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Proc. nº 103/93
1ª Secção (Plenário)
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I
Relatório
1. M... e outros propuseram, no Tribunal do Trabalho de
Lisboa, uma acção emergente de contrato individual de trabalho contra a CNN -
Companhia Nacional de Navegação, E.P., em Liquidação, e o Estado Português,
pedindo, designadamente, o reconhecimento de créditos por eles invocados (que
não haviam sido reconhecidos pela comissão liquidatária da primeira ré),
decorrentes da extinção dessa empresa pública determinada pelo Decreto-Lei nº
138/85, de 3 de Maio, e a condenação dos réus no pagamento das respectivas
quantias.
2. Por decisão de 9 de Novembro de 1989, julgou-se
verificada a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria,
absolvendo-se os réus da instância.
Para o efeito, fez-se aplicação do artigo 8º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 138/85, enquanto determina que os credores cujos créditos não
hajam sido reconhecidos pela comissão liquidatária podem recorrer ao tribunal
comum para fazer valer os seus direitos, tendo interpretado a expressão tribunal
comum como correspondente a tribunal cível.
3. Dessa decisão interpuseram os autores recurso para o
Tribunal da Relação de Lisboa. Sustentaram que a expressão tribunal comum
deveria ser interpretada como significando tribunal do trabalho e que o artigo
8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 138/85 seria organicamente inconstitucional, por
violação do artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição, quando interpretado
no sentido de identificar tribunal comum com tribunal cível.
Por acórdão de 30 de Maio de 1990, foi negado provimento
ao recurso, confirmando-se a decisão da 1ª instância.
4. Deste acórdão foi, por sua vez, interposto pelos
autores recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em que mantiveram a
argumentação expendida perante o tribunal recorrido.
Por acórdão de 30 de Janeiro de 1991, foi negado
provimento ao recurso, declarando-se como tribunal competente para conhecer da
causa, em razão da matéria, o Tribunal Cível de Lisboa.
Também aí se aplicou o artigo 8º, nº 1, do Decreto‑Lei
nº 138/85 na interpretação que os autores arguiram de inconstitucional.
5. Interpuseram então os autores recurso de
constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a fim de ser apreciada a
questão da constitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 8º do Decreto‑Lei nº
138/85, quando interpretada no sentido de identificar tribunal comum com
tribunal cível.
6. O Tribunal Constitucional, a fls. 275 a 290 dos
presentes autos, concedeu provimento ao recurso, através do Acórdão nº 271/92
(Diário da República, II, de 23 de Novembro de 1992), que julgou
'inconstitucional - por violação da alínea q) do nº 1 do artigo 168º da
Constituição da República, na versão de 1982 - a norma do nº 1 do artigo 8º do
Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, interpretada no sentido de que os tribunais
comuns de que aí se fala são os tribunais cíveis, quando estejam em causa
créditos oriundos de relações laborais'.
Em consequência foi revogado o acórdão recorrido do
Supremo Tribunal de Justiça e determinada a sua reforma em conformidade com o
decidido sobre a questão de constitucionalidade.
7. Devolvido o processo ao Supremo Tribunal de Justiça,
veio a ser proferido, em 13 de Janeiro de 1993, um acórdão em que, não obstante
se dizer que 'tal decisão do Tribunal Constitucional faz caso julgado na
presente acção quanto à questão de inconstitucionalidade do aludido preceito' e
'por isso não pode este Supremo Tribunal aplicá‑lo', aquele tribunal decidiu que
o tribunal competente para conhecer da causa, em razão da matéria, era o
Tribunal Cível de Lisboa. Do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo
Tribunal Constitucional deduziu‑se que a questão de competência em razão da
matéria se deveria dirimir segundo o disposto no artigo 43º, nº 4, do
Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, que se entendeu não ter sido revogado pela
Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais). Esse
preceito, integrado no regime de liquidação de empresas públicas, atribuía
competência para conhecer pretensões dos credores aos 'tribunais comuns', que se
entendeu serem os tribunais de competência genérica ou os tribunais cíveis, onde
estes existissem.
Eis os trechos mais relevantes da respectiva
fundamentação:
'Cotejando (...) o nº 1 do citado artigo 8º [do Decreto-Lei nº
138/85], respeitante à verificação do passivo da ré e à graduação dos
respectivos créditos, com o nº 4 daquele artigo 43º [do Decreto-Lei nº 260/76,
de 8 de Abril], inserido no elenco dos princípios fundamentais a que devem
obedecer a extinção e liquidação das empresas públicas, verifica-se existir
entre eles uma total identidade de regimes, de modo a poder concluir-se ter
havido uma simples transposição para o primeiro dos princípios consagrados, em
termos genéricos, no segundo. (...)
Ora, a norma constante do nº 4 do artigo 43º do referido Decreto-Lei
nº 260/76 não pode deixar de qualificar-se como especial relativamente às
citadas Leis nºs 82/77 e 38/87 que, em termos genéricos, regulam a competência
dos tribunais; enquanto aquele artigo 43º, nº 4, determina o tribunal competente
para apreciar certa relação material, considerando a natureza própria desse tipo
de relações, estas Leis disciplinam genericamente a competência das diversas
ordens de tribunais dispostos horizontalmente. (...)
Apreciando as referidas Leis nºs 82/77 e 38/87, constata-se que
nelas não se vislumbra qualquer intenção revogatória do regime previsto sobre
competência dos tribunais na norma especial do nº 4 do citado artigo 43º e,
muito menos, qualquer intenção revogatória inequívoca. (...)
Daí que se conclua pela actual vigência da norma inserida no nº 4 do
referido artigo 43º, designadamente na parte em que atribui aos 'tribunais
comuns' competência para conhecer da pretensão deduzida pelos credores cujos
créditos não tenham sido reconhecidos pelos liquidatários e incluídos na relação
dos créditos reclamados, ou que não hajam sido graduados em conformidade com a
lei, qualquer que seja a fonte desses créditos, dado que a mesma não faz
qualquer distinção nesse sentido.
Acontece, porém, as mencionadas Leis nºs 82/77 e 38/87 deixaram de
fazer referência à dicotomia 'tribunal comum - tribunal especial'. Distingue-se
agora, nos tribunais judiciais de 1ª instância, consoante a matéria das causas
que lhes são atribuídas, entre tribunais de competência genérica e de
competência especializada, podendo ainda ser criados, em casos justificados,
tribunais com competência especializada mista (cfr. artigo 46º, nºs 1 e 2, da
citada Lei nº 38/87).
A competência-regra, anteriormente atribuída ao tribunal comum,
pertence agora ao tribunal de competência genérica, competindo também aos
tribunais cíveis, onde existam, como tribunais de competência especializada
preparar e julgar acções de natureza cível que não estejam atribuídas a outros
tribunais; em matéria cível, a competência dos tribunais cíveis é, portanto,
genérica (cfr. artigos 53º e 56º daquela Lei nº 38/87).
Assim, pode concluir-se que a competência para preparar e julgar as
causas, como aquela a que os autos se reportam, pertence actualmente ao tribunal
de competência genérica ou ao tribunal cível onde este exista. (...)'
8. É desta decisão que vem o presente recurso,
interposto pelos autores para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º,
nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
O requerimento de interposição de recurso é
fundamentado, designadamente, nas seguintes considerações:
'(...) O Tribunal Constitucional julgou 'inconstitucional, por
violação da alínea q) do nº 1 do art. 168º da Constituição, na versão de 1982, a
norma do nº 1 do art. 8º do Dec.-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, interpretada no
sentido de que os Tribunais Comuns de que aí se fala são os Tribunais Cíveis,
quando estejam em causa créditos oriundos de relações laborais'.
Em consequência concedeu provimento ao recurso e revogou o acórdão
recorrido, 'que deve ser reformado em conformidade com o aqui decidido sobre a
questão de inconstitucionalidade'. (...)
Este acórdão do Tribunal Constitucional fez caso julgado na presente
acção quanto à questão da inconstitucionalidade do aludido preceito (cfr. art.
80º nº 1 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. (...)
Reconhece o (...) Supremo Tribunal de Justiça que não pode aplicar o
nº 1 do art. 8º do Dec.-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, mas entendeu por bem
decidir de modo diverso o objecto do recurso. (...)
Pelo que respeita à competência em razão da matéria o (...) Supremo
Tribunal de Justiça entendeu aplicar agora o nº 4 do art. 43º do Dec.-Lei nº
260/76, de 8 de Abril, ao caso vertente, pondo de lado o nº 1 do art. 8º julgado
inconstitucional, reconhecendo muito embora que entre o nº 1 do citado art. 8º
respeitante à verificação do passivo da Ré e à graduação dos respectivos
créditos e o nº 4 do art. 43º do Dec.-Lei nº 260/76 inserido no elenco dos
princípios fundamentais a que devem obedecer a extinção e liquidação das
empresas públicas, existe uma 'total identidade de regimes, de modo a poder
concluir-se ter havido uma simples transposição para o primeiro dos princípios
consagrados, em termos genéricos, no segundo'. (...)
A fiscalização concreta actua sempre mediante recurso para o
Tribunal Constitucional de uma decisão anterior de outro Tribunal, decisão que
tenha versado expressa ou implicitamente a questão da inconsti-tucionalidade de
uma norma e que a tenha julgado ou não inconstitucional (...).
O direito anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se,
desde que não seja contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados -
preceitua o art. 294º da CRP. (...)
(...) a questão de saber se uma determinada norma de direito
anterior caducou ou não pressupõe um juízo de constitucionalidade material em
relação a normas posteriores à Constituição; só que, no caso de direito
anterior, o juízo de inconstitucionalidade significa que a norma não pode ser
aplicada por ter deixado de vigorar a partir de 25 de Abril, enquanto que, no
caso de direito posterior, a norma inconstitucional não pode ser aplicada por
ser inválida desde a origem (...). Todavia, independentemente das consequências,
a verdade é que se trata de actos de fiscalização de constitucionalidade (art.
277º e seguintes) [e] deve ter-se também por aplicável às normas anteriores à
Constituição, sendo recorríveis para o Tribunal Constitucional as decisões dos
Tribunais que decidam da sua conformidade com a Constituição (...)'.
Notificados os recorrentes já neste Tribunal, nos termos
do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para indicarem a peça
processual em que suscitaram a questão de constitucionalidade em causa e a norma
ou princípio constitucional reputados como violados, responderam ao respectivo
convite através de requerimento de que se destacam os seguintes excertos:
'(...) Nas suas alegações os Autores arguiram a
inconstitucionalidade do artigo 8º, nº 1, de tal diploma [o Decreto-Lei nº
138/85], no entendimento de que o Tribunal Comum é apenas o Tribunal Cível,
pelas razões que invoca nas alegações que produziu. (...)
Ao arguir a inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 8º do
Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, interpretado no sentido de que os Tribunais
Comuns de que aí se fala são os Tribunais Cíveis, quando estejam em causa
créditos oriundos das relações laborais, está ao menos implicitamente a arguir
também a inconstitucionalidade ou pelo menos a ilegalidade da norma contida no
nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, por força da
expressa revogação do sistema levada a efeito pela Lei nº 82/77, de 6 de
Dezembro. (...)
A revogação do sistema (organização e competência dos Tribunais)
atingiu necessariamente o nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76,
revogando-o nessa parte, tornando assim ilegal e até mesmo inconstitucional a
sua aplicação ao caso sub judice. (...)
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao aplicar ao caso sub
judice o nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, violou o
princípio consagrado na Constituição da República Portuguesa, na versão de 1982,
que reservou à Assembleia da República a competência para legislar sobre a
organização e competência dos Tribunais - conforme alínea q) do nº 1 do artigo
168º'.
9. Nas subsequentes alegações de recurso, os recorrentes
formularam, designadamente, as seguintes conclusões:
'(...) Ao arguir a inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 8º do
Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, interpretado no sentido de que os Tribunais
Comuns de que aí se fala são os Tribunais Cíveis, quando estejam em causa
créditos oriundos das relações laborais, estão ao menos implicitamente a arguir
também a inconstitucionalidade ou pelo menos a ilegalidade da norma contida no
nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, por força da
expressa revogação do sistema levada a efeito pela Lei nº 82/77, de 6 de
Dezembro. (...)
A revogação do sistema (organização e competência dos Tribunais)
atingiu necessariamente o nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260//76,
revogando-o nessa parte, tornando assim ilegal e até mesmo inconstitucional a
sua aplicação ao caso sub judice. (...)
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1993,
proferido no Agravo nº 2912 da 4ª Secção, ao aplicar ao caso sub judice o nº 4
do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, violou (...) o princípio
consagrado na Constituição da República Portuguesa, na versão de 1982, que
reservou à Assembleia da República a competência para legislar sobre a
organização e competência dos Tribunais (alínea q) do nº 1 do artigo 168º da
Constituição da República Portuguesa) (...).
A revogação do sistema (organização e competência dos Tribunais)
operada pela Lei 82/77 atingiu necessariamente o nº 4 do art. 43º do Dec.‑Lei nº
260/76, de 8 de Abril, revogando-o nessa parte, tornando assim ilegal e até
mesmo inconstitucional a sua aplicação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça ao
caso vertente, por violação dos referidos preceitos legais e constitucionais.
Termos em que deve ser julgada inconstitucional a aplicação do nº 4
do art. 43º do Dec.-Lei nº 260/76 quando se trate de créditos oriundos das
relações laborais.'
Por sua vez, a recorrida CNN - Companhia Nacional de
Navegação, E.P., em Liquidação produziu também alegações, concluindo deste modo:
'(...)
1 - No requerimento de interposição de recurso não foi indicada a
norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende ver apreciada, nem
a norma ou princípio constitucional ou legal violado, nem foi identificada a
peça processual em que os recorrentes haviam suscitado a questão de
inconstitucionalidade ou ilegalidade.
2 - Não se alcança dos autos que os Recorrentes tenham suscitado
durante o processo a questão de inconstitucionalidade que agora pretendem ver
apreciada.
3 - Assim, por falta dos requisitos exigidos para o requerimento de
interposição e dos pressupostos fixados para o efeito, o presente recurso não
deveria ter sido admitido, pelo que dele não deve conhecer-se.
4 - Quando assim se não entenda (o que se coloca como simples
hipótese e cautela de patrocínio), impõe-se reconhecer que o artigo 43º, nº 4,
do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, por ser anterior à Constituição, não
pode ter violado a regra de competência do artigo 168º, nº 1, alínea q).
5 - Da aplicação desse preceito do Decreto-Lei nº 260/76 também não
decorre qualquer contradição com a Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, uma vez que
desta não resulta qualquer intenção revogatória daquele preceito especial.
6 - A subsistência deste mesmo preceito, interpretado nos termos do
douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não fere directa ou indirectamente
qualquer norma ou princípio da Constituição ou Lei com valor reforçado.'
Em seguida, o Procurador-Geral Adjunto em exercício de
funções neste Tribunal apresentou alegações, em que se pronunciou no sentido de
ser desatendida a questão prévia suscitada pela recorrida CNN - Companhia
Nacional de Navegação, E.P., em Liquidação, nos seguintes termos:
'(...) A COMPANHIA NACIONAL DE NAVEGAÇÃO, E.P., suscita a questão
prévia do não conhecimento do recurso por os recorrentes, em seu entender, por
um lado, não terem identificado nem a norma cuja inconstitucionalidade ou
ilegalidade se pretende ver apreciada, nem a norma ou princípio constitucional
ou legal violado, nem a peça processual em que haviam suscitado a questão de
inconstitucionalidade ou ilegalidade, e, por outro, não terem suscitado durante
o processo a questão de inconstitucionalidade que agora pretendem ver apreciada.
Quanto ao primeiro aspecto, importa frisar, repetindo-nos, que os
recorrentes, no requerimento de interposição do recurso (fls. 303-306) e no que
fizeram juntar aos autos na sequência de despacho proferido ao abrigo do
disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82 (redacção da Lei nº 85/89, de 7 de
Setembro) (fls. 310-314), indicam com clareza bastante os elementos referidos
nos nºs 1 e 2 do citado artigo 75º-A: o recurso é interposto ao abrigo
da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e os recorrentes pretendem
que o Tribunal Constitucional aprecie a questão da inconstitucionalidade na
norma do nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, questão
suscitada, implicitamente, dizem, nas alegações de recurso para o Tribunal da
Relação de Lisboa e, explicitamente, no requerimento de interposição deste
recurso para o Tribunal Constitucional.
Quanto ao segundo aspecto - suscitação da questão de
inconstitucionalidade no decurso do processo, pressuposto entendido num sentido
funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o
tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, isto é, antes de esgotado o
poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma questão de
inconstitucionalidade respeita -, importa constatar que a primeira vez que os
recorrentes falam do Decreto-Lei nº 260/76 é na petição inicial, em cujo artigo
63º (fls. 10), a propósito do regime jurídico das relações de trabalho nas
empresas públicas, citam os artigos 3º e 30º desse Decreto-Lei, diploma que
apenas voltam a referir no requerimento de interposição deste recurso para o
Tribunal Constitucional (fls. 303-306). Também na petição inicial, os
recorrentes suscitam a questão da inconstitucionalidade da norma da alínea c) do
nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 138/85. Depois, face ao decidido na 1ª
instância, suscitam, no recurso para o Tribunal da Relação, a questão da
inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 138/85,
questão que, face ao decidido, mantiveram nas alegações para o Supremo Tribunal
de Justiça e, depois, no recurso para o Tribunal Constitucional, que julgou esta
norma inconstitucional (fls. 275-290). As sucessivas decisões proferidas, umas
implicitamente (Tribunal do Trabalho de Lisboa, Tribunal da Relação de Lisboa e
acórdão de fls. 207-209 do Supremo Tribunal de Justiça), outra explicitamente
(acórdão de fls. 275 e seguintes do Tribunal Constitucional), consideraram
revogada a norma do nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76. Este
entendimento unânime acerca da revogação desta norma dispensava naturalmente a
parte de suscitar a questão da sua inconstitucionalidade; isto é, num quadro
destes, não é previsível a aplicação de uma norma pacificamente considerada
revogada nem é exigível que o interessado represente a possibilidade da sua
aplicação pelo acórdão de fls. 296-300 do Supremo Tribunal de Justiça.
Em suma, encontramo-nos, a nosso ver, perante uma daquelas situações
excepcionais em que a parte foi colhida de surpresa com a aplicação, na decisão
recorrida, de uma norma até então pacificamente considerada como revogada,
situação anómala esta em que é de considerar dispensável, para a admissibilidade
do recurso, a suscitação prévia da questão da inconstitucionalidade dessa norma.
O recurso é, pois, admissível.'
Quanto à questão da inconstitucionalidade do artigo 43º,
nº 4, do Decreto-Lei nº 260/76, formulou ainda aquele Procurador-Geral Adjunto
as seguintes conclusões:
'1º - O Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, foi editado antes do início da
vigência das regras da Constituição de 1976 sobre repartição de competência
legislativa, pelo que o seu artigo 43º, nº 4, não podia violar estas regras;
2º - Termos em que se deve negar provimento ao recurso.'
10. Em face da questão prévia suscitada pela recorrida,
foram ouvidos os recorrentes sobre a mesma, tendo eles acompanhado a posição do
Ministério Público nessa matéria.
11. Foram corridos os vistos na 1ª Secção.
Por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional,
no respectivo visto, foi determinada, nos termos do artigo 79º-A, nº 1, da Lei
nº 28/82, e obtida a concordância do Tribunal, a intervenção do plenário no
julgamento do presente processo.
Seguiram-se os vistos da 2ª Secção.
Cumpre agora decidir.
II
Fundamentação
12. A questão prévia suscitada pela recorrida CNN -
Companhia Nacional de Navegação, E.P., em Liquidação, desdobra-se em dois
aspectos: por um lado, não se teria indicado a norma cuja inconstitucionalidade
se pretende ver apreciada, a norma ou princípio constitucional considerado
violado e a peça processual em que a questão de inconstitucionalidade havia sido
suscitada; por outro lado, não se teria arguido a inconstitucionalidade durante
o processo.
Quanto ao primeiro ponto, refira-se que, não obstante o
requerimento de interposição de recurso não ser muito claro na indicação da
norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, resulta do seu
contexto que a norma que se procura atacar é a que serviu de fundamento à
segunda decisão do Supremo Tribunal de Justiça - ou seja, o nº 4 do artigo 43º
do Decreto-Lei nº 260/76 -, conforme depois foi confirmado expressamente na
resposta ao convite formulado ao abrigo do artigo 75º-A da Lei do Tribunal
Constitucional.
Por sua vez, essa resposta ao convite permitiu também
esclarecer definitivamente as dúvidas quanto à identificação da norma ou
princípio constitucional cuja violação foi invocada e quanto ao momento
processual da arguição de inconstitucionalidade. Por um lado, ficou seguro que a
norma constitucional alegadamente violada era a do artigo 168º, nº 1, alínea q),
da Constituição, segundo um tipo de argumentação semelhante ao já anteriormente
utilizado em relação ao artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 138/85. Por outro
lado, tornou-se evidente que a questão de inconstitu-cionalidade em causa apenas
foi suscitada no requerimento de interposição de recurso, sendo certo que só na
decisão recorrida foi aplicada a norma arguida de inconstitucional.
Esta última observação interliga-se com o segundo
aspecto da questão prévia invocada pela recorrida, o da alegada não suscitação
da inconstitucionalidade durante o processo, que importaria a falta de um
pressuposto processual exigido pela alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, ao abrigo do qual foi interposto o presente recurso, e
determinante do não conhecimento desse recurso.
Como é sabido, constitui requisito de admissibilidade do
recurso de constitucionalidade previsto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da
Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, a
suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo. Sobre essa
matéria, tem entendido uniformemente o Tribunal Constitucional que tal
pressuposto deve ser visto não num sentido formal, segundo o qual a
inconstitucionalidade poderia ser suscitada até à extinção da instância, mas num
sentido funcional, segundo o qual a invocação de inconstitucionalidade tem de
ser feita enquanto o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão, ou seja,
antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a questão
de constitucionalidade respeita, e ressalvada a situação excepcional de o
interessado não dispor de oportunidade processual para levantar a questão antes
de esgotado o poder jurisdicional (cf., designadamente, os Acórdãos nºs 62/85,
90/85 e 94/88, Diário da República, II, de 31 de Maio de 1985, 11 de Julho de
1985 e 22 de Agosto de 1988, respectivamente). Assim, tem-se considerado que o
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional já não é
o momento próprio para suscitar questão de inconstitucionalidade, por se
encontrar então esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo (cf., entre
outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 69/85 e 339/86, Diário da
República, II, de 22 de Junho de 1985 e 18 de Março de 1987, respectivamente).
Porém, no presente processo, afigura-se evidente
estarmos perante a situação excepcional (e ampliadora do conceito de
'inconstitucionalidade suscitada durante o processo') de os recorrentes não
terem tido oportunidade processual para levantar anteriormente a questão.
Com efeito, a norma do nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei
nº 260/76 só foi aplicada neste processo no segundo acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça, sendo certo que nunca fora anteriormente admitida a aplicabilidade
desse preceito. Aliás, o próprio Tribunal Constitucional considerou, na
fundamentação do seu acórdão anteriormente proferido nos autos, que essa
disposição havia sido objecto de uma revogação de sistema operada pela Lei nº
82/77, de 6 de Dezembro, e interpretou a primeira decisão do Supremo Tribunal de
Justiça no sentido de nela se ter pressuposto essa revogação.
Neste contexto, não era exigível que os recorrentes
suscitassem a questão de inconstitucionalidade da norma aplicada na decisão
recorrida em momento anterior ao requerimento de interposição do presente
recurso.
