Imprimir acórdão
Procº nº 446/95
2ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A Inspecção-Geral do Trabalho aplicou uma coima, no valor de Esc. 500.000$00, a A, por esta não ter efectuado o registo, pela forma legalmente exigida, do trabalho suplementar prestado em dia feriado por trabalhadores seus no estabelecimento de supermercado que explora na localidade de Buarcos.
A arguida recorreu para o Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, que veio a negar provimento ao recurso.
Inconformada, interpôs então recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 20 de Abril de 1995, decidiu revogar a sentença recorrida, por entender que, tendo em vista o preceituado no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 417/83, de 25 de Novembro, e a inconstitucionalidade do Regulamento nº 1/84, aprovado pela Assembleia Municipal da Figueira da Foz em 9 de Julho de 1984, o trabalho prestado aos domingos e feriados, no estabelecimento referenciado nos autos, não podia ser considerado como suplementar. Para concluir pela inconstitucionalidade do mencionado Regulamento nº 1/84, fundou-se a Relação na existência de violação do disposto no artigo 115º, nº 7, da Constituição.
2. Deste acórdão da Relação de Coimbra recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do preceituado no artigo 70º, nº 1, alínea a), da LTC.
Nas suas alegações, sustenta o Ministério Público que o Regulamento nº 1/84 não é formalmente inconstitucional, já que «o texto do regulamento em causa - embora no respectivo preâmbulo - refere de forma expressa e perceptível qual a respectiva lei habilitante - o Decreto-Lei nº 417/83».
Pelo contrário, a recorrida defende, nas contra- alegações, que o regulamento em apreço não só é formalmente inconstitucional, como também, na parte que aqui interessa, «é nulo, por violação directa do nº 1 do artigo 1º do referido Decreto-Lei nº 417/83, e por exceder os limites de competência atribuídos ao agente autárquico donde emana por norma superior - artº 3º nº 1 do mesmo diploma e artº 242º da C. R. Portuguesa, e assim, de nenhum efeito, não se lhe devendo obediência nesta parte».
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
4. O Decreto-Lei nº 417/83 veio estabelecer, no nº 1 do seu artigo 1º, que os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços, incluindo os localizados em centros comerciais, podiam estar abertos, todos os dias da semana, entre as seis horas e a meia-noite. Por outro lado, determinou-se no nº 1 do artigo 3º do mesmo diploma que cabia às câmaras municipais fixar o período de abertura dos estabelecimentos de venda ao público.
Em 9 de Julho de 1984, por proposta da Câmara Municipal, a Assembleia Municipal da Figueira da Foz aprovou o Regulamento nº 1/84, atinente à Abertura e Encerramento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços. No preâmbulo deste regulamento, depois de se fazer referência ao anterior regulamento municipal sobre a mesma matéria, assinala- -se:
O Decreto-Lei nº 417/83, de 25 de Novembro, introduz um regime que justifica a aprovação de um novo Regulamento.
A importância turística do Município justifica o alargamento de horário de estabelecimentos referi- dos no nº 2 do artigo 1º do referido Diploma.
E o artigo 1º do mesmo Regulamento nº
1/84 reza assim:
A fixação dos períodos de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços a que alude o Decreto- -Lei nº
417/83, de 25 de Novembro, rege-se pelo presente Regulamento.
Resta, pois, apurar se, no regulamento em causa, foi dado integral cumprimento ao estipulado no artigo 115º, nº 7, da Constituição:
Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.
5. A jurisprudência deste Tribunal tem uniformemente concluído pela inconstitucionalidade formal, por violação do transcrito artigo 115º, nº 7, da Lei Fundamental, de todos os regulamentos, qualquer que seja a sua proveniência, que não façam explícita referência à respectiva lei habilitante, ainda que seja possível identificá-la através de outros meios.
Todavia, este Tribunal também já teve ocasião de considerar como suficiente a referência feita, no artigo 1º de determinado regulamento, à respectiva lei habilitante, ainda que aí não constasse a expressa indicação que se pretendia proceder à regulamentação dessa mesma lei (cfr. Acórdão nº 110/95, in Diário da República, II Série, de 21 de Abril de 1995).
Com efeito, o que parece ser constitucionalmente exigível é que, do teor do regulamento em apreço, se possa claramente extrair qual a lei que ele visa regulamentar: e se tal impõe a expressa identificação dessa lei no texto do próprio regulamento - no preâmbulo ou no articulado será já indiferente -, já não impõe qualquer particular arrazoado, o que seria manifestamente excessivo.
Ora, no caso em apreço, da leitura, quer do preâmbulo, quer do artigo 1º do Regulamento nº 1/84, resulta com meridiana clareza que ele se propõe regulamentar o Decreto-Lei nº 417/83, nomeadamente quando se afirma que é o regime introduzido por aquele diploma que «justifica a aprovação de um novo Regulamento», para substituir o anteriormente vigente.
Tanto basta para se poder concluir que não ocorre qualquer violação do artigo 115º, nº 7, da Constituição.
6. A recorrida alega que o regulamento a que se reportam os autos, «na parte em que impõe o encerramento dos supermercados aos sábados (a partir das 13 horas) e aos domingos, é nulo, por violação directa do nº 1 do artigo 1º do referido Decreto-Lei nº 417/83, e por exceder os limites de competência atribuídos ao agente autárquico donde emana por norma superior - artº 3º nº 1 do mesmo diploma e artº 242º da C. R. Portuguesa».
O vício apontado pela recorrida, por assentar na violação da lei pelo regulamento, não é do conhecimento deste Tribunal, já que configura um vício de ilegalidade e não uma inconstitucionalidade. Ora, como tem vindo a ser constantemente afirmado, só a apreciação da existência deste último vício - e não já do primeiro - cabe na competência do Tribunal Constitucional (cfr., por todos, Acórdão nº 113/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., pág. 877).
É bem verdade que a recorrida faz apelo ao preceituado no artigo 242º da Lei Fundamental, segundo o qual «as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar». Só que isso em nada altera as coisas, uma vez que esta norma constitucional se limita a estabelecer uma regra de hierarquia, não sendo uma norma directamente repartidora de competências entre órgãos de soberania e órgãos autárquicos: só se poderia, assim, aqui falar de uma inconstitucionalidade indirecta, resultante da ocorrência da ilegalidade, sendo que é este vício o que aqui preleva para o efeito de se excluir a competência do Tribunal Constitucional (v. cit. Acórdão nº 113/88) .
Também com este fundamento se não pode, pois, concluir pela inconstitucionalidade do Regulamento nº 1/84, da Assembleia Municipal da Figueira da Foz.
III - DECISÃO
6. Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso.
Lisboa, 16 de Abril de 1996 Luis Nunes de Almeida Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento José Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa