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Proc. nº 232/96
1ª Secção
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
EXPOSIÇÃO DO RELATOR (ART. 78º-A, Nº 1, DA LEI DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL)
1. M... interpôs recurso de constitucionalidade, nos termos do art. 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 2 de Novembro de 1995, que negou provimento ao recurso de apelação por ele interposto, concedeu provimento ao incidente de despejo deduzido pelo senhorio apelado, F..., ordenando a entrega do locado a este último, 'imediata e livre de pessoas e bens', e condenou o apelante como litigante de má fé.
De harmonia com o requerimento de interposição do recurso, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie 'a inconstitucionalidade dos arts. 1083-2-B) do Cód. Civil e art. 5-2-B do RAU a qual foi suscitada nas alegações de recurso para esta Ven. Relação' (a fls. 193).
Este recurso foi admitido por despacho de fls. 194.
2. Pela leitura do acórdão recorrido, daí se retira que o mesmo aplicou as normas dos arts. 1083º, nº 2, alínea b), e 5º, nº 2, alínea b), do R.A.U (a fls. 189).
Estas normas excluem do regime vinculístico geral para os arrendamentos de prédios urbanos 'os arrendamentos para habitação, por curtos períodos, em praias, termas ou outros lugares de vilegiatura, ou para outros fins especiais transitórios' (alínea b) do nº 2 do art. 1083º do Código Civil) ou 'os arrendamentos para habitação não permanente em praias, termas ou outros lugares de vilegiatura ou para outros fins especiais transitórios' (art. 5º, nº 2, alínea b), do Regime de Arrendamento Urbano, R.A.U).
Nas alegações da apelação, o inquilino, ora recorrente, manteve a tese, que apresentara na contestação, de que o contrato de arrendamento por ele celebrado com o apelado não tinha o carácter de trnsitoriedade que havia sido reconhecido na sentença apelada, afirmando que, quando a acção de despejo havia sido proposta, ele e o senhorio já 'haviam celebrado pelo menos dois contratos de um ano' (a fls. 171 dos autos), e que teria sido acordado entre as partes que o arrendamento era para habitação e duraria dez anos, com aumentos anuais. Depois de sustentar que a sentença apelada havia violado o disposto nos arts.
1083º, nº 2, alínea b), e 1051º, alínea a), do Código Civil e o art. 5º, nº 2, alínea b), do R.A.U., o ora recorrente limitou-se a afirmar que a primeira e a terceira destas normas violaram o disposto no art. 65º da Constituição (a fls.
172 dos autos).
No acórdão recorrido, depois de se apreciar e valorar negativamente a conduta processual do apelante, considerou-se que subsistia 'inatacável, como provado, o contrato de locação a termo, o que acarreta a sua caducidade'.
E sobre a questão de constitucionalidade acrescentou-se o seguinte:
' É que apenas como natural reacção do vencido, se pode compreender a afirmação, mera afirmação, do apelante de que são inconstitucionais os citados arts. 1083º, nº 2, b) do C. Civil e 5º, nº 2, b) do R. A. U., enquanto violam o art. 65º da Constituição. É pacífico, quer no campo do direito constitucional, quer no jurisprudencial, que o art. 65º da C. R. P., em convivência com outros normativos constitucionais que consagram a tutela de direitos individuais, tem conteúdo e natureza programáticas. Fácil é, de resto, adivinhar a turbulência social necessariamente desencadeada por entendimento e prática contrárias. Bem se decidiu, portanto, ao decretar a caducidade, com as consequências daí decorrentes, ou seja, a entrega do locado e o pagamento das rendas vencidas e vincendas até entrega'. (a fls. 189 dos autos)
3. Entende o relator que a questão de constitucionalidade é simples, sendo o recurso de constitucionalidade manifestamente improcedente.
De facto, a matéria de facto apurada nos autos aponta para que o ora recorrente celebrou um contrato de arrendamento a termo, para fim transitório
('utilização temporária e transitória' - cfr. documento de fls. 24), constando do documento que o locado se destinava a disponibilizar um 'domicílio eventual' ao segundo outorgante por um certo período de tempo, 'em virtude da habitação principal se encontrar em obras'. Esta matéria de facto vincula o Tribunal Constitucional.
Ora, o art. 65º da Constituição não impede o legislador ordinário de consagrar normas que permitam contratos de arrendamento a termo.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional é pacífica no sentido de que o art. 65º da Lei Fundamental impõe ao Estado a concretização de tarefas determinadas, de natureza legislativa e administrativa, para concretização desse direito constitucional social, direito de natureza subjectiva, para uns, ou, noutro entendimento das coisas, mero direito a uma prestação não vinculada face aos Poderes Públicos (sobre este ponto, vejam-se os acórdãos nºs. 130/92 e
131/92, in Acordãos do Tribunal Constitucional, 21º volume, págs. 495 e segs.; e acerca da jurisprudência do Tribunal Constitucional, Ana Paula Ucha, 'Direitos Sociais', in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa,
1993, págs. 238 e segs.). De facto, se o Tribunal Constitucional tem entendido pacificamente que não viola o art. 65º da Constituição a faculdade de denúncia pelo senhorio, observados os requisitos legais, nos arrendamentos para habitação permanente, sem termo, por maioria de razão tem de entender que não é inconstitucional a caducidade quanto aos arrendamentos a termo, como sucede no caso sub judicio (sobre a não inconstitucionalidade do art. 1051º, nº 1, alínea c), veja-se o acórdão nº 381/93, in Diário da República, II Série, nº 234, de 6 de Outubro de 1993).
4. Notifiquem-se o recorrente e o recorrido do teor desta exposição, podendo pronunciar-se sobre a mesma, no prazo de cinco dias.
Lisboa, 21 de Março de 1996
O relator,
Procº nº 232/96 ACÓRDÃO Nº 712/96 Relator Cons. R. Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Nos autos à margem identificados, vindos do Tribunal de Relação de Lisboa, em que é recorrente M... e recorrido F..., no essencial pelas razões constantes da exposição do relator, elaborada nos termos do nº 1 do art.
78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido no que toca ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Maio de 1996
Ass) Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Dinis Luis Nunes de Almeida