Imprimir acórdão
Processo nº 94/96 ACÓRDÃO nº 643/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos de recurso vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A, B e C e recorrido o Ministério Público, pelo essencial dos fundamentos da exposição do relator oportunamente apresentada, que aqui se dão por reproduzidos, e que não foram abalados pela resposta dos recorrentes, tendo merecido inteira concordância do recorrido, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se os recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 4 UC's.
Lisboa,7 de Maio de 1996
Ass) Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Dinis
Armindo Ribeiro Mendes
Luis Nunes de Almeida Processo nº 94/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição preliminar a que se refere o artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.1.- A, B e C, identificados nos autos, foram condenados no Tribunal do 2º Juízo do Círculo Judicial de Coimbra, por acórdão de 2 de Fevereiro de 1994.
O primeiro, pelo crime de homicídio voluntário tentado, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 74º, nº 1, e 131º do Código Penal e pelo crime de uso de arma proibida, p.p. pelo artigo 260º do mesmo Código, nas penas parcelares de 2 anos e 10 meses de prisão e de 4 meses de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 3 anos de prisão, suspensa a sua execução por 3 anos.
O segundo, em co-autoria com outros, pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo, p.p. pelo artigo
144º, nºs. 1 e 3 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 2 anos.
O último, pelo mesmo crime do segundo, na pena de
15 meses de prisão, suspensa a execução da pena por 2 anos.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por acórdão de
3 de Novembro de 1994, concedeu provimento parcial ao recurso interposto, do que resultou:
a) A ..... passou a ficar condenado, pelos crimes de homicídio tentado e de uso de arma proibida, nas penas parcelares, respectivamente, de 5 anos de prisão e de 4 meses de prisão, e na pena unitária de 5 anos e 2 meses de prisão;
b) B ... passou a ficar condenado, pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo, na pena de 20 meses de prisão;
c) C ... passou a ficar condenado, pelo crime de ofensas corporais com dolo de perigo, na pena de 2 anos de prisão, beneficiando, todos eles, de perdão concedido pelo artigo 8º, nº 1, da Lei nº
15/94, de 11 de Maio.
1.2.- Os três arguidos - outros houve - requereram a declaração de nulidade do acórdão, o que veio a merecer nova decisão do STJ, por aresto de 29 de Junho de 1995, indeferindo o requerido.
Insistiram os mesmos, agora arguindo a nulidade dos dois acórdãos - e o primeiro já fora objecto de arguição de nulidades, dando origem ao segundo - suscitando, desta vez, a inconstitucionalidade do artigo
433º do Código de Processo Penal ('e, em geral, do chamado sistema de revista alargada') uma vez que, denegando-se o duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, viola-se o disposto no artigo 32º da Constituição da República (CR), além do artigo 15º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
Para os requerentes, a questão de constitucionalidade é suscitada atempadamente, tendo presente o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional sobre o seu conhecimento oficioso.
O STJ, por acórdão de 7 de Dezembro de 1995, tirado em conferência, indeferiu, no entanto, o requerido.
1.3.- É desta decisão que os mesmos recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
2.1.- Não obstante ter admitido o recurso (de qualquer modo, não vinculativamente, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 76º da Lei nº
28/82) o Senhor Conselheiro Relator do STJ não deixou de sublinhar ser pacífica a jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade da norma do artigo 433º do Código de Processo Penal
(despacho de fls. 781).
E, com efeito, pode dizer-se, nesta perspectiva, que a questão a decidir é simples, por já ter sido objecto de decisões anteriores, justificando-se, assim, a elaboração de parecer nos termos previstos no nº 1 do artigo 78º-A da citada Lei nº 28/82.
2.2.- Reitera-se, na verdade, a posição anteriormente assumida em diversos acórdãos, designadamente os nºs. 234/93, 170/94, 171/94, 172/94 ou
635/94, publicados no Diário da República, II Série, de 2 de Junho de 1993, 16 e 19 de Julho de 1994 e 11 de Janeiro de 1995, respectivamente, que não tem por inconstitucional a norma do artigo 433º do Código de Processo Penal, em si considerada ou integrando o sistema de revista alargada.
A este respeito transcreve-se uma passagem do primeiro dos citados arestos, que se tem por particularmente significativa:
'Segundo a parte final do artigo 433º do actual Código de Processo Penal, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito. E é certo que dos acórdãos finais dos tribunais colectivos ou de júri se recorre imediatamente para o Supremo Tribunal de Justiça [artigo 432º, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal].
No entanto, é da própria redacção da parte inicial do artigo 433º que resulta, sem margem para dúvidas, que este recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pode não se limitar, afinal, ao reexame da matéria de direito: o princípio de que o recurso visa o reexame da matéria de direito não prejudica a possibilidade de se reexaminar matéria de facto, remetendo-se aqui, na parte inicial da norma em questão, para o artigo 410º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal.
Mas, se assim é, o artigo 433º não fecha irremissivelmente a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça reexaminar a matéria de facto -
e, portanto, tal artigo, em si mesmo considerado, e só por si, não pode violar o artigo 32º, nº 1, da Constituição, na medida em que, como se viu, esta não exige um recurso irrestrito em matéria de facto.
Poderá, é certo, haver ou não inconstitucionalidade nos normativos do artigo 410º, nºs. 2 e 3, que determinam a extensão dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça em matérias que não sejam exclusivamente de direito. Mas, então, a questão de inconstitucionalidade não estaria no artigo
433º, mas sim naquele artigo 410º, nºs. 2 e 3.
Só que estas normas não são objecto do presente recurso. O recorrente apenas invocou a inconstitucionalidade do artigo 433º do Código de Processo Penal, e o Tribunal Constitucional, limitado ao exame da questão suscitada pelo recorrente, não pode oficiosamente alargar o objecto de pedido a uma outra questão, essa não suscitada.
5.- Assim, a norma do artigo 433º do Código de Processo Penal, não fechando irremissivelmente a possibilidade de reexame da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça nos recursos dos acórdãos finais dos tribunais colectivos e do júri (e isto apesar do teor literal da sua parte final), não é em si mesma inconstitucional.'
Não se vê razão válida para afastamento da jurisprudência que o Tribunal Constitucional vem acolhendo nesta matéria.
3.- Não obstante o exposto, mesmo que se discorde da apontada orientação jurisprudencial, o certo é não poder conhecer-se do objecto do recurso, por falta de suscitação atempada da questão de constitucionalidade.
De facto, e como observa o STJ, no seu acórdão de 7 de Dezembro último, a questão não foi equacionada nos autos senão no requerimento de arguição de nulidades dos acórdãos anteriores.
Ora, o Tribunal vem entendendo, reiterada e pacificamente, que a suscitação de inconstitucionalidade de uma norma jurídica durante o processo - a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82 - deverá ocorrer, em princípio, em momento em que o tribunal recorrido tenha dela conhecimento e possa decidir antes de esgotado o seu poder jurisdicional, o que, em regra, ocorre com a prolação da sentença ou acórdão, exceptuados os casos anómalos em que ao recorrente não foi dada oportunidade processual de suscitar a questão até esse momento. O que vale dizer, nessa linha de entendimento, que o momento já não é oportuno quando a questão é levantada, pela primeira vez, nos pedidos de aclaração da decisão ou da arguição de nulidades desta, como sucede nos caso dos autos.
O acervo jurisprudencial é, a este respeito, firme, inequívoco e uniforme como, entre tantos outros, ilustram os acórdãos nºs.
62/85, 94/88, 439/91, 322/93 e 330/95, o último ainda inédito, os demais publicados no Diário da República, II Série, de 31 de Maio de 1985, 22 de Agosto de 1988, 24 de Abril de 1992 e 29 de Outubro de 1993, respectivamente.
Só assim não será, na verdade, quando o interessado se veja confrontado com uma imprevista e inesperada aplicação ou interpretação normativa o que não é, manifestamente, o caso, considerando desde logo a jurisprudência acabada de citar.
É certo que os recorrentes, a quem esta problemática não terá passado desapercebida, argumentam com o conhecimento oficioso da constitucionalidade, para o efeito chamando à colação o acórdão deste Tribunal, de 28 de Janeiro de 1992, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 413, págs. 130 e ss.)
Trata-se do acórdão nº 41/92, também publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Maio de 1992, o qual, no entanto, não tem o sentido que os recorrentes pretendem atribuir-lhe. Com efeito, e como então se ponderou, a inconstitucionalidade é do conhecimento oficioso de qualquer tribunal o que, no entanto, não significa que o recurso de constitucionalidade não esteja sujeito à verificação de certos pressupostos, entre eles o ora em causa, sob pena da sua inadmissibilidade.
4.- Assim sendo, por falta de atempada suscitação da questão de constitucionalidade, não pode conhecer-se do objecto do recurso, desde já se emitindo parecer nesse sentido, tendo presente o disposto no nº 1 do artigo 78º-A citado.
Ouçam-se as partes, por 5 dias, nos termos do mesmo preceito.
Notifique.
Lisboa, 18 de Março de 1996
As) Alberto Tavares da Costa