrativa e que, por isso, carece de competência legal para o efeito;
2) foi proferido num «traslado» contra expressa disposição legal, pois que o recurso para o Tribunal Constitucional só pode subir nos próprios autos em que foi arguida a inconstitucionalidade normativa, e proferida a decisão que fez aplicação da norma arguida de inconstitucionalidade (cf. artigo 78º, nº 4, da L TC);
3) viola ostensivamente o disposto no artigo 75º-A, nºs 1 e 2, da LTC.
2. Apesar da ostensividade da violação das normas do artigo 75º-A, nºs 1 e 2, da LTC, pelo sindicado despacho de 8.2.2012, o Reclamante diz:
1) a norma do artigo 75º-A, nº 1, da LTC, exige, apenas, que o requerimento de interposição do recurso indique a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie;
2) a norma do artigo 75º-A, nº 2, da LTC, exige, apenas, que do requerimento de interposição do recurso conste a norma ou princípio constitucional que se considera violado, e a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade;
3) nenhuma dessas normas exige que seja identificada a peça processual em que foi feita aplicação da norma arguida de inconstitucionalidade, depois de haverem sido identificadas as decisões recorridas; ora,
4) o sindicado despacho de 8.2.2012 fundamenta-se em o recorrente «não indicar, de forma clara, relativamente a cada uma das decisões impugnadas, discriminadamente,» «os elementos que se alude em a) e b) do nº 1 do despacho de 29.l2.2011»; e
5) o despacho de 29.12.2011 a que se reporta o despacho de 8.2.2012, é também ostensivamente ilegal por exigir que o requerimento de interposição do recurso indique, «de forma clara, relativamente a cada uma das supracitadas decisões impugnadas, discriminadamente,» a norma cuja inconstitucionalidade nela aplicada, pretende que o Tribunal aprecie, sendo óbvio que a discriminação das decisões impugnadas se encontra feita no requerimento de interposição do recurso, de 9.12.2011, designadamente no seu nº 4, alíneas 1) a 6).
3. Tudo quanto o artigo 75º-A, nºs 1 e 2, da LTC, exige, encontra-se cumprido no requerimento de 9.12.2011, e foi corroborado pelo requerimento de 13.02.2012.
4. Os despachos de 8.2.2012 e 29.12.2011 constituem eloquente expressão da inconstitucionalidade da norma do artigo 688º, nº 1, do CPC, na redação de que o seu autor se prevaleceu para impedir o acesso ao direito e aos tribunais, constitucionalmente garantido.
5. O presente requerimento tem de ter vista do Ministério Público ex vi o disposto no artigo 77º, nº 2, da LTC. Caso, na vista, haja pronúncia, o Reclamante não pode deixar de ser dela notificado, antes de proferida decisão final. De outro modo, aquela norma é inconstitucional por infringir o disposto no artigo 20º, nº 4 (processo equitativo), da Constituição, conforme anteriores decisões desse Tribunal, de conhecimento oficioso.”
3. Notificado do teor dessa reclamação, o representante do Ministério Público pronunciou-se pelo seu indeferimento.
4. Dos autos e com interesse para a decisão da reclamação, colhem-se ainda os seguintes elementos:
4.1. O reclamante, notificado do despacho de 22 de novembro de 2011, proferido pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, interpôs, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:
“(...)
1. O recurso é interposto de despachos proferidos no processo acima referenciado, e só nele pode ser apreciado. Com efeito,
1) um traslado mandado organizar por despacho nele proferido em 07.11.2011, mediante invocação do artigo 720º do CPC, é juridicamente inexistente por ser inconstitucional a norma dele extraída;
2) os recursos interpostos de decisões proferidas num processo só podem subir nos próprios autos ex vi o artigo 78º da LTC;
3) além de legalmente proibido, é materialmente impossível apreciar um recurso num traslado que nem sequer contém todas as peças relevantes para a sua apreciação.
• Pelo que, impõe-se ordenar à Relação de Lisboa a devolução dos autos que lhe foram indevidamente remetidos em 09.11.201l.
2. Sublinhando a ilicitude do despacho de 07.11.2011, o Recorrente reitera o teor do requerimento de 18.11.2011, especialmente do seu nº 8, parte final, e diz:
1) a reclamação foi deduzida contra o despacho do Exmo. Relator na Relação, que não admitiu o recurso interposto por requerimento de 27.05.2010 (data do registo postal);
2) esse recurso foi interposto do acórdão da Relação, de 18.05.2010, apenas por haver condenado os Recorrentes em «custas do incidente» - que é inexistente!
