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Proc. nº 92/95 ACÓRDÃO Nº 964/96
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - O Tribunal de Instrução Criminal do Porto indeferiu o pedido de inquirição de testemunhas que, na instrução, formularam os arguidos A. e outros.
Do despacho de indeferimento, que se fundou em que aquela
'diligência serviria apenas para protelar o andamento do processo', os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação do Porto.
O recurso foi admitido, para subir a final, com o que eventualmente viesse a pôr termo à causa, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Os arguidos reclamaram para o Presidente da Relação do Porto do despacho que determinou a retenção do recurso. Mas a reclamação foi, assim, desatendida:
'Os casos em que o recurso sobe imediatamente são enumerados no nº 1 do artigo 407º citado.
Tais casos, tirando o que adiante se dirá, são de ter como de enunciação taxativa.
Com efeito almejando dois objectivos básicos infelizmente nem sempre alcançados e, por vezes, dificilmente alcançáveis - celeridade e eficiência, por um lado, e emprestar efectividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntica, por outro - o legislador propôs-se, confessadamente,
'obviar ao reconhecido pendor para o abuso dos recursos'.
Este combate, naturalmente, veio a ter repercussões a nível não só das próprias decisões recorríveis, como também, do respectivo regime de subida, que assim, restringe e tipifica drasticamente os casos de subida imediata.
O recurso interposto pelos reclamantes não se enquadra em qualquer das alíneas do nº 1 citado.
Por isso, só seria de subida imediata se coubesse na categoria residual do nº 2, aliás de perfil claramente excepcional, ou seja, se a sua retenção o tornasse 'absolutamente inútil'.
De outro modo, será de observar o regime-regra enunciado no nº 3 do mesmo preceito: quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.
Sendo assim, o que se segue é indagar se, subindo só a final, o recurso perde toda a utilidade, isto é, fica absolutamente inutilizado, o mesmo
é dizer: fica sem utilidade alguma, enfim, não tem qualquer proveito processual para o recorrente.
Entendem os recorrentes que sim, tanto mais que, mesmo que venham a ser absolvidos em julgamento, jamais se furtarão ao estigma de se verem a ele submetidos. Isto é, a eventual absolvição que os contemple em julgamento não tem o mesmo efeito que a sua não pronúncia.
É claro que para qualquer arguido é solução mais sedutora não ser pronunciado e, portanto, subtrair-se às agruras da sujeição a um julgamento onde terá de defender-se, do que ser a final absolvido. Compreende-se esta preferência. Até porque qualquer julgamento, como acto dependente da actuação de homens, comporta riscos. Até de erro...
Mas a lei que temos, de resto de acordo com jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional citada pelos reclamantes, não estabelece um qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento.
Isto é, garantidos que sejam todos os direitos de defesa, é indiferente que os efeitos desse exercício venham a ocorrer antes ou após um julgamento. O arguido não pronunciado não goza de estatuto de superioridade relativamente a um absolvido.
E se já não é possível evitar o estigma da sujeição a julgamento, também o arguido não pronunciado não pode evitar o de ter sido considerado arguido em processo penal. E daí? São riscos inerentes à própria cidadania.
Isto é, a conjugação possível entre os vários valores em jogo no processo penal, implica necessariamente que o direito de defesa constitucionalmente garantido tenha regras, seja exercido em termos de não prejudicar os fins do processo. De outro modo, este não ultrapassaria o estatuto de mero amontoado de inutilidades.
Isto é: a eficácia do processo é objectivo claramente perseguido pelo legislador.
No caso em análise, é claro que, não subindo o recurso já, existe a possibilidade teórica de se ir efectuar um julgamento porventura dispensável. Mas isso não é o mesmo que dizer que a subida diferida tira ao recurso toda a utilidade. Basta atentar em que, sendo provido, aos recorrentes necessariamente há-de ser facultado o direito de, com eficácia, darem corpo ao seu direito de defesa. Assim, a subida imediata poderia dar-lhe maior utilidade, mas não é essa a hipótese contemplada no citado nº 2 do artigo 407º, onde se estatui com clareza que a subida imediata tem em vista evitar que a rejeição torne o recurso absolutamente inútil.
É certo que haverá situações criadas entretanto irrefragáveis.
Mas a excepção prevista no nº 2 do artigo citado, não tem em vista evitar essas situações, até porque isso se tornaria um objectivo inatingível. Um recurso nunca pode apagar o fluxo da vida.
O que o legislador pretende evitar é que o deferimento da subida inutilize por completo as potencialidades da impugnação. Não que essa subida diferida lhe retire alguma possível acutilância.
É o equilíbrio possível entre a necessidade de dar ampla cobertura ao princípio da máxima recorribilidade das decisões (artigo 399º) e o manifesto propósito de 'incrementar a construção de um sistema processual que permita alcançar, na máxima medida possível e no mais curto prazo, as finalidades de realização da justiça, de preservação dos direitos fundamentais das pessoas e da paz social'. Um compromisso entre a celeridade e a eficácia processuais e aqueles direitos fundamentais, de modo a que umas e outros possam validamente coexistir.
De resto, é esta a solução que está de acordo com a sistemática do Código em matéria de recursos, pois se no caso o efeito forçosamente teria de ser devolutivo, (artigo 408º), perfilhando-se a tese dos reclamantes, bem podia acontecer que, quando o recurso viesse a decidido, os arguidos já tivessem sido julgados na 1ª instância, com a agravante de se poder tornar em processamento inútil, ante as vicissitudes possíveis daquele julgamento, entre as quais há que equacionar a da própria absolvição.
Solução que, manifestamente, um legislador preocupado com a eficácia e utilidade do processo não perfilharia'.
Deste despacho vem interposto o presente recurso, nos termos dos artigos 70º, nºs. 1, alínea b), e 2, e 72º, nºs. 1, alínea b), e 2, da Lei do Tribunal Constitucional. O recurso é delimitado na norma do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal, norma que os recorrentes confrontam com o artigo
32º, nºs. 1, 2, 4 e 5, da Constituição. Alegando, concluem assim:
'a) Em obediência ao art. 32º da C.R.P. [por lapso, indica-se o Código de Processo Penal], o processo penal deve assegurar todas as garantias de defesa nas várias fases do processo, incluindo as garantias que permitam ao arguido requerer e produzir meios de prova que conduzam à demonstração da sua inocência antes do julgamento e com vista, justamente, a impedir o julgamento.
b) Na estrutura do nosso Código de Processo Penal, é na fase da instrução que ao arguido é possível, com um mínimo de eficácia, exercer o seu direito de defesa de modo a evitar a sua pronúncia e o seu julgamento, sendo certo que, em princípio, não há recurso do despacho de pronúncia.
c) Assim sendo, assume particular relevância para a dignidade do direito de defesa, a possibilidade de o arguido recorrer do despacho que indefira as diligências de prova por ele requeridas na fase de instrução.
d) Para que o recurso tenha qualquer utilidade, ele deve subir ao Tribunal Superior imediatamente, e não diferidamente com o recurso da decisão final, sob pena de se frustra a finalidade do recurso, que não pode ser outra que permitir ao arguido produzir a sua defesa com vista a evitar a sua pronúncia.
e) Assim, a entender-se que a norma do artigo 407º nº 2 do C.P.P. não abrange os recursos de despachos que indefiram a realização de diligências probatórias na fase de instrução, tal norma tem de considerar-se como inconstitucional, por violação do artº 32º da Constituição da República.
f) Deverá, consequentemente, dar-se provimento ao presente recurso, e julgar-se inconstitucional a citada norma'.
II - A fundamentação
1 - A questão de constitucionalidade é a do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal, que determina que 'sobem ainda imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis', interpretada no sentido de não incluir os recursos dos despachos que indeferem diligências probatórias na fase de instrução, que, assim, têm um regime de subida diferida. Esta interpretação, como está bem de ver, envolve um reconhecimento da utilidade destes recursos com este regime de subida.
2 - O que aqui é trazido à controvérsia constitucional não é, pois, o direito de recorrer de despacho interlocutório do juiz que em processo penal denega diligências instrutórias. Esse recurso, em si mesmo, está garantido. O que está em causa é o recurso com aquele regime de subida diferida que lhe é assinalado na decisão recorrida, de tal modo que esse recurso, por ter de ser julgado em sincronia com o que porventura venha a ser interposto da decisão final de 1ª instância, não logra o efeito prático de eventualmente evitar o julgamento. É nesta perspectiva de 'funcionalização' do recurso em fase de instrução à ideia de evitar a pronúncia do arguido que se constrói a tese das alegações do recorrente.
Mas não é esse o sentido constitucionalmente necessário da norma do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal. O sentido constitucionalmente necessário da determinação segundo a qual 'sobem ainda imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis' é o da não inviabilização da prova em ordem à consecução da verdade material. A ponderação que o juiz deve empreender é a de se o regime de subida diferida que atribui ao recurso ainda está nos limites da subsistência da afirmação da prova ou se, pelo contrário, o diferimento do controlo em via de recurso da apreciação da prova corresponde à negação da subsistência da mesma prova.
Esta ponderação é, como está bem de ver, uma ponderação nos limites do caso concreto. Por isso que o problema da utilidade dos recursos também não pode ser tematizado nos exactos termos em que o fez o despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
Não obstante, esse despacho mantém a decisão recorrida do juiz que admitiu o recurso - que é o juiz da prova em instrução - e que se funda em que
'a diligência requerida serviria apenas para protelar o andamento do processo'.
Assim, e pelo essencial dos fundamentos do Acórdão nº 474/94 [D.R., II Série, de 8-11-1994], a norma, nessa interpretação, não pode ter-se como inconstitucional.
III - Nestes termos, decide-se não julgar inconstitucional a norma do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal, assim negando provimento ao recurso.
Lisboa, 11 de Julho de 1996
Maria da Assunção Esteves
Armindo Ribeiro Mendes
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma ( vencida nos termos da declaração de voto junta)
Tendo sido a primeira relatora neste recurso de constitucionalidade, voto vencida, no essencial pelas razões que fundamentaram a solução propugnada no meu projecto de acórdão e que não foram abaladas pelo texto do presente Acórdão.
Tais razões constam da fundamentação da decisão de inconstitucionalidade por mim defendida e que, seguidamente, é transcrita:
'A
Os problemas de constitucionalidade
do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal
1. Os recorrentes invocam vários problemas de constitucionalidade suscitados pelo artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal, norma que tem o seguinte teor:
'2. Sobem ainda imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.'
São tais problemas essencialmente três:
a) A eventual contradição entre o artigo 407º, nº 2, na interpretação segundo a qual esta norma não abrange os recursos de despachos que indefiram diligências probatórias, e o direito de defesa do arguido na instrução, exercido de modo a evitar a sua pronúncia e consequente julgamento.
b) A afectação da utilidade do recurso e, por conseguinte, do direito ao recurso (através da mera subida diferida com o recurso da decisão final) por uma interpretação do artigo 407º, nº 2, que dele afaste todos os recursos de despachos que indefiram diligências probatórias.
c) A afectação da estrutura acusatória da instrução, pautada pelo princípio do contraditório.
2. Em suma, os recorrentes põem em causa a interpretação do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal que dele exclui, por não qualificar a retenção como situação de inutilidade absoluta, a subida imediata do recurso de despachos que indefiram diligências probatórias na fase de instrução.
E põem-na em causa com fundamento na violação do direito de defesa, da estrutura acusatória do processo penal, da garantia do contraditório na fase de instrução e da plenitude do direito ao recurso. O princípio constitucional que, em todas as vertentes assinaladas, é violado, segundo os recorrentes, é o da plenitude das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, nº 1, do Código de Processo Penal.
B
A interpretação dada ao artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal pelo despacho recorrido
3. Segundo o despacho do Presidente da Relação do Porto, o artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal não se aplicaria no caso sub judicio, pois a excepção aí consagrada ao princípio geral da subida diferida apenas abrange os casos em que 'o diferimento da subida inutilize por completo as potencialidades da impugnação', não bastando, nessa interpretação, uma afectação da utilidade que consistiria em não impedir o julgamento. Na realidade, aí, conforme a fundamentação do despacho, apenas poderia estar em causa o grau de utilidade do recurso, mas nunca a sua absoluta utilidade na perspectiva do exercício do direito de defesa.
O direito de defesa, por seu lado, nunca integraria um direito a não ser submetido a julgamento: 'garantidos que sejam todos os direitos de defesa, é indiferente que os efeitos desse exercício venham ocorrer antes ou após o julgamento'. Assim, torna-se claro que, segundo a interpretação do artigo 407º, nº 2, vertida no despacho do Presidente da Relação, a apreciação do recurso do despacho que indefere diligências probatórias nunca exigiria, em nome da plenitude das garantias de defesa, uma subida imediata, pois, em caso algum, a não submissão do arguido a julgamento pode ser considerada exercício de um direito protegido constitucionalmente.
C
A questão de constitucionalidade controvertida na jurisprudência do Tribunal Constitucional
4. O Tribunal Constitucional versou questão semelhante no Acórdão nº
474/94, da 1ª Secção (D.R., II Série, de 8 de Novembro de 1994). Justificou então a decisão de não inconstitucionalidade através da incolumidade das garantias de defesa do arguido e da dignidade do cidadão apesar da subida diferida de um recurso e da consequente submissão a julgamento (eventualmente dispensável).
Em anteriores arestos (Acórdão nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol., p. 229, e Acórdão nº 338/92, inédito), o Tribunal Constitucional também reconheceu que 'a Constituição não estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento, sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação de existência de razões que indiciem a sua presumível condenação. O que a Constituição determina no nº 2 do artigo 32º é que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, pelo que o simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome e reputação'.
5. Segundo esta jurisprudência, o Tribunal Constitucional não negou um direito de não se ser submetido a julgamento, em si mesmo, mas entendeu apenas que esse direito não vigora, no sentido mais amplo, como direito à verificação exaustiva de indícios que possibilitem uma eventual condenação futura. Deste modo, uma interpretação que admita, em absoluto, a constitucionalidade da exclusão do âmbito do artigo 407º, nº 2, de todos os recursos de despachos que indeferem diligências probatórias na fase de instrução ultrapassará o sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Na realidade, o Acórdão nº 474/94, louvando-se no Acórdão nº 31/87 quanto ao entendimento a dar ao direito a não ser submetido a julgamento, apenas considerou que, apesar de não estar exaurida a averiguação de indícios, um cidadão pode ser submetido a julgamento sem que isso afecte a sua dignidade. Claro está que, quando as diligências probatórias sejam, previsivelmente, essenciais para a submissão do arguido a julgamento, a argumentação expendida nos arestos citados não conduzirá a um juízo de não inconstitucionalidade.
D
A eventual dimensão de inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal pelo despacho recorrido
6. Existirá, no despacho recorrido, uma interpretação inconstitucional do artigo 407º?
Independentemente da verificação da inutilidade absoluta do recurso, no caso concreto, pela subida diferida - problema de interpretação e aplicação do direito ordinário que não compete ao Tribunal Constitucional controlar -, o despacho recorrido fundamenta-se numa interpretação restritiva do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal. Essa interpretação exclui do âmbito da inutilidade absoluta todos os recursos dos despachos de indeferimento de diligências probatórias, nunca admitindo a sua subida imediata.
Propugna-se, assim, uma interpretação do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal segundo a qual não é sequer discutível a inutilização absoluta do recurso pela sua subida diferida, ainda que sejam indeferidas diligências probatórias previsivelmente essenciais para obstar à pronúncia do arguido.
7. Devem ter-se como essenciais, neste contexto, as diligências de que possa resultar, na perspectiva prognóstica do próprio tribunal competente para fixar o efeito do recurso, a demonstração de que não foi praticado o facto criminoso ou de que ele não é imputável ao arguido. Pelo contrário, já não serão essenciais as diligências tendentes a determinar o grau de responsabilidade do arguido: referentes, por exemplo, à gravidade do facto ilícito e da culpa.
Sem se poder afirmar, em abstracto e em geral, que o arguido é titular de um direito de não ser submetido a julgamento, deve reconhecer-se que ele não deve ser julgado quando não estejam reunidos indícios suficientes de ter cometido o crime. Isto resulta do disposto nos artigos 283º, nº 1, e 308º, nº 1, do Código de Processo Penal, que prevêem os requisitos dos despachos de acusação e de pronúncia, respectivamente. E, em última instância, este regime constitui corolário do princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no artigo 32º, nº 2, da Constituição.
Deste modo, terá de se admitir ao arguido a possibilidade de, antes da fase da audiência de julgamento, demonstrar que não existem indícios suficientes para passar para essa fase. O arguido já então será titular de um direito à prova e já beneficiará do princípio do contraditório. Por isso, se compreende que o artigo 32º, nº 5, da Constituição assegure ao processo criminal estrutura acusatória não só na audiência de julgamento como nos 'actos instrutórios que a lei determinar'.
8. É certo que o Código de Processo Penal não admite sempre recurso da decisão instrutória. Nas hipóteses de coincidência entre o despacho de pronúncia e o despacho de acusação que o antecedeu, tal recurso não é admissível: é o que resulta do disposto no artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal. Nestes casos, o legislador considera que o despacho de pronúncia goza de uma especial
'credibilidade' e sacrifica o direito de recurso à celeridade processual, que é concebida, no essencial, como instrumento da própria presunção de inocência pelo artigo 32º, nº 2, da Constituição (cf. Figueiredo Dias, 'Revisão constitucional e o Processo Penal', A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais,
1981, p. 53).
Todavia, não se pode inferir sequer da inadmissibilidade de recurso nos casos referidos a inadmissibilidade de recurso com subida imediata em situações de indeferimento do requerimento de diligências probatórias. O despacho de pronúncia assenta, como já se viu, na existência de 'indícios suficientes'. As diligências probatórias tendem, antes da audiência de julgamento, a apurar se há indícios suficientes. A irrecorribilidade do despacho de pronúncia até justifica, pelo contrário, a escrupulosa observância das garantias de defesa nas fases de inquérito e instrução. Por outro lado, é a economia processual, de que o próprio desígnio de celeridade é instrumental, que aconselha a apreciação imediata de um recurso que, previsivelmente, pode obstar ao julgamento.
9. Ante o exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal pelo despacho recorrido, nos termos da qual nunca sobem imediatamente os recursos de despachos de indeferimento de diligências probatórias na fase de instrução. Uma tal interpretação viola as garantias de defesa e o princípio da presunção de inocência do arguido, consagrados, respectivamente, nos nºs 1 e 2 do artigo 32º da Constituição.
As normas constitucionais citadas impõem, na verdade, a subida imediata do recurso que, de acordo com o juízo prognóstico do próprio tribunal, impugnem o indeferimento de diligências de que possa resultar a demonstração de que não foi praticado o facto criminoso ou de que ele não é imputável ao arguido.'
Para além das razões que expendi no texto anterior, o Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional ainda me parece criticável na medida em que, discordando (e bem) da formulação do problema da utilidade do recurso que é feita pelo despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto (avançando um pouco relativamente ao Acórdão nº 474/94, D.R., II Série, de 8/11/94), veio a apoiar-se no facto de aquele despacho manter apenas a decisão reclamada, proferida pelo juiz de instrução, a qual se teria fundamentado em que 'a diligência requerida serviria apenas para protelar o andamento do processo'.
Ora, tal construção parece-me inaceitável por várias razões:
1ª - O presente Acórdão confunde o fundamento da decisão recorrida, que determinou a subida do recurso a final 'com o que eventualmente vier a ser interposto da decisão que tiver posto termo à causa, nos próprios autos e sem qualquer efeito suspensivo', mediante uma interpretação restritiva do artigo
407º, nº 2, em conjugação com o artigo 408º a contrario - com o fundamento do despacho de indeferimento do pedido de inquirição de testemunhas.
O despacho recorrido (do Presidente do Tribunal da Relação do Porto) apenas poderia manter a decisão reclamada (do Juiz de Instrução Criminal) quanto ao modo de subida do recurso (obviamente), pois, caso contrário, estaria a tomar conhecimento do próprio recurso. Assim, a fundamentação referida, segundo a qual
'a diligência requerida serviria apenas para protelar o andamento do processo' não poderia, de modo algum, referir-se ao modo de subida do recurso que é interposto da decisão de indeferimento das diligências requeridas.
Nesse sentido, o despacho do Presidente da Relação, cujo objecto é uma reclamação, não poderia assimilar o fundamento do despacho de indeferimento de diligências instrutórias. E o Tribunal Constitucional não deverá considerar que a interpretação (que considerou constitucionalmente inadmissível) do nº 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal feita pelo despacho do Presidente da Relação confirma o fundamento do despacho de indeferimento de diligências instrutórias.
2ª - O presente Acórdão transforma o recurso de constitucionalidade num estranho recurso de (des)amparo, pois não avalia a interpretação da norma feita pela Relação - e que foi objecto do recurso de constitucionalidade - nem sequer a interpretação alcançada no despacho do Tribunal de Instrução quanto ao modo de subida do recurso, mas sim a própria decisão de indeferimento das diligências probatórias.
Luís Nunes de Almeida