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Proc. nº 423/91
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. A., funcionário do Instituto Nacional de
----------------, veio, utilizando o meio processual previsto no artigo 82º nº 2 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (o DL nº 267/85, de 16 de Julho, adiante designado LPTA), requerer junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL) a intimação do Director-Geral do referido Instituto para 'passagem de certidões' contendo os elementos indicados em quatro requerimentos (os juntos a fls. 2,4,6 e 7 deste processo) que anteriormente lhe dirigira.
Através da sentença de fls. 72/73, entendeu o TACL não se encontrarem preenchidos os requisitos legais possibilitadores de um pedido de intimação para passagem de certidões, pelo que o indeferiu.
Fundando tal decisão entendeu o TACL que 'o requerente não solicitou a consulta de documentos ou processos nem a passagem de certidões', nem tão pouco, fez 'prova do interesse na consulta ou na obtenção de certidões', traduzindo esta circunstância a não verificação dos requisitos legais da solicitada intimação.
1.1. Inconformado impugnou o requerente esta decisão junto do Supremo Tribunal Administrativo (STA), sintetizando a sua discordância nas seguintes conclusões :
' 1º - Face à resposta da autoridade requerida havia o Tribunal que ouvir o requerente a fim de recolher os elementos que lhe permitissem conhecer de mérito sobre a verdade dos factos controvertidos.
2º - Perspectivando-se na aparente razão da parte intimada que propositadamente omitiu o funcionamento da instituição, respeitante aos trâmites processo-administrativos entre a Secretaria de Estado e entidade tutelada, o juiz deliberou em erro sobre os pressupostos de facto, pertinentes às cópias solicitadas, violando o estabelecido nos artigos 575º do CC e o disposto no artigo 82º da LPTA e nº 1 do artigo 268º da CRP.
3º - Já no que concerne aos restantes pedidos, também o ilustre magistrado ao interpretar ao pé da letra os termos do texto daquele artigo 82º, deixou sem guarida a efectividade de outras situações no âmbito da Administração Pública e que se não compadecem exclusivamente com a passagem de certidões, consentindo além disso que estas acolhem o teor pretendido pelos seus dirigentes.
4º Postergando com essa interpretação os termos do artigo 9º do CC, artigos 2º, 18º, nº 1 do artigo 266º e nº 2 do artigo 268º, todos da Constituição da República Portuguesa.'
Decidindo o recurso no sentido da improcedência, desenvolveu o STA a seguinte argumentação :
(referindo-se ao primeiro dos requerimentos, o de fls.2) 'dos termos usados no requerimento logo se alcança que o recorrente apenas pretendeu um mero pedido de informações que não se enquadra no âmbito do artigo 82º da LPTA nem do artigo
268º nº1 da CRP.
Como bem se decidiu no Ac. STA de 14/5/87, Proc. nº 24541 o disposto no artigo 82º LPTA não é aplicável quando o requerente apenas pretendeu que a Administração lhe prestasse determinados esclarecimentos ou informações.
Acresce que um dos requisitos ou pressupostos da intimação a que se reporta este preceito é o nexo causal entre o processo ou documento a certificar e o uso de meios administrativos ou contenciosos. O requerente tem de indicar, em cada caso, o objectivo ou fim que se propõe alcançar a fim de assegurar a averiguação daquele nexo e a actualidade e relevância do respectivo interesse
(Ac. STA de 30/9/87, rec. nº 25.418).
Ora o recorrente não identificou os processos a que respeitavam os documentos a que pretendia ter acesso, nem indicou o nexo causal entre esses documentos e o meio a utilizar, não sendo de antemão perfeitamente visível qual o interesse ou utilidade que tais informações a serem prestadas poderiam revestir na perspectiva de uma qualquer providência que quisesse intentar em processo gracioso ou contencioso.'
Depois de considerar, quanto aos segundos e terceiros requerimentos, respectivamente a fls. 4 e 6, terem estes sido satisfeitos pela Administração, concluiu o Acórdão ora recorrido quanto ao quarto requerimento (o de fls.7) :
'... este requerimento é também de todo omisso quanto ao nexo causal entre as cópias pedidas e o uso de meios administrativos ou contenciosos, sem esquecer a dificuldade que representaria a satisfação da última parte do requerimento
«todos os elementos informativos» dado o seu carácter abrangente e pouco explícito de que é exemplo a expressão «referentes às posições assumidas face à ausência de classificação de serviço».
Face ao exposto, improcedem as conclusões das alegações, não sendo a intimação para a passagem de certidão, como meio processual acessório que é, meio idóneo para instrução processual...'
1.2. É a esta decisão que se reporta o presente recurso, fundado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), referindo o recorrente ter--lhe sido negada 'a declaração de inconstitucionalidade suscitada nas alegações de fls.77 a 82 (as alegações para o STA), considerando a interpretação perspectivada, face às normas dos artigos
575º do CC, 82 da LPTA e nº 1 do artigo 268º da CRP, 'violadora dos artigos 2º,
20º e 206º da Constituição'.
Das alegações apresentadas destacam-se, após explicitar as informações pedidas ao Director do Instituto Nacional de ---------------------, as seguintes conclusões :
'-------------------------------------------
3º Não havendo tais pedidos sido satisfeitos, foi requerida ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que a entidade requerida fosse intimada ao cumprimento daqueles deveres.
4º O qual lhe negou provimento, sustentando-se ali que o requerente apenas podia consultar processos ou imitar a passagem de certidões.
5º Interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, também aqui melhor sorte não logrou a pretensão do impetrante, já que apoiando-se na doutrina dos Acórdãos do STA, de 14/5/87, Proc. nº 24541 e de 30/9/87, Proc. nº
25418, este lhe foi negado.
6º Porquanto, no primeiro caso e, segundo a jurisprudência seguida, não pode a administração prestar informações e no posterior, quanto às certidões requeridas, deve o interessado indicar o nexo causal dos documentos solicitados e a providência a tomar.
7º E ainda o interesse e utilidade do direito que com elas pretende exercer, sendo certo ser essa a interpretação colhida no nº1 do pedido artº 82º da LPTA e assegurada na reiteração dos arestos já referenciados.
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10º(...) face às disposições do art. 268º da Lei Fundamental, os cidadãos têm direito de serem informados pela Administração sempre que o requeiram sobre o andamento de processos em que sejam interessados, bem como conhecer as resoluções definitivas que sobre eles foram tomadas.
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14º(...) o acesso à justiça para tutela dos direitos dos administrativos
é processado através do nº 2 do artº 82 do DL nº 267/85, mas tão só para os direitos referidos no seu nº 1.
15º Ou seja, para consulta de documentos ou processos e passagem de certidões e ainda em ordem à doutrina tirada daqueles arestos, estes ficam condicionados à decisão discricionária da Administração, a quem compete avaliar do nexo causal.
16º Entre os documentos requestados e o meio processual a exercer e ainda do interesse e utilidade que os mesmos podem revestir na providência que venha a ser exercitada.
17º Numa primeira análise, observa-se justamente a inconstitucionalidade material do próprio nº 1 daquele artº82º, visto contrariar frontalmente o acesso
à justiça administrativa para tutela dos restantes direitos dos administrados.
18º Que obviamente não se reconduzem apenas à passagem de certidões ou consulta de processos (...)
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20º (o Acórdão recorrido), motivando-se numa interpretação cujos termos contendem necessariamente com as disposições dos nºs 1 do artº 18º e 20º da CRP, ofende ainda o estabelecido no nº5 do artº 268º do mesmo diploma fundamental
21º(...) os preceitos aduzidos sufragam, sem margem para dúvidas uma garantia judiciária para tutela de todas as situações juridicamente protegidas no domínio da actividade administrativa.
22º A qual não poderá ser exercida à sombra de uma interpretação violadora dos direitos subjectivos, traduzindo-se essa falta de garantia numa inconstitucionalidade material.
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Alegou igualmente a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os pertinentes vistos cumpre decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. Fixando o âmbito do recurso, importa desde já retirar dele o artigo 575º do Código Civil, indicado pelo recorrente no seu requerimento de interposição. Esta norma, respeitando embora à obrigação de informação na modalidade de apresentação de documentos, em nada foi convocada pelas sucessivas decisões suscitadas pelo processo de intimação desencadeado pelo recorrente. O artº 82ºnº2 da LPTA - a disposição legal que aqui poderá estar em causa porque qualquer das decisões a aplicou - adjectiva o direito à informação procedimental plasmado no artigo 268º nº1 do texto constitucional, direito que instrumentalmente se concretiza em diversas vertentes (direitos), entre as quais se incluem a (o direito à) passagem de certidões e obtenção de documentos
(v.Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
3ª ed., Coimbra 1993, p.934).
Fixemo-nos, pois, no artº 82º da LPTA e vejamos se, relativamente a ele como única disposição que esteve em causa, foi suscitada ao longo do processo e de forma relevante uma questão de inconstitucionalidade.
2.1.Constitui entendimento pacífico deste Tribunal o de que a invocação, nos termos do artº 70 nº 1 alínea b) da LTC, de uma questão de inconstitucionalidade pode reportar-se a uma norma em determinada interpretação, desde que tal norma nessa interpretação tenha sido empregue como ratio decidendi da decisão recorrida.
No caso, vendo as alegações do recorrente produzidas junto deste Tribunal encontramos o entendimento segundo o qual a exigência de explicitação de um 'nexo causal' entre os documentos pedidos e o uso visado de determinados meios administrativos ou contenciosos, afronta a garantia emergente do nº 1 do artigo 268º da Constituição.
Poderia ser esta a questão de constitucionalidade a apreciar. Tudo depende de o recorrente a ter suscitado anteriormente ao Acórdão recorrido ou, tendo-a suscitado posteriormente, o aresto em causa na sua lógica argumentativa ter feito um uso novo e totalmente imprevisto dessa dimensão interpretativa da norma.
Vejamos o que sucedeu.
2.2. Existem questões de natureza prática ou factual, tanto na sentença do TACL como no Acórdão do STA, que este Tribunal não pode, e por isso não irá, apreciar. Referimo-nos às questões de saber se à Administração foram solicitados, na fase pré-judicial prevista no artº 82 nº1 da LPTA, documentos ou algo passível de satisfação com a passagem de certidões; se foram satisfeitas algumas das pretensões; se o foram correcta ou incorrectamente e se tais pretensões podiam ser satisfeitas pelo Instituto Nacional de
----------------- ou por outra entidade. O Tribunal Constitucional não é uma segunda ou terceira instância de recurso da jurisdição administrativa, e, por isso, não aprecia aspectos fácticos ou que não tenham que ver com questões de constitucionalidade.
Detectamos nas duas decisões um fio condutor argumentativo, exterior aos aspectos fácticos referidos, relativamente ao qual é abstractamente configurável uma questão de constitucionalidade.
Essa ideia expressa-se na sentença do TACL na passagem em que se funda a improcedência da acção, também, na circunstância de o recorrente não ter feito 'prova do interesse na consulta ou na obtenção de certidões', daí se retirando a ausência dos 'requisitos legais para satisfação do pedido'
(v.fls.73). Esta mesma ideia é retomada de forma mais desenvolvida no Acórdão do STA, afirmando-se, com referência a anteriores decisões desse Tribunal, a necessidade de verificação de um 'nexo causal' entre as informações pretendidas e o meio processual gracioso ou contencioso visado e que o recorrente, no caso, não havia indicado o 'objectivo ou fim' que se proponha alcançar.
Traduz-se este entendimento, comum às duas decisões, na exigência de uma espécie de «interesse em agir», como pressuposto da intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões, prevista no artigo 82º nº2 da LPTA. Trata-se de uma especial dimensão interpretativa desta norma, que em ambas decisões funcionou como ratio decidendi e que o recorrente poderia configurar como questão de inconstitucionalidade.
É certo que o recorrente assim procedeu depois da decisão do STA, já nas alegações no Tribunal Constitucional, como facilmente se alcança das transcrições constantes do relatório.
Porém, anteriormente ao Acórdão do STA, nas alegações produzidas junto deste, tal questão, configurada numa perspectiva de conformidade constitucional, foi pura e simplesmente ignorada. Aí, com efeito (e vejam-se as conclusões das alegações de fls. 82 vº), a única questão que o recorrente colocou ao STA foi a de saber se as solicitações que fizera ao Director do Instituto Nacional de -------------------- deveriam (ou poderiam) ser satisfeitas, ou não, ao abrigo do artigo 82º da LPTA, mesmo que tais solicitações se não compadecessem 'exclusivamente com a passagem de certidões'.
Significa isto que, não obstante o recorrente após a decisão do STA
(mas só então) ter logrado configurar, no essencial, uma questão de inconstitucionalidade normativa (inconstitucionalidade de uma norma em determinada interpretação), não o fez tempestivamente, sendo certo que essa mesma questão já era patente, na exacta perspectiva em que o recorrente tardiamente a veio colocar, desde a decisão da 1ª Instância.
Tratou-se, assim, de problema que podendo ter sido suscitado pelo recorrente anteriormente à decisão do STA, não o foi, com a óbvia consequência de se estar, agora, perante uma invocação que para a legitimação do recurso pretendido interpôr, é tardia.
III DECISÃO
3. Termos em que se decide não tomar conhecimento do
presente recurso, fixando-se a taxa de justiça em sete unidades de conta . Lisboa, 9 de Outubro de 1996 José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra Luís Nunes de Almeida