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Processo nº 700/95
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A , com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Maio de 1995, que 'revogou a decisão tomada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa' (o acórdão de 6 de Outubro de 1994, que entendeu competir aos tribunais judiciais o conhecimento dos pedidos formulados pela Autora, ora recorrente, 'em acção declarativa com processo comum na forma ordinária' intentado contra o Estado Português) e julgou 'incompetentes os tribunais judiciais para apreciarem e decidirem a presente acção, dado que tal competência pertence ao Tribunal Constitucional'.
Na base do julgado estão as seguintes considerações essenciais:
'A discrepância ora referida resulta do facto do Estado se ater exclusivamente aos pedidos que foram claramente formulados, quase esquecendo o que a eles se encontra intrinsecamente ligado, sobretudo no que toca ao primeiro desses pedidos. Como bem se explicou no acórdão recorrido, para a A. não está em causa o direito à indemnização, decretado por lei e reconhecido pelo Estado. O que agora está em jogo é a sua quantificação e o prejuízo decorrente do não pagamento atempado, precisamente por falta dessa quantificação. Daí que, correctamente, imputa a responsabilidade dessa falta ao Estado, por omissão de publicação de lei necessária, para o efeito. O que o recorrente (o Estado) muito timidamente aceita nas suas conclusões quando diz que ambos os pedidos decorrem de actos de gestão pública e estão direccionados para a ilícita omissão dos órgãos estaduais competentes na fixação da justa indemnização e no seu pagamento atempado.
Só que a referida omissão ilícita dos órgãos estaduais competentes foi devidamente concretizada e até antecede e condiciona o pedido de pagamento da justa indemnização devida. Sem que tal questão se decida não é possível resolver a do pagamento dessa indemnização e dos prejuízos decorrentes da respectiva falta, em função do tempo já decorrido. E é em relação a este núcleo, que se tem de colocar o problema da competência. Assim, de imediato se afasta a aplicação da al. h), do art. 51º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. O que não significa estar correcta a decisão proferida pela 2ª instância. Esta só estaria certa se na excepção consignada na falada aln. b), do nº 1, do art. 4º, do referido Estatuto, se referisse expressamente a responsabilidade por danos decorrentes pelo não exercício da função legislativa. E, também, se não houvesse uma norma no nosso ordenamento jurídico que não considerasse a omissão de medidas legislativas e que se considera adequada ao caso 'sub iudice'. Trata-se do nº
1, do art. 283º da Constituição da República Portuguesa que, curiosamente, o Estado nas suas conclusões se limita a dizer que foi violada, sem daí extrair as necessárias consequências legais'.
2. No requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do artigo 70º, nº 1 alínea b) da Lei nº
28/82 de 15 de Novembro', invoca a recorrente:
'Com fundamento na aplicação feita, pelo dito Acórdão de que ora se recorre, da norma da alínea b) do nº 1 do Artigo 4º do Decreto-Lei nº 129/84 de 29 de Abril com interpretação que se tem por Inconstitucional.
A ser correcta a interpretação dada a tal preceito pelo Supremo Tribunal de Justiça, deverá ser declarada inconstitucional a norma que dele
se extrai, por violação do disposto nos artigos 205º, nºs 1 e 2, 213º, nº 1,
62º, nºs 1 e2, 83º, 17º e 18º da Constituição da República Portuguesa
O ora Recorrente apenas suscitou a questão das inconstitucionalidades da referida norma no Requerimento de Aclaração do Acórdão de que ora se recorre e que em tempo se dirigiu ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que tal interpretação do preceito foi efectuada pela primeira vez nos presentes autos pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça no douto aresto ora impugnado.
Ou seja, não houve em qualquer outra instância oportunidade para alegar tais inconstitucionalidades, visto que as mesmas, a existirem, decorrem do entendimento normativo extraído da letra da Lei pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.'
3. O que fica transcrito revela à saciedade qual o tipo de recurso de constitucionalidade interposto pela recorrente e qual o seu objecto e âmbito de conhecimento.
A ser assim, imperioso será demonstrar que, como diz a recorrente, 'não houve em qualquer outra instância oportunidade para alegar tais inconstitucionalidade' e, por isso, ela 'apenas suscitou a questão das inconstitucionalidades da referida norma no Requerimento de Aclaração do Acórdão de que ora se recorre e que em tempo se dirigiu ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que tal interpretação do preceito foi efectuada pela primeira vez nos presentes autos pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça no douto aresto ora impugnado'.
Isto porque o pressuposto do presente recurso de constitucionalidade ora relevante - o de ter sido suscitada 'durante o processo' a questão de inconstitucionalidade não pode dar-se como verificado, em regra, quando a questão de inconstitucionalidade se suscita só em peças processuais apresentadas após a decisão em causa, como é o caso de requerimento de aclaração dessa decisão, talqualmente se posiciona a jurisprudência corrente deste Tribunal Constitucional.
Por isso mesmo, foi elaborada pelo Relator a EXPOSIÇÃO a que se refere o artigo 78º-A, da citada Lei nº 28/ /82, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, apontando para que se não conheça do presente recurso de constitucionalidade, por não se poder dar como verificado aquele pressuposto processual da suscitação da questão de inconstitucionalidade
'durante o processo', ao que respondeu proficientemente a recorrente, persistindo na posição de que o requerimento de aclaração do acórdão recorrido foi o 'primeiro e único momento processual' adequado a suscitar a tal questão de inconstitucionalidade.
E, face a essa resposta, parece assistir razão à recorrente.
Com efeito a norma jurídica questionada pela recorrente não pode deixar de ser, na interpretação dada pelo acórdão recorrido, a do artigo 4º, nº 1, b), do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, o E.T.A.F, enquanto que, em conjugação com o artigo 283º da Constituição, atribui competência a este Tribunal Constitucional para conhecer de uma 'acção declarativa com processo comum na forma ordinária' intentada pela recorrente contra o Estado Português, para efectivação da responsabilidade civil extracontratual fundada em omissões legislativas.
Ora, uma tal interpretação daquela norma do artigo 4º, nº
1, b), revela-se de todo em todo imprevisível, com a atribuição da competência a este Tribunal Constitucional, razão porque não era exigível à recorrente que antes de proferido o acórdão recorrido tivesse suscitado uma qualquer questão de inconstitucionalidade, mesmo no plano da aplicação de tal norma com certa via interpretativa. Como se alcança do autos, o debate estabelecido entre o Ministério Público e a recorrente, no recurso de agravo interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, em torno da norma do artigo 4º, nº 1, b), cingiu-se
à matéria da competência, em razão da matéria, dos tribunais judiciais e dos tribunais administrativos para conhecer da acção declarativa em causa.
Donde não poder ser atendida a questão do não conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.
4. Termos em que, DECIDINDO, se ordena o seguimento do recurso. Lisboa, 8.2.96 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa