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Proc.Nº 332/96 (Reclamação)
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. No 2º Juízo Civel da Comarca de Lisboa, intentaram F... e seu cônjuge contra os aqui reclamantes J... e M..., «acção de reinvindicação» de determinada fracção de um prédio urbano, que foi julgada procedente.
Em idêntico sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa na apelação para ele interposta pelos réus aqui reclamantes, confirmando a decisão da 1ª Instância, tal como o fez o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão certificado a fls 19/25, relativamente à decisão da Relação, também ele proferido em recurso da iniciativa dos aqui reclamantes.
1.1. Na sequência deste Acórdão interpuseram os reclamantes recurso para o Tribunal Pleno, nos termos dos artigos 763º e seguintes do Código de Processo de Civil, e quando, na sequência de tramitação que aqui não interessa, este recurso corria os vistos da Secção, atravessavam os mesmos reclamantes no processo o requerimento de fls.89 juntando 'cópia de recurso apresentado perante o Tribunal Constitucional'. Esse recurso seria o consubstanciado no documento de fls. 90/96 [onde se apresenta 'pedido de declaração de inconstitucionalidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº
83.223 (refere-se ao Acórdão certificado a fls. 19/25) da segunda Secção daquele douto e Superior tribunal, o qual se encontra em fase de recurso para o Pleno por violação do direito de habitação e consequente violação dos comandos da lei-Código Civil, Constituição da República Portuguesa' acrescentando que tal declaração de inconstitucionalidade a pretendem com 'força obrigatória geral'
(sic)].
Através do Acórdão certificado a fls. 98 não foi o falado recurso para o Pleno recebido, apresentando os reclamantes novo requerimento (o de fls.
114/115) onde concluem solicitando: '... seja revisto o douto despacho porque instruído o recurso nos termos da lei e seja o processo remetido ao Tribunal Constitucional por violação do direito constitucional de habitação', pretensão esta não acolhida pelo Acórdão certificado a fls. 119.
1.2. Aparece então, através do requerimento de fls.
316, a presente «reclamação», '...nos termos dos artigos 48 e 49 da Lei nº
28/82' e 'por violação do disposto (...) nos artigos 70 e 72 da Lei nº 28/82'
(citação de fls.2), aqui se dando por reproduzidos os seus termos.
Ordenada a remessa dos autos a este Tribunal (Acórdão de fls.
124), aqui foi colhido parecer de Ministério Público. Neste, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto, além de pugnar pelo não conhecimento da reclamação, defende ser a actuação do mandatário dos reclamantes enquadrável no nº 2 do artigo 456º do Código de Processo Civil, devendo conduzir ao seu sancionamento nos termos do artigo 459º do mesmo diploma.
Ouvido a este respeito o Exmº Mandatário em causa, veio este responder nos termos constantes de fls. 131/133.
Colhidos os vistos da Secção, cumpre decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. Quanto à «reclamação» - tomando como tal o processado induzido pelos reclamantes e que fez o processo chegar a este Tribunal - constata-se a total ausência da interposição (de forma relevante pelo menos) de qualquer recurso de constitucionalidade, de qualquer despacho não admitindo esse (não interposto) recurso e, consequentemente, a completa falta dos pressupostos de uma reclamação para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 76º nº 4 e 77º da lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Assim sendo e face à evidência da situação, sem mais considerações, importa não tomar conhecimento da reclamação.
2.1. Subsiste a questão da litigância de má fé imputada ao mandatário dos reclamante.
Decorre dos autos a indução pelos reclamantes de um processado, no que a este tribunal interessa, totalmente desconforme às normas disciplinadoras do «processo constitucional» nos seus diversos aspectos. Esta situação tanto poderá significar um uso intencionalmente 'degenerado (...) dos meios processuais (dolo instrumental)' (Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Coimbra 1987, p.189), com o fim de obter esse objectivo ilegal consistente em 'entorpecer a acção da justiça' através do ilegítimo adiar da execução de uma decisão judicial, como poderá decorrer de uma maior dificuldade na interpretação das regras relativas ao recurso de constitucionalidade.
O Tribunal não dispõe de elementos que lhe permitam com segurança optar pela primeira das hipóteses (caso em que existiria litigância de má fé) ou pela segunda (caso em que existiria eventualmente uma litigância tecnicamente temerária ou ousada).
Nesta conformidade, entendemos não existirem elementos que nos possibilitem dar por existente a falada situação de dolo instrumental e, consequentemente, proferir uma condenação por litigância de má fé.
III DECISÃO
3. Assim, decide-se não tomar conhecimento da presente reclamação e não proferir a peticionada condenação por litigância de má fé.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 7 unidades de conta.
Lisboa, 23 de Outubro de 1996 José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa