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Proc.nº 1/96 (Reclamação)
2ª Secção Relator : Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. Nos autos de «inventário facultativo para separação de meações» que com o nº 86-3/90 correm na Comarca de Soure, entre A
... (requerente) e B ... (requerido), foi atribuído a este o cargo de cabeça-de-casal, do qual prestou juramento, porque reside no estrangeiro através de carta rogatória.
Importa ter presente que a atribuição do cabeçalato ao referido B ... decorreu da circunstância de este, como cônjuge mais velho, preferir nessa incumbência, nos termos do artigo 1404º nº 2 do Código de Processo Civil (CPC).
Marcada data para prestação de declarações de cabeça-de-casal, compareceu na diligência o mandatário deste que, não obstante munido de procuração forense com poderes especiais para a diligência, referiu não dispôr de elementos para prestar tais declarações, fazendo constar da acta o seguinte requerimento :
' É dado adquirido nos autos a permanência, com carácter de estabilidade, do cabeça-do-casal no estrangeiro. Por tal motivo, e não residindo o mesmo na área da situação dos bens, (conforme requerimento-petição do inventário), pede escusa do exercício das funções para que estava designado, oferecendo como prova tudo quanto resulta já dos autos.'
Dando-se, em função desta pretensão, a diligência sem efeito, foi determinada a audição da interessada A ... quanto ao pedido de escusa, nos termos do artigo 1400º nº 2, ex vi do disposto no artigo 1401º, ambos do CPC.
Opôs-se a interessada, alegando residir igualmente com carácter de estabilidade no estrangeiro e que a 'economia e celeridade processuais' impunham a manutenção do cabeçalato nas mãos do interessado B ...
Foi o incidente decidido desatendendo a solicitada escusa, pois
- refere-se no despacho - existindo 'igualdade de condições quanto à residência no estrangeiro', foi entendido dever 'valorar-se decisivamente o facto de a ele requerido caber legalmente o cargo (...) e razões de economia e celeridade processuais' imporem o aproveitamento do processado, designadamente por já ter sido prestado juramento pelo interessado.
Veio então o cabeça-do-casal pedir a aclaração deste despacho, referindo :
'... importa clarificar, o que se requer, se V.Exª entende que o cargo de cabeça-do-casal num inventário para separação de meações tem de ser desempenhado, em rigorosa e única alternativa, por um dos ex-cônjuges, hipótese essa em que terá feito interpretação e (ou) aplicação inconstitucional do artigo
2083º do Código Civil; se o pedido de escusa do cabeçalato tem de ser realizado, pessoalmente, pelo cabeça-do-casal nomeado, havendo mandatário por ele constituído no processo, caso em que o despacho em questão terá feito interpretação e (ou) aplicação inconstitucional do artigo 1327º nº 1 alínea a), a contrario do CPC e 258º, 262º e 1157º, todos do CC; finalmente, se V.Exª sustenta que o pedido de escusa tem de ser necessariamente deduzido ab initio, aquando do juramento do cabeça-do-casal, situação essa em que o despacho em equação terá feito interpretação e (ou) aplicação inconstitucional do artigo
2085º do CC e, bem assim, se os princípios da economia e celeridade processuais se devem sobrepor à estrita observância do direito vigente, com o que se terá aplicado e (ou) interpretado, duma forma inconstitucional, os artigos 1º, 6º e 8º do CC.
Aplicação e (ou) interpretação inconstitucional haverá ainda, em tais hipóteses, dos artigos 1400º nº 2, com referência ao artigo 1401º ambos do CPC.'
Sobre este requerimento recaíu o seguinte despacho :
' Não tendo nem podendo ter, quanto a nós, os fundamentos de escusa constantes do artigo 2085º do CC, carácter automático, esteve subjacente, obviamente, ao nosso despacho de fls. 30 ( o despacho desatendendo a escusa) a ponderação de todas as circunstâncias, fundamentos e razões que nele foram citados e que o fundaram, atento esse caso concreto em análise.
Assim e porque a função do julgador não é a de ser 'jurisconsulto' nem 'doutrinador', é esta a 'clarificação' de tal despacho que se pode e acha dever poder ser prestada.'
Pretendeu, nesta sequência, o interessado B ... recorrer, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), para este Tribunal, segundo indicou :
'... por interpretação e aplicação inconstitucional dos artigos 258º, 262º,
1157º, 2083º e 2085º, todos do CC e 6º 8º, também deste diploma o 1327º nº 1 alínea a), 1400º nº 2 e 1401º, todos do CPC, 205º nº 2 e 207º, ambos da Constituição da República Portuguesa.'
Notificado nos termos do artigo 75º A nº 5 da LTC, veio o mesmo interessado dizer o seguinte :
'A) As normas que se pretende que o Tribunal aprecie são os artigos 1º, 6º. 8º,
258º, 262º, 1157º, 2083º e 2085º, todos do CC, 1327º nº 1 alínea a), 1400º nº 2 e 1401, todos do CPC e 205 nº 2 e 207º, ambos da CRP, com a interpretação dada pelo despacho que recaíu sobre o pedido de escusa do exercício do cabeçalato;
B) O princípio constitucional que se considera violado é o que deriva do citado nº 2 do artigo 205º da Constituição, segundo o qual os tribunais não podem recusar-se a reconhecer os direitos e interesses públicos e privados;
C) A peça processual em que o problema foi suscitado é o pedido de aclaração formulado que recaíu sobre o despacho de indeferimento do pedido de escusa.'
Por se entender não ter sido aplicada qualquer norma cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada durante o processo, não foi o recurso em causa admitido, o que motivou a presente reclamação.
Colhidos parecer do Ministério Público (no sentido de se tratar de recurso 'manifestamente infundado') e os competentes vistos, cumpre decidir quanto à admissibilidade do recurso.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. A avaliar pelo pedido de aclaração (peça processual onde o reclamante diz ter suscitado a questão de inconstitucionalidade) e pelos requerimentos de interposição de recurso e aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75º-A nº 5 da LTC, teria este Tribunal de se pronunciar quanto à conformidade constitucional dos artigos 1º, 6º, 8º, 258º,
262º, 1157º, 2083º e 2085º do CC e 1327º nº 1 alínea a), 1400º nº 2 e 1401 do CPC, tudo isto a propósito de uma decisão que, face a um pedido de escusa do exercício do cabeçalato, entendeu que residindo ambos os interessados no estrangeiro era de manter a nomeação do 'cônjugue mais velho'.
Como facilmente se vê da tramitação processual atrás relatada, não ocorreu, anteriormente à decisão sobre o pedido de escusa (que é a que interessa ao recurso), qualquer invocação relevante de uma inconstitucionalidade normativa (ou mesmo a indicação de alguma interpretação tida por inconstitucional) das normas que tal decisão convocou - e já era previsível que convocasse. A saber : o artigo 1404º, nº 2 do CPC e, no aspecto estritamente procedimental do incidente de escusa, os artigos 1401º e 1400º nº2, do mesmo compêndio normativo.
III DECISÃO
3. Nestes termos decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante fixando-se em cinco unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 8 de Maio de 1996 José de Sousa e Brito Messias Bento Bravo Serra Luis Nunes de Almeida