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Processo nº 44/95
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal
Administrativo, em que é recorrente E... e recorrida P... S.A., concordando-se,
no essencial, com a EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 385/394, aqui dada por
reproduzida, a qual mereceu a concordância da recorrida e cujos fundamentos a
resposta do recorrente não chega a por em causa, decide-se não tomar
conhecimento do recurso, condenando-se ele nas custas, com a taxa de justiça
fixada em cinco unidades de conta.
Lisboa, 5 de Abril de 1995
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
Luís Nunes de Almeida
José de Sousa Brito (vencido, conforme a declaração de voto que fiz no acórdão
36/91)
José Manuel Cardoso da Costa
EXPOSIÇÃO
1. E..., com os sinais identificadores dos autos, veio
interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão da 1ª Secção
(Secção do Contencioso Administrativo) do Supremo Tribunal Administrativo, de 14
de Junho de 1994, que, dando 'provimento ao agravo' então interposto pelo
Conselho de Administração de Correios e Telecomunicações de Portugal, E.P., ora
recorrido, revogou 'a decisão recorrida na parte em que julgou o acto
contenciosamente impugnado violador daquele art. 2º da Portaria nº 348/87' (de
28 de Abril, que aprovou o Regulamento Disciplinar dos CTT), ou seja, a sentença
do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 20 de Setembro de 1993, que,
por vício de violação do mesmo artigo 2º do citado Regulamento, anulou uma
deliberação daquele Conselho de Administração, de 1 de Junho de 1989, que havia
aplicado ao recorrente a pena de despedimento.
2. No requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade, invocou o recorrente que ele 'é interposto ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, por o acórdão
agora recorrido ter aplicado os artºs 2º e 18º, alínea a) do Regulamento
Disciplinar dos CTT, aprovado pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, Portaria
esta cuja inconstitucionalidade orgânica e formal foi suscitada, 'in totum',
pelo aqui recorrente, no decurso do processo, mais propriamente nos nºs 11 e
segs do requerimento apresentado em juízo, em 8/11/91, isto é, antes de ter sido
proferida sentença pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa'.
E acrescenta-se no requerimento:
'Faz-se notar que, embora tal questão haja sido suscitada e seja do conhecimento
oficioso - cfr. artº 277º da Constituição -, tanto o Tribunal Administrativo do
Círculo de Lisboa, como o Supremo Tribunal Administrativo não a apreciaram, o
que, constitui uma verdadeira omissão de pronúncia, sendo que o Supremo Tribunal
Administrativo tinha o dever de a apreciar e decidir, atento o disposto no artº
110º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Na verdade, tendo a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa
sido favorável ao agora recorrente, o mesmo não tinha legitimidade para a
impugnar, por ter aplicado uma norma que o mesmo houvera arguido de
inconstitucional, conforme decorre do nº 1 do artº 104º da Lei de Processo nos
Tribunais Administrativos ('Podem recorrer a parte ou interveniente no processo
que fique vencido, a pessoa directa e efectivamente prejudicada pela decisão e o
Ministério Público').
Ora, se o aqui recorrente e então recorrido no recurso jurisdicional que foi
interposto, perante o STA, estava impedido de impugnar a decisão do Tribunal
Administrativo do Círculo de Lisboa, fosse com que fundamento fosse, incluindo,
portanto, o da própria inconstitucionalidade de normas que a mesma aplicou, é,
pois, este o momento em que o agora recorrente tem legitimidade processual para
impugnar o acórdão de 14/6/94, por ter aplicado normas cuja
inconstitucionalidade houvera suscitado durante o processo.
A circunstância de o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e o Supremo
Tribunal Administrativo não se terem pronunciado sobre a referida questão, não
pode constituir factor impeditivo que obste à admissão e seguimento do presente
recurso, pois tal corresponderia a uma penalização por omissões cometidas, por
aqueles dois tribunais, sendo que a omissão cometida pelo tribunal de 1ª
instância também não poderia ter sido arguida pelo recorrente, uma vez que a
sentença lhe foi totalmente favorável.'
