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Processo nº 228/96 ACÓRDÃO Nº 645/96
1ª Secção Relator: Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A ..., concordando-se com a exposição do relator elaborada oportunamente, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma da alínea c), do nº 2, do artigo 116º do Decreto-Lei nº 251/92, de 12 de Novembro, enquanto fixa em 50.000$00 o limite mínimo da coima;
b) conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada de acordo com o decidido quanto à questão de constitucionalidade
Lisboa, 7 de Maio de 1996
Ass) Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Luis Nunes de Almeida Processo nº 228/96
1ª Secção Relator: Cons. Tavares da Costa
Exposição preliminar a que se refere o nº 1, do artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- Nos presentes autos, em processo sumário, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A ..., nos autos identificado, vem aquele interpor recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Ourique, de
25 de Janeiro de 1996, invocando, para o efeito, o disposto nos artigos 70º, nº
1, alínea a), e 72º , nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, fundamentando-se no facto de aquela sentença ter recusado a aplicação da norma da alínea c), do nº 2, do artigo 116º, do Decreto-Lei nº 251/92, de 12 de Novembro
(contra-ordenações de caça), por inconstitucionalidade.
Na verdade, pode ler-se naquela decisão:
'Por todo o exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, decido julgar a acusação parcialmente procedente e organicamente inconstitucional a norma constante da alínea c) do nº 2 do artº 116º do Dec.-Lei nº 251/92 de 12.11. na parte em que excede o limite mínimo da coima fixado pelo nº 13 do artº 31º da Lei nº 30/86 de 27.8., em consequência:
I - Condeno o arguido como autor de um crime de caça p. no nº 1 do artº 6º da Lei nº 30/86 de 27.8. e p. pelo nº 1 do artº 31º da mesma Lei, na pena de 10 dias de prisão e de 15 dias de multa à taxa de 500$00 diários, substituindo-se a pena de prisão pela de multa com igual duração e à mesma razão, ou seja na pena única de 25 dias de multa à taxa diária de 500$00;
II - Condeno o arguido como autor de 2 contra-ordenações de caça p. nos artºs 6º e 9º da Lei nº 30/86 de 27.8., artº 16º e alínea a) do nº 1 do artº
116º do Dec-Lei nº 251/92 de 12.11. e p. pela alínea c) do nº 2 do artº 116º deste último diploma em conjugação com o nº 13 do artº 31º da Lei nº 30/86, de
27.8., com a coima única de 20.000$00, recusando, por vício de inconstitucionalidade orgânica, a aplicação da alínea c) do nº 2 do artº 116º do Dec.-Lei nº 251/92 de 12.11. na parte em que excede o limite mínimo da coima fixado pelo nº 13 do artº 31º da Lei nº 30/86 de 27.8.'
2.- O recurso tem, assim, por objecto, a questão da alegada inconstitucionalidade da norma da alínea c), do nº 2, do artigo 116º, do Decreto-Lei nº 251/92, de 12 de Novembro, norma desaplicada pela decisão recorrida com fundamento em violação do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea d) da Constituição.
3.- Este Tribunal já teve oportunidade, em numerosos arestos, de abordar a questão de fundo, traçando a linha de demarcação das competências da Assembleia da República e do Governo em matéria de ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.
O artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição (versão de
1982) dispunha como segue:
' 1 - É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
[...] d) Regime geral de punição [...] dos actos ilícitos de mera ordenação social
[...].'
Significa isto que o Governo só pode editar normas que façam parte do regime geral das contra-ordenações, munido de autorização legislativa. Mas pode legislar sem necessidade de autorização da Assembleia da República fora desse regime geral - isto é, sobre tudo o que não seja a definição da natureza do ilícito, dos tipos de sanções aplicáveis e dos limites destas.
No Acórdão nº 56/84 deste Tribunal resumiram-se assim as 'ideias conclusivas essenciais no que toca ao exercício do poder legislativo pela Assembleia da República e pelo Governo em matéria de direito sancionatório público', no domínio da versão da Constituição resultante da primeira revisão constitucional (e que ainda hoje mantém plenamente a sua validade, por não ter havido aí qualquer alteração na segunda revisão constitucional):
'É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (e admitindo hipoteticamente a subsistência constitucional da figura da contravenção):
a) Definir crimes e penas em sentido estrito, o que comporta o poder de variar os elementos constitutivos do facto típico, de extinguir modelos de crime, de desqualificá-los em contravenções e contra-ordenações e de alterar as penas previstas para os crimes no direito positivo;
b) Legislar sobre o regime geral de punição das contra-ordenações e contravenções e dos respectivos processos;
c) Definir contravenções puníveis com pena de prisão e modificar o quantum desta.
É da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo
(e na mesma linha de hipotética sobrevivência constitucional do tipo contravencional):
a) Definir, dentro dos limites do regime geral, contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade e contra-ordenações, alterar e eliminar umas e outras e modificar a sua punição;
b) Desgraduar contravenções não puníveis com pena restritiva de liberdade em contra-ordenações, com respeito pelo quadro traçado pelo Decreto-Lei nº 433/82. [In Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º vol., 1984, p. 174 (sublinhados acrescentados)].'
Este Tribunal vem considerando integrar-se na competência legislativa concorrente da Assembleia da República e do Governo a criação ex novo de contra-ordenações ou a conversão em contra-ordenações de anteriores contravenções puníveis com pena não restritiva de liberdade e, bem assim, a fixação da respectiva punição.
Quanto a este último ponto, porém, tem-se entendido que, sob pena de inconstitucionalidade, o Governo não pode ultrapassar o regime geral de punição fixado no Decreto-Lei nº 433/82, o que significa que não pode fixar à coima um limite mínimo inferior nem um limite máximo superior aos fixados no artigo 17º daquela lei-quadro. Pode, no entanto, fixar às coimas limites mínimos superiores ou limites máximos inferiores aos fixados pelo mencionado artigo 17º (cf., neste sentido, os Acórdãos deste Tribunal nºs.
305/89, 428/89, 324/90, 435/91, 447/91 e 314/92 - publicados no Diário da República, 2ª série, de 12 de Junho e 15 de Setembro de 1989, 19 de Março de
1991, 24 de Abril de 1992, 1ª série de 11 de Janeiro de 1992 e 2ª série de 1 de Março de 1993, respectivamente - e, entre os mais recentes, Acórdãos nºs. 402/94 e 110/95, publicados no mesmo Diário, 2ª série, de 5 de Setembro de 1994 e 21 de Abril de 1995).
A decisão em recurso julgou a norma inconstitucional e recusou parcialmente a sua aplicação, na medida em que fixava um limite mínimo da coima superior ao montante mínimo do regime geral previsto na Lei da Caça.
Ora, estando em causa nos autos apenas o valor do limite mínimo da coima, já se concluiu antes que só existe violação do regime geral quando se fixa um montante mínimo da coima inferior ao mínimo fixado no artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, na redacção do Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, que é de 500$00.
Assim sendo, é manifesto que não existe violação do preceituado no artigo 168º, nº 1, alínea d) da Constituição.
4.- Sendo assim, por se verificar a situação prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, ouçam-se as partes por cinco dias sobre o teor da presente exposição.
Lisboa, 20 de Março de 1996
As) Alberto Tavares da Costa