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Procº nº 596/96
2ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - A. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho do Juiz do 4º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa que havia validado e mantido a sua captura, invocando que lhe não haviam sido expostos os factos ilícitos que lhe seriam imputados, em violação do disposto na última parte do nº 4 do artigo 141º do Código de Processo Penal e do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República, sendo que a primeira destas normas entraria em colisão com a segunda, caso fosse interpretada no sentido de se poder considerar suficiente a informação prestada ao arguido, apenas consistente na enumeração de certos tipos de crimes que teria supostamente praticado, sem explicitação dos respectivos factos integradores.
Segundo o recorrente, não se verificaria ainda, in casu, e para além disso, para justificar a sua prisão preventiva, nenhum dos pressupostos previstos no artigo 204º do Código de Processo Penal.
2 - Por acórdão de 23 de Abril de 1996, a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.
O recorrente arguiu, então, a nulidade desse acórdão, por inconstitucional, e suscitando também a inconstitucionalidade das normas do referido artigo 204º do Cód. Proc. Penal, quando interpretadas nos termos em que o haviam sido pelo mesmo aresto.
Todavia, essa arguição de nulidades veio a ser indeferida pela Relação, que negou que o acórdão reclamado padecesse de qualquer inconstitucionalidade.
Inconformado, o recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo
70º, nº 1, alínea b), da LTC, «para apreciação da inconstitucionalidade do artº
204º do Cod. P. Penal, na interpretação e aplicação concretas feitas» pelas anteriores decisões, norma que assim violaria directamente o princípio da igualdade perante a lei e reflexamente o artigo 32º, nº 1, da CRP, sendo certo que tal inconstitucionalidade havia sido por ele suscitada no mencionado requerimento de arguição de nulidades.
3 - Neste Tribunal, o relator lavrou exposição prévia no sentido do não conhecimento do recurso, nos termos do preceituado no artigo 78º-A da LTC.
Nessa exposição, recorda-se que é jurisprudência pacífica e uniforme deste Tribunal considerar que a suscitação da questão de inconstitucionalidade no requerimento de arguição de nulidades se não pode entender como feita «durante o processo», por ocorrer depois de esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à apreciação dessa questão.
E, depois, acrescenta-se que na motivação do recurso - momento, esse sim, idóneo e adequado à suscitação da questão de inconstitucionalidade - o recorrente não levantou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, apenas se referindo a uma eventual inconstitucionalidade do despacho recorrido.
O Ministério Público manifestou a sua inteira concordância com a exposição do relator.
O recorrente, por seu turno, veio apresentar resposta a discordar da mesma exposição, por entender que a questão de inconstitucionalidade do artigo 204º do Cód. Proc. Penal foi suscitada durante o processo - concretamente, na «conclusão c)» da motivação do recurso para a Relação. E, em abono da sua tese, invoca o segundo acórdão do Tribunal da Relação, onde tal se encontraria reconhecido.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
4 - Nos termos do estabelecido no artigo
70º, nº 1, alínea b), da LTC, cabe recurso de constitucionalidade das decisões jurisdicionais que hajam aplicado norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
Tem este Tribunal repetidamente afirmado que só se pode considerar suscitada a questão durante o processo, quando a tempo de o tribunal a quo sobre ela se pronunciar, antes de esgotado o seu poder jurisdicional. Significa isto - e porque, ao contrário do que parece ser a base de raciocínio do recorrente, a aplicação de norma inconstitucional não envolve necessariamente a existência de uma nulidade - que o requerimento de arguição de nulidades de uma decisão judicial é instrumento inidóneo para se levantar, pela primeira vez, a questão de inconstitucionalidade, em termos de se abrir a via do recurso para o Tribunal Constitucional.
No caso dos autos, sustenta o recorrente, porém, que já anteriormente havia suscitado a questão de inconstitucionalidade na motivação do recurso para a Relação, designadamente na «conclusão c)». A verdade, contudo, é que tal não aconteceu.
Com efeito, na dita motivação de recurso, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade do despacho recorrido e, bem assim, a inconstitucionalidade do artigo 141º, nº 4, do Cód. Proc. Penal, norma cuja eventual contradição com a Lei Fundamental não invoca no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, pelo que não se pode conhecer dessa questão. Mas, quanto ao impugnado artigo 204º do mesmo diploma legal, limita-se a referir, na mencionada alínea c) das conclusões:
c) Independentemente da nulidade do acto, houve erro na apreciação dos factos, pois não se verifica nenhum dos pressupostos previstos no artº 204º do Cód. P. Penal.
Significa isto, sem margem para dúvidas, que o recorrente não questionou a constitucionalidade da norma: antes pelo contrário, o que pediu foi a sua aplicação. Quando muito, o que pode ter feito é ter considerado que a mesma norma foi mal aplicada, o que de modo algum se confunde com a suscitação da sua inconstitucionalidade.
5 - Alega igualmente o recorrente que, no acórdão que indeferiu a arguição de nulidades, a Relação terá reconhecido que a questão foi suscitada durante o processo. Embora tal seja irrelevante, pois que cabe, neste momento, apenas a este Tribunal aferir da verificação dos pressupostos do recurso, sempre se dirá que o tribunal a quo se limita, na frase seleccionada pelo recorrente, a transcrever o teor da correspondente disposição da Lei do Tribunal Constitucional para, à laia de obiter dictum, comentar a arguição de nulidades ali sub judicio, para a qualificar como mero meio para abrir a via do recurso de constitucionalidade.
6. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 7 de Agosto de 1996 Luís Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca José Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa