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Processo n.º 599/2011
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Procurador-Geral da República veio requerer a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º a 15.º, 16.º, n.os 1 e 2, 17.º, n.º 1, e 18.º do Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M, de 9 de dezembro, referente ao regime jurídico do exercício da atividade de executante de instalações elétricas de serviço particular, invocando os seguintes fundamentos:
– Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M, de 9 de dezembro (Estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade de executante de instalações elétricas de serviço particular), foi publicado no jornal oficial (Diário da República, 1.ª série, n.° 237, págs. 5497 a 5500), tendo entrado em vigor 30 dias após a sua publicação (artigo 21.°).
– Como consta do respetivo preâmbulo, o diploma em apreço foi aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira 'ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do artigo 227.º e do n.° 1 do artigo 228.º da Constituição (…)', no pressuposto de que as regras assim ditadas sobre “exercício da atividade” e “inspeção e sanções”, em matéria da atividade de executante de instalações elétricas de serviço particular naquela região, assumiam 'âmbito regional' e 'não estavam reservadas aos órgãos de soberania'.
– Porém, tal pressuposto não se verifica.
– Com efeito, as normas constantes dos artigos 1.° a 15.° do Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M, de 9 de dezembro, padecem de inconstitucionalidades orgânicas.
– O Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M, de 9 de dezembro, titula “regras de exercício” (melhor, “acesso”, “exercício” e 'permanência”) atinentes à “atividade de executante de instalações elétricas de serviço particular” na região (artigos 1.º a 15.°).
– As normas constantes das aludidas disposições, lidas conjugadamente, como um todo, instituem um procedimento administrativo tendente à emissão de “licença” pela Empresa de Eletricidade da Madeira, S. A. (EEM), para titular o “exercício” (“acesso”, “exercício” e permanência”) da aludida atividade na região.
– A administração pública regional fica assim investida de um poder de autorização, seja do “ingresso” e “permanência” (autorização com função de permissão), seja do “exercício” (autorização com função de controlo), da “atividade” em causa.
– Ora, as acima mencionadas disposições consubstanciam uma violação da reserva de competência dos órgãos de soberania, na medida em que constituem, verdadeiramente, uma “intervenção restritiva” da legislação regional na “liberdade de exercício de profissão”, que é uma posição jurídica fundamental compreendida no âmbito de proteção da “liberdade de escolha de profissão”, garantida pela Constituição (CRP, artigo 47.º n.° 1).
– Por outra parte, a “liberdade de exercício de profissão”, garantida pelo citado artigo 47.° (Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública), n.° 1, é de caracterizar, sistemática, estrutural e funcionalmente, como “direito, liberdade e garantia”, e como tal está enquadrada na parte I (Direitos e deveres fundamentais), título II (Direitos, liberdades e garantias), capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais) da Lei Fundamental.
– ssim, a dita “liberdade fundamental” está expressamente abrangida pela reserva relativa de competência legislativa do Parlamento, sendo, por conseguinte, “(...) da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre tal matéria, salvo autorização ao Governo”, ou seja, apenas a Assembleia da República, ou o Governo, credenciado com a pertinente “autorização legislativa”, poderão validamente dispor sobre esta matéria [CRP, artigo 165.°, n.° 1, alínea b)].
– A reafirmação desta “reserva relativa”, no que respeita à “autonomia legislativa” das regiões, decorre ainda do artigo 227.º, n.º 1, alínea b), do próprio texto constitucional, ao determinar que as mesmas têm o poder de “Legislar em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta”, todavia com exceção das previstas nas alíneas a) a c) do artigo 165.º da Constituição.
– Em sede dos “direitos, liberdades e garantias” não é pois sequer admissível a autorização legislativa do Parlamento a favor da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, como ocorre noutros domínios [CRP, artigo 227.°, n.° 1, alínea b)].
– Como nota a melhor doutrina, “a reserva abrange os direitos na sua integridade — e não somente as restrições que eles sofram (...)“ e, sobretudo, “A reserva é para todo o território nacional; ainda que certa lei se aplique, por hipótese, apenas numa das regiões autónomas, o órgão competente para a emitir — tendo em conta os critérios constitucionais de distribuição de poderes — é a Assembleia da República e não a respetiva assembleia legislativa regional” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra 2006, págs. 535).
– Neste sentido depõe a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, por exemplo expressa nos seus acórdãos n.° 258/2007, (n.° 9, in fine), n.° 423/08 (n.° 9) e n.º 125/10 (n.°s 6 e 8) [parece haver dois lapsos do requerente: no que respeita ao acórdão n.º 423/08 quererá provavelmente referir-se ao n.º 8, e no que concerne à indicação do último acórdão citado, quererá porventura referir-se ao adiante citado acórdão n.º 304/11, e apenas no seu n.º 6, proferido no processo n.º 125/10].
– Sendo atos ultra vires, porque exorbitam do quadro da repartição de competências legislativas entre os órgãos de soberania e as regiões autónomas, versando competências legislativas reservadas pela Constituição à Assembleia da República, ou ao Governo, credenciado com a pertinente “autorização legislativa”, as normas constantes dos artigos 1.º a 15.º do diploma em apreço, como um todo, são organicamente inconstitucionais [CRP, artigos 47.º, n.° 1, 165.°, n.° 1, alínea b), 227.°, n.° 1, alíneas a) e b), 228.°, n.° 1].
– Por outra parte, as normas constantes dos artigos 1.º a 15.° deste diploma produzem efeitos que transcendem o “âmbito regional”, ao qual estão circunscritas por imperativo constitucional (CRP, artigos 225.°, n.° 3, 227.°, n.° 1. alínea a), e 228.°, n.° 1).
– Com efeito, tal “intervenção restritiva” produz, direta e imediatamente, efeitos em todo o território nacional e, mais latamente, em todo o “mercado interno” da União Europeia, nomeadamente em sede de livre circulação de pessoas e de serviços, criando um “segmento de mercado” circunscrito ao âmbito regional.
– Na verdade, ainda que titulares de um “alvará”, emitido pelo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (DL n.° 12/2004, de 9 de janeiro, maxime artigo 4.°, n.° 1), ou de “inscrição” na direção regional de economia, na Ordem dos Engenheiros ou na Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos (DR n.° 31/83, de 18 de abril, alterado pelo DL n.° 229/2006, de 24 de novembro, maxime artigo 7.º, n.°s 1 e 5), os interessados em exercerem a atividade de executante de instalações elétricas de serviço particular, na região, carecerão de requerer, obter e revalidar, nos termos do regime jurídico em apreço, a pertinente “licença” (artigos 3.º, 4.°, 6.° e 11.º, n.°s 1 e 2).
– Quanto aos trabalhadores (ou prestadores de serviços) dos demais Estados-membros da União, para os ditos efeitos e ainda que titulares de “habilitação” outorgada no Estado de origem, carecerão, igualmente, de requerer, obter e revalidar, nos termos do regime jurídico em apreço, a pertinente “licença” (artigos 3.°, 6.° e 11, n.os 1 e 2).
– Logo, as normas constantes do artigos 1.º a 15.° do diploma em apreço, como um todo, têm efeito extrarregional, determinam ingerência na posição jurídica dos demais trabalhadores e prestadores de serviços, no mercado nacional e no mercado interno, transcendendo o “âmbito regional” de eficácia, em sentido “material”, que a Constituição fixa à autonomia legislativa das regiões, pelo que também por esta razão são organicamente inconstitucionais (CRP, artigos 225.°, n.° 3, 227.°, n.° 1, alínea a), 228.°, n.° 1, e 277.°, n.° 1).
? Importa, finalmente, referir que o Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.° 258/2007 (n.° 10), explicitou e aplicou este critério, do “âmbito regional” de eficácia, em sentido “material”, como limite constitucional à competência legislativa regional, pronúncia que reiterou e apurou no muito recente acórdão n.° 304/2011 (n.° 6).
– As normas constantes dos artigos 16.°, n.°s 1 e 2, 17.°, n.° 1, e 18.° (regras sobre “inspeção e sanções”) do DLR n.° 24/2010/M, também padecem de inconstitucionalidade orgânica.
– Com efeito, o Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M, contém ainda prescrições sobre “inspeção e sanções” (artigos 16.° a 18.°).
– Quanto às regras em matéria de “Inspeção e sanções”, no que agora diretamente nos interessa, definem ilícitos de mera ordenação social e as respetivas sanções, cometendo ao “Instituto da Construção e do Imobiliário” (INCI) competência para receber participações relativas a “quaisquer infrações ao presente diploma e respetivas disposições regulamentares” (artigo 16.°, n.° 1), para “a aplicação de coimas” (artigo 16.°, 2), para “a ação sancionatória” (artigo 17.°, n.° 1) e, bem assim, o dever desse INCI “informar” a EEM, “quando haja lugar à aplicação de sanções acessórias” (artigo 18.°).
–Por virtude de tais disposições, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira imputa diversos poderes e deveres ao INCI, instituto público integrado na administração indireta do Estado, instituído sob superintendência do Governo (CRP, artigos 198.°, n.° 1, alínea a), e 199.°, alínea d), e DL n.° 144/2007, de 27 de abril), a saber: receber participações, aplicar coimas, exercer a ação sancionatória e informar sobre a aplicação de sanções acessórias (artigos 16.°, n.°s 1 e 2, 17.°, n.° 1, e 18.°).
– Além disso, dispor sobre a competência do dito instituto público é matéria reservada pela lei constitucional, em exclusivo, ao Governo, enquanto se consubstancia em “fazer decretos-lei em matérias não reservadas à Assembleia da República”, sobre um ente da administração indireta do Estado [CRP, artigos 198.°, n.° 1, alínea a), e 199.°, alínea d)].
– Sendo atos ultra vires, porque exorbitam do quadro da repartição de competências legislativas entre os órgãos de soberania e as regiões autónomas, versando competências legislativas reservadas pela Constituição ao Governo, as normas constantes dos artigos 16.°, n.°s 1 e 2, 17.°, n.° 1, e 18.°, do diploma em apreço, são organicamente inconstitucionais (CRP, artigos 198.°, n.° 1, alínea a), 225.°, n.° 3, 227.°, n.° 1, alínea a), 228.°, n.° 1).
– Com efeito, as normas constantes dos artigos 16.°, n.°s 1 e 2, 17.°, n.° 1, e 18.°, do diploma em apreço, dispõem sobre as competências de um instituto público instituído e sob superintendência do Governo, afetando a posição jurídica deste órgão de soberania.
–Transcendem, portanto, o “âmbito regional” de eficácia, na sua dimensão “institucional”, constitucionalmente cometido à competência legislativa das regiões, pelo que são organicamente inconstitucionais (CRP, artigos 225.°, n.° 3, e 227.°, n.° 1, alínea a)).
– Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional, nos citados acórdãos n.° 258/2007 (n.° 10) e n.º 304/2011, em geral (n.° 6).
– Em conclusão, os artigos 1.° a 15.°, como um todo, relativos ao “exercício da atividade de executante de instalações de serviço particular”, violam a reserva de competência estabelecida pela Constituição a favor dos órgãos de soberania, no caso a Assembleia da República, ou o Governo, credenciado por “autorização legislativa” e violam também o “âmbito regional” de eficácia a que estão constitucionalmente adstritas, pelo que são organicamente inconstitucionais (CRP, 165.°, n.° 1, alínea b), com referência ao artigo 47.°, n.° 1 e, ainda, artigos 227.°, n.° 1, alíneas a) e b), 228.°, n.° 1, e 225.°, n.º 3);
–E os artigos 16.°, n.°s 1 e 2, 17.°, n.° 1, e 18.°, relativos a “inspeção e sanções”, violam a reserva de competência legislativa estabelecida pela Constituição a favor dos órgãos de soberania, no caso o Governo, e violam ainda o “âmbito regional” de eficácia a que estão constitucionalmente adstritas, pelo que são organicamente inconstitucionais (CRP, artigos 198.°, n.º 1, alínea a), 227.°, n.º 1, alínea a), 228.°, n.º 1 e 225.°, n.º 3).
– Nestes termos, deve ser declarada a inconstitucionalidade orgânica das normas contidas nos mencionados artigos do Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M, de 9 de dezembro.
Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio dizer o seguinte:
–O direito fundamental à liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho em nada é beliscado pelo que estabelecem os artigos 1.° a 15.° do Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M.
– Na verdade, não se estabelecem nos referidos normativos quaisquer proibições nem sequer nenhuma incompatibilidade para aceder à atividade profissional de “executante de instalações elétricas de serviço particular”, pelo que não resulta ofendido o direito constitucional consagrado no n.° 1 do artigo 47.º da lei fundamental portuguesa, relativo à liberdade de escolha de profissão.
–Através do Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M, o legislador regional visou e visa tão-somente, acautelar, no âmbito da sua esfera de competência legislativa a Região Autónoma da Madeira, um direito fundamental constitucionalmente garantido: o direito dos consumidores à qualidade dos bens e serviços, previsto no artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa.
– Assim, entendemos que ao regular a atribuição de licenças para execução de uma atividade conducente à prestação de um serviço essencial, os artigos 1.º a 15.° do Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M, cumprem princípios e preceitos constitucionais e não colidem com o direito à liberdade de escolha de profissão ou género de atividade, nem, por consequência, contendem com a competência reservada aos órgãos de soberania, designadamente, não violam matéria respeitante a direitos, liberdades e garantias, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 165.° da Constituição.
– De resto, na medida em que os dispositivos legais contidos nos artigos l.º a 15.° do Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M, são de aplicação circunscrita à Região Autónoma da Madeira, há que entender que não é ultrapassado o âmbito regional que delimita o poder legislativo da Região consagrado na alínea a) do n.° 1 do artigo 227.° da Constituição da República.
– No que respeita aos artigos l6.°, n.° 1 e 2, 17,°, n.º 1 e 18.°, do Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M, que o Procurador-Geral da República considera também inconstitucionais deve começar por se dizer que não colhe o argumento de invasão de competência reservada ao Governo da República, porquanto, as normas constantes dos mencionados artigos, mais não fazem do que remeter para a aplicação de poderes e deveres já inseridos nas atribuições do INCI, por legislação nacional aprovada pelo Governo da República.
– Que assim é, mostram-no, concretamente, o Decreto-Lei n.° 12/2004, de 9 de janeiro, invocado no diploma regional, ainda referente ao antigo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI), bem como o diploma que aprovou a orgânica do INCI, o Decreto-Lei n.° 144/2007, de 27 de abril.
– Na verdade, estabelece o n.° 1 do artigo 3.° do citado Decreto-Lei n.° 144/2007, que o INCI, tem por missão '...regular e fiscalizar o setor da construção e do imobiliário...' e mais adiante o n.° 1 do artigo 18.º do mesmo diploma dispõe, em matéria de poderes de fiscalização e inspeção que “No exercício das suas atribuições de fiscalização e inspeção, incumbe ao INCI, promover e fiscalizar o cumprimento da legislação aplicável ao setor da construção e do imobiliário, realizando as necessárias ações de inspeção...”, normativos estes que evidenciam que as responsabilidades em causa não são imputadas ao INCI, pelos artigos 16.°, n.º 1 e 2, 17.°, n.° 1 e 18.º, do Decreto Legislativo Regional n.° 24/20l0/M, mas sim, por diplomas de âmbito nacional, emanados do Governo da República, que definiram tais poderes e deveres como sendo da responsabilidade do INCI, mais não fazendo as normas regionais, ora impugnadas pelo Senhor Procurador-Geral da República, do que refletir esse núcleo de poderes e deveres do INCP.
– Do referido decorre que os artigos 16.°, n.ºs 1 e 2, 17.°, n.° 1, e 18.° do Decreto Legislativo Regional n° 24/20l0/M, ou quaisquer outros do mesmo diploma, não invadem matéria reservada ao Governo da República ou a qualquer outro órgão de soberania e, por si mesmas, não imputam poderes e deveres ao INCI, entidade da administração indireta do Estado, e portanto também na parte destes citados normativos não é extravasado o âmbito regional que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.° da Constituição, delimita a competência legislativa regional.
–Pelas razões invocadas e as demais aplicáveis, conclui-se que nenhuma das normas contidas no Decreto Legislativo Regional n.° 24/2010/M colide com matéria reservada aos órgãos de soberania nem desrespeita o âmbito regional, e que todas elas respeitam os limites constitucionais, devendo manter-se na ordem jurídica, onde, a nível regional, contribuem para a boa prossecução do direito fundamental dos consumidores à qualidade dos bens e serviços, consagrado no artigo 60.° da nossa Lei Fundamental
Elaborado o memorando a que alude o artigo 63º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional e fixada a orientação do Tribunal, cabe decidir.
II. Fundamentação
2. O Requerente pede a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 1.º a 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M, de 9 de dezembro, por violação da reserva de competência da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea b), referido ao artigo 47.º, n.º 1, da Constituição) e do âmbito do poder legislativo regional (artigos 227.º, n.º 1, alínea a), e 228.º, n.º 1, da Lei Fundamental), e a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 16.º, n.os 1 e 2, 17.º, n.º 1, e 18.º, por invasão da reserva de competência do governo (invocando os artigos 198.º, alínea a), e 199.º, alínea d), da Constituição) e também por violação do âmbito do poder legislativo regional, consagrado nos citados artigos 227.º, n.º 1, alínea a), e 228.º, n.º 1.
Como resulta da respetiva nota preambular, o Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M destina-se a «regular a atividade de executante de instalações elétricas de serviço particular mediante a definição das regras de acesso e de permanência naquela atividade», e visa «a melhoria na qualidade e segurança das instalações elétricas» por via do aumento da competência e responsabilização do executante e em vista a uma «diminuição objetiva de não conformidades na execução».
Pretende-se, desse modo, suprir a falta de regulamentação do licenciamento da atividade de executante de instalações elétricas de serviço particular, que se considera ser reportada à execução, ampliação, renovação ou remodelação de uma qualquer instalação elétrica de serviço particular, e se entende ser distinta da exercida pelos técnicos responsáveis pelo projeto de instalação elétrica, cuja atividade se encontrava já regulada pelo Decreto-Lei n.º 26852, de 30 de julho de 1936, e pelo Decreto-Regulamentar n.º 31/83, de 18 de abril (alterado pelo Decreto-Lei n.º 229/2006, de 24 de novembro).
Em concretização desse propósito legislativo, o diploma em causa prevê que o exercício da atividade de executante de instalações elétricas fique dependente de licença a conceder pela EEM — Empresa de Eletricidade da Madeira, S. A., que confere ao seu titular autorização para executar os trabalhos relativos aos tipos de instalações nela explicitados (artigo 3º), sendo a licença válida por um período máximo de 12 meses e revalidada segundo o procedimento especialmente previsto no artigo 11º.
Conforme prescreve o artigo 4º, os interessados que requeiram a licença para o exercício da atividade de executantes de instalações elétricas de serviço particular devem: (a) comprovar possuir o alvará para a atividade de construção correspondente à categoria de trabalhos a realizar, conforme o Decreto-Lei n.° 12/2004, de 9 de janeiro, exceto nos casos de isenção consignados no artigo 5.°; (b) definir os tipos de instalações para os quais se consideram aptos; (c) apresentar as habilitações académicas, os cursos de formação e a experiência profissional comprovada do pessoal constituinte do seu quadro técnico.
Ainda segundo o artigo 6º, a manutenção da licença depende da posse do alvará, exceto nos casos de isenção, e da comprovação da experiência profissional, que, nos termos do artigo seguinte, é avaliada em função dos seguintes critérios: (a) habilitações académicas, cursos de formação e experiência comprovada do pessoal constituinte do seu quadro técnico; (b) instalações executadas; (c) execução de instalações em curso; (d) elementos constantes do relatório dos técnicos responsáveis por execução de instalações elétricas de serviço particular.
As licenças atribuídas ficam sujeitas a regime provisório, até à data em que ocorrer a segunda revalidação após a inscrição, consistindo esse regime na concessão provisória de qualificação (artigo 9º, n.º 1). No termo do regime provisório, a qualificação será mantida ou automaticamente reclassificada, em função da experiência que o executante demonstrar, mediante trabalhos executados ou em curso, havendo lugar ao cancelamento da licença, no caso de não realização de qualquer trabalho no prazo de dois anos (artigo 9º, n.ºs 2 e 3).
A licença definitiva (obtida no momento da segunda revalidação, se não tiver sido entretanto cancelada por efeito do disposto no artigo 9º, n.º 3, alínea b)), é revalidada, de forma automática, mas poderá ser reclassificada no nível imediatamente inferior, e cancelada se o nível anterior for 1, quando se verifique que o executante de instalações elétricas de serviço particular não apresenta prova de experiência na execução, durante os cinco anos anteriores, de, pelo menos, uma instalação elétrica, devidamente comprovada (artigo 11º, n.º 2).
Por sua vez, a norma do artigo 8º impõe aos técnicos responsáveis por execução de instalações elétricas de serviço particular o dever de comunicação à Empresa de Eletricidade da Madeira de diversos elementos de informação que se destinam a identificar o tipo de instalação elétrica em que intervém o executante, a permitir o acompanhamento dos trabalhos de execução e a detetar eventuais ocorrências que ponham em causa a boa execução da instalação elétrica. Enquanto que as subsequentes normas dos artigos 12º a 15º referem-se à instrução dos pedidos de inscrição, de elevação de nível de qualificação e de revalidação, à tramitação do procedimento, ao registo de informações sobre os executantes e aos deveres de informação que a estes incumbem no âmbito do exercício da atividade.
3. Como se depreende da referida norma do artigo 4º, alínea c), o Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M parece pretender regular, não a mera atividade do executante material de instalações elétricas de serviço particular, mas a atividade empresarial que tenha por objeto a execução desse tipo de trabalhos, só assim se compreendendo que um dos requisitos de que depende a atribuição da licença se reporte às habilitações académicas, cursos de formação e experiência profissional do pessoal que integra o «quadro técnico» da entidade requerente.
No entanto, por força da remissão feita pela alínea a) desse artigo 4º para o Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro, o âmbito subjetivo do diploma não pode deixar de abranger a pessoa singular ou coletiva que se encontre habilitada a exercer a atividade da construção, conforme expressamente decorre da definição constante do artigo 3º, alínea b), desse Decreto-Lei (na redação resultante do Decreto-Lei n.º 69/2011, de 15 de junho), nada obstando, por conseguinte, a que a inscrição para a execução de instalações elétricas de serviço particular possa ser requerida tanto por um empresário em nome individual como por uma sociedade comercial que tenha por objeto social esse tipo de atividade.
Por outro lado, a atividade empresarial que aqui possa estar em causa, quer seja exercida a título individual ou sob a forma societária, confunde-se com o próprio exercício da profissão que tenha por objeto a execução de instalações elétricas, no ponto em que existe uma coincidência objetiva entre a realização da atividade da empresa e o desempenho profissional do pessoal que lhe está afeto. Assim se explica que um dos requisitos de que depende a atribuição da licença e a sua revalidação seja definido por referência à qualificação profissional dos trabalhadores que integram o quadro da empresa, e que é revelada, nos termos previstos nos artigos 4º, alínea c), 6º, alínea b), e 7º, alínea a), pela formação académica e pela formação e experiência profissionais, permitindo inferir que a possibilidade de obtenção de autorização para o exercício da atividade (bem como a sua manutenção) está diretamente relacionada com as condições técnicas que a empresa detém, através do seu pessoal, para o exercício profissional daquela atividade.
Acresce que a transição do regime provisório para a inscrição definitiva e a sucessiva revalidação da licença depende da experiência demonstrada em obra, mediante a avaliação dos trabalhos executados ou em curso, podendo ocorrer o cancelamento da licença concedida, no termo do regime provisório ou no âmbito de qualquer dos posteriores procedimentos de revalidação, por falta de prova de experiência de execução.
Como tudo indica, as exigências impostas pelo Decreto Legislativo Regional não correspondem a um mero requisito formal que as empresas, enquanto unidades económicas, possam facilmente satisfazer, mas relevam de um procedimento de avaliação que envolve, em certa medida, uma larga de margem de livre apreciação por parte da Administração, no ponto em que implica a apreciação e valoração de fatores que não são estritamente vinculados (como sucede com a experiência profissional) e que, em qualquer caso, apenas poderão ser preenchidos através do nível de qualificação do respetivo pessoal.
Neste sentido, o regime definido pelo diploma em apreço afeta a liberdade de profissão dos executantes de instalações elétricas que sejam trabalhadores por conta própria, e, reflexamente, dos trabalhadores subordinados, na medida em que estes possam ficar impedidos de aceder ao exercício da sua profissão por efeito de denegação da licença ou do cancelamento da licença que tiver sido concedida para a correspondente atividade empresarial.
4. Conforme o disposto no artigo 165º, alínea b), da Constituição, é da competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre direitos, liberdades e garantias, entendendo-se que a reserva legislativa abrange todos os direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da Constituição.
Aqui se inclui o direito à livre escolha de profissão a que se refere o artigo 47º, n.º 1, que assegura a todos «o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade».
Na sua vertente de direito de defesa, a liberdade de escolha de profissão implica que se não possa ser forçado a escolher (e exercer) uma determinada profissão e se não possa ser impedido de escolher (e exercer) qualquer profissão para a qual se possua os necessários requisitos, bem como de obter esses mesmos requisitos.
Por outro lado, a liberdade de escolha de profissão não consiste apenas na faculdade de escolher livremente a profissão desejada, mas garante constitucionalmente os seus diversos níveis de realização, incluindo a obtenção das habilitações académicas e técnicas para o exercício da profissão, o ingresso na profissão e o exercício da profissão, pelo que é de entender que o exercício livre da profissão está igualmente inserido no âmbito normativo de protecção do artigo 47.º, nº 1.
Acresce que o conceito de profissão ou género de trabalho cobre não apenas as profissões de conteúdo funcional estatutariamente definido, mas também toda e qualquer atividade não ilícita suscetível de constituir ocupação ou modo de vida, pelo que nenhuma razão existe para excluir a garantia constitucional do artigo 47º, n.º 1, em relação a certa espécie ou tipo de trabalho (sobre todos estes aspetos, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol. 4ª edição, Coimbra, págs. 653-655).
5. Devendo entender-se, nos termos já antes expostos, que o Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M, ao estabelecer o regime jurídico aplicável à atividade de executante de instalações elétricas de serviço particular, fixa condições específicas para o exercício de uma atividade empresarial que se reflete, direta ou indiretamente, no livre exercício de uma profissão, limitando o universo de pessoas que a ela poderão aceder, haverá de concluir-se que essa matéria, por incidir sobre direitos, liberdades e garantias, apenas poderá ser regulada por lei parlamentar ou diploma governamental autorizado.
Tanto que as normas em causa versam sobre as condições ou requisitos substanciais de acesso ao exercício da profissão e não sobre aspetos meramente secundários ou adjetivos da regulamentação da atividade, pelo que interferem no direito de liberdade de escolha de profissão e estão cobertos pela dimensão garantística do artigo 47º, n.º 1, da Constituição (fazendo esta distinção, o acórdão n.º 368/2003).
É nesta linha de orientação que o Tribunal Constitucional sempre se tem posicionado, ao considerar que as disposições que estabelecem requisitos condicionantes do acesso, do exercício e da interdição de profissão se enquadram no contexto da liberdade de escolha de profissão e respeitam a matéria de reserva relativa de competência da Assembleia da República (acórdãos n.ºs 255/2002, 368/2003, 355/2005, 3/2011, 362/2011).
E, sendo assim, no caso concreto, essa competência não cabia no âmbito do poder legislativo regional, que, nos termos previstos no artigo 227º, n.º 1, alínea a), da Constituição, está necessariamente limitado por referência a matérias «que não estejam reservadas aos órgãos de soberania», limite negativo que, por si só, impede a intervenção legislativa regional.
Certo é que a entidade requerida invoca, na sua resposta, que o legislador regional, ao tornar a atividade de executante de instalações elétricas dependente da atribuição de licença, agiu em ordem a assegurar o cumprimento de um direito constitucionalmente garantido, qual seja, o direito dos consumidores à qualidade dos bens e serviços, a que se refere o artigo 60º da Lei Fundamental.
Importa notar, no entanto, que a existência de um valor constitucionalmente relevante, por contraposição ao direito de livre escolha de profissão, apenas pode justificar a imposição de restrições de índole subjetiva no acesso à profissão, e não interfere com os critérios de repartição de competência legislativa. E, assim, ainda que houvesse um fundamento bastante para o estabelecimento de condicionamentos ao exercício da atividade, essa circunstância não poderia afastar a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 666/2006).
Nestes termos, as normas dos artigos 1º a 15º do Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010 são inconstitucionais por violarem o âmbito do poder legislativo regional, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 227º, nº 1, alínea a), e 165º, nº 1, alínea b), com referência ao artigo 47º., nº 1, da CRP.
6. Vem questionada ainda a inconstitucionalidade dos artigos 16.º, n.os 1 e 2, 17.º, n.º 1, e 18.º, do Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M, por violação da competência reservada do Governo e por violação do âmbito do poder legislativo regional, em aplicação do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea a), e 228.º, n.º 1, da Constituição.
Esses preceitos pretendem atribuir ao Instituto de Construção e Imobiliário, I.P, na qualidade de entidade reguladora do setor da construção e imobiliário, a competência para receber informação sobre infrações relativas ao exercício da atividade de executante de instalações elétricas em desconformidade com o estabelecido no Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M e exercer a ação sancionatória (artigos 16º, n.ºs 1 e 2, e 17º, n.º 1), contemplando ainda deveres de informação a cargo desse Instituto no que se refere à aplicação de sanções acessórias (artigo 18.º).
Trata-se, por conseguinte, de disposições atinentes à fiscalização e sancionamento de infrações ao regime jurídico de licenciamento da atividade de executante de instalações elétricas, que têm como pressuposto necessário a preexistência das precedentes normas que regulam essa matéria, e que se tornam inoperantes por efeito da declaração de inconstitucionalidade incidente sobre essas outras disposições.
Caracterizando-se como normas instrumentais relativamente a outras já julgadas inconstitucionais, que foram impugnadas expressamente, e, como tal, se encontram abrangidas pelo princípio do pedido, nada impede que o Tribunal possa declarar, quanto a elas, a inconstitucionalidade consequente, em face da necessária relação de dependência com as disposições de caráter principal que foram atingidas pelo anterior juízo de inconstitucionalidade, ficando assim prejudicada a apreciação dos vícios que lhes foram autonomamente imputados (neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 563/2003; quanto à admissibilidade da declaração de inconstitucionalidade consequente de normas expressamente impugnadas, Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional, Tomo I, 2ª edição, págs. 182-183)).
III - Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar, com força obrigatória geral, por violação das disposições conjugadas dos artigos 227, nº 1, alínea a), e 165.º, n.º 1, alínea b), referido ao artigo 47.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º a 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M, de 9 de dezembro;
b) Declarar a inconstitucionalidade consequente dos artigos 16.º n.ºs 1 e 2, 17.º, n.º 1, e 18.º, do mesmo diploma regional.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – Ana Maria Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa – João Cura Mariano (vencido nos termos da declaração que anexo) – Joaquim de Sousa Ribeiro – (vencido, nos termos da declaração que anexo) – Vítor Gomes (vencido, nos termos da declaração anexa). – Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme declaração. – Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração de voto do Senhor Conselheiro Sousa Ribeiro, para a qual remeto) – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Divergi do julgamento de inconstitucionalidade porque entendo que as normas regionais em causa se limitam a exigir o licenciamento da actividade empresarial de execução de instalações electricas de serviço particular, não consagrando, directa ou indirectamente, qualquer condicionamento pessoal ao exercício de uma profissão.
Na verdade, só se verificam condicionamentos ao direito à livre escolha e exercício de uma profissão, constante do artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, quando as medidas em causa se traduzam na fixação de requisitos subjectivos de acesso a uma actividade profissional e tenham por isso o efeito de delimitar positiva ou negativamente o universo de pessoas que a podem exercer.
Ora, os requisitos exigidos pelas normas sob fiscalização não se destinam a pessoas, mas sim a empresas, enquanto organizações produtivas, sendo irrelevante que a sua titularidade possa pertencer a um empresário em nome individual ou a uma sociedade unipessoal.
Não se exige que determinada pessoa para exercer a profissão de electricista tenha que reunir certos requisitos, nomeadamente a obtenção de qualquer licença, mas sim que as empresas, em sentido objectivo, isto é enquanto organizações produtivas, se encontrem licenciadas.
Daí que não se possa considerar que as normas fiscalizadas consagrassem qualquer limitação ao direito à livre escolha e exercício de uma profissão, exigindo que a sua emissão só pudesse ser levada a cabo pela Assembleia da República, por força do disposto nos artigos 165.º, alínea b) e 47.º, da Constituição.
As normas em causa têm um campo de aplicação limitado à Região Autónoma da Madeira e quando, nos artigos 17.º, n.º 1, e 18.º, do Decreto em apreço, estabelecem que as sanções contra-ordenacionais são aplicadas pelo INCI, não definem ou estendem a competência de uma entidade que opera a nível nacional, limitando-se a referir uma competência já definida por lei da República (artigo 19.º, do Decreto-Lei n.º 144/2007, de 27 de Abril), pelo que não deixam de ter um âmbito circunscrito à própria região.
Por estas razões entendi que as normas fiscalizadas foram emitidas a coberto da autonomia legislativa que se encontra reconhecida nos artigos 227.º, n.º 1, a), e 228.º, n.º 1, da Constituição, por terem um âmbito regional e não se situarem em matéria reservada a órgão de soberania, não sofrendo, por isso, do vício de inconstitucionalidade.- João Cura Mariano.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Como reconhece o acórdão em que esta declaração se integra, o Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M regula «não a mera atividade material de instalações elétricas de serviço particular, mas a atividade empresarial que tenha por objeto a execução desse tipo de trabalhos».
Em conformidade, quando o diploma refere o “executante de instalações elétricas”, como o sujeito destinatário das suas prescrições, não está a identificar o profissional que leva a cabo essa tarefa, mas a empresa contratada para a “execução, a ampliação, a renovação ou a remodelação de uma qualquer instalação elétrica de serviço particular” (artigo 2.º). A habilitação para a realização desses trabalhos fica dependente de uma licença, cuja concessão exige a verificação de determinados requisitos.
A natureza dos requisitos fixados nas alíneas a) e c) do artigo 4.º põe concludentemente a claro a incidência subjetiva acima atribuída ao diploma. A primeira daquelas normas exige a comprovação, pelos interessados, de possuírem o alvará aplicável, sendo que, nos termos da alínea j) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro, para que aquele preceito remete, “alvará” é o “documento que relaciona todas as habilitações detidas por uma empresa”; a segunda exige a apresentação de elementos respeitantes às qualificações do “pessoal constituinte do seu quadro técnico”, o que, identicamente, subentende uma organização empresarial. De igual modo, também entre os requisitos de permanência estabelecidos no artigo 6.º, consta a experiência profissional, avaliada, além do mais, nos termos da alínea a) do artigo 7.º, em função de “habilitações académicas, cursos de formação e experiência comprovada”, não do próprio executante, mas “do pessoal constituinte do seu quadro técnico”.
Do que fica dito há a reter que o diploma não regula diretamente o exercício da profissão de eletricista, mas o exercício de uma atividade integrada na construção civil que implica o recurso a “pessoal” deste setor profissional – sem prejuízo da eventual coincidência da pessoa do titular da empresa executante e do profissional que realiza a atividade, possível em certas formas de subjectivização da empresa.
Não obstante, o acórdão entende que há violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), em conjugação com os artigos 165.º, n.º 1, alínea b), e 47.º, n.º 1, da CRP, porque o diploma «ao estabelecer o regime jurídico aplicável à atividade de executante de instalações elétricas de serviço particular, fixa condições específicas para o exercício de uma atividade empresarial que se reflete, direta ou indiretamente, no livre exercício de uma profissão».
Na parte que sublinhei, em itálico, concentra-se o essencial da minha discordância do sentido da decisão. Acompanho inteiramente o acórdão na compreensão lata da garantia da liberdade de escolha de profissão, como abrangendo também o “exercício livre da profissão”, mas dele divirjo quando considera que o regime impugnado introduz uma limitação ao universo de pessoas que podem aceder à profissão.
É certo que entre os elementos a apresentar pela empresa interessada em obter a licença de atividade figura, como se viu, a indicação das habilitações académicas, cursos de formação e experiência profissional das pessoas que constituem o quadro técnico da empresa. E é claro que quanto mais habilitado e qualificado for o pessoal ao serviço da empresa, mais facilmente esta obterá a almejada licença. Concomitantemente, a oferta de emprego, nas empresas executantes de trabalhos em instalações elétricas como em qualquer outra, direcionar-se-á preferencialmente para os profissionais que ofereçam melhores títulos de garantia de competência profissional. Mas essa é uma constante do mercado de trabalho, um critério que, em termos de facto, rege a sua dinâmica seletiva. Também nesta área tal acontecerá, mas isso, nem sequer como efeito longinquamente indireto, se pode relacionar com as normas aqui em apreciação.
Na verdade, dessas normas não resulta, como seria indispensável para que fosse sustentável a pronúncia de que dissenti, uma restrição jurídica ao acesso e exercício da profissão. Por elas não fica estabelecido um critério de delimitação minimamente preciso de uma categoria de profissionais admitido ao exercício das tarefas reguladas pelo diploma, em função de determinadas condições habilitantes, com exclusão de todos os demais que não satisfaçam essas condições.
Não estamos, pois, perante uma restrição, juridicamente cogente, à liberdade de profissão, nem sequer perante uma intervenção normativa situada na área dos direitos, liberdades e garantias, ou seja, perante matéria reservada à competência da Assembleia da República. Sendo assim, entendi, contra a posição que fez vencimento, que, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP, a Assembleia Legislativa da Madeira detinha competência para legislar nesta matéria. -Joaquim de Sousa Ribeiro.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não acompanho a orientação que fez vencimento quanto à incidência das normas em causa na liberdade de escolha da profissão ou género de trabalho, com a consequente sujeição ao regime de distribuição de competências normativas em matéria de direitos, liberdades e garantias. É hoje claro que a liberdade de escolha de profissão, que é um direito de caráter pessoal, se distingue da liberdade de empresa ou do direito à iniciativa económica privada que é, na arrumação constitucional, um direito económico (artigo 61.º, n.º 1, da CRP). Com o âmbito que o acórdão perfilha, qualquer regulação de uma atividade económica quanto à idoneidade, capacidade técnica e capacidade económica e financeira das empresas – na titularidade de pessoas singulares ou coletivas – que a ela se dedicam contenderá com a garantia prevista no n.º 1 do artigo 47.º da Constituição. Larguíssimas áreas da regulação da atividade económica, porque as exigências postas às empresas para acederem a determinado setor de atividade têm repercussões na possibilidade de os indivíduos que nelas trabalham exercerem a sua profissão, ficaria vedada ao Governo, salvo autorização legislativa (cf. v. gr., ficando-nos no mesmo domínio, o Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de janeiro, na redação do Decreto-Lei n.º 69/2011, de 18 de abril)
Efetivamente, nenhum indivíduo fica impedido pela disciplina constante do diploma em análise de trabalhar como eletricista, mas tão só de atuar como “empreiteiro”, “construtor” ou “empresa” no domínio da execução de instalações elétricas de serviço particular. O que o diploma tem em vista é o exercício, no território da Região Autónoma da Madeira, de atividade empresarial num dos domínios especializados – o das instalações elétricas – que integra a atividade de construção (cfr. artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 12/2004). Em substância, o legislador regional fez acrescer um regime de licenciamento, com os correspondentes pressupostos, à autorização a que o legislador nacional já sujeita o exercício (acesso e permanência) dessa atividade empresarial e de que não prescindiu [cfr. artigos 3.º e 4.º, alínea a) e 6.º, alínea a) do Decreto Legislativo Regional n.º 24/2010/M]. Para exercer os trabalhos de construção em causa (enquadráveis na 4.ª categoria, 1ª subcategoria, previsto na Portaria 19/2004, de 10 de janeiro) uma empresa (titulada por uma pessoa singular ou coletiva) tem de estar munida do alvará exigido pelo Decreto-Lei n.º 12/2004 e, a mais disso, da licença exigida pelo artigo 3.º do diploma legislativo regional em apreço.
Daqui resulta que um operador económico habilitado, nos termos do Decreto-Lei n.º 12/2004, com o alvará que permita a execução de instalações elétricas de serviço particular necessita de uma licença complementar para desempenhar tal atividade no território regional. Sendo assim, se bem que não possa acompanhar a conclusão de que foi invadida a regulação do direito fundamental regulado no n.º 1 do artigo 47.º da CRP, já se me afigura duvidoso que seja compatível com o princípio do Estado unitário e com os objetivos e fundamentos da autonomia regional (artigos 6.º e 225.º da CRP) a imposição de barreiras à liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços no território da Região como a que resulta das norma em causa. Como se refere no pedido, tal intervenção restritiva produz direta e imediatamente efeitos em todo o território nacional (aliás, em todo o “mercado interno” da União Europeia), obrigando todos os interessados em exercer a referida atividade económica na Região, seja onde for que tenham sede e apesar de habilitados em termos nacionais (ou noutros Estados da União – cfr. Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpôs a Diretiva n.º 2006/126/CE, e Decreto-Lei n.º 69/2011, que adaptou as exigências desses diplomas ao setor da construção) a requerer, obter e revalidar, nos termos do regime jurídico em apreciação, uma licença regional suplementar. Substancialmente, o legislador regional limitou-se a duplicar as exigências básicas de qualificação – idoneidade, capacidade técnica e capacidade económica - para autorização de acesso e permanência na atividade económica em causa, deste modo criando artificialmente um “segmento de mercado” para os portadores de licença regional. Tal solução normativa transcende o “âmbito regional”, entendido em sentido material, a que o n.º 1 do artigo 227.º da Constituição subordina a autonomia legislativa regional.- Vítor Gomes.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Discordo do juízo que presidiu à decisão consagrada no acórdão, radicado no entendimento de que a matéria disciplinada pelo primeiro grupo de normas impugnadas afeta o direito à livre escolha de profissão protegido pelo n.º 1 do artigo 47º da Constituição e, por isso, incluído na reserva relativa de competência prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição.
Com efeito, considero que a matéria disciplinada por tais normas se reporta ao exercício de uma atividade ligada à segurança e bem estar públicos, que exige conhecimentos técnicos específicos, não comuns à generalidade dos cidadãos, e que, sendo genericamente proibida, carece que ser autorizada caso a caso, mediante licenciamentos de natureza administrativa. Todavia, tais autorizações não atingem – parece-me claro – o direito à livre escolha de profissão, uma vez que as regras assim estabelecidas se reportam ao exercício da atividade empresarial de execução de instalações elétricas de serviço particular, ligada à construção civil, e não visam modelar diretamente o acesso a qualquer profissão porventura relacionada com essa atividade.
2. A apreciação da conformidade constitucional das restantes normas apresenta, a meu ver, outra dificuldade, pois é certo que, em princípio, a legislação regional não pode interferir no regime de competências de pessoas coletivas públicas que exercem a sua atividade em todo o território nacional. Todavia, ao definir ilícitos de mera ordenação social e as respetivas sanções, cometendo ao Instituto da Construção e do Imobiliário a competência para receber participações e aplicar sanções, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não está a criar um bloco de novos poderes e deveres ao InCI, instituto público integrado na administração indireta do Estado e na superintendência do Governo, pois recebe e aceita a competência que a legislação nacional já fixara ao instituto em todo o território nacional. Dever-se-á concluir, em suma, que o próprio diploma nacional – Decreto-Lei n.º 144/2007 de 27 de abril – ao dotar o InCI de 'jurisdição sobre todo o território nacional' (artigo 2º), lhe atribuiu competência para atuar no âmbito do mesmo domínio sancionatório na Região Autónoma da Madeira, vocacionando-o para exercer essa competência também quanto às infrações que, nesse âmbito, estejam previstas na legislação regional.
3. Votei, em consequência, no sentido de o Tribunal não declarar a inconstitucionalidade de todas as normas em apreço.
Carlos Pamplona de Oliveira