Neste sentido se pronunciou também o recente Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 164/95, de 29 de Março de 1995 (ainda inédito),
tirado em plenário, nos termos do artigo 79º-A da Lei do Tribunal
Constitucional, que decidiu da mesma forma idêntica questão prévia suscitada no
respectivo processo.
Mostram-se, assim, verificados os pressupostos
processuais exigidos para a interposição do recurso previsto na alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que não assiste razão à
recorrida na questão prévia suscitada, que não será atendida, devendo
prosseguir-se com a apreciação do mérito do recurso.
13. O presente recurso foi interposto ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, ou seja,
trata-se de recurso de decisão que fez aplicação de norma arguida de
inconstitucional. Essa norma é a do nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76,
de 8 de Abril, efectivamente aplicada na decisão recorrida.
Esta situação diverge processualmente da que foi tratada
no recente Acórdão do Tribunal Constitucional nº 163/95, de 29 de Março de 1995,
tirado em plenário, e ainda inédito, não obstante a semelhança substancial dos
casos.
Perante uma decisão recorrida que, em acção de contrato
de trabalho decorrente da extinção da recorrida, também considerou materialmente
competente para conhecer da causa o tribunal cível, o Tribunal Constitucional
decidiu nesse aresto revogar o acórdão recorrido e determinar a reformulação do
mesmo 'por forma a aplicar no julgamento do recurso a norma do artigo 8º, nº 1,
do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, com o sentido de que a expressão
tribunais comuns constante de tal preceito deve, após a Lei nº 82/77, de 6 de
Dezembro, e quando estejam em causa créditos oriundos de relações laborais,
entender-se como correspondendo aos tribunais de trabalho'.
Porém, nesse caso o recurso foi interposto ao abrigo da
alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que se refere
às decisões que tenham recusado a aplicação de norma com fundamento em
inconstitucionalidade. E, com efeito, a decisão que faz aplicação do nº 4 do
artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76, tem como pressuposto a desaplicação do nº 1
do artigo 8º do Decreto-Lei nº 138/85, com fundamento num juízo implícito da
inconstitucionalidade desta norma, na interpretação de que os 'tribunais comuns'
aí mencionados são os 'tribunais do trabalho'. O que permitiu considerar, nesse
caso, como objecto do recurso de constitucionalidade - e como tal foi
identificado pelo aí recorrente - a norma do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº
138/85 nessa interpretação. Só assim foi possível revogar a decisão recorrida e
vincular o tribunal a quo a aplicar no respectivo processo o artigo 8º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 138/85 com o sentido, considerado conforme à Constituição, de que
os 'tribunais comuns' mencionados naquele preceito, após a Lei nº 82/77 e quando
estejam em causa créditos emergentes de relações laborais, são os tribunais do
trabalho.
Diferentemente, como se viu, no presente caso o recurso
foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional e indicou-se como objecto do recurso a norma do nº 4 do artigo
43º do Decreto-Lei nº 260/76.
Ora, por força do princípio do pedido, o Tribunal
Constitucional não pode alterar oficiosamente o objecto de recurso: o Tribunal
só pode ponderar a inconstitucionalidade de normas cuja apreciação lhe tenha
sido requerida, conforme resulta dos artigos 71º, nº 1, 79º-C e 80º, nº 1, da
Lei do Tribunal Constitucional.
Resta, assim, a este Tribunal apreciar a questão de
constitucionalidade que os recorrentes suscitaram no presente recurso. E, nessa
medida, não poderão os recorrentes obter deste Tribunal uma decisão semelhante à
que foi proferida no citado Acórdão nº 163/95, de que resultaria a atribuição de
competência para a causa ao tribunal do trabalho. Para alcançar um tal
desiderato deveriam os recorrentes ter interposto recurso nos termos da alínea
a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, indicando igualmente
como objecto do recurso o artigo 8º, nº 1, na interpretação já considerada
inconstitucional.
Neste sentido se pronunciou igualmente o já referido
Acórdão do Tribunal Constitucional nº 164/95, que, ao ser tirado em plenário nos
termos do artigo 79º-A da Lei do Tribunal Constitucional, estabeleceu doutrina
orientadora para a jurisprudência do Tribunal.
14. Cabe, deste modo, passar a apreciar a questão da
constitucionalidade da norma constante do nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº
260/76.
Essa norma dispõe o seguinte:
'Os credores cujos créditos não hajam sido reconhecidos pelos
liquidatários e incluídos na relação referida no número anterior, ou que não
hajam sido graduados em conformidade com a lei, podem recorrer aos tribunais
comuns para fazer valer os seus direitos.'
Tal norma foi aplicada na decisão recorrida e
interpretada pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido de a expressão
'tribunais comuns' mencionada nessa norma corresponder aos 'tribunais de
competência genérica' ou aos 'tribunais cíveis' por contraposição aos 'tribunais
do trabalho', tidos como tribunais 'especiais'.
Também o mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional
nº 164/95, de 29 de Março de 1995, tomou posição sobre essa matéria. Aí se
decidiu que a norma do nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76 - admitindo
que se encontra em vigor - não é inconstitucional, quer do ponto de vista
orgânico, quer do ponto de vista material.
Há, assim, que aplicar ao caso sub judicio a solução
adoptada naquele Acórdão nº 164/95, para cujos fundamentos se remete.
Muito sucintamente se explicitará a respectiva
argumentação.
Quanto à inconstitucionalidade orgânica, a mesma não
procede, na medida em que a norma em apreço é anterior à entrada em vigor da
Constituição de 1976, pelo que não podia essa norma violar o regime de
repartição de competências entre a Assembleia da República e o Governo
estabelecido pela Constituição vigente nessa altura, sendo certo que não há
inconstitucionalidades orgânicas supervenientes. E se houvesse
inconstitucionalidade orgânica por violação de norma constitucional anterior à
Constituição de 1976, sempre estaria o Tribunal Constitucional impedido de
conhecer essa matéria por extravasar a sua esfera de competência (neste sentido,
seguro na jurisprudência constitucional, cf., por todos, Acórdão nº 446/91,
Diário da República, II, de 2 de Abril de 1992).
Quanto à inconstitucionalidade material, também a mesma
não colhe, uma vez que a Constituição de 1976 não estabelece quaisquer regras de
delimitação material das competências dos tribunais de competência genérica ou
dos tribunais do trabalho, deixando essa tarefa ao legislador ordinário, que
assim dispõe duma ampla margem de liberdade nessa matéria (cf. artigo 213º da
Constituição).
Por sua vez, a questão da alegada revogação de sistema
operada pela Lei nº 82/77, e que terá atingido o nº 4 do artigo 43º do
Decreto-Lei nº 260/76, não envolve qualquer juízo de inconstitucionalidade, pelo
que não se inclui nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional, que são
delimitados pela sua função específica de controlo da constitucionalidade. Não
é, assim, sindicável por este Tribunal o juízo do Supremo Tribunal de Justiça
segundo o qual o nº 3 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76 sempre se manteve
em vigor.
E se é certo que este Tribunal exprimiu, no primeiro
acórdão (nº 271/92) proferido nestes autos, o juízo de que o nº 4 do artigo 43º
do Decreto-Lei nº 260/76 teria sido atingido por uma revogação de sistema
operada pela Lei nº 82/77, a verdade é que tal opinião não consta (nem podia
constar) da parte decisória do acórdão. Assim, pode afirmar-se que a decisão do
Supremo Tribunal de Justiça não pôs em causa o julgamento de constitucionalidade
formulado no Acórdão nº 271/92 pelo Tribunal Constitucional, pelo que não se
coloca um problema de violação de caso julgado.
Em suma: terá de se concluir pela não
inconstitucionalidade da norma do nº 4 do artigo 43º do Decreto-Lei nº 260/76 e
não conceder provimento ao recurso.
III
Decisão
15. Nestes termos, decide-se não atender à questão
prévia suscitada e negar provimento ao presente recurso, confirmando, em
consequência, a decisão recorrida, na parte respeitante à questão de
inconstitucionalidade invocada.
Lisboa, 10 de Maio de 1995
Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
Maria da Assunção Esteves
Vitor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Messias Bento
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Luis Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
José Manuel Cardoso da Costa