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Processo nº 819/95
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - Na 8ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, em autos de processo comum, por acórdão de 22 de Junho de 1994, foi a arguida A. condenada, em cúmulo jurídico, na pena unitária de sete anos de prisão, pela prática de diversos crimes de burla agravada, previstos e punidos pelos artigos 313º e
314º, alínea a), do Código Penal.
Não conformada com o assim decidido, logo interpôs recurso na acta de audiência de julgamento, recurso esse que, por despacho de 8 de Julho de
1994, com base na falta de pagamento da taxa de justiça, nos termos dos artigos
192º do Código das Custas Judiciais e 292º do Código de Processo Civil, veio a ser julgado deserto.
Em 13 de Julho imediato, apresentou um requerimento suscitando a nulidade de omissão do aviso de pagamento, por parte da secretaria, diligência essa que deveria ter sido praticada em obediência ao disposto nos artigos 110º, nº 1 e 187º, nº 3, do Código das Custas Judiciais, face à lacuna existente no regime definido no artigo 192º do mesmo Código, o qual, a não ser assim entendido, seria irremediavelmente inconstitucional.
E, no mesmo dia 13 de Julho, atravessou um outro requerimento interpondo recurso do despacho que julgou deserto o primitivamente interposto na acta de audiência contra a decisão condenatória.
Por despacho de 23 de Setembro de 1994, foi indeferida a arguição de nulidade, admitindo-se porém o recurso interposto contra o julgamento da deserção daquele que fora interposto em acta.
Em 20 de Outubro de 1994, novo requerimento foi trazido aos autos pela arguida recorrendo do despacho que indeferiu a arguição de nulidade, o qual porém, não foi também recebido, como se alcança do despacho de 2 de Novembro de 1994, que o rejeitou.
Levada então reclamação ao presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, foi ordenado o recebimento daquele recurso o que veio a concretizar-se pelo despacho de admissão de 31 de Janeiro de 1995.
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2 - Na motivação do recurso a recorrente formulou as conclusões seguintes:
'a) A Recorrente arguiu nulidade por omissão do cumprimento do disposto nos artigos 187º, nº 3 e 110º do Código das Custas;
b) Aquando da interposição do recurso da sentença de 1ª instância;
c) E justificou a posição, deduzindo existir uma lacuna no regime definido no artº 192º do mesmo Código;
d) Que, a não existir, torna este preceito irremediavelmente inconstitucional, face à norma do artº 32º, nº 1, da C.R.P.;
e) Ao indeferir a pretensão da Recorrente, o Meretíssimo Juiz a quo limitou-se a dizer que os preceitos do Código das Custas citados, em apoio da justificação avançada, não tinham manifestamente aplicação;
f) O que, por não ser, razoavelmente, apoiado numa contradição da Recorrente constitui omissão da pronúncia;
g) Nulidade segundo a correspondente disposição do Código de Processo Civil aplicável por força do artº 4º do C.P.C..'
Por acórdão de 14 de Novembro de 1995, o Tribunal da Relação de Lisboa, depois de julgar improcedente uma questão prévia suscitada pelo Ministério Público, conheceu de mérito e negou provimento ao recurso.
Com efeito, havia sido suscitada a questão preliminar do não conhecimento, uma vez que, por acórdão de 14 de Fevereiro de 1995, o Tribunal da Relação havia já negado provimento ao recurso relativo à deserção daquele que, em acta de audiência de julgamento, fora atravessado, contra a respectiva decisão condenatória, aduzindo-se para tanto tratar-se no recurso de 'questão já suscitada e resolvida, sendo inútil e dilatório'.
Acrescente-se que do acórdão do Tribunal da Relação de 14 de Fevereiro de 1995, foi trazido recurso pela arguida ao Tribunal Constitucional que, pelo acórdão nº 575/96, de 16 de Abril de 1996, tirado no Proc. nº 137/95,
(ainda inédito, mas mandado juntar aos autos por fotocópia autenticada), lhe concedeu provimento.
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3 - Contra o acórdão do Tribunal da Relação de 14 de Novembro de 1995, sob invocação do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), foi então interposto recurso para este Tribunal.
Nas alegações depois oferecidas, a arguida concluiu assim:
'a) O artigo 192º. C.C.J., quando dispõe que não hão-de seguir os recursos interpostos pelo arguido, quando não satisfizer a taxa de justiça devida pela interposição, é inconstitucional, por representar uma limitação dos direitos da defesa, injustificável, por via da adequação e proporcionalidade, na colisão destes direitos com o dever constitucional de o cidadão acorrer à despesa pública;.
b) Viola, assim, os artigos 32º., nº 1 e 18º., nº 2. da C.R.P.;
c) De todo o modo, também é inconstitucional, pelos mesmos motivos, se considerarmos a colisão do direito fundamental ao recurso, havido pelo arguido em processo criminal, com o princípio constitucional do respeito pelo ordenamento subjacente ao Estado social do Direito;
d) Na verdade, não é exigência racional dum tal ordenamento que a defesa criminal não possa exercer-se perante o simples, e de inferior hierarquia, incumprimento duma norma processual fiscal;
e) No que haveria, ainda assim, contrariedade do artigo 192º. C.C.J. com as já citadas normas da C.R.P.;
f) Mesmo que assim se não entenda, então o artigo 192º. C.C.J. viola, directamente, o artigo 32º., nº 1 da C.R.P., porque este preceito manda garantir, em todas as fases do processo criminal, os meios de defesa adequados;
g) E, na 1ª instância, haveria um déficite desses meios, já que, na
2ª instância, o sistema de processamento dos recursos abre a possibilidade de satisfação da taxa de justiça para além do decurso do prazo inicial, acrescentada para o dobro;
h) E nada obsta a que este mesmo sistema seja alargado à 1ª instância, não contendo, em si, qualquer prejuízo para o andamento do processo, a celeridade, estando estabelecida pela Constituição em benefício do arguido;
i) Nem óbvio prejuízo para a descoberta da verdade e dos outros sujeitos processuais;
j) Aliás, pode ser dada interpretação conforme a Constituição, no sentido proposto ao artigo 192º. C.C.J.;
k) Tomando-o por um quadro geral não particularizado, como deveria ter sido pela lei comum;
l) E abrindo-se, assim, uma lacuna a integrar pela conjunção das normas dos artigos 187º, nº 3 e 110º do C.C.J.;
m) Não aceitando esta interpretação, ou aplicando o artº 192. C.C.J., segundo o entendimento literal, e caso outro não seja possível, sempre as instâncias fizeram aplicação de norma inconstitucional.'
Por seu turno, o senhor Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se também no sentido do provimento do recurso, fechando a respectiva contralegação com o seguinte quadro conclusivo:
'1º A norma constante do artigo 19.º do Código das Custas Judiciais, quando interpretada no sentido de que a omissão do pagamento no prazo de 7 dias da taxa de justiça devida pela interposição de recurso determina, como irremediável efeito preclusivo, a deserção fiscal deste, sem que ao arguido-recorrente seja facultada a possibilidade de, em prazo adicional, (e em termos análogos aos estatuídos nos artigos 110º, nºs 1 e 2 e 187º, nº 3, do Código das Custas Judiciais) satisfazer a importância em dívida, acrescida da sanção tributária correspondente à mora, implica restrição excessiva e desproporcionada, violadora dos nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, afectando o conteúdo essencial do direito ao recurso das decisões penais condenatórias, emergente do preceituado nos artigos 20º e 32º, nº 1, da Lei Fundamental.
2º Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida, no sentido atrás propugnado.'
Os autos seguiram depois os vistos legais, cabendo agora apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
Como já se referiu, este Tribunal, no Acórdão nº 575/96, teve ensejo de apreciar e decidir questão idêntica àquela que vem posta nos presentes autos.
E assim sendo, porque se sufraga inteiramente a fundamentação ali aduzida, para ela se remete, dando-a aqui por acolhida, concluindo-se também sem necessidade de outras considerações no sentido da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida.
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III - A decisão
Nestes termos decide-se:
a) Julgar inconstitucional - por violação do preceituado nas disposições combinadas dos artigos 18º, nºs 2 e 3, e 32º, nº 1, da Constituição
- a norma constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais, na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo, no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pela interposição de recurso de sentença penal condenatória pelo arguido determina irremediavelmente que aquele fique sem efeito, sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido-recorrente;
b) Conceder, em consequência, provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, o qual deve ser reformado em conformidade com o antecedente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 10 de Julho de 1996
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa (com declaração idêntica à aposta ao Acórdão nº 575/96)