Imprimir acórdão
Proc. nº 15/92 ACÓRDÃO Nº 248/96
1ª Secção Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - O Tribunal Judicial da Comarca de Cascais recebeu o auto de expropriação amigável em que é expropriante a “A”, E.P., e são expropriados o Município de Cascais, B e outros.
Em sentença de 29 de Setembro de 1988, o sr. juiz adjudicou à “A”, E.P. a propriedade e posse dos prédios que constituíam o objecto da expropriação.
Mais tarde, em 10 de Agosto de 1989, C requereu àquele Tribunal a
'anulação de todo o processado', afirmando que, na sua qualidade de arrendatário rural de dois terrenos expropriados, deveria ter sido citado no sentido de poder exercer 'o seu direito autónomo de indemnização'.
Em despacho de 24 de Outubro de 1990, o sr. juiz indeferiu o requerimento de nulidade formulado. Considerou ali o artigo 47º, nº 2 do Código das Expropriações [é ainda o Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro], que determina que 'se comparecer em juízo qualquer pessoa que não tenha sido convocada, mas que mostre ser interessada no processo a expropriar, será admitida a intervir no mesmo, na altura em que este se encontrar, sem que, para o efeito, se hajam de repetir quaisquer termos ou diligências'. E, então, afirmou que o interessado 'cuja existência se desconhece (...)' haverá de
'aceitar o processo no estado em que o mesmo se encontra' e também que não concorrendo o inquilino ou arrendatário rural com o senhorio no que trata da indemnização e permitindo a lei pagamentos distintos, manifestamente não havia omissão de acto capaz de influenciar a decisão da causa.
O arrendatário rural C recorreu então para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando, em alegações, a questão de constitucionalidade da norma do artigo 47º, nº 2, do Código das Expropriações, com referência ao artigo 2º da Constituição. Mas a Relação de Lisboa, em acórdão de 3 de Outubro de 1991, negou provimento ao recurso. Ali afirmou, essencialmente, o seguinte:
'(...) Em 29 de Julho de 1988 elaborou-se na Secretaria da Câmara Municipal de Cascais o auto de expropriação amigável (...) com intervenção de todos os interessados até então conhecidos da expropriante.
Em 29 de Setembro do mesmo ano foi proferida sentença de adjudicação dos terrenos expropriados, nos termos do art. 44º do Código das Expropriações a qual transitou em julgado.
(...)
Em 10 de Agosto de 1989 veio o ora agravante apresentar o requerimento que deu origem ao presente incidente.
De todo o exposto se conclui que a instância no processo de expropriação findou com o trânsito em julgado da atrás referida sentença, nos termos da al. a) do art. 287º do Código de Processo Civil ou, se se considerar que o auto de expropriação amigável equivale a uma transacção, nos termos da al. d) do mesmo preceito. O que quer dizer que quando o agravante formulou o seu referido requerimento, o processo de expropriação se encontrava já findo.
O agravante arroga-se a qualidade de arrendatário rural das parcelas de terreno denominadas 'T' e 'F' neste processo expropriadas, qualidade essa que aliás não é aqui posta em causa.
A ter o agravante essa qualidade, terá direito a indemnização autónoma por força do disposto nos nºs. 1 e 4 do art. 36º do Código das Expropriações.
No domínio da legislação anterior (Dec. 43587 de 8.4.61) ao actual Código das Expropriações entendia-se que a circunstância de não se dar a qualquer interessado oportunidade para intervir no processo de expropriação produzia efeito idêntico ao da falta de citação, daí resultando a nulidade prevista na lei processual (v. Ac. Rel. Évora de 2.12.76 in 'Col. Jur.', I,
740).
O nº 2 do art. 47º citado veio porém dispor de forma a afastar essa opinião ao estatuir expressamente que qualquer pessoa que não tenha sido convocada ao processo mas que mostre ser interessada no mesmo, será admitida a intervir nele na altura em que este se encontrar, sem que, para o efeito, se hajam de repetir quaisquer termos ou diligências (v. Ac. do STJ de 20.12.84 in BMJ, 342, 334).
Assim se legislou em aplicação do princípio da celeridade do processo expropriativo com o que se consagrou nesta matéria o princípio da legitimidade aparente.
Este preceito, embora se contenha no capítulo referente à expropriação litigiosa, deve ser considerado extensivo à expropriação amigável, pese embora ao curtíssimo espaço de tempo em que neste processo será possível ao interessado preterido exercer o seu direito. Aliás, note-se que conforme o expressamente preceituado na 2ª parte do nº 2 do art. 39º do Código das Expropriações a não-intervenção, ou melhor, a falta de consentimento dos interessados a quem a lei confira uma indemnização autónoma como é o caso dos arrendatários, não determina a ineficácia do acordo sobre o valor da indemnização na expropriação amigável, muito embora o nº 1 do art. 41º do Código citado preveja a comparência de outros interessados além do expropriado perante o notário privativo do expropriante para se lavrar o respectivo auto. Agora o que é necessário é que seja conhecida a existência desses interessados.
Mas quando algum interessado deixar de intervir no processo nem por isso vê postergado o seu direito já que precisamente para o caso da expropriação amigável o nº 4 do art. 45º do Código prevê que o interessado que não for pago por se desconhecer o seu direito possa demandar pelos meios comuns os interessados que houverem sido pagos em seu prejuízo, interessados estes que - obviamente e como se vê do nº 2 deste art. - são apenas os que não têm direito a indemnização autónoma. Ora por maioria de razão se deve ter como certo dispor do recurso aos ditos meios contra o expropriante o interessado com direito a indemnização autónoma a qual não é afectada nem afecta as indemnizações devidas aos expropriados.
E mais: se na expropriação houver sido ignorada culposamente a indemnização devida a algum arrendatário, pode o interessado respectivo intentar acção comum contra o expropriante para ser declarado o seu direito (nº 6 do art.
45º citado).
Aplicando estes princípios ao caso vertente, temos:
A - O agravante em caso nenhum poderia intervir no processo de expropriação amigável em causa por o mesmo se encontrar findo digo nem mesmo nos termos do nº 2 do art. 47º citado, por o mesmo se encontrar findo à data em que deduziu o seu já aludido requerimento. A própria letra deste preceito conduz a tal conclusão pois ao dizer-se ali que a pessoa interessada e preterida 'será admitida a intervir' no processo 'na altura em que este se encontrar' está a pressupor-se a pendência dum processo e portanto não um processo findo pois o encontrar-se um processo em determinada altura pressupõe que o mesmo está a correr termos. Um processo findo não está em altura nenhuma, já acabou, ou seja, atingiu o seu termo. Usando uma imagem para facilitar a compreensão: eu posso entrar no rio Tejo por alturas de Constância mas já não o posso fazer por alturas de Cascais.
B - O agravante, a provar-se pelo meio próprio a sua qualidade de arrendatário rural de prédios expropriados no presente processo, terá o seu direito garantido pelo recurso aos já referidos meios comuns, não sendo, como já se disse, a indemnização a que tiver direito afectada por nem afectando as indemnizações devidas aos expropriados.
C - A pretensão do agravante não pode pois ser atendida'.
[sublinhado aqui]
Em sequência de tais afirmações, a Relação de Lisboa acrescentou que
'as conclusões da alegação do agravante merecem-nos ainda os seguintes reparos:
(...)', no conjunto dos quais incluiu a tese de não inconstitucionalidade da norma do artigo 47º, nº 2 do Código das Expropriações.
O recorrente interpôs então recurso de constitucionalidade desse acórdão, com invocação do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. O objecto deste recurso delimitou-o naquela norma do artigo 47º, nº 2, que confrontou com os artigos 2º, 12º, nº 1, 13º, nºs. 1 e 2 e 18º, nºs. 1, 2 e
3, da Constituição da República.
II - O recurso de constitucionalidade previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 'das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido sucitada durante o processo', pressupõe a exaustão prévia dos recursos ordinários, que a parte haja suscitado a questão de constitucionalidade antes da decisão recorrida e ainda que nesta se aplique a norma (ou normas) sobre que incide a mesma questão.
Ora, ponderando os fundamentos do acórdão recorrido, o acórdão da Relação de Lisboa, haverá de concluir-se que aí se não fez aplicação ao caso da norma do artigo 47º, nº 2, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro.
Muito embora tomando como ponto de partida de argumentação a mesma norma do artigo 47º, nº 2, por ser essa uma das normas que a 1ª instância elegera como parâmetro de regulação e, pois, por ser essa a norma trazida ao debate pelo recorrente, a Relação de Lisboa afastou claramente os factos em controvérsia da previsão do artigo 47º, nº 2.
Em boa verdade, ao afirmar que 'o processo de expropriação findou com o trânsito em julgado da sentença' e que 'um processo findo não está em altura nenhuma, já acabou, ou seja atingiu o seu termo' - e ao fazê-lo no contexto de sistema em que o faz -, a Relação de Lisboa convoca antes como fundamento de decisão a norma reguladora do caso julgado e dos seus efeitos. E convoca também aquelas normas do Código das Expropriações que garantem aos interessados não intervenientes no processo o recurso aos meios comuns no sentido de fazerem valer o seu direito a uma indemnização [são as normas do artigo 45º, nºs. 4 e 6 que se enquadram efectivamente no Capítulo I do Título V, relativo, este sim, à expropriação amigável].
Esta situação é muito semelhante àquela sobre que incidiu o acórdão nº 18/95 do Tribunal Constitucional (inédito). Também aí, na sistemática da decisão recorrida não era possível reconhecer à argumentação sobre o problema posto de constitucionalidade uma centralidade decidente. Não era possível afirmar que o confronto a que procedera o tribunal a quo entre norma legal e Constituição tivesse 'a virtualidade de conformação decisiva da sentença recorrida'.
Às asserções que afastam a norma do artigo 47º, nº 2 da regulação do caso, a Relação de Lisboa ajunta ainda alguns considerandos sobre a história e o valor constitucional dessa norma. Porém, tais referências, que são referências afinal em torno da validade da norma, existem à margem do que constitui a verdadeira ratio decidendi no acórdão recorrido.
Manifestamente, pois, a norma do artigo 47º, nº 2, do Código das Expropriações não foi aplicada pela Relação de Lisboa. Por isso que aqui se não verifica aquele pressuposto do recurso a que se refere a norma do artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei nº 28/82, que é o da aplicação prévia da norma arguida de inconstitucional.
III - Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 unidades de conta.
Lisboa, 29 de Fevereiro de 1996
Ass) Maria da Assunção Esteves Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Dinis Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa