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Processo nº 78/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. J..., P..., A .., M... e F..., todos com os sinais identificadores dos autos, vieram reclamar para este Tribunal Constitucional do despacho do Relator do processo pendente contra os mesmos no Supremo Tribunal Militar, sob o nº ..., de ..., confirmado pelo acórdão de 1 de Fevereiro de
1996, que não lhes admitiu o recurso de constitucionalidade, com o fundamento essencial de que 'não existe norma que simultaneamente tenha sido arguida de inconstitucional e tenha sido aplicada como fundamento da decisão de que se pretende recorrer, pelo que o recurso não é admissível'.
No requerimento de reclamação, cuja extensão torna impraticável a sua transcrição, ainda que parcelar, concluem os reclamantes que a 'arguição de inconstitucionalidade foi efectuada logo desde o início da intervenção nos autos em qualquer das três situações equacionadas, sendo que a novidade a nível de normas invocadas introduzida pelo Acórdão do Supremo Tribunal Militar não poderá, de forma alguma, inibir a possibilidade de recurso que o despacho reclamado pretende', pedindo, por consequência, 'a admissão do interposto recurso para o Tribunal Constitucional' e a revogação do despacho reclamado.
2. No seu visto, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação numa parte e pela procedência da mesma noutra parte.
É esta a argumentação do Ministério Público:
'2. Contestando o libelo acusatório deduzido contra os ora reclamantes, suscitaram estes a inconstitucionalidade orgânica do artigo 92º, nº 1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho, bem como a sua predecessora, com referência ao nº 1, do artigo
63º do Decreto-Lei nº 333/83.
Sobre esta questão prévia foi proferida decisão, da qual foi interposto recurso pelos réus, que foi admitido com efeito meramente devolutivo e para subir em separado, mas o Supremo Tribunal Militar viria a determinar que subisse com o que fosse eventualmente interposto da decisão final.
Arguiram ainda os réus a nulidade decorrente da inobservância das regras de competência, que o acórdão do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa considerou improcedente. Nesse mesmo acórdão, julgou-se a acusação procedente em parte e condenou-se os RR. J..., P..., A ..., M... e F..., pela prática do crime p. e p. pelo artigo 88º do Código de Justiça Militar.
Desta decisão interpuseram os RR. recurso para o Supremo Tribunal Militar, suscitando, para além do mais, a inconstitucionalidade do artigo 92º, nº 1, da Lei Orgânica da GNR, aprovada pelo Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho (assim como do artigo
63º, nº 1 da sua predecessora, aprovada pelo Decreto-Lei nº 333//83), por violação dos artigos 168º, nº 1, alínea q) e 167º, nº 1, alínea m), ambos da Constituição da República Portuguesa: e a inconstitucionalidade dos artigos 88º e 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar, por violação do princípio da igualdade.
O Supremo Tribunal Militar negou provimento ao recurso interposto no início da audiência do julgamento em 1ª Instância, sobre a competência dos tribunais militares, e concedeu parcial provimento ao recurso interposto do acórdão
final, condenando o recorrente J... na pena de nove meses de presídio militar e cada um dos restantes recorrentes na pena de oito meses de presídio militar.
3. As normas cuja inconstitucionalidade os recorrentes pretendem que sejam apreciadas são as seguintes: artigos 92º, nº 1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho; 63º, nº 1, da anterior Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº 333/ /83, de 14 de Julho; 69º, da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro), conjugado com os artigos 31º a
33º, do mesmo diploma; 377º, 419º, alínea b) e 458º, do Código de Justiça Militar; o artigo 8º da Lei da Amnistia (Lei nº 15/94, de 11 de Maio); e 12º, nº
7, do Código de Justiça Militar.
4. Como se sustenta no despacho reclamado, não pode o recurso versar sobre as normas constantes dos artigos 377º, 419º, alínea b) e 458º, do Código de Justiça Militar, e 8º da Lei nº 15/94. Assim como também não pode versar sobre as normas dos artigos 92º, nº 1 e 63º, nº 1, por não terem sido aplicados pelo acórdão do Supremo Tribunal Militar.
Assim, nesta parte, improcede a reclamação.
O mesmo não se dirá quanto às restantes normas
indicadas.
Relativamente ao artigo 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar, porque, ao contrário do que se afirma no despacho reclamado, foi aplicado - embora não expressamente nomeado - pelo acórdão de que se pretende recorrer (justifica-se dever ser mais elevada a pena do recorrente Sereno 'por ser maior a sua culpa dadas as funções de comando que na altura exercia').
Quanto aos artigos
69º, nº 1 e 31º, 32º e 33º, da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, por a sua aplicação pelo acórdão do Supremo Tribunal Militar ter sido feita de surpresa, pelo que não houve anteriormente oportunidade de suscitar a questão.
Deve, pelo exposto, proceder, nesta parte, a reclamação deduzida'.
3. Vistos os autos cumpre decidir.
Para bom entendimento do que se acolhe dos autos, convém reter a atenção na seguinte sequência processual:
3.1. Por acórdão do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, de 23 de Maio de 1995, foram os reclamantes condenados a penas de presídio militar (14 meses para o J... e 12 meses para os restantes), pela prática do crime de violências desnecessárias, previsto e punido pelo artigo 88º do Código de Justiça Militar.
Nesse acórdão, e antes de se entrar na discussão da causa, dá-se registo que:
'Na sua contestação vieram os réus suscitar a inconstitucionalidade orgânica do artº. 92º. nº. 1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Repúblicana aprovada pelo Dec. Lei 231/93 de 26 de Junho, e na esteira da sua predecessora com referência ao nº. 1 do artigo 63º do Dec. Lei nº. 333/83 e que em consequência os Tribunais Militares são incompetentes para o julgamento dos membros das forças para militares, como será o caso da Guarda Nacional Repúblicana e da Guarda Fiscal, e ainda que o alargamento da sua jurisdição a crimes dolosos equiparáveis aos crimes essencialmente militares é efectuada com inobservância do disposto no artº 167º. nº.1 alínea m) da Constituição da República Portuguesa.
Sobre esta questão prévia foi proferida a decisão constante de fls. 642 e seu verso, do qual foi pelos réus interposto recurso que o Tribunal admitiu com efeito meramente devolutivo e a subir em separado - cfr. fls. 643.
(...) Vieram ainda os réus no seu requerimento de fls. 679 a 689 e ao abrigo do disposto nos artºs 457º nº. 2 e 458º. alínea b) do Código de Justiça Militar e
119º alínea e) do Código de Processo Penal arguir a nulidade decorrente da inobservância das regras de competência nos termos e pelos fundamentos constantes do aludido requerimento, o qual aqui se dá por integralmente produzido, concluindo por pedir a declaração da incompetência, quer da PJM para os actos de instrução, quer do Tribunal Militar para os actos de acusação e julgamento.
Sobre o aludido requerimento recaiu a decisão de fls. 715 e verso, relegando para o acórdão decisório final a apreciação e consequente decisão da nulidade em causa arguida pelos réus, a qual cumpre pois, apreciar e decidir.
Os réus vêm defender que mesmo que fosse considerada provada toda a matéria de facto constante do libelo acusatório, o Tribunal Militar não era competente para proceder à condenação dos réus, uma vez que o libelo acusatório é omisso quanto ao facto de os réus estarem no desempenho de alguma função militar ou em serviço.
Porém, o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Repúblicana aprovado pelo Dec. Lei 265/ /93 de 31 de Julho no seu artº. 9º nº 1 preceitua que 'face à especificidade da missão, o militar da Guarda encontra-se permanentemente de serviço', e no seu nº. 2 preceitua que 'o militar da Guarda deve manter permanentemente disponibilidade para o serviço, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais...'.
Face a este dever de disponibilidade dos militares da GNR, consagrado expressamente, como acabamos de ver, no seu Estatuto, encontram-se os mesmos permanentemente em serviço, dai decorrendo e em consequência, a desnecessidade de tal situação dever constar de qualquer libelo acusatório referente aos mesmos.
Improcede pois, e sem necessidade de outros considerandos, a arguida nulidade em apreço suscitada pelos réus'.
3.2. Desse acórdão vieram os reclamantes interpor recurso para o Supremo Tribunal Militar, concluindo deste modo a sua longa alegação:
'(a) a Guarda Nacional Republicana, conforme evidentemente afirmado pela jurisprudência corrente, constitui uma força para-militar ou militarizada, autónoma, independente e diversa das forças militares;
(b) sendo, assim, inconstitucionais as normas que atribuem competência aos Tribunais Militares para o julgamento dos membros da Guarda Nacional Republicana, fazendo aplicar aos mesmos o Código de Justiça Militar, com sejam o art. 92º, nº 1, da Lei Orgânica da GNR, aprovada pelo Decreto-Lei no 231/93, de
26 de Junho (a exemplo do que ocorria com o art. 63º nº 1, da sua predecessora, aprovada pelo Decreto-Lei nº 333/83), ou ainda o art 5º do indevidamente apelidado Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/93, de 31 de Julho;
(c) tal porque, aqueles diplomas, da iniciativa exclusiva do Governo, violam os arts. 168º, nº 1, al q);
(d) da mesma forma que, ao fazer aplicar aos membros da GNR crimes específicos, alargando a competência dos Tribunais Militares, tais preceitos são também inconstitucionais por violarem o disposto no art. 167º da Constituição da República Portuguesa;
(e) a decisão recorrida viola ainda o disposto no art. 14º do Cód. Just. Militar, estando ferido da nulidade a que se refere o art. 458º, al b) do mesmo Cód., ao considerar-se competente para o julgamento da causa, quando, de facto, o não é;
(f) situação que foi afirmada de forma peremptória e evidente pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.12.1993, no proc. nº45541 e de 10.11.1993, no proc. 45.021;
(g) não se tratando, nos presentes autos, de apreciar crime essencialmente militar, não estando preenchidos os tipos legais do crime a que se refere o art.
88º do Cód. Just. Militar, são nulos os actos praticados no processo pela Policia Judiciária Militar e pelo Tribunal Militar, os quais carecem de competência em termos absolutos;
(h) sendo certo que o libelo acusatório é absolutamente omisso quanto ao preenchimento dos elementos do tipo legal de crime porque os ora recorrentes vinham acusados, o que viola o art. 377º do Cód. Justiça Militar;
(i) da mesma maneira que o Acórdão condenatório é omisso em tal parte, violando o art.419º, al b) do Cód. Just. Militar;
j) estando, assim, ferido de inconstitucionalidade o Acórdão recorrido por violação do art 32º nº 1, da Constituição da República Portuguesa, pois que são denegados meios de defesa aos arguidos nos autos, imputando-lhes a necessidade de se defenderem daquilo por que não foram acusados, situação que igualmente contraria o consignado nos nºs 5 e 7 do mesmo art 32º da Constituição da República Portuguesa;
(k) ferido de ilegalidade esta o próprio julgamento em si, na medida em que o Tribunal, mesmo conhecedor da situação de incapacidade fisica do recorrente Pires, determinou que o mesmo se mantivesse na sala de audiências, ouvindo a acusação e a contestação;
(l) violando o direito de saúde do arguido, em contradição com o determinado pelo art. 64º da Constituição da República Portuguesa;
(m) pois que, sabendo da sua impossibilidade fisica de estar na sala, o mesmo teria de ser imediatamente dispensado de nela permanecer fisicamente;
(n) ficando diminuida, efectivamente, a sua capacidade de defesa, em violação do disposto no art 32º da Constituição da República Portuguesa, o que constitui nulidade absoluta e insanável;
(o) o principio da igualdade, consagrado, entre outros, no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, foi também duplamente violado - quer em virtude de, em circunstâncias análogas, se ter aplicado em regime menos favorável aos recorrentes exclusivamente em virtude da sua condição social, fazendo os mesmos ser julgados em Tribunal Militar quando a competência não lhe cabia, e subtraindo, por isso, a aplicação do nº 1, al a) da Lei da Amnistia de
1994 ao caso em apreço;
(p) quer ainda na parte que condenou de forma mais gravosa o recorrente Sereno exclusivamente em virtude de o mesmo ser graduado, sendo ai inconstitucional o art. 12º, 7, do Cód.Justiça Militar;
(q) violando ainda o art. 8º nº 1, da mesma Lei da Amnistia ao não aplicar o perdão consignado na mesma á pena incorrectamente aplicada aos ora recorrentes;
(r) a decisão recorrida enferma ainda de contradição insanável da sua fundamentação e de erro notório na apreciação da prova;
(s) desde logo, por dar simultaneamente por provado e por não provado que os ora recorrentes agrediram o “B” e o “C” depois de lhe terem perguntando sobre a identidade dos autores de furto na zona;
(t) por dar simultaneamente por provado e por não provado que o “B” e o “C” foram transportados pelos recorrentes num carro da GNR;
(u) a matéria provada é com base na análise inversa do ónus da prova, na medida em que ao dar por provadas as agressões fá-lo com base em elementos documentais entre si não coincidentes (cf. datas de entrada no Hospital e não identificação da data e identidade da pessoa que figura nas fotografias);
(v) estabelecendo um nexo de causalidade entre elementos não constantados nos autos;
(w) para alem de não considerar o bom comportamento dos recorrentes na fixação da medida da pena, que sempre pecaria por excessivo.
Termos em que, com o suprimento de V. Exªs, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!'
3.3 Por acórdão do Supremo Tribunal Militar, de 21 de Dezembro de 1995, foi negado 'provimento ao recurso interposto no início da audiência do julgamento em instância, sobre a competência dos tribunais militares, confirmando-se o respectivo acórdão recorrido' (alínea a)), foi dado
'parcial provimento ao recurso interposto do acórdão final', alterando-se as condenações deste constantes (alínea b)) e foi efectuado o cúmulo jurídico quanto a penas impostas ao P... (alínea c)).
Desse acórdão interessa transcrever o seguinte:
'Cumpre, antes do mais, apreciar e decidir o recurso interposto no inicio da audiência do Tribunal recorrido e respeitante à competência do foro militar para julgar o processo ora sub judicibus, tanto mais que o seu provimento prejudicaria todas as demais questões suscitadas.
Segundo os recorrentes o foro militar é incompetente por serem inconstitucionais os artºs 92º, nº 1 da actual lei orgânica da G.N.R., aprovada pelo Dec-Lei nº
231/93, de 26 de Junho e 63º, nº 1 da anterior lei orgânica da mesma Guarda, aprovada pelo Dec-Lei nº 333/83, de 14 de Julho, disposições estas de que decorre a competência do foro militar para o julgamento do caso dos autos.
A referida inconstitucionalidade seria material e orgânica; aquela por os citados diplomas, ao alargarem a competência dos tribunais militares atribuindo-lhes o julgamento de crimes específicos cometidos por elementos da G.N.R., violaram o artº 167º. nº 1, alínea m) da Constituição e esta por sendo tais diplomas da iniciativa exclusiva do Governo infringem ainda o artº 168º, nº
1, alínea q) da Lei Fundamental.
A tese dos recorrentes assenta em que as elementos da G.N.R. que a respectiva lei orgânica define coma militares não são militares para efeitos do Código de Justiça Militar, diploma que só é aplicável a eles por força das citadas disposições das leis orgânicas que, por um lado criaram crimes novos incluídos na jurisdição castrense, e por outro alargaram a competência do foro militar para o julgamento de tais crimes.
Diga-se, desde já, que a questão está mal posta e que nunca se poderia verificar o alegado alargamento da competência do foro militar.
Efectivamente, esta competência está definida, no que toca à jurisdição criminal, pela Constituição e pela lei como incidindo apenas relativamente aos crimes essencialmente militares.
In casu os réus foram acusados da prática de crimes essencialmente militares, os previstos nos artºs 88º e 95º do C.J.M.
Admitindo, dentro da tese dos recorrentes, que os referenciados artigos dos leis orgânicas da G.N.R. tinham possibilitado que os seus elementos fossem passíveis de cometer os citados crimes, possibilidade inexistente sem tais preceitos, haveria não um alargamento da competência dos tribunais, mas sim o alargamento do grupo de indivíduos capazes de serem agentes de tais crimes, o que não significa o aumento de competência.
A competência do foro militar é sempre a mesma, quer os militares da G.N.R. possam ou não ser tido como agentes dos crimes essencialmente militares.
Não há, assim, alargamento de competência do foro militar nem criação de crimes específicos não previstos no Código de Justiça Militar.
Por outro lado, as aludidas normas, na parte que mandam aplicar o C.J.M. aos militares da G.N.R. e só este segmento dos referidos preceitos está agora em causa, são manifestamente constitucionais até por serem desnecessárias.
Na verdade, o C.J.M., como lei geral do Pais, aplica-se a toda a gente e os crimes por ele previstos podem ser cometidos por qualquer pessoa.
É que, ao contrário do que afirmam os recorrentes, os factos que ofendem a segurança e a disciplina das Forças Armadas podem ser praticados por qualquer pessoa, incluindo civis, como por exemplo a traição, a espionagem, o furto ou a destruição de bens militares.
É certo que existem certos crimes que só podem ser, por natureza, praticados por militares - os crimes militares próprios, mas não é pelo simples facto de a lei mandar aplicar o C.J.M. aos elementos militares da G.N.R. que estes passam a ser passíveis de cometer esses crimes.
Importa, por isso, proceder a uma análise mais profunda, embora breve, da questão.
Os crimes de abuso de autoridade previstos nos artºs 88º e 95º do C.J.M. e imputados aos réus do presente processo, exigem, como elemento constitutivo, que o agente seja militar.
E o problema que se pode levantar consiste em saber se os militares da G.N.R. podem ou devem ser considerados como militares para efeitos das aludidas disposições do C.J.M.
Dentro deste âmbito é óbvio que não tem interesse a tese defendida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/5/94 - aliás não transitado em julgado por sujeito a censura do Tribunal Constitucional - que visa apenas a constitucionalidade das penas disciplinares privativas da liberdade.
Também não interessa discutir se a Constituição ou a lei atribuem a característica de força militarizada à G.N.R., mas somente se o Código de Justiça Militar inclui ou não no seu conceito de militar não só os oficiais, sargentos e praças das Forças Armadas mas também os que integram a Guarda Nacional Republicana.
0 artº 69º,nº 1 da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº 29/82, de
11 de Dezembro) determina: 'O disposto nos artºs 31º, 32º e 33º do presente diploma é aplicável aos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes e dos contratados em serviço efectivo na Guarda Nacional Republicana e na Guarda Fiscal'.
E o artº 32º. nº 1 da mesma lei preceitua: 'As exigências especificas do ordenamento aplicável às Forças Armadas em matéria de justiça e disciplina serão reguladas, respectivamente, no Código de Justiça Militar e no Regulamento de Disciplina Militar'.
Assim, por força dos transcritos normativos, as exigências específicas do ordenamento aplicável aos militares da G.N.R. em matéria de justiça são reguladas no Código de Justiça Militar.
Por isso e em desenvolvimento deste ordenamento, o artº 4º, nº 2 do Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana aprovado pelo Dec-Lei nº 465/83, de 31 de Dezembro, estatui que 'as referências feitas no Código de Justiça Militar às Forças Armadas e ao Exército consideram-se para efeitos do mesmo Código, como abrangendo a Guarda Nacional Republicana'.
Por outro lado, o artº 2º, nº 1 do mesmo Estatuto dispõe que 'militar da Guarda
é aquele que, satisfazendo as características da condição militar, nela ingressou ou presta serviço voluntariamente, adquirindo formação militar..... '
Resulta desta disposições que os militares da Guarda são indivíduos que adquirem a condição militar, estando sujeitos aos deveres militares para salvaguarda dos valores que comandam quer as Forças Armadas, quer a força militar que é a G.N.R.
0 artº 215º nº 1 da Constituição concede ao legislador ordinário o poder de definir os crimes essencialmente militares e, consequentemente, o elemento
'militar' constante da definição de alguns desses crimes.
Em face dos invocados preceitos, é manifesto que os réus - militares da G.N.R. - são militares para efeitos do C.J.M., sendo igualmente evidente a competência dos tribunais militares para apreciar e julgar a acusação contra eles deduzida pela prática dos crimes essencialmente militares previstos nos artºs 88º e 95º do aludido Código.
Improcede, assim, o recurso interposto por todos os réus no inicio da audiência de julgamento no Tribunal recorrido.'
No mesmo acórdão decidiu-se ainda, no que aqui pode importar:
- não existir a 'nulidade da inobservância de regras de competência' (quando os reclamantes sustentam que 'os tribunais militares são incompetentes para o julgamento da causa por o libelo acusatório ser omisso quanto ao preenchimento dos elementos dos tipos legais de crimes imputados aos recorrentes, o mesmo sucedendo no aresto recorrido'), porque, 'tendo o libelo sido recebido pelo juiz auditor, sem que os recorrentes recorressem dessa aceitação, só na decisão final a questão pode ser apreciada, em face dos factos provados e excluindo qualquer eventual excesso de pronúncia', sendo que no acórdão se considerou mais à frente que 'os factos tal como descritos e provados, são suficientes para este Supremo Tribunal considerar verificados os elementos constitutivos do crime previsto e punido pelo artº 88º do Código de Justiça Militar, que os recorrentes efectivamente cometeram em co-autoria material'.
- quanto às nulidades da 'contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova', elas não se verificam,
'nem se constata a existência de alguma de que este Supremo Tribunal deva conhecer oficiosamente'.
- quanto a nulidade consistente na obrigatoriedade,
'imposta pelo Tribunal a quo do recorrente Pires estar presente na audiência, apesar de fisicamente incapaz', 'dela não se pode conhecer', porque o recurso entretanto interposto 'não foi admitido por decisão confirmada pelo Presidente deste Supremo Tribunal'.
- não tendo sido alegadas agravantes, 'não pode ser levada em conta a circunstância 7ª (maior graduação) do artº 12º do C.J.M. imputada ao Sereno', mas, quanto 'à medida da pena', considerou-se dever ser 'mais elevada a do recorrente Sereno por ser maior a sua culpa dadas as funções de comando que na altura exercia'.
- finalmente, os reclamantes 'não beneficiam do perdão previsto no artº 8º da Lei nº 15/94, de 11 de Maio, por força do artº 9º, nº 2, alínea b) da mesma lei, dado os recorrentes serem membros de uma força de segurança e praticaram, no exercício das suas funções, violências contra a integridade física de pessoas, violando o respectivo direito fundamental a essa integridade'.
3.4 Desse acórdão vieram os reclamantes 'interpor recurso para o Tribunal Constitucional, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo - artºs 69º, 70º, nº 1, al. b) e nº 2, 72º, nº 1, al. b) e
78º, nos 1 e 3 e 4 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei nº 28/ /82, de 15 de Novembro' ('Fundamenta-se tal recurso na invocada violação dos artºs 167º, 168º, nº 1, al. q), 32º, nºs 1, 5 e 7, 64º e 13º da Constituição da República Portuguesa, a qual foi, 'ab initio', suscitada na contestação, bem como no requerimento em que se argui a inerente nulidade apresentadas pelos arguidos no Tribunal Militar Territorial de Lisboa, e represtinada na alegação de recurso para o Supremo Tribunal Militar da decisão proferida naquele Tribunal de 1ª Instância - art. 75º-A da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional na redacção introduzida pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro de 1989' - acrescenta-se no respectivo requerimento).
3.5. Respondendo ao convite formulado ao abrigo do disposto no artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, aditado pelo artigo 2º da Lei nº
85/89, de 7 de Setembro, vieram os recorrentes dizer que:
- 'a violação dos arts 168º, nº1, al. q) e 167º da Constituição da República Portuguesa encontra-se perpectada pelos artºs 92º, nº
1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº
231/93, de 26 de Junho e 63º, nº 1, da anterior Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº 333/83, de 14 de Julho, bem assim, e quanto à segunda das normas constitucionais, o artº 69º da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº 29/ /82, de 11 de Dezembro), conjugado com os artºs 31º a 33º daquele mesmo diploma;
- o art 32º, nºs 1, 5 e 7 da Constituição da República Portuguesa encontra-se violado por força da errada aplicação e interpretação das instâncias sob recurso dos artºs 377º do Cód. Justiça Militar e 419º, al. b) do mesmo Cód. Justiça Militar, igual circunstância decorrendo do art. 458º do Cód. Justiça Militar;
- o art. 13º da Constituição da República Portuguesa encontra-se violado pelo art. 8º da Lei da Amnistia /(Lei nº 15/94, de 11 de Maio) e 12º, nº 7, do Cód. de Justiça Militar'.
E acrescentaram: 'Tais situações de inconstitucionalidades foram suscitadas nos articulados mencionados no requerimento de interposição do recurso'.
3.6. O recurso de constitucionalidade então interposto não foi admitido pelo despacho ora reclamado, podendo nele ler-se com interesse o que passa a transcrever-se:
'Ora, lendo estas peças processuais, maxime a alegação de recursos verifica-se que efectivamente nelas se argui a inconstitucionalidade dos aludidos artºs 92º, nº 1 do Dec-Lei nº 291//93, 63º, nº 1 do Dec-Lei nº 333/83 e 12º, nº 7 do Código de Justiça Militar.
0 mesmo não sucede, porém, com as restantes normas indicadas pelos recorrentes - os artºs 377º, 419º e 458º do C.J.M. e 8º da Lei nº 15/ /94 não só não são reputados inconstitucionais, como se pede a sua aplicação e do artº 69º da Lei nº 29/82 não se faz qualquer referência.
Deste modo, não pode o recurso versar sobre estas normas.
Quanto às efectivamente arguidas de inconstitucionais - citados artºs. 92º, nº
1, 63º, nº 1 e 12º nº 7 - não foram elas aplicadas pelo acórdão deste Tribunal, pelo menos como ratio decisionis.
De facto, expressamente se afastou a aplicação do artº 12º, nº 7 do C.J.M. (cfr. fls. 843v. in fine e 844).
Por outro lado também expressamente se declarou no acórdão: 'Por outro lado, as aludidas normas, na parte em que mandam aplicar o C.J.M. aos militares da G.N.R.
... são manifestamente constitucionais até por serem desnecessárias.
Na verdade, o C.J.M., como lei geral do País, aplica-se a toda a gente e os crimes por ele previstos podem ser cometidos por qualquer pessoa...
É certo que existem certos crimes que só podem ser cometidos por militares - os crimes militares próprios mas não é pelo simples facto de a lei mandar aplicar aos elementos militares da G.N.R. que estes passam a ser passíveis de cometer esses crimes'.
Como se vê, afirmou-se no acórdão de que se pretende recorrer que o disposto nos citados artºs 92º, nº 1 e 63º, nº 1 não tinham força suficiente para considerar os elementos da G.N.R. passíveis de cometer os crimes militares próprios.
Mais adiante se considerou que tal força provinha do artº 69º e 32º, nº 1 da Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro e do artº 4º, nº 2 do Dec-Lei nº 465/83, para além de outras disposições relativas à condição militar dos elementos da G.N.R., sendo certo que nenhuma dessas normas foi anteriormente arguida de inconstitucional'.
4. O repositório feito - forçosamente extenso, face ao que os reclamantes têm dito ao longo dos autos - evidencia que o presente recurso se abriga na alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82 (correspondendo ao artigo 280º, nº 1, b), da Constituição), pressupondo esse tipo de recurso a exaustão prévia dos recursos ordinários e ainda que a parte haja suscitado a questão de constitucionalidade antes da decisão recorrida e que nesta se aplique a norma (ou normas) sobre que incide a mesma questão.
Lê-se no acórdão recente deste Tribunal Constitucional nº
584/96:
'Na norma do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro [e na que lhe corresponde, do artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição], a locução 'durante o processo' exprime precisamente o desiderato da suscitação na pendência da causa da questão de constitucionalidade, em termos de essa mesma questão ser tida em conta pelo tribunal que decide.
Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização concreta de constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso de parte que dela participa. Aí, a questão de constitucionalidade é uma questão incidental, em estreita relação com o 'feito submetido a julgamento' (CRP, artº
207º), só podendo incidir sobre normas relevantes para o caso. O 'interesse pessoal na invalidação da norma' (G. Canotilho e Vital Moreira) só faz sentido e se concretiza na medida em que a parte confronte, em tempo, o tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional das normas que aí são convocáveis.
E é com esta leitura do sistema de controlo concreto das normas e, em particular, do enunciado do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, que o Tribunal Constitucional vem fixando o sentido da locução 'durante o processo'. Esse sentido - afirma-se em jurisprudência pacífica e reiterada - é um sentido funcional, que não formal: a inconstitucionalidade há-de ter sido suscitada não depois se haver esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria, até à extinção da instância, mas em momento em que o tribunal da causa pudesse ainda conhecer da questão (cf., entre outros, os acórdãos nºs 62/85, 90/85, 94/88,
479/89, D.R., II Série, de, respectivamente, 31-5-1985, 11-7--1985, 22-8-1988,
24-4-1992, e os acórdãos nºs 439/89 e 253/93, inéditos)'.
Por consequência, e como também se diz naquele acórdão nº
584/96, o 'pressuposto da suscitação da questão 'durante o processo', faz, pois, recair sobre as partes o ónus de adoptarem uma estratégia processual adequada à criação da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional'.