3) o direito ao recurso encontra-se consagrado nos artigos 678º, nº 4, e 754º, nº 1, do CPC;
4) com o requerimento de interposição do recurso (27.5.2010), logo foram identificados os acórdãos das Relações de Lisboa e Coimbra com os quais o acórdão recorrido, de 18.05.20 I O, se encontra em contradição;
5) o despacho de 07.11.2011 nem sequer ordenou a extração de certidão dessas peças processuais, apesar de a inconstitucionalidade das normas aplicadas no despacho de 18.10.2010, a fls. 121, logo haver sido arguida no requerimento de 06.12.2010, a fls. 155 a 159.
• Pelo que, o despacho de 07.11.2011 proferido mediante invocação de norma inconstitucional, não pode constituir obstáculo à legal tramitação do recurso de constitucional idade.
3. Aliás, todos os despachos proferidos nos autos relevam para efeito do recurso de constitucional idade em virtude de a norma de competência neles aplicada – a do artigo 688º, nº 1, do CPC, com delegação de poderes – ser inconstitucional conforme referido no requerimento de 18.11.2011.
4. Os despachos recorridos são os de:
1) 18.10.2010, a fls. 121, ao qual se seguiu processado estranho ao objeto do recurso, suscitado pelos Reclamados, em 21.12.2010 a fls. 166 e ss, mediante o uso de falsificação de documentos para ofender o mandatário do ora
Recorrente;
2) 27.06.2010, a fls. 414 a 420, que tem por objeto o requerimento de 06.12.2010, a fls. 155 a 159;
3) 15.09.2011, a fls. 449, que tem por objeto o requerimento de 07.07.2011 (data do registo postal), a fls. 432 e 433, parte 11;
4) 20.10.2011, a fls. 469, em que é negada a reforma do despacho de 15.09.2011, pedida no requerimento de 29.09.2011, a fls. 458;
5) 07.11.2011, a fls. 491, dito referido ao requerimento de 03.11.2011, a fls. 479 a 483 – que não é dos Reclamantes – e em que estes foram prejudicados com a aplicação da norma do artigo 720º do CPC;
6) 22.11.2011, tendo por objeto o requerimento de 18.11.2011, e que foi prolatado quando o despacho que dele é objeto já se encontrava na 1ª instância, depois de haver descido à Relação – factos que aqui se sublinham para evidenciar a inconstitucionalidade da norma do artigo 688º, nº 1, do CPC, ao abrigo da qual foram praticados.
5. Apesar de não serem objeto do recurso, relevam para apreciar da inconstitucionalidade da norma de competência do artigo 688º, nº 1, do CPC, os factos seguintes:
1) o despacho de 13.04.2011, a fls. 336, que manda ficar nos autos os documentos apresentados pelos Reclamados, juntos a fls. 166 e ss, já depois de haver sido pedido o seu desentranhamento dos autos, por requerimento de 24.01.2011, a fls. 253 e 254, e de haver sido apresentada queixa e denúncia crime em 28.02.2011 (cf. fls. 273 a 284);
2) o despacho de 20.05.2011, a fls. 396, impugnado por requerimento do mandatário, de 01.06.2011, a fls. 403 a 410;
3) o despacho de 27.06.2011, parte I, a fls. 414, por conter participação ao Exmo. PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA;
4) o despacho de 12.07.2011, a fls. 436, por conter participação ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto contra o mandatário dos Reclamantes, e recusa de remessa, a pedido dele, ao Exmo. PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, do seu requerimento de 07.07.2011, parte I, a fls. 432, pelas razões nele referidas;
5) o despacho de 11.11.2011, a fls. 75 e 76 do traslado, sobre o requerimento do mandatário, de 03.11.2011, apresentado nos autos da Reclamação;
6) o despacho de 22.11.2011, que recusa transmissão ao Exmo. PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA pedida pelo mandatário, por requerimento de 21.11.2011 dirigido aos autos da Reclamação.
5.1. Estes despachos consubstanciam impedimento ou suspeição oponíveis a julgador vinculado pelas garantias constitucionais e legais de independência e imparcialidade, com a consequente designação de outro julgador por via de distribuição aleatória do processo.
5.2. Tais garantias não puderam ser concretizadas por força do disposto no artigo 688º, nº 1, do CPC, ao designar, de forma irreversível, uma entidade com competências administrativas, para reapreciar uma decisão jurisdicional impugnada.
6. Normas aplicadas nos despachos recorridos, arguidas de inconstitucionalidade:
1) a do artigo 688º, nº 1, do CPC - norma de competência com delegação de poderes - por infringir o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente no seus artigos 2º, 20º, nºs 1 e 4, 202º, nº 1, e 203º, tendo a questão sido suscitada no requerimento de 18.11.2011, nº 9;
2) a do artigo 16º do CCJ aprovado pelo Dec. Lei nº 224-A/96, de 26.11, com a redação do Dec. Lei nº 324/2003, de 27.12., revogados pelo Dec. Lei nº 34/2008, de 26.2, artigos 25º, nº 2, alínea a), e 26º, desde 20.4.2009, por infringir o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º, 112º, nº 1, e 203º, tendo a questão sido suscitada no requerimento de 11.6.2010;
3) a do artigo 678º, nº 1, do CPC, por infringir o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º e 20º, nºs 1 e 4, 21º e 202º, nº 2, tendo a questão sido suscitada no requerimento de 6.12.2010, a fls. 158, nº 16;
4) as dos artigos 447º-B, alínea a), do CPC, e 10º do RCP, por infringirem o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º, 20º, nº 4, 32º, nº 10, e 202º, nº 2, tendo a questão sido suscitada nos requerimentos de 6.12.2010, a fls. 156, nº 17 a 19, e 18.11.20 11, nº 7;
5) as do artigo 720º do CPC, por infringirem o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º, 20º, nºs 1 e 4, 202º, nº 2, e 203º, tendo a questão sido suscitada no requerimento de 18.11.20 11, nº 5.
7. O presente recurso só pode subir nos próprios autos da Reclamação, e obriga à prolacção de decisão sobre todos os requerimentos pendentes, conforme recordado no requerimento de 18.11.20 11, nº 8, e com efeito suspensivo das decisões recorridas (cf. artigo 78º, nº 4, da L TC).
4.2. Perante tal requerimento, o mesmo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, considerando que o recorrente não observara “como se impunha, com rigor, o exarado no art.º 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da LTC”, proferiu o seguinte despacho:
“(...) com arrimo no art.º 75.º-A, n.º 5, do predito diploma legal, convido o recorrente a, no prazo de 10 dias, indicar os seguintes elementos, de forma clara, relativamente a cada uma das supracitadas decisões impugnadas, discriminadamente, pois, sob pena de indeferimento do requerimento de interposição de recurso para o TC (art.º 76.° n.º 2 da LTC):
a) Norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie.
b) Norma ou princípio constitucional que considera violado, bem como peça processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade”.
4.3. Em resposta a esse despacho, o ora reclamante apresentou o seguinte requerimento:
“(...)
I.
1. Reitera o entendimento expresso no nº 1 do seu requerimento de 9.12.2011, bem como o pedido do seu n 7, quanto à pronúncia sobre todos os requerimentos pendentes, e à subida do recurso nos próprios autos e com efeito suspensivo das decisões recorridas.
2. Atento o disposto nos artigos 266°, nº 1, e 667º, nº 1, do CPC, argui inexatidão do despacho de 29.12.2011, nº 2, ao referir ter já sido extraído traslado de todo o processado até à prolação do despacho de 7.11.2011, por ser incongruente com teor da alínea c) do nº 2 deste último.
3. E ainda que tivesse havido decisão complementar – que o Recorrente desconhece – mantinha-se a proibição legal de processar o recurso num «separado», cominada também no artigo 137º do CPC.
4. A decisão do nº 2 do despacho de 29.12.2011 é mais uma expressão da inconstitucionalidade da norma do artigo 688º, nº 1, do CPC, com o sentido aplicado nos autos: aplicação de critérios administrativos de conveniência e oportunidade, e não de estrita jurisdicidade.
II
5. Quanto à exigência constante do nº 1 do despacho de 29.12.2011, reproduz-se, antes de mais, o teor do nº 6 do requerimento de 9.12.2011, por se afigurar não ter sido considerado: ''Normas aplicadas nos despachos recorridos, arguidas de inconstitucionalidade:
1) a do artigo 688º, nº 1, do CPC - norma de competência com delegação de poderes - por infringir o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º, 20º, nºs 1 e 4, 202º, nº 1, e 203º, tendo a questão sido suscitada no requerimento de 18.11.2011, nº 9;
2) a do artigo 16º do CCJ aprovado pelo Dec. Lei nº 224-A/96, de 26.11, com a redação do Dec. Lei nº 324/2003, de 27.12., revogados pelo Dec. Lei nº 34/2008, de 26.2, artigos 25º, nº 2, alínea a), e 26º, desde 20.4.2009, por infringir o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º, 112º, nº 1, e 203º, tendo a questão sido suscitada no requerimento de 11.6.2010;
3) a do artigo 678º, nº 1, do CPC, por infringir o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º e 20º, nºs 1 e 4, 21º e 202º, nº 2, tendo a questão sido suscitada no requerimento de 6.12.2010, a fls. 158, nº 16;
4) as dos artigos 447º-B, alínea a), do CPC, e 10º do RCP, por infringirem o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º, 20º, nº 4, 32º, nº 10, e 202º, nº 2, tendo a questão sido suscitada nos requerimentos de 6.12.2010, a fls. 156, nº 17 a 19, e 18.11.2011, nº 7;
5) as do artigo 720º do CPC, por infringirem o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos 2º, 20º, nºs 1 e 4, 202º, nº 2, e 203º, tendo a questão sido suscitada no requerimento de 18.11.2011, nº 5.
6. Sobre a questão do «rigor» – dito não observado – afigura-se que também essa interpretação das normas do artigo 75º-A, nºs 1 e 2, da LTC, expressa a arguida inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 688º, nº 1, do CPC: critérios decisórios administrativos de conveniência e oportunidade em detrimento de estrita jurisdicidade. Com efeito, a Constituição confere, no seu artigo 280º, nº 1, alínea b), o direito ao recurso das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. O direito ao recurso de constitucionalidade é um direito fundamental cujo exercício tem de ser respeitado nos termos do artigo 18º da Constituição. Qualquer norma que restrinja o direito ao recurso de constitucionalidade, mediante critérios subjetivos de «rigor», infringe o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, designadamente os dos seus invocados artigos 18º e 280º.
7. Em conformidade com a garantia constitucional do direito ao recurso de constitucionalidade, o modo como o texto acima reproduzido cumpriu o disposto no artigo 75º-A, nºs 1 e 2, da LTC, satisfaz o nele estatuído desde que interpretado em conformidade com o sentido amplo do artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição.
8. Por outro lado, os tribunais encontram-se vinculados ao conhecimento oficioso da desconformidade das normas legais que apliquem nos feitos submetidos a julgamento, ex vi o disposto no artigo 204º da Constituição.
III
Sem prejuízo do acima alegado, quanto ao cumprimento do disposto no artigo 75º-A, nºs 1 e 2, da LTC, mas em ordem a satisfazer também o despacho de 29.12.2011, o Recorrente sempre dirá:
9. Sobre a norma do artigo 688º, nº 1, do CPC:
1) a sua inconstitucionalidade encontra-se reconhecida na Lei nº 6/2007, de 2 de fevereiro, artigo 2º, nº 1, alínea b), ao estabelecer que a reclamação do despacho que não admite o recurso compete ao relatar nos termos gerais; e o Dec. Lei nº 303/2007, de 24 de agosto concretizou tal determinação;
2) tanto quanto se sabe, as reclamações apresentadas em processos a que se aplica o CPC, na redação anterior àquele DL, passaram a ser, no STJ, objeto de distribuição nos termos gerais; foi nessa expectativa que foi apresentado o requerimento de 11.6.2010;
3) a Constituição só prevê a impugnação de decisões dos tribunais inferiores para os tribunais superiores por via de recurso: as «reclamações» são estranhas ao texto constitucional;
4) a Constituição proíbe mesmo as «reclamações» para órgãos singulares ao estabelecer que os tribunais superiores se organizam por secções - órgãos colegiais detentores do poder jurisdicional mesmo quando a lei ordinária permite que o relator possa decidir certas matérias individualmente, ressalvando sempre a reclamação para a conferência;
5) a Constituição proíbe a reapreciação de decisões jurisdicionais de tribunais inferiores por órgãos singulares não sujeitos a normas de impedimento, e subtraídos a normas de escusa e suspeição;
6) a Constituição proíbe a reapreciação de decisões jurisdicionais de tribunais inferiores designados pelo Conselho Superior da Magistratura, por órgãos singulares designados por eleição dos seus pares ou por delegação de poderes (provimento) em tribunais superiores;
7) a Constituição proíbe a reapreciação de decisões jurisdicionais de tribunais inferiores, segundo critérios administrativos de conveniência e oportunidade de entidades superiores, ao consignar que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
8) conforme dito no texto acima reproduzido, todos estes princípios se encontram consignados nos artigos 2º, 20º, nºs 1 e 4, 202º, nº 1, e 203º da Constituição, sem prejuízo de, nas subsequentes alegações, se poderem referir outros preceitos constitucionais pertinentes;
9) o conhecimento oficioso das normas e princípios constitucionais acima indicados é imposto pelo artigo 204º da Constituição, bem como a sua violação pela norma do artigo 688º, nº 1, do CPC, mas ele foi suscitado no requerimento de 18.11.2011, nº 9, conforme referido no requerimento de 9.12.2011.
