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Proc. nº 70/95
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A Questão
1 - O arguido A, na sequência de decisão condenatória proferida pelo 1º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, requereu a declaração de nulidade do julgamento e a sua integral repetição, com base na verificação de ilegal composição do tribunal.
Notificado o defensor do arguido do despacho de indeferimento que recaiu sobre aquele requerimento, veio ele, já depois de esgotado o prazo de 5 dias a que se refere o artigo 428º do Código de Justiça Militar, interpor de tal despacho recurso para o Supremo Tribunal Militar.
Sobre a petição de recurso se pronunciou o senhor Juiz Auditor nos termos seguintes:
'Verifica-se que, em 25 de Outubro de 1994, foi expedida ao ilustre mandatário do réu A carta registada notificando-o do despacho de fls.
999 verso, sendo que o requerimento de interposição de recurso de tal despacho com a respectiva motivação tem a data de entrada de 14 de Novembro de 1994.
Ora, tendo em conta que o prazo de interposição de recurso é de cinco dias e o disposto no nº 3, do artigo 1º do Decreto-Lei nº
121/76, de 11 de Fevereiro, verifica-se que o recurso interposto é manifestamente intempestivo, pelo que não deve ser admitido'.
E, numa linha de concordância com este parecer, o senhor juiz presidente do Tribunal Territorial, com base na sua extemporaneidade não admitiu o recurso.
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2 - Contra o despacho de não admissão do recurso reclamou então o arguido junto do senhor Presidente do Supremo Tribunal Militar, suscitando, além do mais, a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo
428º do Código de Justiça Militar.
A reclamação veio a ser indeferida com base na fundamentação seguinte:
'A questão a resolver, como refere o reclamante, consiste em saber se o prazo de interposição do recurso é de cinco dias, como estabelece o artº 428º do CJM, ou de dez dias, como estabelece o artº 411º do C.P.Penal e ainda se esse prazo começa a correr a partir da notificação da decisão ao próprio réu ou ao seu mandatário.
Começando por este segundo aspecto, sustenta o reclamante, invocando o preceituado no artº 113º do CPP, que o prazo de interposição do recurso do despacho que indeferiu a arguição da nulidade da audiência do julgamento nem sequer começou ainda a correr porque o réu Vaz não foi, até agora, notificado de tal decisão pelo que, necessariamente, o recurso foi interposto em tempo. Mas salvo melhor opinião, não lhe assiste razão.
Aceitando que o regime estabelecido no citado artº 113º do CPP para as notificações é, subsidiariamente, aplicável no processo penal militar, por o CJM ser omisso a tal respeito, a verdade é que, contrariamente ao que defende o reclamante e como muito bem salienta o Mmº Juiz Auditor no seu douto parecer de fls. 7v e 8, resulta claramente do preceituado no nº 5 do artigo em referência que a notificação do despacho em causa não tinha que ser feita na pessoa do réu, sendo bastante a sua notificação ao defensor constituido para que se iniciasse o decurso do prazo para a interposição do recurso, já que a situação concreta em apreço não corresponde a nenhuma das ressalvas descritas na citada norma legal.
Relativamente à primeira parte da questão equacionada, alega o reclamante que o artº 428º do CMJ é inconstitucional por violar os princípios fundamentais de igualdade dos cidadãos perante a Lei, do livre acesso ao Direito e aos Tribunais e das garantias de defesa do arguido consagrados, respectivamente, nos artºs 13º, 20º e 32º do CRP, para daí inferir que, sendo inaplicável, 'in casu', por essa razão, o disposto naquele preceito legal, o prazo de recurso só poderá ser o estabelecido no artº 411º do C.P.P., subsidiariamente aplicável.
Salvo o devido respeito, não é assim.
Em primeiro lugar, é óbvio que o disposto no mencionado artº 428 do CJM na medida em que apenas estabelece ou fixa um prazo para o exercício do direito de recurso, não viola o direito do livre acesso ao Direito e aos Tribunais nem atinge as garantias de defesa do réu, porquanto, reconhecendo e mantendo intocados esses direitos, apenas estatui sobre o período de tempo em que podem, validamente, ser exercidos.
Pelo que diz respeito ao princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, importa não esquecer, como se escreveu no acórdão deste STM de 18 de Novembro de 1993 - Col. Ac. pág. 115, 'que os processos penais comuns e militares têm âmbito de aplicação diferentes, aplicável aquele aos crimes comuns e este aos essencialmente militares'.
Por outro lado, como também se lê no citado aresto,
'também é necessário recordar que os cidadãos estão sujeitos aos dois processos independentemente de serem ou não militares, já que, como se sabe, os crimes essencialmente militares podem ser praticados (pelo menos alguns deles) por cidadãos não militares, tal como os crimes comuns podem ser cometidos por elementos das Forças Armadas'.
Assim sendo, torna-se evidente que a circunstância de o referido artº 428º do CJM fixar um prazo para interposição do recurso inferior ao estabelecido pela Lei processual penal comum não constitui violação do princípio constitucional de igualdade dos cidadãos perante a lei, já que se trata de situações e processos distintos e desiguais.
Não é, portanto, inconstitucional a norma constante do aludido artº 428º do CJM enquanto estabelece o prazo de cinco dias para a interposição de recurso em processo criminal militar.
Posto isto, não é legalmente possível a aplicação subsidiária em processo penal militar do disposto no artº 411º do CPP, por não haver lacuna a suprir, pelo que o recurso do réu A do despacho que indeferiu a arguição da nulidade da audiência de julgamento só poderia ter sido validamente interposto no prazo de cinco dias após a notificação daquele ao Exmoº Defensor Constituído, como se entendeu no despacho reclamado.
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3 - Inconformado com o assim decidido o arguido trouxe os autos em recurso ao Tribunal Constitucional, oferecendo depois alegações que rematou com um quadro conclusivo assim consubstanciado:
'1 - Os grandes princípios enformadores do nosso regime jurídico em matérias de Direitos e deveres fundamentais são os consignados nos artigos 12º e 13º da Constituição da República Portuguesa, isto é, os princípios da Universalidade e da Igualdade.
2 - Da conjugação do princípio da Igualdade com o das garantias de defesa em processo criminal a que se refere o artigo 32º, resulta a imperatividade da existência de um único regime processual, de forma a assegurar que a todos os arguidos seja dispensado o mesmo tratamento.
3 - O artigo 215º submete a julgamento em Tribunais Militares 'crimes essencialmente militares' o que constitui um regime especial em matéria substantiva, isto é, definidora das condutas que preenchem tipos penais daquela natureza.
4 - A Lei Constitucional prevê, pois, a possibilidade de existirem Tribunais Militares que julguem crimes essencialmente militares, mas não a adopção de um regime adjectivo ou processual próprio, que confira aos arguidos diferentes garantias.
5 - Daqui resulta que o legislador militar devia ter acompanhado a reforma processual penal, introduzindo naquela, as alterações necessárias para manter uma igualdade de tratamento.
6 - Não tendo feito deixou expostas à declaração de inconstitucionalidade material todas as disposições do Código de Justiça Militar que se traduzam num tratamento processual discriminatório dos arguidos.
7 - O artigo 428º do Código de Justiça Militar adoptou a mesma redacção do artigo 651º do antigo Código de Processo Penal, não tendo acompanhado a que foi introduzida pelo artigo 411º do Código vigente, a partir de 1 de Junho de 1987.
8 - Ao consagrar diferente e menor prazo para o trânsito em julgado (e daí para o recurso), o artigo 428º do Código de Justiça Militar viola os artigos 13º, 32º e 215º da Constituição da República Portuguesa.
9 - Em consequência e face ao que dispõe o artigo 207º da Constituição, este artigo é inaplicável aos feitos submetidos a julgamento.
10 - Constitui uma garantia de defesa dos arguidos a notificação na sua própria pessoa dos actos processuais que lhes digam respeito, nomeadamente, os despachos que neguem ou indefiram o requerimento pedindo a declaração de nulidade do julgamento por irregular composição do Tribunal.
11 - A interpretação feita em desconformidade com a conclusão anterior é violadora das garantias de defesa em processo penal que a Constituição tutela directamente.
12 - As decisões em causa aplicaram preceitos ou deles fizeram interpretação inconstitucional, com violação dos artigos 13º, 20º, 32º,
207º, e 215º, todos da Lei Fundamental, e como tal devendo ser declaradas, com as legais consequências.'
Na contralegação produzida pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto deixaram-se expressas as seguintes conclusões:
'1º Apenas deverá tomar-se conhecimento do presente recurso se se verificar que a causa da extemporaneidade do recurso interposto para o Supremo Tribunal Militar radica exclusivamente na ultrapassagem do prazo de cinco dias, cominado no artigo 428º do Código de Justiça Militar - e não também na circunstância de o arguido, em vez de recorrer do acórdão condenatório e invocar, no âmbito do recurso, as nulidades do julgamento que considerasse terem ocorrido, ter optado por primeiramente as reclamar perante o juiz 'a quo'.
2º A norma constante do artigo 428º do Código de Justiça Militar, enquanto conexionado com o estatuido no artigo 431º, nº 1, do mesmo Código, ao estabelecer, num processo que se não pode considerar urgente, um prazo de cinco dias para recorrer, impondo ao recorrente o ónus de apresentar logo a sua alegação no próprio requerimento do recurso, representa um sacrifício desproporcionado e desnecessário do direito do arguido a dispôr do prazo necessário à efectiva organização da sua defesa, ínsito no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.'
Procedeu-se entretanto a um complemento instrutório do processo, solicitando-se ao Supremo Tribunal Militar a remessa de diversas peças dos autos principais em ordem à dilucidação da questão prévia suscitada pelo Ministério Público e relativa a um eventual não conhecimento do objecto do recurso.
Notificadas as partes da junção dos documentos assim advenientes, foram depois corridos os vistos de lei, cumprindo agora apreciar e decidir.
E porque, como bem resulta dos elementos agora carreados para os autos, tanto a decisão recorrida como os despachos proferidos no 1º Tribunal Militar Territorial de Lisboa que a precederam, fundamentaram o não recebimento do recurso tão somente na aplicação da norma do artigo 428º do Código de Justiça Militar e, por decorrência, no não cumprimento por parte do recorrente do prazo de cinco dias aí estabelecido, não existe qualquer impedimento ao conhecimento do seu objecto.
Assim sendo, cumpre averiguar se a norma do artigo
428º enquanto conexionada com a norma do artigo 431º, nº 1, ambas daquele código, ao estabelecer um prazo de cinco dias para a interposição do recurso, impondo ao recorrente o ónus de apresentar a sua alegação na própria petição, não colide com o princípio da igualdade e com as garantias de defesa asseguradas ao processo criminal, a que se reportam, respectivamente, os artigos 13º e 32º, nº 1, da Constituição.
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II - A fundamentação
1 - O Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 141/77, de 9 de Abril, nas disposições conjugadas dos artigos
428º e 431º, nº1, veio prescrever que os recursos a interpor para o Supremo Tribunal Militar hão-de ser requeridos no prazo de cinco dias, devendo no requerimento de interposição conter-se logo a respectiva motivação.
Estes preceitos, expressamente, dispõem assim:
Artigo 428º
(Prazo)
'O prazo para a interposição do recurso é de cinco dias, a contar daquele em que foi publicada a decisão, salvo se o recorrente não tiver assistido à publicação e a lei ordenar que seja notificado, porque, neste caso, o prazo começará a correr desde a notificação.
Artigo 431º
(Alegação)
'1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação no próprio requerimento do recurso, quando seja apresentado por escrito.
...................................................
Esse regime processual, de algum modo tributário do que se achava instituído no Código de Justiça Militar precedente, aprovado pelo Decreto nº 11292, de 26 de Novembro de 1925 (cfr. artigos 534º e ss.) diverge do sistema geral dos recursos ordinários/típicos em processo civil, no qual, após o deferimento do requerimento de interposição do recurso a apresentar no prazo de oito dias, contados da notificação da decisão, se segue a fase da expedição do recurso na qual é concedido às partes um novo prazo - em princípio, de oito dias no agravo, e entre dez e vinte dias na apelação - contado da data da interposição do despacho de admissão do recurso, a fim de serem oferecidas as alegações e as contralegações. (cfr. artigos 685º, 690º, 699º, 705º, 742º e 743º do Código de Processo Civil).
Este mesmo sistema havia sido adoptado no Código de Processo Penal de 1929, a partir da aplicação subsidiária das regras relativas ao recurso de agravo, sem embargo de o prazo de interposição ser ali encurtado para cinco dias. (cfr. artigos 649º e 651º)
Com o advento do Código de Processo Penal de 1987 a tramitação unitária dos recursos para as Relações e para o Supremo Tribunal de Justiça foi objecto de profunda remodelação, afastando-se marcadamente do sistema vigente no processo civil.
Assim, e no que aqui importa referir, o prazo de interposição do recurso passou a ser de dez dias contado 'a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria, ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente', devendo o requerimento de interposição ser 'sempre motivado'. (cfr. artigo 411º, nºs. 1 e 3).
A motivação do recurso há-de enunciar
'especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido' (artigo 412º, nº 1)
Do mesmo modo, no âmbito do direito processual laboral, o Código de Processo de Trabalho de 1981, muito embora haja estabelecido uma regulamentação dos recursos decalcada do sistema previsto no Código de Processo Civil, adoptou a regra de que o requerimento do recurso a apresentar no prazo de oito dias ou de quinze dias - consoante se trate de agravo ou de apelação - contados a partir da notificação da respectiva decisão, deverá logo conter 'a alegação do recorrente' (artigos 75º e 76º).
A unificação numa só peça processual do acto de interposição e do acto de fundamentação do recurso filia-se, em regra, em propósitos de celeridade e economia processuais e, adoptada embora no Código austríaco de Klein de 1895, não pode considerar-se como a orientação predominante no direito comum europeu de influência romanista. (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2º ed., Lisboa, 1994, pp. 188 e ss.).
Ora, no entendimento do recorrente, a norma do artigo
428º do Código de Justiça Militar ao 'não acompanhar' a regra que veio a ser definida no artigo 411º do Código de Processo Penal de 1987, viola o disposto nos artigos 13º, 32º e 215º da Constituição.
Será efectivamente assim?
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2 - Este Tribunal, teve já ensejo de se pronunciar sobre matérias com alguma similitude com aquela que aqui se apresenta, nomeadamente no acórdão nº 266/93, Diário de República, II Série, de 10 de Agosto de 1983, no qual se apreciou a eventual inconstitucionalidade da norma do artigo 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, quando interpretada no sentido de abranger os agravos interpostos em 2ª instância.
Rejeitando-se que este preceito enferme de vício de inconstitucionalidade, naquele aresto, escreveu-se assim:
'A exigência de a alegação ter de constar do requerimento de interposição de recurso ou, quando muito, de ter de ser apresentada no prazo de interposição do recurso de oito dias, não diminui, por si mesma, as garantias processuais das partes, nem acarreta um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável.
Na verdade, o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, não se vendo que o sistema constante do artigo 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, na interpretação agora impugnada, seja em si mais gravoso do que o estabelecido no Código de Processo Civil, em que a alegação nos agravos tem de ser apresentada também no prazo de oito dias, embora este prazo se conte da notificação do despacho de admissão do recurso. Há uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do processo do trabalho, visando no fundamental evitar que as demoras do processo penalizem as partes mais fracas do ponto de vista económico, os trabalhadores, os sinistrados e os seus familiares. Só no caso de não vir a ser admitido o recurso interposto é que as partes se poderão queixar da inutilidade da apresentação das alegações (cf. artigo 77º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho), mas tal inconveniente não é susceptível de fundamentar, por si só, um juízo de inconstitucionalidade do artigo 76º, nº 1, do mesmo diploma.
Acrescente-se que, em processo penal, o regime de exigência de motivação dos recursos no requerimento da sua interposição (Código de Processo Penal, artigo 411º) não foi até agora posto em causa, em termos de constitucionalidade, sendo indiscutível que, no processo penal, a Constituição impõe ao legislador ordinário que assegure todas as garantias de defesa ao arguido (artigo 32º, nº 1). A concessão de um prazo de 10 dias em processo penal, por contraposição aos 8 dias concedidos em processo laboral, não introduz uma alteração qualitativa relevante em matéria de juízo de constitucionalidade.'
A solução assim alcançada suportou-se, decisivamente, na consideração de que a concessão de um prazo de oito dias para motivação do recurso de agravo interposto de decisão proferida em 2ª instância, não pode ter-se como intoleravelmente exíguo, tanto mais que o objecto desta espécie de recurso tem a ver em regra com a impugnação de decisões respeitantes a matérias processuais de menor complexidade, como decorre da conjugação do disposto nos artigos 721º, 722º e 754º, alínea b) do Código de Processo Civil, não existindo assim o risco de se chegar a uma 'justiça pronta mas materialmente injusta'.
Outra espécie jurisprudêncial que pode ser convocada face ao thema decidendi é o acórdão nº 186/92, Diário da República, II Série, de
18 de Setembro de 1992, no qual se decidiu que o artigo 49º, nº 3, do Decreto-lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa), interpretado no sentido de que o prazo para alegações nos recursos, interpostos em processos por crimes de liberdade de imprensa, de acórdãos das Relações para o Supremo Tribunal de Justiça, é de metade do estabelecido na lei geral, ou seja, de quatro dias, não viola o princípio da igualdade, nem o direito do arguido dispor do tempo necessário para a organização da sua defesa.
Para tanto, na fundamentação, além de outras considerações, argumentou-se assim:
'O que, no entanto, verdadeiramente importa é que a redução do prazo para alegações, que a norma aqui em apreço estabelece, não é arbitrária ou irrazoável.
Atento o eco, que os crimes cometidos através da imprensa têm na comunidade, impõe-se, com efeito que se proceda ao julgamento dos seus responsáveis, no mais curto prazo possível.
Vale isto por dizer que, nos processos por crimes de liberdade de imprensa, confluem razões de urgência, que conferem fundamento material ao encurtamento dos prazos fixados na lei geral para a prática de actos processuais ( de todos os actos processuais, que não apenas daqueles que hajam de ser praticados pelos arguidos)'
E mais adiante:
'(...) não obstante o referido encurtamento do prazo para alegações, o processo continua a ser due process, a assegurar, de modo efectivo, a possibilidade de o arguido organizar a sua defesa, mediante a apresentação útil de alegações. Não pode, assim, quanto a tal processo, falar-se num encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa.
É que, tal prazo de quatro dias para apresentar as alegações não pode ser visto isoladamente, devendo, antes, ser avaliado no quadro processual em que se inscreve.
Ora, trata-se de um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - restrito, por isso, à matéria de direito - que, sendo interposto de um acórdão da Relação, o é, por consequência, numa altura em que o réu (e o seu advogado) dominam inteiramente o processo.
Deste modo, para além de não se considerar o prazo de quatro dias concedido por lei para as alegações como um encurtamento inadmissível das garantias de defesa, entendeu-se, concomitantemente, existir fundamento material bastante para semelhante limitação temporal, decorrente esta das razões de urgência que confluem na especial celeridade de que se deve revestir a realização dos actos processuais relativos aos crimes de liberdade de imprensa.
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3 - Como já se observou, da conjugação das normas dos artigos 428º e 431º do Código de Justiça Militar, resulta que no processo penal militar é concedido, na actualidade, apenas metade do prazo (cinco dias) que no processo penal comum se atribui aos arguidos para recorrer e motivar o respectivo recurso (dez dias), sendo que no domínio do Código de Processo Penal de 1929, se consagrava um prazo muito mais amplo, resultante da adição do tempo para interposição do recurso (5 dias) e do tempo de alegação (8 dias), sendo que este último só começava a correr a partir da notificação do despacho de admissão do recurso.
Poder-se-á, neste contexto, falar em violação do princípio da igualdade?
No âmbito de protecção do princípio da igualdade inscreve-se a proibição de arbítrio, que constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, exigindo-se positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes.
Mas, como tem sido assinalado pela doutrina e pela jurisprudência a vinculação juridico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pertencendo-lhe, dentro dos limites constitucionais definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente.
Só quando os limites externos da 'discricionariedade legislativa' são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe 'infracção' ao princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio.
As medidas de diferenciação hão-de ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade não devendo basear-se em qualquer razão constitucionalmente imprópria.
Poderá dizer-se que a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade dependerá, em última análise, da ausência de fundamentação material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
3ª ed., Coimbra, 1993, pp. 125 e ss. e acórdãos do Tribunal Constitucional nºs.
44/84 e 231/94, Diário da República, respectivamente, II Série, de 11 de Junho de 1984 e, I Série, de 28 de Abril de 1984).
Ora, e contrariamente ao que acontece na situação já referenciada dos crimes de abuso de liberdade de imprensa, não se tem por existente no processo penal militar e na própria especificidade dos crimes cujo conhecimento se acha cometido à jurisdição militar, qualquer particular exigência ou motivação que possa servir de fundamento ao regime que se contém nas normas sob sindicância.
Com efeito, o prazo de cinco dias dentro do qual os arguidos em processo penal militar hão-de recorrer, alegar e instruir documentalmente os recursos, quando confrontado com outros prazos, nomeadamente com o prazo de dez dias estabelecido pelo Código de Processo Penal para os arguidos do processo penal comum, não dispõe de uma específica base material credenciadora do tratamento desigual assim definido pelo legislador, apresentando-se num plano de paralelismo inter-processual como uma solução carecida de proporcionalidade.
Por outro lado, no plano das garantias de defesa asseguradas pelo artigo 32º, nº 1, da Constituição, o limitado prazo de cinco dias dentro do qual o arguido há-de decidir sobre a interposição ou não do recurso, sobre a definição da estratégia de defesa e do delineamento e exposição da respectiva fundamentação, bem como sobre a junção dos documentos que lhe seja lícito oferecer na sequência da indispensável selecção e recolha, pode apresentar-se como exíguo e insuficiente, nomeadamente, quando se tiverem em conta as complexas questões que podem suscitar-se a propósito de muitos dos tipos legais de crimes previstos no Código de Justiça Militar.
Deste modo, o prazo de cinco dias concedido ao arguido pelo processo criminal militar para recorrer, alegar e provar o respectivo recurso, para além de se mostrar um prazo dissonante em relação a prazos de recurso previstos em outras disciplinas jurídicas, pode não assegurar, de modo efectivo, a organização de uma defesa rigorosa e eficaz nos termos que se acham constitucionalmente garantidos.
E à luz da conjugação desta dupla ordem de razões a norma questionada deve ter-se por inconstitucional. Recentemente, em decisão ainda inédita (acórdão nº 34/96, de 17 de Janeiro de 1996) foi adoptado por este Tribunal entendimento idêntico ao que agora se perfilha.
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III - A Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) julgar inconstitucional a norma do artigo 428º enquanto conexionada com a norma do artigo 431º, nº 1, ambas do Código de Justiça Militar, por violação dos artigos 13º e 32º, nº 1, da Constituição;
b) conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 17 de Abril de 1996
Ass) Antero Alves Monteiro Dinis Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa