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Proc. nº 403/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade em que figuram como recorrentes A. e outros e como recorridos B. e outros, pelas razões constantes da exposição do relator e tendo em conta a jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal que por inteiro responde às objecções entretanto levantadas na resposta dos recorrentes, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4
(quatro) Ucs.
Lisboa, 9 de Julho de 1996
Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa
Proc. nº 403/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Exposição preliminar elaborada nos termos do nº1 do artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional
1 - No tribunal judicial da comarca de Cifães, A. e outros instauraram acção declarativa, com processo sumário, contra B. e outros, pedindo, além do mais, a condenação dos R.R. a reconhecerem que os A.A. são comproprietários do prédio identificado no artigo 1º da petição e também que um outro prédio ali referido, confronta pelo nascente com aquele primeiro e não com C..
Os R.R. contestaram impugnando o pedido e deduziram, concomitantemente, reconvenção, alegando que por usucapião adquiriram a propriedade do referenciado prédio.
Os A.A. responderam ao pedido reconvencional procurando infirmar a matéria ali alegada.
Por sentença de 20 de Outubro de 1995, foi julgada improcedente a acção e procedente a reconvenção, havendo, em consequência, sido absolvidos os R.R. e condenados os A.A..
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2 - Os A.A. requereram então, ao abrigo do disposto no artigo
669º, alínea a) do Código de Processo Civil o esclarecimento de diversas ambiguidades de que, segundo o seu entendimento, enfermaria aquela decisão, rematando o respectivo requerimento com os seguintes dizeres:
'Por imposição do art. 280º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, desde já se suscita a violação da aplicação das disposições legais na mesma citadas, por só agora ser possível, em virtude de anteriormente tal facto não se verificar, o que só aconteceu com a prolação da sentença.
A sentença violou, assim, as disposições contidas nos artºs. 207º e
208º da Constituição da República Portuguesa.'
Por despacho de 13 de Dezembro de 1995, foi indeferida a pretensão dos A.A..
Mas, logo a seguir, apresentaram novo requerimento, agora sob invocação do disposto no artigo 668º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, arguindo a nulidade da sentença.
Nesta peça processual insistiram 'na suscitação da violação na aplicação das disposições legais citadas na sentença e nas neste pedido referidas, violando assim o disposto nos artºs 207º e 208º da Constituição da República Portuguesa'.
Por despacho de 5 de Fevereiro de 1996, foi também indeferido este requerimento dos A.A..
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3 - Vieram então, sob invocação do disposto no artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para este Tribunal 'por inconstitucionalidade da aplicação das normas dos artigos 1251º e seguintes, 1287º e seguintes, 1316º, 1305º, 1260º, 1261º, 1262º, 1263º e 1296º, todos do Código Civil e 669º, a) e 668º, nº 1, b), do Código de Processo Civil'.
Os autos subiram ao Tribunal Constitucional, pronunciando-se agora o relator no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Vejamos porquê.
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3 - Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Vem este Tribunal entendendo, em jurisprudência uniforme e reiterada, que o pressuposto de admissibilidade daquele tipo de recurso - do qual os recorrentes se serviram - no atinente ao exacto significado da locução
'durante o processo' utilizado em ambos os normativos, deve ser tomado não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja: a inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita. Um tal entendimento decorre do facto de se estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão
(de constitucionalidade) que é objecto do mesmo recurso.
Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional 'não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura ou ambígua', há-de ainda entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade (cfr. sobre este tema, por todos, os Acórdãos nºs 62/85 e 94/88, Diário da República, II série, respectivamente, de 31 de Maio de 1985 e de 22 de Agosto de 1988).
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4 - Todavia, a orientação geral assim definida, não será de aplicar em determinadas situações de todo excepcionais, em que os interessados não disponham de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes do proferimento da decisão, caso em que lhes deverá ser salvaguardado o direito ao recurso de constitucionalidade.
Na verdade, este Tribunal tem vindo a entender, num plano conformador da sua jurisprudência genérica sobre este tema, que naqueles casos anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade (cfr. os Acórdãos nºs 136/85 e 479/89, o primeiro, no Diário da República; II série, de
28 de Janeiro de 1986, e o segundo, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 389, pp. 222 e ss.).
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5 - Por outro lado o legislador constituinte elegeu como conceito identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da constitucionalidade (cfr. os artigos 278º, 280º e 281º da Constituição) o conceito de norma jurídica pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas), podem nesta sede, na qual se incluem os processos de fiscalização concreta de constitucionalidade, ser objecto de sindicância.
Com efeito, como vem sendo reiteradamente definido pela jurisprudência deste Tribunal, os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de decisões dos outros tribunais (decisões de provimento ou de rejeição) não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contenha sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas com interesse para o julgamento da causa (cfr. por todos os Acórdãos nºs 128/84 e 274/88, Diário da República, II série, de, respectivamente, 12 de Março de 1985 e 18 de Fevereiro de 1989).
E assim sendo, pertence aos recorrentes o ónus de suscitar, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade das normas convocadas para a decisão da causa e por ela aplicadas, havendo de fazê-lo de modo directo, explícito e perceptível através da indicação das disposições legais sobre que se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade, em ordem a que os tribunais aquando do respectivo julgamento sejam confrontadas com a matéria da inconstitucionalidade e sobre ela possam proferir decisão de provimento ou de rejeição.
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6 - Ora, à luz das considerações antecedentes, pode seguramente afirmar-se que os recorrentes não suscitaram válida e adequadamente a questão de inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica, nomeadamente, das normas que serviram de suporte legal ao acórdão impugnado, nem tão pouco o fizeram em momento temporalmente adequado e operativo.
Com efeito, no caso em apreço, dado o limitado enquadramento jurídico das normas convocáveis como normas de decisão, era-lhes exigido, à luz daquela jurisprudência, um juízo prévio de prognose relativo à sua aplicação ao thema decidendi em termos de se anteciparem ao proferimento da decisão, suscitando logo a questão da constitucionalidade de tais normas.
Mas, e por outro lado, acresce ainda que os recorrentes não suscitaram verdadeiramente qualquer questão de inconstitucionalidade das normas aplicadas na decisão recorrida como seu fundamento normativo, antes se limitaram a insurgir contra a própria decisão em si mesma considerada, denunciando 'a violação da aplicação das disposições legais na mesma citada'.
Ora, da conjugação desta dupla ordem de razões é manifesta a inverificação no presente recurso dos pressupostos essenciais de que dependeria a sua admissibilidade.
Cumpra-se o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 22 de Maio de 1996
Antero Alves Monteiro Diniz