3. A sequência processual revelada pelos autos é, em
síntese, a seguinte:
3.1. O recorrente interpôs junto do Tribunal
Administrativo do Círculo de Lisboa, com a data de 13 de Julho de 1989, um
recurso contencioso, tendo por objecto o 'despacho nº DE 280989 CA do Conselho
de Administração dos Correios e Telecomunicações de Portugal E.P., proferido, em
1 de Junho de 1989, mas só notificado ao recorrente, em 14 de Junho de 1989, que
lhe aplicou a pena de despedimento - (...) -, o que faz em conformidade com o
disposto no Artº 58º da Regulamento Disciplinar dos C.T.T., aprovado pela
Portaria nº 348/87, de 28 de Abril' e a longa petição inicial termina com o
artigo 85º nestes termos:
'Em face do exposto, o despacho recorrido é manifestamente ilegal pois violou os
Artºs, 2º, 3º, 4º, 16º e alínea a) do Artº 18º, todos do Regulamento Disciplinar
dos CTT, aprovado pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril'.
3.2. Na fase das alegações, o recorrente manteve a posição
inicialmente sustentada, e, após várias vicissitudes processuais, o recorrente,
em articulado autónomo, provocado pelo convite para se pronunciar sobre
determinada documentação junta aos autos pela autoridade recorrida, veio então
acrescentar 'também que a Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, a tal que a
entidade recorrida diz constituir o 'Estatuto Disciplinar Especial de Direito
Público', padece de inconstitucionalidade orgânica e formal'('Por conseguinte,
aqui fica arguida tal inconstitucionalidade orgânica e formal da referida
portaria, o que implicará a sua inaplicabilidade, no caso vertente' - adianta o
recorrente).
3.3. Por sentença do citado Tribunal Administrativo, de 20
de Setembro de 1993, foi anulada a 'deliberação recorrida', na base de que 'a
falta de competência dos CTT para exercer a acção disciplinar, quanto aos factos
praticados no período de tempo em que o recorrente exerceu funções na TDC, vicia
a deliberação recorrida, que assim se não pode manter' ('Procede, pois, o vicio
de violação do artº 2º do citado Regulamento Disciplinar' - concluiu-se na
sentença).
3.4. Interposto recurso jurisdicional dessa sentença para
o Supremo Tribunal Administrativo pelo citado Conselho de Administração, teve o
recorrente, então recorrido, oportunidade de apresentar alegações, em que
defendeu a confirmação da sentença, chamando ainda a atenção para os 'reparos
relativos à indevida qualificação jurídico-penal dos factos'.
3.5. O acórdão recorrido, depois de enunciar que a 'única
questão a resolver no presente recurso jurisdicional é a de saber se os CTT
detinham competência disciplinar sobre o agravado pelos factos porque foi
inculpado e, depois, punido' concluiu que 'os factos dos autos por que o
agravado foi punido, cabem na alçada do artº. 2º' (do já referenciado
Regulamento Disciplinar), e daí o juízo decisório final:
'Assim, se decide revogar a decisão recorrida na parte em que julgou o acto
contenciosamente impugnado violador daquele artº 2º da Portaria 348/87, dando,
pois, provimento ao agravo'.
4. O registo feito evidencia duas coisas:
- o recorrente só suscitou perante o Tribunal
Administrativo do Círculo de Lisboa a questão da inconstitucionalidade formal e
orgânica da Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, sem, aliás, identificar as suas
normas, em articulado autónomo, posteriormente à fase das alegações, sendo
certo que nem nesta fase, nem na petição inicial, utilizou tal tese, muito
embora se tivesse servido daquela Portaria, nomeadamente no que toca à
competência disciplinar de que derivou a sua punição. E, em sede de recurso
jurisdicional interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, o recorrente
silenciou quanto à mesma tese de inconstitucionalidade, pugnando pela
confirmação da sentença impugnada.
- Nas instâncias não se pronunciaram nunca sobre a dita
questão da inconstitucionalidade formal e orgânica da Portaria nº 348/87, de 28
de Abril, nem mesmo enunciaram essa questão, tudo indicando que dela nem sequer
se aperceberam.
Ora, independentemente de saber se a arguição de
inconstitucionalidade, in casu, foi de modo idóneo e apropriado feita no tal
articulado autónomo, o certo é que se pode perfeitamente dar como assente que o
recorrente abandonou, 'deixou cair', essa arguição perante a Secção do
Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, na fase do
recurso jurisdicional. Fez alegações, teve oportunidade de responder à censura
dirigida à sentença recorrida, por esta ter declarado 'falta de competência dos
CTT para exercer a acção disciplinar' - 'por erro de interpretação e aplicação
dos preceitos legais', nas linguagem da parte recorrente -, mas não adiantou uma
palavra sobre a inconstitucionalidade formal e orgânica da dita Portaria, quando
podia e devia tê-lo feito, na previsão de uma eventual alteração do julgado.
Como se expressou o acórdão deste Tribunal Constitucional
nº 36/91, publicado no Diário da República, II Série, nº 243, de 22 de Outubro
de 1991 (seguido depois pelos acórdãos nºs 468/91 e 469/91, publicados no mesmo
periódico, nº 96, de 24 de Abril de 1992):
'Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma durante o processo é fazê-lo em
termos e em tempo de o tribunal a quo poder pronunciar-se sobre tal questão.
A questão de constitucionalidade deve, assim, ser suscitada, em princípio, antes
de proferida a decisão de que se recorre; e deve sê-lo em termos de o tribunal
recorrido ficar a saber que tem de decidir essa questão.
Para poder recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, de uma decisão de um
tribunal de recurso que tenha aplicado determinada norma jurídica cuja
inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado perante o juiz de cuja decisão
então recorreu, necessário é que ele tenha suscitado a inconstitucionalidade da
norma em causa também perante esse tribunal de recurso, em termos de este saber
que tinha que apreciar e decidir essa questão.
Sendo o recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, por sua
natureza, facultativo; e tendo de esgotar-se, primeiro, os recursos ordinários
que no caso couberem (cfr. artigos 70º, nº 2, e 72º, nº 2, em confronto com o nº
3 deste artigo 72º); o Tribunal Constitucional só deve, com efeito, ser chamado
a intervir se o interessado, ao recorrer dentro da respectiva ordem judiciária
da decisão do juiz perante quem suscitou a questão de inconstitucionalidade, não
abandonou essa questão e, antes, a recolocou perante a instância de recurso em
causa'.
5. E, não se diga que, porque in casu não foi o recorrente
a impugnar a sentença da primeira instância, estando dispensado do ónus de
alegar e formular conclusões, não pode transpor-se para aqui o entendimento
daqueles citados acórdãos, pois a verdade é que o recorrente, apesar de ter
obtido ganho de causa, passando a recorrido numa instância de recurso, fez
alegações, desenvolveu o seu ponto de vista em contrário da argumentação da
outra parte e pugnou pela confirmação do julgado que lhe foi favorável (cfr. o
acórdão nº 232/92, publicado na II Série do Diário da República, nº 255, de 4 de
Novembro de 1992). E não é ser supercauteloso manter numa arguição de
inconstitucionalidade numa instância de recurso, mesmo como parte recorrida,
nas circunstâncias do presente caso, quando anomalamente tal arguição não
constou dos articulados rituais do processo e o julgador dela não conheceu, nem
sequer revelou ter-se apercebido da arguição.
Há, assim, que concluir que, por falta de verificação de
um pressuposto de admissibilidade - a saber: por não ter sido suscitada perante
o Supremo Tribunal Administrativo a questão da inconstitucionalidade orgânica e
formal da Portaria nº 348/87, de 28 de Abril -, não pode conhecer-se do objecto
do recurso.
6. Ouçam-se, pois, as partes, por cinco dias, nos termos e
para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/ /89, de 7 de Setembro.