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Procº nº 358/95.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. À execução fiscal que corre termos pelo 4º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa e na qual figura como executado Á, veio o mesmo deduzir oposição nos termos do artº 286º do Código de Processo Tributário, tendo, a dado passo, solicitado que fosse dispensado de prestar caução como garantia idónea a que se reporta o artº 282º do mesmo corpo de leis.
Por despacho de 26 de Outubro de 1993, indeferiu o Juiz daquele Juízo o pedido de dispensa de prestação de caução, o que motivou que A interpusesse recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, tendo, inter alia, referido nas «conclusões» formuladas na alegação que ali produziu que '[o] art. 282º do CPT viola frontalmente o nº 2 do art. 13º e o nº 1 do art. 20º, ambos da Constituição, pois discrimina os oponentes sem meios para prestar garantia adequada'.
2. Aquele Alto Tribunal, por acórdão de 22 de Março de
1995, negou provimento ao recurso, tendo, quanto à questão de inconstitucionalidade, discreteado do seguinte jeito:-
'.............................................
Como bem realça o Ex.mo PGA, 'o princípio tutelado no artigo 13º é a igualdade jurídica (...) e a «igualdade jurídica não significa igualdade de condições materiais para o exercício dos direitos fundamentais» (...); por outro lado, o princípio tutelado no artigo 20º garante só o acesso à «via judidicária para defesa dos direitos» (...) e esse acesso conseguiu-o o Rct. através do apoio judiciário.
.............................................'
Do assim decidido recorreu A para o Tribunal Constitucional, visando, por intermédio do presente recurso, a apreciação da alegada inconstitucionalidade da norma 'constante do art. 282º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo D.L. nº 154/91, de 23 de Abril', disposição que, na sua opinião, violará 'o nº 2 do art. 13º e o nº 1 do art. 20º, ambos' da Lei Fundamental.
3. Concluiu o recorrente na alegação por si apresentada, na qual pede que 'O ART. 282º do CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO DEVERÁ SER DECLARADO INCONSTITUCIONAL', nos seguintes termos:-
'A - Conforme prescreve o art. 294º do Código de Processo Tributário, a oposição de executa- do suspende a execução, nos mesmos moldes prescritos pelo nº 5 do art. 255º, do mesmo Código. B - Por seu turno, este nº 5 do art. 255º informa que, se a peça processual for recebi- da, deverão aplicar-se os nºs 1, 2 e 3 do mes- mo preceito. C - O nº 1 desse art. 255º declara que a execução só é suspensa até à decisão do pleito se for prestada garantia nos termos constantes do art. 282º do supra citado Código de Processo Tributário. D - O referido art. 282º exige que, com o pedido, deverá ser oferecida garantia idónea (nº 1), prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora e custas, a contar até à data do pedido, acrescida de 25% da soma daqueles valores (nº 2), SEM CUIDAR DE SABER da concreta situação económica e financeira da pessoa a quem é exigida a garantia, sendo esta apreciada, 'in casu', pelo M.mo Juiz que receber a oposição. E - Ora, sendo que no caso dos autos, ao Recorrente foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de preparos e de custas, por força da sua débil situação económica e financeira, esta concreta situação deveria ser igualmente relevante para a dispensa de prestação de caução. F - Assim sendo e porque o art. 282º do Código de Processo Tributário não contém qualquer ressalva para as pessoas que não possam pre tar caução por força da sua impossibilidade económica e financeira, desprotegendo-as, viola o disposto no nº
1 do art. 20º e no nº 2 do art 13º da CRP conforme já fora dito junto do Venerando Tribunal aqui recorrido.'
De seu lado, a Fazenda Pública, por intermédio do Director-Geral das Contribuições e Impostos, concluiu a alegação que formulou dizendo:-
'1 - O recorrente acedeu, através do instituto da assistência judiciária e apesar de ser eco- nomicamente carenciado, em situação de igualdade relativamente aqueles que possuem meios económicos suficientes, ao direito e aos tribunais tendo, por esta via, deduzido oposição à execução fiscal que lhe foi movida.
2 - Das disposições conjugadas dos arts. 255º, 282º e 294º do CPT, resulta que a oposição à execução só suspende a execução se for presta- da garantia (garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de as- segurar os créditos do exequente) ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
3 - O art. 282º do CPT não viola o disposto no art. 13º nº 2 e 20º nº 1 da CRP, por não conter, para efeitos de suspensão da execução, qualquer ressalva para as pessoas que, por força da sua impossibilidade económica, não possam prestar caução.
4- É que a caução que suspende a execução não é uma condição de prosseguimento do recurso, mas apenas uma condição de suspensão da decisão impugnada.
5 - Nestes termos, o ónus de prestar caução não interfere com o poder de obter a decisão definitiva da situação litigiosa em causa.
6 - E a decisão definitiva da situação litigiosa foi ou será pelo exequente obtida, através da dedução de oposição à execução que prosseguiu os seus termos normais.'
II
1. Dispõe o artº 255º do Código de Processo Tributário:-
1. A reclamação graciosa, a impugnação judicial e o recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda suspendem a execução até
à decisão do pleito, desde que seja prestada garantia nos termos do artigo 282.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo escrivão.
2. Se ainda não houver penhora ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, será ordenada a notificação do executado para prestar a garantia referida no número anterior no prazo de 10 dias.
3. Se a garantia não for prestada nos termos do número anterior, proceder-se-á à penhora.
4. O executado que não der conhecimento da existência de processo que justifique a suspensão da execução responderá pelas custas relativas ao processado posterior à penhora.
5. Se for recebida a oposição à execução, aplicar-se-á o disposto nos nºs 1, 2 e 3.
De outro lado, estatui-se nos artigos 294º e 282º, este
último inserido na Secção III (Do pagamento em prestações) do Capítulo II, referente ao processo de execução fiscal:-
ARTIGO 294.º
Suspensão da execução
A oposição suspende a execução de harmonia com o disposto no n.º 5 do artigo 255.º.
ARTIGO 282.º
Garantias
1. Com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução, ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
2. Valerá como garantia para os efeitos do número anterior a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 4.
3. A garantia será prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora e custas, a contar até à data do pedido, acrescida de 25% da soma daqueles valores.
4. As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efectuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 10 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que, pela sua natureza, justifique a ampliação do prazo até 30 dias.
5. Após o decurso dos prazos referidos no número anterior sem que tenha sido prestada a garantia, fica sem efeito a autorização para pagar a dívida em prestações.
6. É competente para apreciar as garantias a prestar nos termos do presente artigo a entidade competente para autorizar o pagamento em prestações.
7. Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o chefe da repartição de finanças ordenará ao executado que a reforce, em prazo a fixar entre 10 e 30 dias, com a cominação prevista no n.º 5 deste artigo [número introduzido pelo Decreto-Lei nº 47/95, de 10 de Março].
Importa realçar que, por uma banda, de acordo com as transcritas disposições, se não for prestada garantia, a oposição à execução fiscal não suspende os respectivos termos, em regra, até à penhora de bens e, de outra, que,ex vi do nº 2 do artº 278º, em conjugação com os artigos 318º e 351º, alínea a), na hipótese de não serem conhecidos bens penhoráveis, de estes inexistirem ou de não haver responsáveis solidários e subsidiários, proceder-se-á à «declaração em falhas», findando, embora a título precário, a execução.
2. Se bem se entende a tese do ora recorrente, o artº
282º [recte, as disposições combinadas dos artigos 294º, 255º, números 1, 3 e 5º e 282º, números 1 e 3], do Código de Processo Tributário, ao não prever[em] a hipótese de o executado que deduza oposição à execução fiscal ser dispensado de prestar garantia caso sofra de débil situação económico-financeira, não obstando a não prestação a que a execução fique suspensa, torna tal [tais] disposição
[õe] inconstitucional [ais], por violação dos artigos 20º, nº 1, e 13º, nº 3, ambos da Constituição.
Será assim?
É o que se irá seguidamente analisar.
2.1. É sabido que a execução fiscal se serve [só se pode servir] de certidões extraídas do conhecimento ou notas de cobrança relativos a contribuições, impostos, taxas e outros rendimentos do Estado, de decisão exequível proferida em processo de aplicação das coimas e de qualquer outro título a que, por lei especial, seja atribuída força executiva (cfr. artº 284º do C.P.T.). Claro que, não obstante a exequibilidade da liquidação certificada
(liquidação que, como define Cardoso da Costa - in Curso de Direito Fiscal,
1972, 114 - é o acto que define o conteúdo das posições jurídicas do Estado e do contribuinte, concretizando para o primeiro o direito a receber uma prestação e para o segundo o dever de a prestar, impondo-se essa firmação, sem mais e desde logo, a este último, não obstante poder ela ser por este impugnada), sempre é possível ao executado suscitar a oposição à execução que seja instaurada com base naquela característica da liquidação, nos termos permitidos pelo artº 268º do Código de Processo Tributário.
Uma tal suscitação, porque, ao fim e ao resto, traduz um pedido de resolução de um conflito ou um pedido de tornar certo, - dizendo-o - o direito, tem de sofrer resposta por parte de uma entidade dotada de independência subjectiva e estatutária à qual, constitucionalmente, esteja reservado o exercício de funções jurisdicionais.
