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Processo nº 806/95 ACÓRDÃO Nº 648/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- O Hospital A .. instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, acção de execução para pagamento de quantia certa, com processo sumário, contra Companhia de Seguros B, representada em Portugal pela Companhia de Seguros C., identificada nos autos, para pagamento da quantia de
2.900$00, devida por serviços prestados de assistência hospitalar.
Para o efeito fundamentou-se em título executivo constituído por certidão de dívida hospitalar, emitida ao abrigo do disposto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro.
O Senhor Juiz, por despacho de 6 de Outubro de
1995, indeferiu liminarmente a execução, por considerar materialmente inconstitucionais, violando o disposto no artigo 205º, nº 1, da Constituição da República (CR), as normas dos artigos 2º, nº 2, alínea a), 4º e 6º daquele Decreto-Lei nº 194/92, que assim, desaplicou (se bem que, talvez por lapso, após ter concluído pela inconstitucionalidade material do artigo 4º, não o tenha expressamente recusado na decisão).
Face ao decidido, recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, o exequente e, obrigatoriamente, o Ministério Público.
Nas respectivas alegações, e na parte que interessa, defenderam ambos os recorrentes não se verificar a invocada inconstitucionalidade por violação do princípio consagrado no aludido artigo
205º, nº 1, da Constituição.
Também a executada, ora recorrida, contestou, o que fez no sentido de se manter a decisão a quo, para o que formulou as seguintes conclusões:
'1ª- O Mmo. Juíz do Tribunal 'a quo' decidiu correctamente ao considerar materialmente inconstitucionais os artigos 2º, nº 2, al. a), 4º, 6º e
8º do Dec.Lei nº 194/92 por violação do disposto no artº 205º da C.R.P.
2ª- A determinação do terceiro responsável, quer em caso de acidente de viação quer nas restantes situações definidas no diploma, é uma tarefa exclusivamente jurisdicional, não podendo o legislador defini-lo como o fez nas referidas normas.
3ª- O legislador ao atribuir força de título executivo às certidões de dívidas hospitalares perante alguns particulares (maxime perante as seguradoras), ao defini-los, antes de qualquer juízo jurisdicional, como terceiros responsáveis, criou um verdadeiro regime de excepção violador dos princípios gerais de direito civil e do princípio da igualdade do cidadão perante a lei consagrado no art. 13º da C.R.P.
4ª- As certidões de dívidas hospitalares com força de título executivo perante alguns particulares (em especial as seguradoras) vieram prejudicar gravemente os seus direitos de defesa determinando uma inversão do
ónus da prova e, relativamente aos casos emergentes de acidentes de viação, sem existência de qualquer presunção legal de culpa.
5ª- Vêem-se assim infringindas também as respectivas regras de competência territorial (art. 74º, nº 2 do Cód. Proc. Civ.) padecendo tal diploma de inconstitucionalidade orgânica por o Governo, sem autorização da AR, as alterar violando assim o disposto na alínea q) do nº 1 e no nº 2 do art. 168º da Lei Fundamental.
5ª- Pelo exposto deve o Venerando Tribunal declarar a inconstitucionalidade das citadas normas por violação do disposto no art. 13º,
205º e 168º da Constituição da República Portuguesa.'
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
2.- A questão já foi objecto de decisões anteriores do Tribunal Constitucional, com as quais se concorda pelo que, nos termos do artigo
78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, se remete para essa jurisprudência com expressão, nomeadamente, nos acórdãos nºs. 760/95 e 761/95, ambos publicados no Diário da República, II Série, de 2 de Fevereiro de 1996, e no acórdão nº 118/96, ainda inédito, nada mais se oferecendo acrescentar.
Os acórdãos citados dão, na verdade, resposta, que se perfilha, com a respectiva fundamentação, relativamente às normas dos artigos
2º, nº 2, alínea a), 4º e 6º do Decreto-Lei nº 194/92, ora em análise.
É certo que a recorrida convoca outra norma do mesmo diploma legal, a do artigo 8º, tendo-a, de igual modo, por inconstitucional.
Sublinhe-se, no entanto, que se trata de norma que não constitui objecto de recurso pelo que está fora de questão o Tribunal sobre ela se pronunciar.
De resto, não foi sequer aplicada pela decisão recorrida, contrariamente ao que a recorrida afirma nas suas alegações, sendo certo que se trata de norma pertinente às dívidas resultantes de tratamentos por doentes abrangidos por seguros privados de saúde - e não, como é o caso, relativa a dívidas resultantes de assistência ou tratamentos prestados em consequência de acidentes de viação. II
Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida ser reformulada de harmonia com o ora decidido sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 7 de Maio de 1996
Ass) Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Dinis Luis Nunes de Almeida