Imprimir acórdão
Processo nº 161/96 acórdão nº 644/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.- O Presidente do Centro Regional de Segurança Social de Setúbal aplicou a coima de 500.000$00 a C..., Lda., em virtude de ter procedido à abertura e manter em funcionamento um estabelecimento de apoio social para idosos, com fim lucrativo, sem para tanto ter requerido e obtido alvará de licenciamento ou autorização para funcionamento provisório, o que integra a contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 8º, nºs. 1 e 2, 16º, nº 1, e 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, com a coima de 500.000$00 a 1.500.000$00.
Na sequência da impugnação judicial da decisão, o Tribunal do Trabalho de Almada, por sentença de 18 de Dezembro de 1995, recusou a aplicação da norma do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, na parte em que estatui em 500.000$00 o limite mínimo da coima, por entender violar o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 168º, da Constituição da República (CR). Os limites da coima prevista nessa norma são superiores aos estabelecidos no artigo
17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 359/89, de 17 de Outubro, pelo que o mínimo da coima aplicável seria de 500$00 e o máximo de 6.000.000$00, considerando tratar-se de pessoa colectiva (cfr. o nº 3 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 359/89).
Assim fundamentando e passando a graduar a responsabilidade da arguida, condenou-a, à luz do quadro normativo decorrente dos limites previstos nos nºs. 1 e 3 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82 (com as alterações do Decreto-Lei nº 356/89), na coima de 150.000$00.
Desta decisão interpôs o magistrado do Ministério Público competente recurso, obrigatório, para o Tribunal Constitucional, de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º e da alínea a) do nº 1 e nº 3 do artigo 72º, ambos da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
No Tribunal Constitucional o relator lavrou exposição preliminar de acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, reiterando a jurisprudência corrente deste Tribunal, com expressa menção do acórdão nº 837/93, inédito, recaindo sobre situação semelhante, se bem que relativo a pessoa singular, para cuja fundamentação remeteu, juntando cópia do citado aresto.
Notificados, o Ministério Público manifestou a sua concordância com a exposição feita e C..., Lda., veio defender dever ser negado provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, condensando a sua argumentação nas seguintes conclusões:
' I- As disposições do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de
24 de Janeiro, encontram-se feridas de inconstitucionalidade orgânica.
II- Os limites mínimos e máximos, das coimas aplicáveis à data da entrada em vigor do Dec. Lei 30/89 de 24 de Janeiro eram de 200$00 a
200.000$00, sendo inconstitucionais, neste âmbito, os valores de coimas superiores fixados em diplomas específicos, quer se trate de pessoa singular quer colectiva.
III- A elevação do montante das coimas previstas tem de se encontrar prevista nos diplomas específicos que regulamentem a aplicação de coimas aos casos concretos, podendo-se observar a elevação do montante da coima aplicada, apenas quando existam circunstâncias agravantes.
IV- Não existe no Direito Português, e na jurisprudência do Tribunal Constitucional, a figura de Constitucionalidade superveniente.
V- Não são directamente aplicáveis, a qualquer contra ordenação em concreto, as disposições do Dec.Lei 433/82, de 27 de Outubro, que apenas fixa o quadro legal por que os diplomas específicos se hão-se reger e com que se hão-de conformar, independentemente de se tratar de pessoa singular ou colectiva.
VI- Nenhuma coima pode ser aplicada ao Arguido por inexistência de norma sancionatória aplicável (Artº 1º do Cód.Penal).
Foram dispensados os vistos.
II
1.- Na citado exposição, recorreu-se ao desenvolvimento argumentativo do acórdão nº 837/93 em que a norma do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89 - ou seja, a mesma que está em causa no caso vertente - foi desaplicada 'na parte em que se fixa em valor superior ao do regime geral fixado na versão originária do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, os limites mínimo e máximo da coima aplicável à contra-ordenação dolosa cometida por pessoa singular, consistente na abertura ou funcionamento do estabelecimento de apoio social com fins lucrativos, não licenciado nem dispondo de autorização de funcionamento provisório'.
Se bem que se tivesse presente tratar-se, in casu, de pessoa colectiva, seguiu-se, sem mais, aquela orientação jurisprudencial para lavrar parecer orientado ao julgamento de inconstitucionalidade da norma, por violação do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea d), da CR, nessa precisa parte: fixação em valor superior ao do regime geral dos limites máximo e mínimo da coima aplicável à contra-ordenação dolosa prevista naquele artigo 27º - o que conduziria a parcial provimento do recurso, com a consequente reformulação do decidido.
Não atentou o relator, devidamente, não ser essa a precisa situação em causa pelo que se rectifica, agora, o parecer lançado nos autos de modo que se profira decisão revogatória, concedendo-se integral provimento ao recurso.
2.- Com efeito, a questão de constitucionalidade levantada nos autos prende-se com o entendimento reiteradamente expresso pelo Tribunal Constitucional no sentido de padecerem de inconstitucionalidade orgânica - por ofensa àquele artigo 168º, nº 1, alínea d), da CR - os actos normativos do Governo que, sem autorização parlamentar - e tal é o caso do Decreto-Lei nº 30/89, editado ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 201º da CR - estabeleçam coimas correspondentes a conduta contra-ordenacional cujos montantes ultrapassem o limite mínimo inferior e o limite máximo superior balizados no Decreto-Lei nº 433/82, posteriormente objecto de alterações pelo Decreto-Lei nº 356/89, parlamentarmente credenciado e tido como lei-quadro na matéria.
No domínio da vigência da versão originária do artigo 17º do Decreto-Lei nº 33/82, os limites do regime geral eram os seguintes: Pessoas singulares - mínimo de 200$00 e máximo de 200.000$00; b) Pessoas singulares em caso de negligência - mínimo de 200$00 e máximo de
100.000$00; c) Pessoas colectivas em caso de dolo- máximo de 3.000.000$00; d) Pessoas colectivas em caso de negligência - máximo de 1.5000.000$00.
Por força da redacção dada a esse preceito pelo Decreto-Lei nº 356/89, o regime geral passou a dispor dos seguintes limites: a) Pessoas singulares - mínimo de 500$00 e máximo de 500.000$00; b) Pessoas singulares em caso de negligência - mínimo de 500$00 e máximo de 250.000$00; c) Pessoas colectivas em caso de dolo - máximo de 6.000.000$00; d) Pessoas colectivas em caso de negligência - máximo de 3.000.000$00.
O artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89 prevê contra-ordenação punível com a coima de 500.000$00 a 1.500.000$00.
Ao tempo da aprovação deste diploma vigorava ainda a versão originária do Decreto-Lei nº 433/82 nos termos do qual o limite mínimo era de 200$00, quer em caso de pessoa singular quer em caso de pessoa colectiva
(limite que passaria a ser de 500$00 a partir da alteração sofrida).
Assim sendo, o legislador do Decreto-lei nº 30/89 fixou um limite mínimo superior ao limite mínimo do regime geral (e que, no tocante às pessoas colectivas, respeita também o limite máximo).
Ora, é jurisprudência pacífica deste Tribunal que não pode o Governo, sob pena de inconstitucionalidade, ultrapassar o regime geral de punição fixado no Decreto-Lei nº 433/82, significando com isso não poder fixar à coima um limite mínimo inferior nem um limite máximo superior aos fixados no artigo 17º daquela lei-quadro, podendo, no entanto, fixar às coimas limites mínimos superiores ou limites máximos inferiores aos fixados pelo mencionado artigo 17º (cfr., a este respeito, v.g., os acórdãos nºs. 305/89,
428/89, 324/90, 435/91, 447/91, 314/92, 402/94 e 110/95, publicados no Diário da República, II Série, de 12 de Junho e 15 de Setembro de 1989, 19 de Março de
1991, 24 de Abril de 1992, I Série de 11 de Janeiro de 1992, II Série de 1 de Março de 1993, 5 de Setembro de 1994 e 21 de Abril de 1995, respectivamente).
3.- A decisão recorrida recusou aplicar a norma do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, por via de inconstitucionalidade - como já se consignou - 'na parte em que estatui o limite mínimo da coima em
500.000$00', tendo a moldura abstracta da coima aplicável à infracção cometida de se situar 'nos limites previstos nos nºs. 1 e 3 do artigo 17º do Decreto-lei nº 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº
356/89, de 17 de Outubro, ou seja, 500$00 a 6.000.000$00'.
Ora, o certo é que estando em causa o limite mínimo, e só este, o de 500.000$00 imposto pelo Decreto-Lei nº 30/ 89, sendo superior ao previsto seja na redacção originária da chamada 'lei-quadro', seja na resultante da alteração de 1989, não lhes é inferior - e aí residiria inconstitucionalidade.
Mas então, e estando em causa o valor do limite mínimo da coima, só existiria violação do regime geral, com violação da indicada norma constitucional, se o montante mínimo fixado pelo artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, para pessoas colectivas, fosse inferior ao montante mínimo fixado pelo artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, na redacção do Decreto-Lei nº 356/89, que
é de 500$00, quer se trate de pessoas singulares quer de pessoas colectivas.
Sucede, no entanto, que ao tempo da aprovação do Decreto-Lei nº 30/89 vigorava ainda a versão originária do Decreto-Lei nº
433/82, que fixou como mínimo 200$00 e como máximo, para as pessoas colectivas e em caso de dolo, 3.000.000$00. Nem aqui, porém, se violam os limites do regime geral, no sentido que se descreveu e se adoptou, como tão pouco se colocam os problemas de inconstitucionalidade superveniente ou de constitucionalização superveniente a que o acórdão nº 837/93, citado, alude, pelo que não há que os afrontar. III
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser reformulada em conformidade com o presente julgamento sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 7 de Maio de 1996
Ass) Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Dinis
Armindo Ribeiro Mendes
Luis Nunes de Almeida
Exposição preliminar a que se refere o artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- O Presidente do Centro Regional de Segurança Social de Setúbal aplicou a C..., Lda., a coima de
500.000$00, em virtude de ter procedido à abertura e manter em funcionamento um estabelecimento de idosos, denominado C..., Lda., sito em ..., sem, para tanto, ter requerido e obtido alvará de licenciamento ou autorização para funcionamento provisório, o que integrava a contra-ordenação prevista e punida pelos artigos
8º, nºs. 1 e 2, 16º, nº 1 e 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, com coima de 500.000$00 a 1.500.000$00.
Na sequência da impugnação judicial daquela decisão, o Tribunal do Trabalho de Almada, por sentença de 18 de Dezembro de 1995, recusou a aplicação da norma do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 168º da Constituição - os limites da coima ali prevista são superiores aos estabelecidos no artigo 17º do Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 359/89, de 17 de Outubro - pelo que o mínimo da coima aplicável seria de 500$00 e o máximo seria de 6.000.000$00 (cfr. o disposto, para as pessoas colectivas, no nº 3 do do artigo 17º do Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro). E, graduando a responsabilidade da arguida, à luz do quadro normativo assim fixado, impôs-lhe uma coima no montante de 150.000$00.
2.- É desta decisão que vem interposto o presente recurso, obrigatório, pelo Ministério Público, nos termos da alínea a), do nº 1, do artigo 70º e dos nºs. 1, alínea a) e 3 do artigo 72º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
3.- A questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso tem obtido resposta uniforme na jurisprudência deste Tribunal Constitucional, no sentido de que a violação por parte de actos normativos do Governo, sem autorização parlamentar, do regime geral de punição dos ilícitos contra-ordenacionais a que se refere o artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição, se traduz em inconstitucionalidade orgânica.
É o caso, particularmente, do Acórdão nº 837/93, da 1ª Secção, recaindo sobre situação semelhante, ainda inédito - e para cuja fundamentação se remete - que julgou inconstitucional a norma constante do artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro - norma desaplicada pela decisão recorrida - 'na parte em que fixa em valor superior ao do regime geral fixado na versão originária do Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro, os limites mínimo e máximo da coima aplicável à contra-ordenação dolosa cometida por pessoa singular consistente na abertura ou funcionamento do estabelecimento de apoio social com fins lucrativos, não licenciado nem dispondo de autorização de funcionamento provisório'.
É esta jurisprudência que aqui se reitera, uma vez que os fundamentos daquela decisão de inconstitucionalidade são inteiramente aplicáveis ao caso dos autos, ainda que neste esteja em causa uma pessoa colectiva (cfr. o nº 3 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro).
4.- Sendo assim, por se verificar a situação prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, ouçam-se as partes por cinco dias sobre o teor da presente exposição.
Notifique, após se juntar aos autos cópia do citado acórdão nº 837/93.
Lisboa, 7 de Março de 1996
Alberto Tavares da Costa