Ora, se o acesso a essa entidade - que, obviamente, é o juiz - estivesse condicionada pelo pagamento de quaisquer quantias ou montantes, torna-se claro que, nas hipóteses em que o acedente fosse carecido de meios para suportar esse pagamento, se desenharia uma manifesta restrição ao direito, proclamado no nº 1 do artigo 20º da Constituição, direito que, por entre o mais, refirma o princípio geral da igualdade postulado pelo nº 1 do artigo 13º e que, como se expressou a Comissão Constitucional no seu Parecer nº 8/78 (in Pareceres da Comissão Constitucional 5º Vol., 3 e segs.), 'indo além do mero reconhecimento duma igualdade formal no acesso aos tribunais', aquele nº 1 do artigo 20º, 'na sua parte final, propõe-se afastar neste domínio a desigualdade real nascida da insuficiência de meios económicos, determinando expressamente que tal insuficiência não pode constituir motivo para a denegação de justiça'
(cfr., sobre o direito de acesso aos tribunais e sua caracterização, por entre outros, os Acórdãos deste Tribunal números 147/92, 155/92 e 211/93, publicados no Diário da República, 2ª Série, de respectivamente, 24 de Julho de 1992, 2 de Setembro de 1992 e 28 de Maio de 1993).
2.2. Simplesmente, a prestação da garantia de que tratamos não é condição de acesso ao tribunal tributário na vertente da pretensão de o executado se opor à execução fiscal. Efectivamente, conforme deflui do artº 285º do C.P.T. a oposição à execução (que funciona, no fundo, como um embargo de executado no processo civil - cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão no Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 2ª edição, 563) pode ser deduzida no prazo de 10 dias a contar da citação do executado (ou, não tendo esta ocorrido, da penhora; mais propriamente, da data da citação que se segue à penhora, pois que é sempre da data da citação que se conta o prazo - cfr. autores e obra citados, 564) ou da data em que tiver ocorrido o facto superveniente possibilitador da dedução de oposição nos termos do citado artº 286º ou do seu conhecimento pelo executado. E, se a petição se não apresentar como manifestamente improcedente, deduzida fora de prazo, contiver algum dos fundamentos admitidos no aludido artº 286º e, baseando-se na alínea h) deste último preceito, a ela forem juntos o ou os documentos necessários, o juiz do tribunal tributário não poderá rejeitar liminarmente a oposição (tenha-se em conta que há quem ainda adite às hipóteses de rejeição liminar expressamente previstas na lei os casos de ineptidão da petição e de manifesta ilegitimidade - cfr. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, 299), consequentemente não obstando à recepção da oposição as circunstâncias de ainda não ter sido prestada garantia idónea ou de não ter ocorrido penhora em bens suficientes.
Significa isto, enfim, que a prestação da garantia não
é, como se disse, condição do acesso do oponente ao tribunal tributário e, sequentemente, uma eventual debilidade, insuficiência ou carência de meio económicos bastantes para suportar aquela prestação não tem, minimamente, como efeito impedir ou tornar acentuadamente mais difícil o acesso ao mencionado tribunal e em obter uma decisão definitiva sobre uma situação litigiosa.
Aliás, como no caso se verifica, não obstante a invocação de insuficiência económica, nem por isso o ora recorrente deixou de poder suscitar a oposição à presente execução, para isso se servindo do instituto do apoio judiciário, como uma das vias da garantia de igualdade de oportunidade de acesso à justiça independentemente da situação económica dos interessados, nos sistemas jurídicos, como o nosso, em que a gratuitidade da justiça é algo que se não encontra constitucional- mente consagrado.
Não se divisa, por isso, que o normativo em apreço (tal como acima se delineou) viole o nº 1 do artigo 20º da Constituição.
3. O que tal normativo (ao menos na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido) impede é que, em princípio até à penhora
(nos casos em que ocorreu citação do executado anterior à penhora - hipóteses de execução de valor superior a 30 vezes o salário mínimo nacional mais elevado - ou em que foi deduzida oposição antes desta, se se tratar de execução em que, em regra, a citação é efectuada no acto da penhora - cfr. exemplo dado por A.J. de Sousa e J.S. Paixão, no cit. Código de Processo Tributário, 566 e 567, e, ainda, quanto ao processo civil, os ensinamentos da doutrina quanto à admissibilidade dos embargos prematuramente apresentados, visto que o efeito peremptório unicamente se reporta ao excesso de prazo e já não à sua antecipação - neste sentido Lopes Cardoso, idem, 298), a execução se não suspenda, a menos que seja prestada garantia (cfr., no domínio do Código de Processo das Contribuições e Impostos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Dezembro de 1978 in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, ano XVIII, nº 208º,
490 a 493).
Clarificada assim a questão, impõe-se agora analisar se este efeito - o da não suspensão da execução se não for prestada garantia -, tendo em vista os casos em que o oponente não desfruta de meios suficientes para a prestação, é passível de violar o princípio da igualdade, pois que, nas hipóteses em que o oponente seja detentor de meios bastantes, almejará aquela suspensão.
3.1. Tem por demais sido sublinhado que o princípio da igualdade, 'entendido como limite objectivo da discricionaridade legislativa', não proíbe a distinção de tratamentos diferenciados, antes impondo que se trate por igual o que, essencialmente, for igual, e que seja objecto de tratamento dissemelhante o que, também igualmente, for diferente. A proibição acarretada por tal princípio o que proíbe, isso sim, são as diferenciações injustificadas, arbitrárias e sem suporte material bastante (cfr., sobre este princípio e como a teoria da proibição do arbítrio 'expressa e limita a competência de controlo judicial', por todos, o Acórdão deste Tribunal nº 186/90, publicado na 2ª Série do Diário da República de 12 de Setembro de 1990 e também nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º vol., 383 a 394).
Desta arte equacionado o problema, mister é saber se a imposição constante do normativo em causa - em que é imposto um ónus de prestação de garantia como forma, ao fim e ao cabo, de assegurar a tutela de interesses de uma outra parte - se apresenta como injustificada ou sem bastante suporte material: o que é dizer, arbitrária.
3.2. Viu-se já que a execução fiscal só pode basear-se em títulos dotados de força executiva após a verificação dos pressupostos de facto ou de direito previstos abstractamente na lei fiscal geradora do imposto
(cfr. Cardoso da Costa, ob. cit., 226).
Tratam-se, assim, de documentos certificativos de obrigações ou, se se quiser, de títulos que incorporam um crédito do exequente sobre o qual recai a presunção da respectiva existência e exigibilidade, presunção essa à qual não pode deixar de ser alheia a circunstância de a dívida de imposto, contribuição ou taxa se apresentar como um acto definitivo da Administração (Fiscal), conquanto não constitua caso resolvido, por isso que ainda é admitida a impugnação e até a oposição à execução (esta justamente com base nos fundamentos previstos no citado artº 286º do Código de Processo Tributário).
Neste contexto, ou seja, perante aquele forte grau de probabilidade da existência e exigibilidade do crédito do exequente - que, no caso, é a Fazenda Nacional -, ultrapassadas que estão já as fases em que o devedor poderia impugnar a liquidação, porque ainda se admite uma outra forma de impugnação após a criação do título executivo através da oposição à execução, é perfeitamente razoável e, logo, não se afigura como arbitrário, que se exija que aquele crédito fique suficientemente assegurado, e isto, quanto mais não seja, para que a possibilidada aberta pela lei de o devedor ainda se servir de uma outra forma de impugnação já na fase executiva se não transmude em possíveis injustificadas formas de retardamento na obtenção do crédito.
Claro que as considerações anteriores tendentes a demonstrar a não irrazoabilidade da exigência de caução não servem por si só para resolver o problema de que ora nos ocupamos (a saber:- a alegada desigualdade decorrente da circunstância de quem dispuser de meios económicos que lhe permitam prestar caução poder alcançar a suspensão da execução, já não podendo esse alcance verificar-se por banda de quem não desfrute desses meios).
4. No domínio do Código de Processo das Contribuições e Impostos, e em face do preceituado no seu artº 160º (aplicável à oposição à execução por força do artº 184º), havia quem defendesse na doutrina que, não consagrando o sistema jurídico-fiscal português o princípio do solve et repete, se deveria permitir a suspensão da execução, ainda que o executado não prestasse caução e não possuísse bens penhoráveis (cfr. Anjos Carvalho e Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, 1963, 179 e seguintes).
Também na doutrina se surpreendia quem, com uma argumentação não inteiramente coincidente, mas que conduzia a idêntico resultado, defendessem que, nos casos de insuficiência económico-financeira do executado, mesmo que este tivesse todo o interesse em discutir, impugnando, nesta fase, a dívida exequenda, o prosseguimento da execução não teria qualquer repercussão, já que, não havendo bens penhoráveis, sendo estes insuficientes ou não prestando o executado caução, a execução sempre deveria ser suspensa, pois que a sua continuação 'apenas conduziria ao julgamento em falhas', julgamento que 'seria um acto inútil se sobreviesse a procedência da ... oposição' (cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo das Contribuições e Impostos Comentado e Anotado, 1986, 456).
Ora, no que concerne ao problema de que ora nos ocupamos, deve, logo numa primeira linha, atentar-se em que, como resulta do que se deixou exposto, a não prestação de garantia unicamente faz com que a execução se não suspenda até à penhora.
4.1. E, mesmo nos casos em que a oposição foi deduzida após a efectivação da penhora e, obviamente, desde que os bens penhorados não sejam de montante suficiente para garantir a dívida e o acrescido, nunca se configurará uma hipótese de afectação irreversível do património do executado. Na verdade, se se perfilhar a opinião de alguma doutrina (cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, ob. cit., 510), a insuficiência de bens penhoráveis deverá conduzir à suspensão da execução , pois que a sua continuação apenas conduziria à declaração em falhas. Mas, ainda que esse entendimento não seja seguido, ou seja, se se opinar por que a execução deverá prosseguir, vindo a ocorrer a venda dos bens penhorados, contudo insuficientes, então, procedente que seja a oposição, poderá ser requerida a anulação da venda de harmonia com o disposto no artº 909º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil [cfr. artº
328º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Tributário].
Ora, se bem que seja hipoteticamente figurável que a não suspensão da execução possa acarretar uma não imediata satisfação do interesse do executado, o que é certo é que, ocorrida a penhora, sendo bastante o respectivo valor para a satisfação do crédito e do acrescido, a execução já não prossegue, igualmente não prosseguindo na hipótese de não serem encontrados ou de não serem conhecidos bens penhoráveis.
De facto, de harmonia com o nº 2 do artº 282º do C.P.T., vale como garantia 'a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou em bens nomeados para o efeito pelo executado'.
Pois bem:-
Para quem desfrute de meios suficientes para prestar garantia, é-lhe exigido, para assegurar o crédito, um ónus consistente na prestação de caução, tendo-se já visto que essa exigência não é algo de irrazoável. Sendo assim, afigura-se que desigualdade de tratamento se desenharia se, relativamente aos carecidos de meios, não viesse a lei instituir uma outra qualquer forma de asseguramento do crédito. E essa forma concebeu-a o legislador, na interpretação acolhida pelo tribunal a quo, no sentido de não se suspender a execução, sendo que essa não suspensão não vai acarretar que o que porventura venha a ser penhorado deixe de continuar na livre disponibilidade do titular dos bens penhorados - o executado -, uma vez que, de acordo com o artº
819º do Código Civil, os actos de disposição ou de oneração apenas são ineficazes em relação ao exequente (cfr., sobre o ponto, Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª ed., 159).
Não se compreenderia, de facto, que, tornando-se necessário assegurar o crédito do exequente, atentas as razões já expostas, um executado com meios económico-financeiros bastantes tivesse de suportar o ónus de prestar garantia (ou optar, não a prestando, pela não suspensão da execução) e, relativamente ao executado desprovido de tais meios, não fosse exigido o que quer que fosse, desse modo se desprotegendo o credor, não se conseguindo, minimamente, o asseguramento de um crédito cuja existência e exigibilidade, como se viu, é de presumir.
Aliás, em termos de balanceamento valorativo, nem sequer se poderá dizer que a não suspensão da execução seja algo mais gravoso do que o
ónus de prestação de garantia, pelo que é de considerar que uma e outra forma de asseguramento do crédito do exequente se equivalem em termos de «sacrifício» do devedor, atentas as finalidades da sua consagração.
5. Sumuladamente, poder-se-á, pois, dizer que se torna indiscutível que, até à penhora, nenhuma desigualdade relevante - no que respeita às situações dos que têm bens suficientes para prestarem caução e daqueles que os não têm - se descortina no regime em causa, outrotanto acontecendo nos casos em que, relativamente a estes últimos, a penhora recair sobre bens necessários para assegurar o pagamento da dívida e do acrescido.
Por outro lado, nos casos em que, não tendo o devedor meios suficientes para prestar caução e em que pela penhora realizada se não conseguiram os bens necessários para o asseguramento da dívida e do acrescido, a eventual discrepância de tratamento no que à suspensão da execução não apresenta, inquestionavelmente, uma repercussão por demais desfavorável para o executado confrontadamente com a necessidade de garantia do crédito da Fazenda Nacional, executado que, como se viu acima (cfr. ponto 4.1. de II), não vai ficar irreversivelmente afectado no seu património.
Não se afigura, em consequência, ofensa do artigo 13º da Constituição.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 16 de Abril de 1996 Bravo Serra Fernando Alves Correia Messias Bento José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa