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Procº nº 591/95. ACÓRDÃO Nº 564/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Pelo Tribunal Cível da comarca de Lisboa intentou A contra B, E.P. (em liquidação), acção visando ser esta última condenada a pagar-lhe determinados créditos, no montante de Esc. 798.424$00, resultantes de contrato de trabalho entre os dois celebrado.
Por saneador-sentença proferido no 7º Juízo daquele Tribunal Cível, foi a então ré - ora reclamada - absolvida do pedido, por isso que se entendeu que o então autor - ora reclamante - firmou documento por intermédio do qual renunciou 'a todos e quaisquer créditos que ... pudesse, eventualmente, ter sobre a R.', documento que consubstanciou uma 'forma de contrato, de harmonia com o disposto nos arts. 863º, nº 1 e 234º, ambos do Código Civil', renúncia que era 'inteiramente válida, porquanto foi efectuada já depois da cessação do contrato, seja de direito ou de facto, sendo certo que o contrato cessou com a extinção da R. operada pelo D.L. nº 137/85, de 3 de Maio'.
Da decisão tomada no aludido 7º Juízo recorreu A para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, na alegação que apresentou, formulado as seguintes conclusões:-
'a) ainda quando se pudesse concluir pela remissão, o certo é que o texto dos recibos apenas alude aos créditos emergentes da cessa- ção do contrato; b) ao omitir apreciação sobre os créditos emergentes da violação do contrato, no seu decurso, a douta sentença incorreu em omissão de pronúncia; c) o recorrente tem direito a esses créditos porquanto o despacho que autonomizou a recorrida em relação ao processo negocial carece de objecto visto que, à data da sua emissão, havia terminado o processo negocial; d) os créditos emergentes da cessação são irremissíveis, pelo que a douta sentença violou o artº 31º do dec.lei 372-A/75; e) os recibos constituem mera declaração unilateral de quitação das quantias disponibilizadas pelo Estado, por acto administrativo; f) ao decidir o contrário a douta sentença fez errada aplicação do artº 863º do C.C.; g) mesmo que assim se não entendesse, ao ignorar os factos provados, integrantes de coacção relativa ou compulsiva, a douta decisão recorrida violou conjugadamente, do artºs 334º e 255º 1. do C.C.'.
2. A Relação de Lisboa, por acórdão de 30 de Maio de
1995, negou provimento ao recurso.
Aí se disse:-
'............................................. Apreciação de Decisão
Afigura-se-nos que o acórdão vinculativo nº 162/95 do Tribunal Constitucional, publica- do no Diário da República, I, A, de 8-5-95, apenas tem incidência nestes autos quanto à questão levantada pelo autor de ser inconstitucional o art. 4, nº 1, c), do decreto-lei nº 137/85, de 3 de Maio, nenhuma outra em função do âmbito do recurso.
Na decisão sob apreço contem-se a proje ção dos dados de facto relevantes para apl cação do Direito.
Não tem razão o recorrente quando susten ta que o Sr. Juiz, na ponderação que fez para a decisão proferenda, omitiu o conspecto 'dos créditos emergentes da violação do contrato, no seu decurso', pois que a fls. 148 dos autos consta dessa decisão:
-'Perante a declaração exarada no doc. de fls. 64, não há dúvida que o A. renuncia ao direito de exigir eventuais direitos de crédito resultantes do contrato de trabalho que tivera com a R., em virtude de os considerar integralmente satisfeitos ao receber da C.T.M. o montante constante do recibo.
- 'É evidente que esta renúncia se refere a todos e quaisquer créditos que o A. pudesse, eventualmente, ter sobre a R., no momento da cessação do contrato de trabalho, já que, com esta, eram exigíveis todos os créditos emer- gentes da relação laboral.'
O sublinhado a que se procede, visa pre- cisamente destacar esse directo pronunciamen to.
E a decisão impugnada não pode deixar de manter-se.
Além dos arestos inseridos, por reprodução, nos autos, levam-se em especial conta estes outros:.................................
..............................................
Quando o autor, na réplica, expende (arts. 37 e ss.) sobre a coacção apenas tem projecção no plano extra-físico.
Porém, o que afirma para dar corpo à coacção moral apenas impende no plano do seu intra-subjectivo, pois que não alinha factos ou circunstâncias factuais integrantes de uma conduta materializada da ré no sentido de ilicitamente lhe impôr assinação em tal escrito - que é o que os arts. 255 e 256 do Código Civil prescricionam.
O que o autor aí expende só leva ao entendimento de que, no contexto social de então e particularmente quanto ao mundo do trabalho, ponderou prós e contras e, ainda que não satisfatoriamente, aquiesceu aceitar o negócio jurídico subjacente no doc. de fls. 64.
Porque assim, não tem viabilidade um per- curso processual para ineficientar a vinculação negocial assumida pelo autor naquele doc. de fls. 64.
.............................................'
3. Do aresto de que grande parte acima se encontra transcrita pretendeu A recorrer para o Tribunal Constitucional 'ao abrigo do disposto na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro', para tanto tendo apresentado requerimento onde disse que 'o douto acordão recusou a aplicação da decisão com força obrigatória geral contida no acordão nº
162/95, publicado no Diário da República I-A, nº 106 de 8 de Maio/95, com o alcance que é dado à declaração de inconstitucionalidade da alínea c) do nº 1 do artº 4º do Dec. Lei nº 137/85'.
Sobre tal requerimento exarou o Desembargador Relator da Relação de Lisboa despacho com o seguinte teor:-
'Petição recursória de fls. 258 dos autos:
- lidos os normativos citados na petição de recurso e o acórdão referido, tem-se por manifesto que a Relação não fez nem deixou de fazer aplicação do en- focado acórdão vinculante do Tribunal Constitucional, e por aí da referível norma jurídica, pela singela razão de que, dado o âmbito do recurso e os poderes de cognição do tribunal, não estava pendente questão de constitucionalidade (l.s.).
É, aliás, o que se contem entre linhas 12 a 18 de fls. 2 v. do nosso acórdão - o que se estabeleceu premonitoriamente do tipo de ponderação que se houve.
Assim, não tem cabimento recurso, pelo que não se o admite.
Custas do incidente pelo peticionante.
Notifique-se'.
Deste despacho reclamou A para o Tribunal Constitucional referindo, inter alia, que lhe assiste 'o direito de ver apreciada a matéria dos autos face à novíssima jurisprudência desse Tribunal por uma razão (entre outras) muito simples, a qual consiste na inovação trazida pelo Acordão 162/95 a propósito da debatida 'remissão abdicativa'.
Em jeito de fundamentar esse seu «direito», discreteou da seguinte forma:-
'.............................................
...entendeu-se, com frequência, até à publicação do citado aresto que a remissão abdicativa era questão substantiva a apreciar pelos Tribunais Judiciais e que nada tinha a ver com a ilegalidade ou inconstitucionalidade da alínea c) do nº 1 do artº 4º do Decreto-Lei nº 137/ /85.
Há que investigar se tal entendimento deve persistir ou se, pelo contrário, as coisas não são tão evidentes como parecem ser.
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Mas a novidade do Acordão do T.C. consiste, além de considerar inegável o direito à indemnização por cessação dos contratos dos trabalhadores de B pôr em causa a própria manutenção ou não manutenção dos contratos de trabalho. Diz-se isso no nº 2 do cap. III.
Há que extrair, como consequência necessária, que a subsistirem as relações laborais, ou melhor dizendo, a vigência dos contratos de trabalho, questão maioritariamente consagrada no T.C., a remissão dos créditos 'operada' pelo reclamante não tem o suporte legal que a sentença recorrida lhe confere. De facto, se não houve quebra do vínculo, o trabalhador não remitiu validamente o seu direito pois há subordinação, e não, liberdade para o fazer.
Parece, pois, irrecusável o pedido de apreciação questão pelo Tribunal Constitucional pelo que à luz do exposto, deve a presente reclamação ter acolhimento e admitida a subida imediata do recurso'.
Após solicitação em tal sentido levada a efeito pelo ora relator, a Relação de Lisboa, nos termos do artº 688º, nº 3, do Código de Processo Civil, lavrou, em 24 de Outubro de 1995, acórdão confirmando o despacho de não admissão do recurso.
3. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal exarou parecer no sentido de ser deferida a presente reclamação.
Cumpre decidir. II
1. Como se viu, o recurso intentado interpor pelo ora reclamante estribou-se na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o que o mesmo é dizer que, por via da desejada impugnação, o reclamante tenta censurar o acórdão prolatado na Relação de Lisboa em virtude de, na sua óptica, o mesmo ter convocado, em sede de suporte normativo da decisão que tomou, norma que, anteriormente, fora já julgada desconforme à Lei Fundamental pelo Tribunal Constitucional ou, mais concretamente e atendendo ao que pelo mesmo é expendido na sua peça processual, por ter proferido decisão contrariamente àquilo que se contem no Acórdão nº 162/95.
2. Sobre questão precisamente idêntica à presente debruçou-se já este Tribunal.
Fê-lo por intermédio do seu Acórdão nº 528/96, tirado por unanimidade em 28 de Março de 1996, em sessão plenária ao abrigo do disposto no artº 79º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e no processo de reclamação nº
627/95, aresto cuja fotocópia desde já se determina seja junta aos vertentes autos, igualmente se determinando que a notificação que venha a ser efectuada desta decisão verse identicamente sobre o conteúdo de tal Acórdão.
O juízo decisório aí tomado deverá também aqui ser seguido, tendo em conta a identidade da situação de que curam estes autos e daqueloutra que foi objecto do aludido Acórdão nº 528/96.
3. Em face do exposto, defere-se a presente reclamação, consequentemente se revogando o despacho reclamado, a fim de ser substituído por outro que determine a admissão do recurso.
Lisboa, 16 de Abril de 1996 Bravo Serra Fernando Alves Correia Messias Bento José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa