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Proc. nº 137/95
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A foi condenada por acórdão de 22 de Junho de 1994 do Tribunal Criminal da 8ª Vara de Lisboa, em cúmulo jurídico, na pena única de sete anos de prisão, pela prática de vários crimes de burla agravada, p. e p. nos artigos 313º e 314º, alínea a), do Código Penal.
Inconformada, interpôs recurso desse acórdão, o que fez por requerimento ditado para a acta, tendo posteriormente apresentado a respectiva motivação de recurso.
Todavia, não efectuou o pagamento da taxa de justiça devida por tal interposição de recurso, nos sete dias subsequentes, pelo que foi o mesmo julgado deserto, nos termos do disposto no artigo 192º do Código das Custas Judiciais e no artigo 292º, nº 1, do Código de Processo Civil, este ex vi do preceituado no artigo 4º do Código de Processo Penal.
Não se conformando também com esta decisão, a arguida recorreu da mesma para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando a inconstitucionalidade do artigo 192º do CCJ, por violação do artigo
32º, nº 1, da Constituição. A Relação veio a negar provimento a esse recurso, por acórdão de 14 de Fevereiro de 1995.
2. É deste último aresto que vem interposto pela arguida, ora recorrente, o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
Nas suas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões :
a) O artigo 32º, nº 1, da Constituição da República ordena que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa;
b) O recurso é uma garantia do cidadão, segundo o que o Tribunal Constitucional tem uniformemente decidido;
c) As garantias dos cidadãos só podem ser restringidas nos casos expressamente previstos na Constituição e devem limitar--se ao necessário, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
d) As leis restritivas neste domínio não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
e) Tais são os imperativos do artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição da República;
f) A Constituição não prevê expressamente uma restrição fiscal ao seguimento dos recursos;
g) De todo o modo, a boa ordem do processo criminal, se for entendida como interesse constitucionalmente protegido, compadece-se com qualquer solução de cobrança coerciva da taxa de justiça em dívida, que deixe salvo o direito da Recor- rente ver apreciada a questão proposta à 2ª instância;
h) Prescrevendo a deserção do recurso, por falta de pagamento da taxa, o artº 192º do Código das Custas Judiciais é inconstitucional;
i) Por contrariar o disposto nos artigos 32º, nº 1 e 18º, nºs 2 e 3, ambos da C.R.P., em conjugação com o princípio constitucional da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria criminal;
j) Se assim não for entendido, a norma que resulta da conjugação do artigo 190º, b) com o artigo 192º do Código das Custas Judiciais é inconstitucional, por contrariar o disposto no artigo 32º, nº1, da C.R.P.;
k) Na verdade, este preceito constitucional refere-se a todas as garantias de defesa no processo criminal, globalmente considerado, sem distinguir a 1ª da 2ª instâncias;
l) Ora, na 2ª instância, segundo o artigo 187º, nº 3, do Código das Custas Judiciais, haveria uma garantia de defesa - seguimento do recurso do arguido com pagamento dum acréscimo de taxa para além do termo do prazo inicial
- que falta na 1ª instância;
m) Não sendo qualitativamente diferentes as circunstâncias em que a Recorrente actua intra-processualmente;
n) Nem podendo uma hermenêutica rigorosa do texto constitucional acolher a diversidade de soluções.
Por sua vez, o Ministério Público, nas suas contra-alegações, começa por identificar assim a questão de inconstitucionalidade que constitui objecto do presente recurso:
em que medida é que o regime de deserção fiscal, constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais - traduzido em se considerar sem efeito o recurso se o recorrente não pagar no prazo peremptório de 7 dias, a taxa de justiça devida, ponderada a diminuta importância desta (2500$00), sem que haja lugar à advertência ao recorrente para proceder ao pagamento, logo que constatada a omissão - constituirá restrição excessiva e desproporcionada, susceptível de afectar a extensão e o conteúdo essencial do aludido 'direito ao recurso' da sentença condenatória?
E após distinguir ainda esta problemática
- que identifica como sendo referida à do efeito preclusivo, irremediável e absoluto de uma omissão que, ainda que imputável ao arguido ou ao seu defensor, assim aparece sancionada de modo desproporcionado e excessivo na legislação de custas - da problemática de uma eventual situação de carência económica do arguido para suportar a taxa de justiça, o que não está aqui em causa, conclui também pela inconstitucionalidade do indicado artigo 192º do Código das Custas Judiciais nos seguintes termos:
O que se poderá legitimamente questionar é a visão exacerbada do princípio da auto-responsabilidade das partes ou sujeitos processuais, que torna desmedidamente gravosos os efeitos de uma omissão de reduzida gravidade e que se reporta, não à prática de actos essenciais à tramitação e andamento do processo, mas que apenas tem a ver, de um ponto de vista lateral, com o mero asseguramento das custas porventura devidas a final pelo arguido.
[...]
No caso 'sub juditio' impressionam-nos particularmente os dois aspectos que, de seguida, passamos a apreciar.
O primeiro deles, prende-se com o diminuto montante da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, considerando-se claramente desproporcionada a gravosa sanção processual correspondente ao retardamento na efectivação do pagamento. Afigura-se, na verdade, que o interesse patrimonial do Estado em ver assegurada a quantia de custas presumivelmente devida a final pelo arguido - aliás, tutelado de forma pouco intensa, atento o montante irrisório da taxa de justiça cominada para a interposição do recurso - não deverá sobrepor-se de forma tão intensa e excessiva relativamente ao direito fundamental do arguido ao recurso da decisão condenatória, emergente dos artigos 20º e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
O segundo aspecto prende-se com a circunstância de o tribunal não haver aplicado o regime estatuído no Código das Custas Judiciais para a não efectivação pontual dos preparos, condicionando a cominação ou sanção processual correspondente à omissão do seu pagamento tempestivo - a deserção fiscal - à prévia advertência ao arguido-recorrente para efectivar o seu pagamento, em prazo adicional, e com a sanção tributária prevista para os preparos iniciais nos recursos cíveis.
Ora, consideramos incompatível com o princípio constitucional das garantias de defesa, constante do citado artigo 32º, nº 1, da Lei Fundamental, o estabelecimento de efeitos cominatórios e preclusivos mais gravosos no domínio processual penal do que os vigentes em processo civil.
[...]
A norma constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais, quando interpretada no sentido de que a omissão do pagamento no prazo de 7 dias da taxa de justiça devida pela interposição do recurso determina, como irremediável efeito preclusivo, a deserção fiscal deste, sem que ao arguido-recorrente seja facultada a possibilidade de, em prazo adicional, (e em termos aná- logos aos estatuídos nos artigos 110º, nºs 1 e 2, e 187º, nº 3 do Código das Custas Judiciais) satisfazer a importância em dívida, acrescida da sanção tributária correspondente à mora, implica restrição excessiva e desproporcionada, violadora dos nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, afectando o conteúdo essencial do direito ao recurso das decisões penais condenatórias, emergente do preceituado nos artigos 20º e 32º, nº 1, da Lei Fundamental.
3. Corridos os vistos, cumpre agora decidir.
II - FUNDAMENTOS
5. Dispõe o artigo 192º do Código das Custas Judiciais o seguinte:
A taxa que seja condição de seguimento de recurso ou incidente ou da prática de qualquer acto deve ser paga no prazo de sete dias, a contar da apresentação do requerimento na secretaria ou da sua formulação no processo, independentemente de despacho e sob pena de o pedido ser considerado sem efeito. O recurso que tenha por efeito manter a liberdade do réu é recebido independentemente do pagamento da taxa pela interposição, que será paga nos sete dias subsequentes à admissão do recurso.
Por seu turno, os referidos artigos 20º, nº 1, e 32º, nº 1, da Constituição da República, cuja violação vem alegada, estatuem:
Artigo 20º
(Acesso ao direito e aos tribunais)
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. (...)
Artigo 32º
(Garantias de processo criminal)
1. O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa.
[...]
Quanto ao artigo 18º, nºs 2 e 3, da Lei Fundamental, por fim, estabelece:
Artigo 18º
(Força jurídica)
1. [...]
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
6. No que concerne à norma concretamente aplicada - constante do artigo 192º do Código das Custas Judiciais - já este tribunal propugnou pela sua não inconstitucionalidade no Acórdão nº 409/94
(publicado no Diário da República, II Série, nº 205, de 5-9-94), na continuidade de uma jurisprudência firmada a propósito de idêntica matéria no Acórdão nº
160/90 (publicado no Diário da República, II Série, nº 210, de 11-9-90) e no Acórdão nº 209/90 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 398, pág.
152).
Em conformidade com essa jurisprudência, aquela norma apenas deverá ser considerada inconstitucional quando, «por insuficiência de meios económicos, impeça o acesso aos tribunais, no caso concreto, o seguimento da via de recurso aberta por lei», entendimento este que vem, de resto, na sequência da jurisprudência da Comissão Constitucional, plasmada no Parecer nº 8/78 (Pareceres da Comissão Constitucional, 5º Volume, pág. 3), no Parecer nº 9/82 (Pareceres..., 19º Volume, pág. 29) e no Acórdão nº
478 (Boletim do Ministério da Justiça, nº 327, pág. 431).
Resta saber se tal norma não deverá também ser tida por inconstitucional na medida em que preveja que a falta de pagamento atempado da taxa devida pela interposição do recurso determina automaticamente a sua deserção (fiscal), e isto sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido-recorrente.
7. Preconiza a recorrente, no que é acompanhada pelo Mº. Pº., que «há uma lacuna a integrar, analogicamente através da norma do artigo 187º, nº 3 do CCJ», o qual remete para o artigo 110º, nº 1, do mesmo código.
Dispõem aquelas disposições legais:
Artigo 187º
(Taxa devida pelo recorrente
nos recursos e nos incidentes)
1. Cada recorrente ou requerente pagará, dentro do prazo fixado no artigo 192º, mas contado da notificação da distribuição do recurso ou da apresentação do requerimento, a seguinte taxa de justiça:
a) Nos recursos e nos pedidos de revisão..........¼ da UC;
b) [...]
2. [...]
3. Nos casos a que se refere a alínea a) do nº 1, o regime do pagamento e a cominação correspondente são os que a lei estabelece para os preparos iniciais nos recursos cíveis.
Artigo 110º
Consequência da falta do preparo inicial
1. Na falta de pagamento do preparo inicial dentro do prazo legal será o interessado, se não estiver em revelia, avisado por postal registado a fim de, em sete dias, efectuar o preparo a que faltou acrescido de taxa de justiça de igual montante.
2. [...]
3. [...]
Todavia, o artigo 187º do CCJ, quando se refere à taxa de justiça a pagar nos recursos, reporta-se apenas ao regime de pagamento das taxas devidas pela distribuição do recurso no tribunal superior, e não à taxa devida, no tribunal recorrido, pela interposição do recurso, caso a que se refere o citado artigo 192º. São, pois, duas situações distintas, sendo que só a do artigo 187º corresponde à prevista no artigo 110º para os recursos cíveis, pelo que se justifica plenamente a existência de tratamentos diferenciados, ao invés do que sustentam a recorrente e o Mº Pº; este último, nomeadamente, quando considera que se estabelecem «efeitos cominatórios e preclusivos mais gravosos no domínio processual penal do que os vigentes em processo civil».
Assim sendo, tal diversidade de tratamento ou regulamentação, por si só, não ofende o princípio da igualdade, pois que não se trata de uma diferenciação descriminatória ou arbitrária, mas objectivamente justificada: o que o princípio da igualdade obriga é ao tratamento por igual daquilo que é essencialmente igual. Ora, no caso, estamos perante situações diferentes, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1988 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 378, pág. 639):
[...] nos processos criminais os recursos dão causa a dois impostos de justiça, que são diversos um do outro e estão sujeitos a regimes diferentes, consoante tem sido salientado por este Supremo.
O imposto devido pela interposição [...] deve ser pago no Tribunal recorrido (a quo), dentro do prazo legal, a contar da apresentação do requerimento na secretaria [...], independentemente de despacho, sob pena de o pedido ser considerado sem efeito.
O outro imposto de justiça é pago no tribunal para onde se recorre
(ad quem) e deve ser pago no prazo legal a contar da distribuição do recurso
[...]. Só a este imposto é que são aplicáveis o regime de pagamento e a cominação correspondente aos que a lei estabelece para os preparos iniciais nos recursos cíveis [...]
8. Sublinhe-se que também no domínio dos recursos cíveis se regulam de modo diferente as custas ou outras importâncias a liquidar, no tribunal a quo, como pressuposto prévio para a admissão e subida do recurso, das taxas ou preparos devidos no tribunal superior pela distribuição do recurso, referindo-se o artigo 110º apenas a esta hipótese e não àquela.
Com efeito, no cível, não é devida qualquer taxa de justiça, no tribunal a quo, pela interposição do recurso, apenas se prevendo os casos de prévio pagamento das custas como condição da sua subida, implicando o não pagamento a deserção do mesmo recurso, nos termos do artigo 292º do Código de Processo Civil, não se aplicando o artigo 110º do Código das Custas Judiciais a estas situações, mas tão-somente aos preparos (ao contrário do que pretendem a recorrente e o Ministério Público).
Concluindo, e ao invés do que vem alegado, não estamos perante um tratamento diferente de situações iguais, desde logo porque, não tendo a taxa de justiça em causa nestes autos a natureza de preparo, não tem de se lhe aplicar o regime específico destes.
9. Resta saber se a norma em apreço se não apresenta como excessiva, enquanto limitativa do princípio segundo o qual devem ser asseguradas todas as garantias de defesa (isto, sem prejuízo de se reconhecer que um tal princípio não implica - nem pode implicar - que se concedam ao arguido infindáveis hipóteses de 'remediar' todos os seus actos, ou que por essa via, não se coloquem adequados e ajustados limites ao exercício dos seus direitos, sob pena de se frustrar qualquer acção da justiça).
Não será, porém, por paralelismo com o regime estipulado no processo civil que se fundamentará qualquer pretensão de excessiva sanção ou cominação processual, mas antes pela lógica e princípios intrínsecos ao processo penal, ou seja, concretamente, pela aplicação prática do artigo 32º da Constituição, naquilo que ele tem de vinculativamente orientador para o legislador.
Com a consagração constitucional do princípio da defesa em processo penal, nos amplos termos previstos no artigo
32º, nº 1, pretende-se garantir que o Estado assegure aos cidadãos uma protecção e segurança efectivas perante o exercício do jus puniendi, inclusivamente contra uma sentença injusta.
Tem-se, assim, entendido que o direito ao recurso de sentenças penais condenatórias integra necessariamente o núcleo de tais garantias, pelo que tem o recurso penal merecido tratamento diversificado relativamente ao recurso noutros domínios processuais, seja ele o civil, o laboral ou o administrativo.
É que se, apesar de dever ser considerado como um direito fundamental, o direito ao recurso das decisões jurisdicionais se não pode, todavia, configurar como um direito «absoluto» ou «ilimitado», pelo que o seu «preciso conteúdo pode ser traçado pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude», como se refere no Acórdão nº 287/90 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., pág. 159), a verdade é que ele pressupõe o duplo grau de jurisdição no caso de sentenças condenatórias em matéria penal, para garantir que o arguido tenha à sua disposição, de forma eficaz e efectiva, todas as garantias de defesa, como este Tribunal também vem uniformemente assinalando desde o Acórdão nº 40/84 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º vol., pág. 241).
10. Ora, ao ditar irremediavelmente a imediata deserção do recurso, pelo simples não cumprimento do ónus de pagamento da taxa - aliás, de diminuto valor - em determinado prazo, sem que ocorra qualquer formalidade de aviso ou comuni-cação ao arguido sobre as consequências desse não pagamento, a norma em apreço procede a uma intolerável limitação do direito ao recurso e, consequentemente, ao direito de defesa em processo penal.
Na realidade, o modo como muitas vezes se processa, na prática, no âmbito do processo penal, o sistema de acesso ao direito, que ainda opera aí com muitas deficiências, aliado às evidentes dificuldades que, frequentemente, os arguidos manifestam quanto ao entendimento das decisões que os afectam, bem como às respectivas consequências jurídicas, evidencia a necessidade de se proceder, em casos como o que se aprecia nestes autos, à prévia advertência ao arguido das cominações jurídicas decorrentes da prática ou não-prática de certos actos, designadamente quando se reportem a consequências jurídicas muito graves e de carácter irreversível, como acontece com a deserção fiscal.
Nem se vê que possa existir qualquer outro interesse constitucionalmente relevante que possa justificar uma tão acentuada compressão do direito ao recurso da decisão penal condenatória, certo como é que o único interesse aqui expresso é o interesse económico do Estado, in casu de expressão manifesta- mente diminuta, sem relevância semelhante ou equivalente à da plena e efectiva defesa do arguido.
Assim, só através de uma comunicação com um mínimo de solenidade feita ao arguido se poderiam considerar asseguradas as condições essenciais exigíveis ao exercício de todas as garantias de defesa, fazendo-se, então, corresponder a sua não actuação após tal aviso a uma intenção de não recorrer ou à perda do direito ao recurso.
Consequentemente, o artigo 192º do Código das Custas Judiciais surge como inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32º, nº 1, e 18º, nºs 2 e 3, da Constituição.
III - DECISÃO
11. Nestes termos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional - por violação do preceituado nas disposições combinadas dos artigos 18º, nºs 2 e 3, e
32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa - a norma constante do artigo
192º do Código das Custas Judiciais, na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo, no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pela interposição do recurso determina, como irremediável efeito preclusivo, a deserção fiscal deste, e isto sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido-recorrente;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, o qual deve ser reformado em conformidade com o antecedente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 16 de Abril de 1996 Luis Nunes de Almeida Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Messias Bento José Sousa e Brito
Bravo Serra (com a declaração de voto que junto)
Não deixo de reconhecer que o sistema constante do Código das Custas Judiciais, quando se tem por referência, por um lado, o bloco normativo que se extrai dos seus artigos 187º, números 1, alínea a), e 2, e 110º, nº 1, e, por outro, a disposição ínsita no seu artº 192º, é algo que se não apresenta verdadeiramente congruente, sendo certo ainda que, nos recursos não penais, a interposição de recurso, como tal, nem sequer dá lugar ao pagamento de qualquer taxa de justiça.
Poder-se-á, assim, desde logo, considerar que aquela falta de congruência representa, ao fim e ao resto, um mau direito, característica da qual não resultará, ineludivelmente, a inconstitucionalidade da solução consagrada, quer no que toca ao regime de pagamento de taxa de justiça pela interposição de recurso penal, quer, na focalização da norma ora sub iudicio, pela consideração de que aqui haveria violação do princípio da igualdade postulado pelo artigo 13º da Lei Fundamental, tal como, neste ponto, aliás, se reconhece no Acórdão de que a vertente declaração faz parte integrante.
O presente aresto fundou o juízo de inconstitucionalidade nele formulado na ofensa das combinadas disposições dos artigos 18º, nº 2, e 32º, nº 1, do Diploma Básico, ou seja, atendendo a que se perspectiva como desproporcionada a circunstância de a norma em causa ditar irremediavelmente que o recurso interposto de sentença penal pelo arguido fique sem efeito se, no prazo nela consignado, não for efectuado o pagamento da taxa de justiça, sem que o mesmo arguido seja previamente advertido dessa consequência.
Vale isto por dizer que a desproporção surpreendida e que baseou o juízo de inconstitucionalidade não reside no efeito que a norma em apreço confere à situação de não pagamento da taxa de justiça, nem no porventura escasso prazo para a ele proceder. Reside, isso sim, no facto de a norma não determinar a advertência do arguido de que o não pagamento da taxa e naquele prazo redundará em que o interposto recurso fique sem efeito.
Ora, é justamente neste ponto que se me levantam sérias dúvidas que, conquanto me não levem frontalmente a votar vencido na solução a que se chegou no presente Acórdão, não deixam de impôr que aqui as exponha.
É que, se bem se atentar, dado o teor na norma em apreciação, dele não se pode deixar de concluir que o não pagamento da taxa de justiça - que, no caso do recurso penal, é condição de seguimento do mesmo - no prazo de sete dias contados da apresentação na secretaria do requerimento de interposição ou da formulação do pedido de interposição no próprio processo (verbi gratia recurso interposto para a acta), dará lugar a que o recurso venha a ser declarado sem efeito.
Sendo assim, e porque a consequência resultante da falta de pagamento da taxa de justiça é algo que se extrai inequivocamente do preceito constante do artº 192º do Código das Custas Judiciais, então, sem que se force o que quer que seja, poder-se-á dizer que a
«advertência» para aquela «cominação» deflui daquela mesma norma.
A isto ainda, na minha óptica, se deverá aditar que, impondo o Código de Processo Penal [cfr. artigos 62º, números 1 e 2, e 64º, nº 1, alínea b)] que o arguido seja assistido na audiência por defensor - sendo que, se o não constituir, lhe será nomeado um, em regra advogado estagiário e, logo, por alguém cuja presunção de conhecimento do direito estatuído se há-de ter por assente -, o qual, normalmente, é quem peticiona a interposição de recurso dirigido à sentença penal condenatória, então não compreendo muito claramente como é que se pode concluir que, do ponto de vista constitucional, a falta da advertência expressa dirigida ao arguido da consequência do não pagamento da taxa de justiça - falta que foi a base do juízo de inconstitucionalidade formulado (advertência que, como se viu, muito embora não expressa, de todo o modo, deflui da própria norma em causa e, por isso, facilmente apreensível por um técnico jurista) - redunda numa desproporção intolerável e, consequentemente, passível de um juízo de censura perante a Lei Fundamental.
Na verdade, ao menos quanto a situações como aquela, a advertência expressa posta-se, a meu ver, como algo que tem mais a ver com um «suprimento» de deficiências de patrocínio do que com a optimização das garantias de defesa do arguido (algo de diferente será a situação em que é o arguido quem - suposto que o possa fazer - por si, ou seja, sem ser por intermédio de defensor titular de licenciatura em direito, peticiona a interposição do recurso, ou em que o respectivo defensor, que não seja detentor dessa licenciatura, venha peticionar tal interposição - suposto, também, que o possa fazer).
Por último, não deixo de assinalar que a adopção da fundamentação carreada ao Acórdão e que levou ao juízo de inconstitucionalidade pode, a meu ver, conduzir a que sejam constitucionalmente insolventes as normas que, aquando da leitura - ou da notificação - da sentença penal condenatória, não imponham uma advertência expressa ao arguido de que dela podem recorrer e qual o prazo em que o podem fazer.
José Manuel Cardoso da Costa (com declaração de voto convergente com a formulada pelo Ex.mo Conselheiro Bravo Serra, para a qual, com a devida vénia, remeto).