10. Sobre a norma do artigo 16° do revogado CCJ;
1) a mera invocação de que se encontra revogada, e considerando o disposto nos artigos 203º e 204º da Constituição, é bastante para indicar as normas ou princípios constitucionais violados; mas,
2) a indicação do artigo 2º da Constituição é bastante para indicar a norma e o princípio constitucional violados, pois num Estado de direito democrático só a lei vigente pode ser conforme à Constituição: a lei revogada podia sê-lo antes de revogada, mas, depois de o ser, o seu sentido já não é conforme à garantia constitucional de que os tribunais estão apenas sujeitos à lei;
3) a indicação do artigo 112º, nº 1, da Constituição é bastante para indicar a norma e o princípio constitucional violados, pois só a lei vigente mantém a qualidade de ato normativo e assegura o princípio da obediência à lei;
4) o conhecimento oficioso das normas e princípios constitucionais acima indicados é imposto pelo artigo 204º da Constituição, mas ele foi suscitado no requerimento de 11.6.2010, nºs 4 a 10, conforme referido no requerimento de 9.12.2011.
11. Sobre a norma do artigo 678º, nº 1, do CPC:
1) conforme indicado no requerimento de 9.12.2011, a norma concretamente arguida de inconstitucionalidade é a referida no nº 16 do requerimento de 6.12.2010, com o sentido de excluir o disposto nos artigos 678º, nº 4, e 754º, nº 2, 2ª parte, do mesmo código, aplicáveis ao caso, conforme referido no nº 15 do dito requerimento;
2) as normas e os princípios constitucionais violados são, conforme indicado naquele requerimento de 9.12.2011, os dos artigos 2º, 20º, nºs 1 e 4, 21º e 202º, nº 2, da Constituição, sendo que, o
3) 2º assegura a confiança no sentido jurídico dos preceitos legais já consagrado, e a segurança jurídica;
4) 20º, nº 1, assegura o acesso ao direito e aos tribunais;
5) 20º, nº 4, garante o processo equitativo;
6) 21º, confere o direito de resistência a qualquer ordem que ofenda os direitos, liberdades e garantias, quando dela não seja admitido recurso;
7) 202º, nº 2, incumbe os tribunais de, na administração da justiça, assegurarem os direitos e interesses legalmente protegidos.
12. Sobre as normas dos artigos 447º-B, alínea a), do CPC, e 10º do RCP:
1) as normas e princípios constitucionais violados são os indicados no nº 19 do requerimento de 6.12.2010, isto é, o dos artigos 20º, nº 4 (processo equitativo) e 32º, nº 10 (direito à audiência prévia e à defesa) da Constituição, e reiterados no nº 7 do requerimento de 18.11.20 11, sendo que,
2) tais normas e princípios integram o princípio do Estado de direito democrático consagrado no seu artigo 2º.
13. Sobre as normas do artigo 720º do CPC:
1) o seu concreto sentido encontra-se plasmado no despacho de 7.11.20 11;
2) as normas e os princípios constitucionais violados são os indicados no nº 5 do requerimento de 18.11.2011, cujo teor se pede seja aqui havido por reproduzido”.
4.4. Por despacho de 8 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso de constitucionalidade, invocando os seguintes fundamentos:
“(...)
“A., tendo interposto recurso, a 09-12-2011, para o Tribunal Constitucional, de seis despachos, referidos em 1, da nossa decisão de 29-12-2011, convidado, com arrimo no art. 75º-A, nº 5, da LTC, a, no prazo de 10 dias, indicar, de forma clara, relativamente a cada uma das decisões impugnadas, discriminadamente, pois, sobe pena de indeferimento do requerimento de interposição de recurso para o TC (art. 76º, nº 2 da LTC), os elementos a que se alude em a) e b) do nº 1 do despacho de 29-12-2011, não o fez de forma cabal, longe disso, como flui de fls. 622 a 626.
Destarte, sopesado o plasmado no art. 76º, nº 2 da LTC, indefiro o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional dos supracitados despachos.”
Cumpre agora julgar.
II. Fundamentação
5. Sopesando o relatado face aos critérios legais pertinentes para aferir da admissibilidade do recurso de constitucionalidade, afigura-se que a presente reclamação não procede.
Como resulta dos fundamentos da decisão reclamada, que se deixaram transcritos, o recurso de constitucionalidade não foi admitido porque o recorrente não indicou de forma individualizada e discriminada, por referência a cada um dos seis despachos recorridos (datados de18-10-2010, 27-06-2010, 15-09-2011, 20-10-2011, 07-11-2011 e 22-11-2011) quais as normas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciadas, os parâmetros constitucionais violados e a peça processual em que a questão fora suscitada.
Tal entendimento não merece qualquer censura.
Em primeiro lugar, cumpre começar por referir que o cumprimento dos requisitos formais associados à interposição de recurso de constitucionalidade constitui uma exigência fulcral para que, atento o objeto desse recurso, seja sindicada a verificação dos requisitos de que a LTC faz depender o seu conhecimento. Trata-se de uma exigência formal, é certo, mas ainda assim determinante para que o Tribunal recorrido, em primeiro lugar, e este Tribunal Constitucional, depois, possam decidir sobre a sua admissibilidade e sobre o conhecimento do seu objeto, respetivamente.
Havendo uma pluralidade de decisões recorridas, como sucede no caso dos autos, é manifesto que as indicações exigidas pelo artigo 75.º-A, da LTC, não podem deixar de ser cumpridas de forma individualizada, ou seja, por referência a cada uma dessas decisões, pois só dessa forma será possível decidir criteriosamente se cada uma das decisões impugnadas é recorrível para o Tribunal Constitucional.
Nessa ótica, as exigências constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 75.º-A, da LTC, não podem deixar de ser efetuadas de forma discriminada e individualizada perante cada uma das decisões de que se recorre, uma vez que estas, apesar de incluídas no mesmo requerimento, corporizam decisões autónomas, quer para efeitos de verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso, quer, após esse momento, para efeitos da decisão que incidirá sobre os respetivos objetos.
Ora, os termos do despacho-convite, efetuado nos termos conjugados do disposto nos artigos 76.º, n.º 2, e 75.º-A, n.º 5, não deixam sequer margem para dúvida quanto à necessidade do recorrente observar, nos termos expostos, o cumprimento das exigências previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 75.º-A, da LTC.
Em segundo lugar, é manifesta, também, a improcedência do alegado quanto à ilegalidade do despacho reclamado, por ter sido proferido por “entidade administrativa” sem competência legal para o efeito.
Nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 76.º, da LTC, cabe ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, devendo o mesmo ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75.º-A, mesmo após o suprimento previsto no n.º 5 desta norma. Perante tais disposições, improcede também o alegado, sendo certo que a decisão reclamada foi proferida, como devia ter sido, no Tribunal ao qual foi dirigido o requerimento de interposição.
Improcedente é também a alegada violação do disposto no artigo 78.º, n.º 4, da LTC, norma essa que se refere ao efeito e regime de subida de recursos de constitucionalidade admitidos e não às reclamações dirigidas contra os despachos que os não admitiram, além de que, independentemente dessa realidade, a reclamação subiu nos próprios autos e encontrava-se instruída com todos os elementos necessários para a sua decisão.
Por fim, o reclamante invoca ainda que deve ser notificado do teor da “pronúncia” do Ministério Público, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, da LTC, sob pena de inconstitucionalidade por violação do direito a um processo equitativo.
Tal invocação não procede nos casos, como o dos autos, em que o decidido se conforma absolutamente dentro dos limites do alegado na reclamação e se cinge aos fundamentos da decisão reclamada aí discutidos.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 UC.
Lisboa, 9 de maio de 2012. – J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.