Imprimir acórdão
Proc. nº 393/94
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. Os herdeiros de A, na altura representados por B e C, recorreram para o Tribunal Judicial da Comarca de Silves da decisão arbitral que havia fixado em 1.447.660$00 o montante a pagar pelo Estado pela expropriação por utilidade pública de uma parcela de 6.600 m2 de terreno a que se referem os presentes autos, com vista à construção de um estabelecimento prisional.
Os recorrentes vieram pôr em causa, desde logo, a constitucionalidade do título IV do Código das Expropriações então vigente
(artigos 27º a 38º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro) por violação do artigo 62º da Constituição, na medida em que as normas nele contidas não asseguravam 'o autêntico e real conceito de justa indemnização'.
2. Admitido este recurso, houve inspecção judicial e avaliação. Tendo o perito indicado pelas expropriadas manifestado pela segunda vez a impossibilidade de comparência na data designada pelo tribunal, foi substituído por despacho de 18 de Maio de 1990.
De tal despacho recorreram as expropriadas para o Tribunal da Relação de Évora.
Os peritos deram resposta aos respectivos quesitos, e indicaram como valor da parcela em questão 2.018.000$00. O expropriado arguiu nulidades do relatório e das respostas aos quesitos apresentadas pelos peritos; e, não tendo sido atendido, interpôs recurso de agravo, que foi admitido com subida diferida.
3. Por sentença de 19 de Novembro de 1990, o tribunal de primeira instância fixou em 2.018.000$00 o montante da indemnização.
Os expropriados interpuseram recurso de apelação dessa sentença para o Tribunal da Relação de Évora.
Ainda na primeira instância, os recorrentes vieram juntar as alegações do agravo que haviam interposto do despacho que desatendera a arguição de nulidade das respostas aos quesitos apresentados pelos peritos.
Tendo o juiz considerado que tal apresentação tinha ocorrido fora de prazo, sem que os recorrentes pretendessem pagar a multa prevista no artigo 145º do Código de Processo Civil, mandou desentranhar tais alegações.
As recorrentes interpuseram novo recurso de agravo desse despacho para o Tribunal da Relação de Évora.
4. Já no Tribunal da Relação de Évora, B e C, herdeiras de A, foram admitidas a intervir nos autos, sendo-lhes concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos para despesa e de dispensa parcial (na proporção de 3/4) de pagamento de custas e do serviço do seu advogado.
Os expropriados reclamaram deste último despacho para a Conferência, tendo, por acórdão, sido confirmada a decisão antes proferida.
Deste acórdão interpuseram então os expropriados recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por acórdão de 1 de Julho de 1993, o Tribunal da Relação de
Évora julgou deserto, por falta de alegações, o recurso de agravo interposto do despacho que substituiu o perito, concedeu provimento ao agravo que havia ordenado o desentranhamento das alegações, negou provimento ao agravo interposto do despacho que tinha conhecido as invocadas nulidades das respostas dos peritos e julgou parcialmente procedente a apelação da sentença, fixando em 2.760.800$00 o valor da indemnização a pagar aos expropriados.
5. Desse acórdão interpuseram os expropriados recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Juntas as alegações e notificadas as recorrentes para se pronunciarem sobre o pedido de não conhecimento do objecto do recurso formulado pelo recorrido, veio a ser proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça acórdão que decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso.
6. Interpuseram então as recorrentes novo recurso, desta vez para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da conformidade constitucional das normas contidas:
- no artigo 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais;
- no Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro;
- no Título IV, designadamente os artigos 27º, nº 2, e 28º, nº
1, bem como os artigos 61º, 73º, nº 2, ante o artigo 82º, nº 1, todos do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro;
- nos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Consideraram as recorrentes que as referidas normas violam os artigos 12º, nº 1, 13º, nºs 1 e 2, 18º, nºs 1, 2 e 3, 20º, nº 1, 62º, nº 2,
205º, nº 2, e 207º da Constituição, dizendo que a inconstitucionalidade de tais normas foi suscitada nas exposições/requerimentos apresentados em 20 de Agosto de 1990 e 21 de Outubro de 1990, na arguição de nulidade e alegações de 30 de Outubro de 1990 e nas alegações de 18 de Dezembro de 1990 e 6 de Junho de 1992 e conhecida pela sentença de 19 de Novembro de 1990 do Tribunal Judicial de Silves e pelo acórdão de 1 de Julho de 1993 do Tribunal da Relação de Évora.
Por despacho de 12/7/94 foi admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.
Nas alegações apresentadas neste Tribunal, os recorrentes pediram que se julguem inconstitucionais as normas referidas e se ordene a reforma da decisão recorrida.
Por sua vez, o Ministério Público concluiu as suas alegações do seguinte modo:
'1º - Não padecem de qualquer inconstitucionalidade as normas constantes dos artigos 523º, 524º, 580º, nº 3, do Código de Processo Civil, o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, o artigo 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, nem do artigo 73º, nº 2, do antigo Código das Expropriações.
2º - Não foram aplicadas, na decisão recorrida, quaisquer normas inconstitucionais, constantes do Título IV do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, já que o único preceito, aí inserido, sistematicamente, e aplicável ao caso dos autos, que efectivamente é inconstitucional - o artigo 30º - não serviu de suporte à decisão recorrida, não sendo, pois, por ela aplicado.
3º - Ao imputar extemporaneamente e sem qualquer fundamento sério aos peritos designados pelo tribunal comportamento processual censurável, o recorrente altera intencionalmente a verdade dos factos, incorrendo em litigância de má fé, nos termos conjugados das disposições dos artigos 84º, nºs
5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional e 456º do Código de Processo Civil.'
Notificados para, querendo, responderem às questões prévias suscitadas pelo Ministério Público, os recorrentes consideraram aquelas questões improcedentes e, como prova de que o que tinham relatado era verdade, arrolaram duas testemunhas.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II Fundamentação
A Delimitação do objecto do recurso
7. Importa, previamente, delimitar o objecto do presente recurso.
O recorrente, nas alegações para a Relação, afirmou o seguinte:
'Por esse motivo, o expropriado considera que a limitação do artigo 73º, nº 2, do Decreto-Lei nº 845/76 é inconstitucional, por impedir a descoberta do valor real e corrente do bem expropriado' (fls. 283).
E, no final, acrescentou:
'Decidindo nessa conformidade, far-se-á a melhor JUSTIÇA, até porque o TÍTULO IV, designadamente os arts. 27º/2, 28º/1, bem como os arts. 61º,
73º/2 face ao art. 82º/1, todos do DL 845/76, de 11 de Dezembro, o mesmo dizendo dos arts. 523º, 524º e 580º/3 do Cód. Proc. Civil, dado serem disposições restritivas, no âmbito das expropriações, impedem inequivocamente que seja paga a justa indemnização, violando assim os arts. 12º/1, 13º/1/2, 18º/1/2/3, 20º/1,
62º/2, 205º/2 e 207º da Lei Fundamental, não se tendo calculado o valor real da parcela expropriada.'
Como se alcança destas transcrições, a única norma legal que o recorrente acusou de afrontar a Constituição foi o artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações de 1976. Quanto às restantes normas, limitou-se a dizer, no final das alegações, depois mesmo de juntar as respectivas conclusões, que elas são inconstitucionais, indicando como violados vários preceitos constitucionais sem dizer, porém, por qual norma cada um deles é infringido.
Trata-se, assim, de uma afirmação que, por tão genérica, não pode ser havida como modo processualmente adequado de suscitar a questão de insconstitucionalidade para o efeito de se ter por preenchido o pressuposto da arguição da questão de inconstitucionalidade durante o processo. Na verdade, não tendo o recorrente indicado, em relação a cada uma das normas, a causa da sua incompatibilidade com a Constituição, ao tribunal recorrido não foi colocada uma questão de constitucionalidade para decidir. Não o foi, ao menos, de forma clara e perceptível (neste sentido, cf. o Acórdão deste Tribunal nº 155/95 - D.R., II série, de 20 de Junho de 1995).
8. Relativamente aos artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, bem como ao Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro (arrolados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal), refira-se que não se encontra, ao longo das alegações para a Relação, qualquer referência à sua desconformidade à Constituição. Isto significa que não foi suscitada no momento próprio qualquer questão de inconstitucionalidade relativa a alguma ou algumas normas contidas nesses preceitos (para além de a arguição da inconstitucionalidade de todo um diploma se afigurar como um modo claramente inidóneo de invocar uma inconstitucionalidade normativa).
Não se pode, assim, considerar que tenha sido suscitada de forma processualmente adequada a questão da inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos referidos, pelo que não se pode conhecer o objecto do presente recurso relativamente a tais normas.
B A alegada inconstitucionalidade do artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações
9. Ante o exposto, o recurso fica limitado à apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações. Esta norma já foi apreciada por este Tribunal, através, entre outros, dos Acórdãos nºs 209/95 (D.R., II Série, de 23 de Dezembro de 1995) e
744/95 (ainda inédito), nos quais se concluiu pela sua não inconstitucionalidade.
No primeiro aresto citado, afirmou-se que:
'Na verdade, a norma em crise não veda em absoluto a produção de prova testemunhal, admitindo-a apenas quando tal for considerado indispensável pelo juiz de primeira instância, enquanto tribunal de recurso de arbitragem. Confere ao juiz o poder discricionário de ouvir certos depoimentos, não atribuindo nem ao recorrente nem ao recorrido o direito de produzir prova testemunhal.
'Na verdade, não se vê que o artigo 62º, nº 2 da Constituição, ou os artigos 13º e 20º, nº 1, desta tornem inconstitucional o nº 2 do artigo
73º do referido Código das Expropriações. No processo de expropriação litigiosa, o legislador pretende que seja determinada com rigor a justa indemnização devida ao expropriado. O meio de prova por excelência para alcançar tal desiderato há-de ser a prova pericial, na fase do recurso interposto da decisão arbitral, proferido antes da remessa dos autos ao tribunal judicial.' - porque mais objectivo e livre da ponderação de factores de índole especulativa.
E, numa apreciação geral do regime normativo, concluiu-se que:
'Globalmente considerada a regulamentação dos meios probatórios no processo de expropriação, afigura-se que não é desproporcionada ou arbitrária a solução limitativa constante do nº 2 do artigo 73º do Código das Expropriações de 1976, porque tem justificação material, atendendo à natureza do litígio em causa e à fase processual de recurso em que ocorre a mesma limitação.'
10. Continua a considerar-se, por estas razões, que a norma em crise não é inconstitucional: em primeiro lugar, ela não proíbe a produção de prova testemunhal; em segundo, a prova pericial assume uma importância preponderante no âmbito do processo de expropriação; em terceiro e último lugar, a limitação da prova testemunhal (resultante de um juízo de dispensabilidade do juiz) é proporcionada e adequada à fase processual de recurso em que ocorre. Por conseguinte - e de acordo com a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional -, o presente recurso não merece provimento e deve ser confirmada a decisão recorrida.
11. Tendo, por outro lado, o Ministério Público pedido, nas contra-alegações, a condenação dos recorrentes como litigantes de má fé, importa conhecer, igualmente, esse pedido. Não havendo, contudo, nos autos elementos suficientes para apreciar a questão, nem cabendo na tramitação deste recurso a realização de diligências de prova para o efeito, deve considerar-se improcedente tal pedido.
III Decisão
12. Ante o exposto, decide-se:
a) Não conhecer o objecto do presente recurso no que respeita à conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, no Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, no Título IV e no artigo 61º do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, e nos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil;
b) Julgar não inconstitucional a norma contida no artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações de 1976 e, consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida na parte respeitante a esta questão de constitucionalidade;
c) Não condenar os recorrentes como litigantes de má fé.
Lisboa, 17 de Abril de 1996
Maria Fernanda Palma
Vitor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Diniz
José Manuel Cardoso da Costa