5. A partir daqui, tudo está em saber se estão ou não preenchidos aqueles pressupostos processuais e, para maior comodidade, vai fazer-se a verificação relativamente a cada norma ou grupo de normas que os reclamantes enunciam.
Começando pelas normas ou grupo de normas cuja inconstitucionalidade não foi suscitada pelos reclamantes durante o processo, nos termos expostos, verifica-se que falha o respectivo pressuposto processual quanto:
- às normas dos artigos 377º, 419º, b), e 458º, do Código de Justiça Militar, relativamente às quais se aponta a violação do artigo 32º, nºs 1, 5 e 7, da Constituição.
- à norma do artigo 8º da Lei da Amnistia (Lei nº 15/94, de 11 de Maio), relativamente à qual se aponta a violação do artigo 13º da Constituição.
- à norma do artigo 69º, conjugada com os artigos 31º a
33º, da Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro (Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas), relativamente à qual se aponta a violação dos artigos 168º, nº 1, q), e 167º, da Constituição.
Na verdade, e em relação a qualquer dessas normas, os reclamantes não respeitaram o ónus de adoptarem uma estratégia processual adequada à criação da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, pois não invocaram perante o Supremo Tribunal Militar, na respectiva alegação - e é este o momento relevante -, nenhuma questão de inconstitucionalidade, que proporcionasse uma pronúncia daquele Supremo Tribunal.
Assim, naquela alegação, é sob o título de 'arguição de nulidades' (nº II da alegação) que se desenvolve a temática dos reclamantes quanto à 'segunda ordem de razões igualmente determinantes da nulidade 'ab initio' dos presentes autos por violação da regras de competência, a qual, por mera cautela, se vem suscitar', aliás, na linha da arguição desde logo feita perante o Tribunal de primeira instância ('Radica toda a situação a sua desconformidade, em primeira linha, na obstinada vontade do Tribunal pretender prosseguir (como prosseguiu) um julgamento para o qual não tinha competência' - lê-se noutro passo da alegação).
Porém, não se encontra nenhuma invocação de inconstitucionalidade no que toca às citadas normas do Código de Justiça Militar, como desde logo se colhe da leitura das alíneas e) a i) das conclusões da alegação. E, quando os reclamantes falam episodicamente em inconstitucionalidade é para a reportar directamente à decisão condenatória da primeira instância e não àquelas normas, não se podendo colher desse episódio uma arguição normativa de inconstitucionalidade ('é nulo o Acórdão recorrido, desde logo por violação, nesse particular (e não só) o art. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa'; 'Sendo ofendidos, igualmente, os nºs 5
(...) e 7 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa pelo Acórdão recorrido'; 'A decisão então proferida viola, pelo exposto, o mencionado art.
32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (...)' - são as expressões utilizadas pelos reclamantes e reeditadas nas alíneas j) a n) da alegação).
Razão assiste, pois, ao despacho reclamado quando se aí diz que tais normas 'não só não são reputadas inconstitucionais, como se pede a sua aplicação', o que parece evidente pois seria do deferimento da 'arguição de nulidades' em causa que os reclamantes eventualmente obteriam proveito ('deve ser declarada a incompetência quer da Polícia Judiciária Militar para os actos de instrução, quer do Tribunal Militar para os actos de acusação e julgamento' -
é a essência do pedido dos reclamantes).
O mesmo se diga da norma do artigo 8º da Lei nº 15/94, de
11 de Maio, cuja aplicação, envolvendo um perdão de penas, os reclamantes pretendiam que fosse feita e, por isso, é que falam na violação dessa norma, mas sem qualquer suscitação de questão de inconstitucionalidade ('violando ainda o art. 8º, nº 1, da mesma Lei da Amnistia ao não aplicar o perdão consignado na mesma à pena incorrectamente aplicada aos ora recorrentes' - é o que se lê na alínea q) das conclusões da alegação).
Também aqui a razão está do lado do despacho reclamado.
Resta, por fim, a norma do artigo 69º, conjugado com os artigos 31º a 33º, da Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro (Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas), à qual os reclamantes imputam agora um vício de inconstitucionalidade orgânica.
Só que essa imputação não foi feita, podendo sê-lo, na alegação de recurso, quando os reclamantes abordam a temática da caracterização da Guarda Nacional Republicana e da sua sujeição à disciplina do Código de Justiça Militar (sendo que essa sujeição 'por norma da autoria do Governo dos membros da GNR a tal regime geral, envolve, assim uma dupla inconstitucionalidade orgânica' - é a afirmação essencial da tese dos reclamantes) e, conquanto em transcrição doutrinal e jurisprudencial, se referem
àquela Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, com identificação concreta do questionado artigo 69º, mas sem arguir nenhuma questão de inconstitucionalidade.
Nem se diga, como faz o Ministério Público - mas não o fazem os reclamantes -, que a aplicação de tais normativos pelo acórdão recorrido foi 'feita de surpresa', pelo que não houve anteriormente oportunidade de suscitar a questão, pois o posicionamento dos reclamantes na alegação desmente esse efeito 'surpresa'. Tanto mais que, sendo eles elementos da Guarda Nacional Republicana, bem conhecem as normas estatutárias que os regem e entre elas as normas da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas que se reportam
àquela Guarda.
6. Passando agora às normas ou ao grupo de normas cuja inconstitucionalidade teria sido suscitada pelos reclamantes durante o processo, verifica-se estar presente esse pressuposto processual quanto:
- às normas dos artigos 92º, nº 1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (Decreto-Lei nº 239/93, de 26 de Junho) e 63º, nº 1, da anterior Lei Orgânica (Decreto-Lei nº 333/83, de 14 de Julho, revogado entretanto por aquele diploma).
- à norma do artigo 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar.
Com efeito, e relativamente àquelas primeiras normas, não oferece dúvidas que a arguição da sua constitucionalidade tem sido o 'cavalo de batalha' da defesa dos reclamantes no processo militar que lhes foi instaurado
(desde a contestação apresentada perante o 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, sob o título: 'Da inconstitucionalidade inerente aos presentes autos', e culminando depois na alegação perante o Supremo Tribunal Militar, com clara identificação das normas questionadas, matéria condensada nas alíneas a) a d) das conclusões dessa alegação).
Quanto à norma do artigo 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar, ela também consta da mesma alegação, quando aí se aborda a
'inconstitucionalidade decorrente da violação do princípio da igualdade' (nº IV da alegação) e quando na conclusão p) se argui que 'ainda na parte que condenou de forma mais gravosa o recorrente Sereno exclusivamente em virtude de o mesmo ser graduado, sendo aí inconstitucional o art. 12º, 7, do Cód. Justiça Militar'.
7. Ponto é que tais normas tenham sido efectivamente aplicadas no acórdão recorrido, e é aqui que o despacho reclamado toma posição, afirmando-se que 'não foram elas aplicadas pelo acórdão (...), pelo menos como ratio decisionis'.
Mas, não colhe essa afirmação.
Assim, apesar de no acórdão recorrido se dizer que 'não pode ser levada em conta a circunstância 7ª (maior graduação) do artº 12º do C.J.M. imputada ao Sereno', a verdade é que, quanto à medida da pena, se considerou ser 'mais elevada a do recorrente Sereno por ser maior a sua culpa dadas as funções de comando que na altura exercia'.
Tal só pode significar, na linha do entendimento do Ministério Público, que foi feito no acórdão recorrido o apelo às 'funções de comando' do reclamante Sereno, e por essa via agravada a sua pena, convocando-se, em direitas contas, a circunstância 7ª (maior graduação) do artº
12º do Código de Justiça Militar.
Relativamente à norma da vigente Lei Orgânica da Guarda Nacional Repúblicana, é bem evidente que o acórdão recorrido se pronunciou largamente sobre a questão da 'competência do foro militar para julgar o processo ora sub judicibus' e foi apreciada a 'tese dos recorrentes', para se concluir que ela, 'na parte que mandam aplicar o C.J.M. aos militares da G.N.R. e só este segmento dos referidos preceitos está agora em causa, são manifestamente constitucionais até por serem desnecessárias'. Desta última afirmação - 'até por serem desnecessárias' - não se pode extrair a ilação de que tais normas não foram convocadas para a solução da dita questão da competência do foro militar, até porque, depois do acórdão, procedendo 'a uma análise mais profunda, embora breve, da questão', se intrometer no problema de saber 'se os militares da G.N.R. podem ou devem ser considerados como militares para efeitos das aludidas disposições do C.J.M.', acabou por concluir que 'os réus - militares da G.N.R. - são militares para efeitos do C.J.M., sendo igualmente evidente a competência dos tribunais militares para apreciar e julgar a acusação contra eles deduzida pela prática dos crimes essencialmente militares previstos nos artºs 88º e 95º do aludido Código' ('sendo igualmente evidente a competência dos tribunais militares' - é a expressão que ressalta dessa conclusão).
Tanto basta para ver aqui também uma aplicação da norma em causa da Lei Orgânica da Guarda Nacional Repúblicana.
Só que não tem qualquer utilidade o julgamento de tal questão de inconstitucionalidade, pois, qualquer que seja o sentido desse julgamento, sempre a competência dos tribunais militares derivará da norma do artigo 69º, conjugado com os artigos 31º e 33º, da Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro (Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas).
Nesta parte, portanto, no que toca aquele artigo 92º, nº
1, não se pode deferir a reclamação.
Quanto à norma do artigo 63º, da anterior Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (Decreto-Lei nº 333/83 de 14 de Julho), ela não foi obviamente aplicada no acórdão recorrido, pois só o poderia ter sido, a título de repristinação, se aquele artigo 92º, nº 1, tivesse sido desaplicado nesse acórdão, o que não sucedeu.
Também quanto à norma citada do artigo 63º, nº 1, da anterior Lei Orgânica, não pode ser deferida a reclamação.
8. Termos em que, DECIDINDO, defere-se, em parte, a reclamação, no que respeita à norma do artigo 12º, nº 7, do Código de Justiça Militar. Lisboa, 21.5.96 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida