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Processo nº 357/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade em que figuram, como recorrente A., e como recorridos o Ministério Público e os assistentes B. e outros, pelas razões constantes da exposição do relator a fls. 1084 a 1093, à qual foi manifestada concordância pelo Ministério Público na sua resposta de 1095, não se tendo sobre a mesma pronunciado o recorrente e os assistentes, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4
(quatro) Ucs.
Lisboa, 9 de Julho de 1996
Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa
Proc. nº 357/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Exposição preliminar elaborada nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional
1 - No tribunal de círculo de Oeiras foram submetidos a julgamento, mediante acusação do Ministério Público e dos assistentes, os arguidos A., C. e D., sob a imputação de haverem praticado um crime de rapto previsto e punido pelos artigos 162º, nº 1 e 160º, nº 2, alíneas b) e g) do Código Penal.
Por acórdão de 21 de Junho de 1994, os dois últimos arguidos foram absolvidos, havendo o arguido A. sido condenado na pena de dois anos e meio de prisão como autor de um crime de extorsão tentado, previsto e punido pelos artigos 317º, nºs 1, alínea a) e 2, 306º, nº 2, 22º, 23º e 74º, todos do Código Penal.
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2 - Desta decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelo arguido A., o qual, fechou a respectiva motivação com as conclusões seguintes:
'1ª Os factos provados pelo Tribunal Colectivo de Oeiras demonstram:
2ª Uma colaboração activa por parte da testemunha E., actuando sempre em co-participação com o Recorrente.
3ª Através dessa co-participação foi possível, por a mesma ser imprescindível, pôr em marcha os actos materiais descritos no acórdão.
4ª Uma colaboração activa e participativa de todos os Assistentes sem o que nada teria acontecido.
5ª Uma colaboração passiva da P.J., em violação ao artº 89º da sua Lei Orgânica, aguardando a concretização dos factos pré-sabidos.
6ª Esta omissão dos elementos da P.J., aguardando um flagrante delito, torna ilícito a prisão do recorrente por violação do artº 27º nº 3 al. a) da Constituição da República.
7ª Não havendo, consequentemente, delito.
8ª Por outro lado, as provas que a P.J. obteve violam o artº 126º nº 1 do Cód. de Proc. Penal.
9ª Por ofenderem a integridade física e moral do recorrente.
10ª Acresce que a colaboração activa de todos os Assistentes retira-lhes a qualidade de ofendida (B.) e de lesados (todos).
11ª Essa colaboração da B. afasta o constrangimento, elemento constitutivo da extorsão.
12ª Como também não houve violência nem ameaças, elementos desse crime, por os Assistentes terem concordado, voluntária e livremente aceitar a privação da liberdade.
13ª Como também não haverá, por ser fictício o financiamento, perigo de prejuízo patrimonial.
14ª Faltando, assim, o objecto jurídico protegido pelo artº 317º do Cód. Penal.
15ª Não se tendo verificado nenhum dos elementos constitutivos do crime de extorsão, também não houve tentativa de prática desse crime (artº 22º nº 2 al. a do Cód. Penal)
16ª Mas ainda que houvesse tentativa, e não há, a mesma não seria punível por ser manifesta a inexistência do objecto essencial à consumação (financiamento).
17ª O Tribunal recorrido interpretou correctamente, para o crime de rapto, o elemento constitutivo falta de consentimento.
18ª Mas, perante o crime de extorsão, em que a falta de consentimento é, também, elemento integrador do crime,
19ª Adoptou entendimento diverso interpretando erradamente, e consequentemente erradamente aplicando, o artº 317º do Cód. Penal,
20ª Bem como, por crer que se verificava a prática de elementos constitutivos do crime de extorsão, interpretou a aplicou erradamente o artº 22º do Cód. Penal.
21ª Daí resultando a punição de uma inexistente tentativa, violando, assim, o artº 23º do mesmo diploma.
22ª Deveria o Tribunal ter interpretado o artº 317º do Cód. Penal no sentido de que o constrangimento supõe falta de consentimento.
23ª Deveria o Tribunal ter interpretado que violência significa actos contra a vontade do violentado.
24ª Deveria o Tribunal ter interpretado que prejuízo significa dano real e não meramente inventado, por fictício.
25ª Deveria o tribunal ter interpretado que a falta do objecto jurídico, ou bem protegido, implica a não existência de tentativa.
26ª Consequentemente, deveria o Tribunal recorrido, por falta absoluta da prática de qualquer crime, ter absolvido o recorrente.
27ª Violou, assim, por erros de interpretação e de aplicação o disposto nos artºs 317º, 306º, 22º e 23º nº 3 todos do Cód. Penal.
28ª Quanto ao pedido cível o Tribunal condenando o recorrente a pagar à demandante o que ela não pediu, violou o artº 661º do Cód. de Proc. Penal.
29ª E não tendo havido ofensa, nem prejuízos, ao contrário do que foi entendido, violou por erro de aplicação o artº 483º do Cód. Civil.
30ª Devendo o arguido-demandado ser absolvido, como se espera, não se indicando normas de direito substantivo que devessem ser aplicadas, pois não havendo crime nem lesão indemnizável, a absolvição resulta directamente dessa conclusão, sem necessidade de se apoiar em regras de direito.'
Por acórdão de 4 de Janeiro de 1996, aquele Alto Tribunal negou provimento ao recurso e confirmou a decisão impugnada.
Na parte que aqui importa reter, aduziu-se a fundamentação seguinte:
' No que toca à Polícia Judiciária, o caso nada tem a ver com o invocado artº 89º do DL. nº 295-A/90, de 21/9 (respectiva Lei Orgânica). Este artigo é tão-só dirigido aos funcionários da P.J. e refere-se às providências urgentes que estes devam tomar em ordem a evitar a execução de crimes, até à intervenção da autoridade de polícia criminal competente, que vem definida no artº 1º, nº 1, d) do C.P.P..
No caso, o esboço do plano criminoso foi desde logo denunciado pela assistente (fls. 2) ao Director da Polícia Judiciária e nenhuma providência urgente se impunha, uma vez que tudo ainda estava no limbo dos actos preparatórios, não puníveis (artº 21º).
Assim, qualquer intervenção imediata da P.J. estaria votada à inutilidade e ao fracasso, em termos de prevenção criminal.
E não é isso que, em boa verdade, o legislador pretende ao dar especial relevância à desistência colaborante no falado artigo 25º.
A verdadeira prevenção criminal só poderá derivar de uma intervenção oportuna e eficaz face ao comparticipante (não desistente) do crime cuja execução se prepara e após o primeiro acto de execução, no sentido que a este é dado pelo artº 22º, nº 2.
Daí que a P.J. resolvesse acompanhar de perto (tomando as providências cautelares que se impunham) o desenvolvimento do plano criminoso do A., com a colaboração do E. e dos assistentes (que aceitaram dá-la), até surpreender aquele em plena execução do crime.
O A. pôs livremente em execução todo o seu plano e nenhuma actuação da P.J. (que se limitou a seguir-lhe os passos) violou a sua integridade física ou moral, no sentido que dão a essa violação os nºs 1, 2 e 3 do artº 126º do C.P.P.
Surpreendido o A. em plena execução de actos idóneos a produzir o resultado típico, a sua detenção imediata e subsequente prisão preventiva não violam o artº 27º, nº 3 da Constituição, por estarem a coberto da lei de processo penal (artºs 256º, nº 1, 259º, 202º, nº 2, a) e 204º do C.P.P.).'
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3 - Inconformado com o assim decidido, sob invocação do disposto no artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro (Lei do Tribunal Constitucional), interpôs então o arguido recurso para este Tribunal.
E, depois de notificado para os efeitos do artigo 75º-A, nºs
1 e 2 daquele diploma, veio precisar e completar a petição de recurso nos termos seguintes:
'O recurso é interposto de harmonia com as als. b, c e f do nº 1º do artº. 70º da Lei 28/82, na redacção dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro. Houve violação do artº. 27º nº 3 da C. da R., o que foi devidamente alegado nas conclusões (6ª) das motivações do recorrente para esse Alto Tribunal (artº. 75º A nºs. 1 e 2 da Lei 28/82, na actual redacção).'
Os autos foram depois remetidos ao Tribunal Constitucional, sendo entendimento do relator que não deve tomar-se conhecimento do objecto do recurso.
Pelas razões, que de seguida, se vão sumariamente expor.
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4 - Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28//82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
A admissibilidade deste tipo de recurso - aquele de que o recorrente lançou mão [as alíneas c) e f) do nº 1, do artigo 70º são manifestamente inaplicáveis à situação em apreço] - acha-se condicionada, além do mais, pela confluência de dois pressupostos essenciais: a) a inconstitucionalidade da norma deverá ter sido suscitada durante o processo pelo próprio recorrente; b) tal norma haverá de ser utilizada na decisão impugnada como seu suporte negativo.
O legislador constituinte elegeu como conceito identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da constitucionalidade (cfr. os artigos 278º, 280º e 281º da Constituição) o conceito de norma jurídica pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas), podem nesta sede, na qual se incluem os processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, ser objecto de sindicância.
Com efeito, como vem sendo reiteradamente definido pela jurisprudência deste Tribunal, os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de decisões dos outros tribunais (decisões de provimento ou de rejeição) não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contenha sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas com interesse para o julgamento da causa (cfr. por todos os Acórdãos nºs 128/84 e 274/88, Diário da República, II série, de, respectivamente, 12 de Março de 1985 e 18 de Fevereiro de 1989).
E assim sendo, incumbe aos recorrentes, durante o processo, o ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade das normas convocadas para a decisão da causa e por ela aplicadas, havendo de fazê-lo de modo directo, explícito e perceptível através da indicação das disposições legais sobre que se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade, em ordem a que os tribunais judiciais aquando do respectivo julgamento sejam confrontadas com a matéria da inconstitucionalidade e sobre ela proferiram decisão de provimento ou de rejeição.
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5 - Ora, à luz das considerações antecedentes, pode seguramente afirmar-se que o recorrente não suscitou válida e adequadamente a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, nomeadamente, das normas que serviram de suporte legal ao acórdão recorrido.
Com efeito, na motivação do recurso que levou ao Supremo Tribunal de Justiça, limitou-se o recorrente, como aliás expressamente se reconhece no requerimento que completou a petição inicial, a questionar a decisão condenatória em si mesma considerada e não qualquer norma que, como seu fundamento, ali tenha sido aplicada.
E daí que no acórdão recorrido não se haja considerado qualquer questão de constitucionalidade em sentido próprio, mas tão só a eventual violação do artigo 27º, nº 3 da Constituição a propósito da detenção preventiva do arguido.
Decorre assim do exposto que, por inverificação de pressupostos essenciais ao seguimento do recurso de constitucionalidade, não pode tomar-se conhecimento do seu objecto.
Cumpra-se o disposto no artigo 78º-A, nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 13 de Maio de 1996
Antero Alves Monteiro Diniz