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Procº nº 85/96. ACÓRDÃO Nº 679/96
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça e em que figuram, como recorrente, F..., S.A., e, como recorrido, o Estado, representado pelo Ministério Público, concordando-se, no essencial, com a exposição lavrada pelo relator e ora de fls. 403 a 417, que aqui se dá por integralmente reproduzida, exposição essa relativamente à qual o Ministério Público deu a sua concordância e cujos fundamentos não são abalados pela pronúncia da recorrente, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta.
Lisboa, 21 de Maio de 1996 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida
EXPOSIÇÃO PRÉVIA Procº nº 85/96-
2ª Secção.
1. F..., S.A., propôs, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa e contra o Estado, acção declarativa, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando que fosse declarado que por determinadas acções por ela levadas a efeito e através das quais a mesma ficou credora de outras empresas, não foram, por ela, exigidos e cobrados quaisquer juros, ainda que por antecipação, juros esses que, com base na presunção constante do artº 14º do então vigente Código de Imposto de Capitais, serviram de base a tributação da autora.
Por sentença proferida em 14 de Dezembro de 1992 pelo Juiz do 2º Juízo daquele Tribunal Cível foi considerada, quanto ao caso, ilidida a mencionada presunção, declarando-se que a autora, relativamente aos créditos em questão, 'não exigiu ou recebeu, nem sequer por antecipação, quaisquer juros'.
Dessa sentença recorreu o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 10 de Maio de 1994, concedendo provimento ao recurso, revogou a decisão impugnada.
1.1. Para assim decidir, aquele Tribunal de 2ª instância, em síntese, entendeu (após ter anulado a resposta dada pelo tribunal colectivo a um quesito formulado na 1ª instância - resposta essa por intermédio da qual se dava como provado que, como resultava 'nítido do exame feito à contabilidade da A., nunca esta exigiu ou de algum modo pôs em prática qualquer esquema de pagamento de juros, ainda que por antecipação, com referência aos empréstimos consubstanciados nos saldos credores em conta corrente apurados pela Fiscalização' -) que a autora não lograra demonstrar o não recebimento de juros, o que lhe incumbia em face do disposto no § 2º do artº 14º do C.I.C., motivo pelo qual a acção se havia de considerar improcedente.
Não conformada com a decisão tomada na Relação de Lisboa, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça a F....
Na respectiva alegação apresentou a recorrente as seguintes conclusões:-
'1º) A exigência de imposto de capitais resul tou da realização de um exame à escrita da Recorrente (com confirmação da existência de saldos devedores na escrita das empresas beneficiárias).
2º) Tal exame à escrita foi feito por qualificado técnico economista dos quadros da Direcção Geral das Contribuições e Impostos.
3º) As testemunhas que depuseram em julgamento tinham, uma a qualificação de Técnico de Contas e a outra a de Revisor Oficial de Contas.
4º) As referidas testemunhas, pelo exercício das respectivas funções, tinham acesso às escritas da Recorrente e das empresas devedoras que estavam centralizadas no mesmo edifício.
5º) Do referido exame à escrita resultou evidente para a Administração Fiscal que não houve lugar à atribuição efectiva de juros em relação aos empréstimos detectados.
6º) De contrário, incumbir-lhe-ia tributar a Recorrente em função do rendimento efectivamente recebido.
7º) Daí que a A.D. Fiscal se tenha limitado a liquidar à Recorrente Imposto de Capitais com base em mera presunção ilidível da existência de tal rendimento.
8º) Tal presunção de vencimento de juros é ilidível mediante a propositura de acção contra o Estado como ora se faz (artº 14º do antigo Cód. de Imposto de Capitais e 7º, nº 5 do actual Cód. do IRS, agora em termos mais amplos).
9º) Acções como a presente são contestáveis caso venham a aparecer provas (nomeadamente através de denúncias) de que os contribuintes praticaram de facto esquemas de exigência de rendimentos em relação às empresas devedoras.
10º) Não é, manifestamente, o caso presente, em que se alega que a Recorrente apresentou um plano de pagamento diferido.
11º) Um tal tipo de contestação teria eventualmente algum interesse se fosse dirigido contra as impugnações apresentadas pela Recorrente.
12º) Não em relação a esta acção que, de certo modo, poderá considerar-se como de natureza adjectiva (ou prévia) relativamente aos processos de impugnação judicial que a Recorrente teve de apresentar em relação às liquidações que lhe foram feitas a partir do passado ano de 1981.
13º) Relativamente à 1ª liquidação de Imposto de Capitais (feita em relação aos anos que vão de 1975 a 1978) a Recorrente apresentou um plano de pagamento em prestações.
14º) Porém, face ao tipo de contestação apresentada, a recorrente abandonou esta iniciativa (sem prejuízo utilizar agora as facilidades que o Dec-Lei nº 225/94 de 5 de Setembro veio conceder).
15º) Face ao exposto fácil é concluir que o cerne da presente acção assenta na matéria levada ao quesito 4º, dado como provado na 1ª Instância.
16º) Tal quesito reproduzia quase na íntegra o artº 11º da petição inicial.
17º) Ora, face à realidade da realização do exame à escrita da Recorrente pelo técnico compe tente da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, entendeu o Sr. Juiz da 1ª Instância que tal matéria era pertinente e de manter o quesito 4º em causa.
18º) De todo o modo, aquando da leitura da resposta aos quesitos dados como provados, não foi suscitada por qualquer das partes e existência de qualquer 'ambiguidade ou obscuridade'.
19º) Nada explica pois a iniciativa que fez vencimento em 2ª Instância no sentido de dar como não provada a matéria do quesito 4º em questão.
20º) Quando muito poder-se-ia entender (como lúcida e corajosamente se faz no lapidar voto de vencido) que tal quesito poderia ser expurgado da matéria 'conclusiva' que contém (a referência dis- pensável à existência do exame à escrita da Recorrente) e passar a constar dele apenas a referência ao facto de não ter havido lugar à exigência de quaisquer juros (ainda que por antecipação) por parte da Recorrente em relação aos mútuos não formais detectados pelo Fisco.
21º) O recurso ao preceito excepcional do artº 712º do Cód. de Proc. Civil não poderia legalmente ter acontecido.
22º) A utilização de tal iniciativa, a manter--se, seria de molde a por em causa o preceito do artº 107º nº 2 da Constituição, segundo o qual as empresas devem ser tributadas pelo rendimento real que aufiram.
23º) O douto acordão recorrido violou pois ou não aplicou devidamente, os preceitos dos artºs 712º do Código de Proc Civil, 14º do Cód. do Imposto de Capitais, 7º, nº 5 do Cód. do IRS (apli- cável, se não directamente, ao menos subsidiaria- mente) e 107º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
..................................................'
1.2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 2 de Março de 1995, julgou improcedente a revista.
É a seguinte a fundamentação desse aresto:-
'..................................................
O S.T.J., como Tribunal de revista, em princí pio, apenas conhece de questões de direito. O erro na apreciação das provas e na fixação de factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de mera disposição expressa de lei que fixe a força de determinado meio de prova - artº 722º, nº 2 do C.P.C.. Como tal, dos factos materiais fixados pelo Tribunal da Relação, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado - artº 729, nº 1.
É sabido que o imposto de capitais incidia sobre os rendimentos derivados da aplicação de capitais - artº 1º Cod. Imposto de Capitais.
Estes rendimentos encontram-se divididos em duas secções, consoante o sistema de arrecadação do respectivo imposto: arrecadação por lançamento, determinada por manifesto ou declaração do contri- buinte e arrecadação por retenção na fonte.
Sendo os rendimentos baseadores do imposto tem-se que, por norma, os mesmos terão que ser efectivos. Prevê, porém, a lei a existencia de ren- dimentos presumidos, o que constitui um desvio à tributação de rendimentos reais.
Assim, em contratos de mútuo e de abertura de crédito prevê-se e presume-se a existencia de juros. Presunção 'juris tantum', a poder ser ilidida por prova em contrário em acção judicial intentada contra o Estado - cfr. artº
14º Cod. Imposto de Capitais, com a redacção dada pelo Dec.Lei nº 139/81, de
30-5.
A 2ª Instancia, com base em deficiencia e obscuridade considerou como não provada a resposta dada ao quesito 4º do questionário. Usou, assim, dos poderes conferidos pelo artº 712º, nº 2 do C.P.C. - redacção do D.L. 242/85, de
9-7.
Consiste a deficiencia no facto de a resposta não abranger todo o facto quesitado e a obscuridade na equivocidade, inintelegibilidade ou imprecisão. O que importa que a conclusão extraída envolve sempre e somente matéria de facto de que este Tribunal não pode conhecer, como referimos já.
É certo que vem sendo uniformemente admitido que o S.T.J. pode exercer censura sobre o uso, forma e ambito que o Tribunal da Relação tenha feito dos poderes que lhe são conferidos pelo artº 712º do C.P.C..
Ora, a fundamentação da resposta dada ao art. 4º do questionário, conforme se expressa a fls. 272 vº dos autos, baseia-se no depoimento de duas testemunhas cujos depoimentos não foram escritos.
A consulta dos autos não nos revela a existen- cia de qualquer exame contabilístico feito à escrita da autora. Mas a verdade é que a resposta dada refere-se, como resulta do corpo do quesito, a um presumível exame que não se sabe quando foi realizado, por quem e em que termos. Daí a obscuridade da resposta, já que se mostra ininteligível. Assim, outra conduta não poderia ter adoptado o Tribunal da Relação, pelo que não merece crítica o uso que a mesma fez dos poderes que lhe são conferidos pelo nº 2 do artº 712º do C.P.C..
Ao concluir pela inutilização total da resposta ao quesito 4º, a 2ª Instancia não concedeu margem para a actuação deste Tribunal. Na verdade limitada a eliminação ao exame que não se demonstra ter sido feito, restavam os depoimentos das testemunhas que não foram escritos e se ignoram em que medida contribuiram para o esclarecimento da verdade. Não nos podemos esquecer que o quesito enunciava 'como resulta nítido do exame'.
Permanece, assim, a presunção 'juris tantum' que beneficia o Réu Estado. Presunção que competia à A. ilidir, provando o contrário. Demonstração que não fez. Antes, pelo seu comportamento anterior, convenceu do contrário. Foi a Autora que requereu e efectuou o pagamento voluntário e em prestações do imposto de capitais e respectiva multa referentes aos mesmos mútuos, referentes aos anos de 1975 a 1978. Facto ocorrido em processo de contravenção contra ela instaurado pela Direcção Geral das Contribuições e Impostos. Comportamento que não pode ser ignorado e que vem confirmar o que atrás se referiu, a conduzir a rendimentos presumidos.
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1.3. A F... veio arguir a nulidade do acórdão de que imediatamente acima se encontra transcrita uma parte, arguição que foi considerada improcedente por acórdão de 3 de Outubro de 1995.
Deste aresto veio ainda a F... formular um «pedido de esclarecimento», referindo no requerimento dele consubstanciador que era inconstitucional o preceito que determinava que se tributassem as empresas quando 'as liquidações feitas acontecerem na mera presunção de que os mútuos não formais detectados pelos competentes Serviços de Fiscalização Tributária (no exame à escrita a que procederam) venceriam juros', por violador do 'preceito constitucional, que prescreve que a tributação deverá incidir sobre o rendimento efectivo (e não meramente presumido)'.
1.4. Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de
22 de Novembro de 1995, indeferido o pedido de aclaração, veio a F... atravessar nos autos requerimento por intermédio do qual intentou, ao abrigo do 'DISPOSTO NO ARTº 70º, Nº 1 A) E B) DA LEI Nº 28/82', interpôr recurso para o Tribunal Constitucional e onde disse:
- que visava que este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa se pronunciasse pela inconstitucionalidade, por violação do nº 2 do artº 107º da Lei Fundamental, das disposições,
'nomeadamente, os artºs 4º, corpo e 7º, corpo e 14º, corpo do Código de Imposto de Capitais que dispõe que a obrigação de imposto pode resultar da simples presunção da existência de rendimento, com base nas quais foi possível liquidar imposto à Requerente', sendo que, '[n]o caso em apreço, a declaração de inconstitucionalidade daquelas normas é de molde a tornar inútil e desnecessária a acção à margem referenciada proposta contra o Estado oportunamente';
- que os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça, 'ao não aplicarem as disposições dos referidos artigos 14º § 2º do CIC e 7º nº 5 do Cód. de IRS, tornaram as normas referidas do C.I.C., que permitiram a liquidação presuntiva de imposto de capitais como estando feridas de inconstitucionalidade face ao mencionado preceito do artº
107º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa em vigor'.
O presente recurso foi recebido por despacho de 9 de Janeiro de 1996, prolatado pelo Conselheiro Relator do S.T.J.
2. Não obstante tal despacho, e porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), entende-se que o vertente recurso não deveria ter sido admitido, e daí a elaboração, ex vi do nº 1 do artº 78º-A daquele diploma, da presente exposição.
Na verdade, e para além do facto, que desde já se anota, de o requerimento por via do qual a recorrente tentou impugnar o acórdão proferido pelo S.T.J. não obedecer à totalidade dos requisitos previstos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da Lei nº 28//82 (facto que seria porventura ultrapassável caso se viesse a lançar mão do convite a que alude o nº 5 do mesmo artigo - e a recorrente a ele cabalmente acedesse), o que é certo é que duas circunstâncias se nos deparam que conduzem a que se não deva tomar conhecimento do objecto do recurso.
2.1. A primeira consiste, desde logo, no facto de, aquando da impugnação, por via de recurso de revista, do acórdão lavrado no Tribunal da Relação de Lisboa, a recorrente não ter posto em crise, por referência a normas ou princípios decorrentes da Lei Fundamental, qualquer norma constante do ordenamento infra-constitucional.
Efectivamente, como deflui das transcritas conclusões da alegação produzida pela recorrente na revista, a eventual desconformidade constitucional não foi assacada a qualquer norma aplicada pela Relação de Lisboa, mas sim à decisão por esta tomada.
Ora, como tem sido jurisprudência firme desde sempre seguida por este Tribunal e cuja enunciação ou exemplificação aqui seria fastidioso efectuar, o recurso de constitucionalidade, a que se reportam os números 1 e 2 do artigo 280º da Constituição e o nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, tem por objecto normas e não outros actos do poder público, aqui se incluindo as decisões dos tribunais qua tale.
Por outro lado, e porque é óbvio que o presente recurso unicamente se poderia fundar na alínea b) do nº 1 do aludido artº 70º [e nunca ao abrigo da alínea a) dos mesmos número e artigo - e isto pela simples razão segundo a qual, na decisão pretendida censurar, não houve a recusa de aplicação de qualquer norma jurídica -], impunha-se à recorrente, caso desejasse servir-se de tal forma de impugnação, que, antes da prolação do acórdão tirado no Supremo Tribunal de Justiça, viesse questionar a compatibilidade com a Constituição da norma ou normas que agora pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional (e que serão aquelas por via das quais será permitida a tributação, a título de Imposto de Capitais, com base em rendimentos presumidos
- sob a forma de juros - de empresas que efectuaram operações recondutíveis a contratos de mútuo ou de abertura de crédito).
Não o fez, porém, como se viu, visto que a eventual desconformidade com o disposto no nº 2 do artigo 107º do Diploma Básico foi, pela recorrente, dirigida não a qualquer ou quaisquer normas, mas à decisão tomada pela Relação de Lisboa.
De onde faltar, in casu, um dos pressupostos do recurso de que curamos: justamente aquele que consiste na não suscitação, antes da decisão recorrida, da inconstitucionalidade da ou das normas cujo vício agora a recorrente intenta ver avaliado.
E não valerá argumentar-se com a circunstância de a ora recorrente ter pretendido (e aliás de forma quiçá revestida de incompletude ou, até, de forma ineficaz) levar a cabo uma tal suscitação na peça processual por meio da qual veio arguir nulidades do acórdão do Supremo.
De facto, como tem sido múltiplas vezes sublinhado por este Tribunal, o recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, ao exigir que a suscitação da inconstitucionalidade tenha lugar
«durante o processo», acarretará, em regra, que essa suscitação deva ocorrer antes do proferimento da decisão final e, logo, antes de se encontrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal de que se recorre, razão pela qual já não é adequada, por intempestiva, a suscitação efectuada em requerimentos de aclaração ou de arguição de nulidades.
2.2. Uma outra circunstância se depara também, como se referiu já, e que obstaria a que se tomasse conhecimento do recurso, ainda que por hipótese estivessem, no caso, reunidos todos os requisitos condicionadores do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade a que alude a alínea b) do nº 1 do dito artº 70º.
Efectivamente, a acção em causa foi proposta ao abrigo e nos termos do § 2º do artº 14º do então vigente Código de Imposto de Capitais
(redacção do Decreto-Lei nº 197/82, de 21 de Maio), visando-se obter uma declaração judicial no sentido de não ter a recorrente, pelas operações por si levadas a efeito e através das quais a mesma ficou credora de outras empresas, cobrado, ainda que por antecipação, quaisquer juros. Munida dessa declaração, em caso de procedência da acção, ficava aberta à ora recorrente a possibilidade de, em adequado processo previsto no Código de Processo das Contribuições e Impostos
(ou no actual Código de Processo Tributário), vir a impugnar a liquidação dos quantitativos que lhe foram exigidos, a título de Imposto de Capitais, pelos serviços da Administração Fiscal, liquidação essa feita precisamente com base na presunção constante do corpo daquele artº 14º (na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 139/ /81, de 30 de Maio).
De salientar é que da procedência de uma acção como a em apreço não resulta, imediatamente ou desde logo, que as liquidações efectivadas pela Administração se tenham de considerar insubsistentes. A sua eventual anulação só poderá atingir-se após reclamação ou propositura de cabido processo de impugnação (cfr. Franciso Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos in Código do Imposto de Capitais anotado e comentado, edição da INCM, Lisboa, 1984, 418).
Sendo assim, estando agora pedido um juízo de análise sobre a constitucionalidade ou não constitucionalidade da norma que estabelece a presunção de vencimento de juros à taxa de 15% ao ano relativamente aos contratos de mútuo e de abertura de créditos desde a data da sua utilização, mesmo que não tenha sido efectuado manifesto ou declaração do contribuinte, torna-se claro que, se porventura um tal juízo fosse o de não existir incompatibilidade com normas ou princípios constantes da Lei Fundamental, sempre haveria de subsistir a decisão tomada pela decisão recorrida.
Mas, se juízo contrário fosse formulado, isto é, se este Tribunal se pronunciasse no sentido de ser a mencionada norma inconstitucional, então daí se seguiria inelutavelmente que a presente acção haveria de considerar-se inútil. De facto, nunca se justificaria o desencadear e o desenvolvimento de uma acção com vista a ilidir uma presunção cuja existência era, em si, inválida e, logo, impeditiva de uma liquidação tributária efectuada com base nela.
Ora, nesta acção, não é pedido ao tribunal cível (nem tal nunca o poderia ser, já que um tal pedido não é formulável perante os tribunais da ordem dos tribunais judiciais, por isso que se não insere na sua competência material) que anule a liquidação. Um pedido nesse sentido formulado só o poderá ser perante os tribunais tributários.
Neste circunstancionalismo, só nestes últimos seria asado colocar-se a questão de saber se uma liquidação do Imposto de Capitais baseada em juros presumidos é algo que conflitua com a Constituição.
Se se colocasse essa questão perante o tribunal civil em acção do jaez da presente, e obtendo-se decisão no sentido da existência de um tal conflito, uma só decisão, quanto a essa causa, haveria de ser tomada e que, como se viu, consistiria em haver-se por inútil o desenvolvimento dela, assim se não conhecendo do mérito da causa (ou seja, não se proferindo declaração no sentido de se ter, ou não, por ilidida a presunção, o que o mesmo é dizer, não se proferir a decisão de que, no caso, houve, ou não houve, lugar a recebimento de juros, ainda que antecipados ) . Na realidade, se não fosse possível tributar rendimentos decorrentes de mera presunção, não tinha qualquer justificação impugnar esta. E daí, alcançada que fosse a referida existência de conflito, se dever seguir uma decisão de inutilidade superveniente da lide.
2.2.1. Tendo os recursos de constitucionalidade uma função meramente instrumental, como sabido é, fosse qual fosse, no caso, a decisão a tomar por este Tribunal tocantemente à questão da compatibilidade com a Constituição da norma do corpo do artº 14º do C.I.P., nenhuma relevância teria ela sobre a pretensão deduzida pela recorrente na acção (a de obter declaração judicial de que não recebeu, pelas operações em causa, quaisquer juros). Efectivamente, e como resulta do que veio de se dizer, se se concluísse pela conformidade constitucional de tal norma, manter- -se-ia o decidido no acórdão ora impugnado; se, pelo contrário, se concluísse pela desconformidade constitucional, a acção tornava-se supervenientemente inútil. Em qualquer dessas hipóteses, a pretensão da recorrente nunca lograria atendimento.
3. Em face do exposto, propugna-se por se não dever tomar conhecimento do vertente recurso.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº
28/82.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 1996. Bravo Serra