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Processo nº 160/96 ACÓRDÃO Nº 649/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos, em que é recorrente a Companhia de Seguros A, concordando-se com a exposição do relator oportunamente elaborada e pelos fundamentos do acórdão deste Tribunal nº 761/95, publicado no Diário da República, II Série, de 2 do corrente, decide-se:
a) não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 2º e 4º do Decreto-Lei nº 194/92, de 8 de Setembro;
b) negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida quanto à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 7 de Maio de 1996
Ass) Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Luis Nunes de Almeida Processo nº 160/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição a que se refere o artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.- O Hospital B, ora embargado, instaurou acção executiva contra a Companhia de Seguros A, com base em certidão de dívida por serviços hospitalares prestados a um segurado desta, decorrentes de acidente de viação.
Serviu a dita certidão como título executivo, nos termos previstos no artigo 2º do Decreto-Lei nº 194/92, de
8 de Setembro.
A seguradora, porém, deduziu embargos por, em seu entender, carecer a execução de fundamento legal.
Tratando-se de acidente de viação, defende, o exequente-embargado teria de alegar que o mesmo ocorreu por culpa do condutor do veículo, de acordo com o artigo 483º do Código Civil, pois, sem tal alegação e prova, o título só vale quanto ao assistido, não isentando, a circunstância das 'certidões-facturas dos hospitais' serem título executivo, o credor de alegar e provar, relativamente a terceiros, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Tem a embargante por 'abstruso' o diploma de 1992, que, em sua tese, não derrogou 'os princípios gerais de direito e, designadamente, os artigos 23º, nº 2, alínea a) do Decreto-Lei nº 46.301, de
27/4/65, 483º e 487º do Código Civil e 815º do Código Processo Civil'.
A não se entender assim, estar-se-ia perante um regime de excepção, violador do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República (CR), que invoca.
O embargado veio aos autos discordar de semelhante entendimento dado que a certidão de dívida hospitalar fundamenta, em sua óptica, o efeito jurídico pretendido e reune os requisitos de exequibilidade, não sendo, assim, necessária a indagação acerca do direito material que se pretende fazer valer para promover a execução. À embargante, acrescenta, compete provar os fundamentos previstos nos artigos 813º e 815º do Código de Processo Civil.
2.- A Senhora Juíza julgou os embargos improcedentes deles absolvendo o exequente.
E, para o efeito, partiu do pressuposto, reconhecido pela própria embargante, segundo diz, de que as certidões são títulos executivos, por conseguinte nada mais sendo exigível ao exequente do que alegar a dívida e sua origem, pertencendo aos executados o ónus de alegar e provar os fundamentos da sua oposição, de acordo com o artigo 813º do CPC. Não o fazendo, observa, só ao embargante é atribuível a improcedência da sua pretensão.
Em face do assim decidido, recorreu a embargante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
E, após alegar não caber da decisão recurso ordinário, atento o valor da causa, observa ter sido a decisão fundamentada no artigo 813º citado por força 'ainda que implicita e convenientemente, dos artigos 2º e 4º do Decreto-Lei nº 194/92, de 8/9', normas 'manifestamente inconstitucionais por violarem o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP', inconstitucionalidade que invocou - reportada ao diploma em si - mas que não foi autonomizada na decisão.
3.- Coloca-se a questão de saber se poderá conhecer-se do objecto do recurso.
Na verdade, constitui jurisprudência assente deste Tribunal entender que o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 exige a congregação indispensável de certos pressupostos: a suscitação atempada da inconstitucionalidade de uma ou mais normas (ou da sua interpretação), a efectiva aplicação pela decisão recorrida dessa norma ou normas em termos de integrarem a respectiva ratio decidendi, a exaustão dos recursos ordinários.
Verificar-se-á, no caso sub judicio, a efectiva aplicação das normas questionadas, mesmo que implicitamente utilizadas, sendo certo que o Tribunal tem entendido que a aplicação da norma pode ser feita de forma implícita (cfr., v.g., o acórdão nº 32/92, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º volume, págs. 161 e ss. e jurisprudência aí citada)?
Com efeito, a decisão recorrida apenas se fundamenta, explicitamente, nas disposições do Código de Processo Civil que aludem à oposição à execução com base em título diferente da sentença, sublinhando que a própria embargante reconhece esses títulos executivos como tais.
A questão está, assim, em determinar se, ao resolver o concreto caso através das aludidas normas processuais, a decisão não terá, do mesmo passo, aplicado, sem as designar, as normas que deram ao documento da dívida uma força executiva qualificante.
Ora, não custa aceitar que - não obstante não se lhes referir nem tão pouco aludir à equacionada questão de constitucionalidade
- a decisão recorrida se fundamentou a partir de uma premissa - a bondade de determinado documento como título executivo - que implicitamente pressupõe as normas impugnadas e a sua observância.
Logo, não procederá a reserva quanto à cognoscibilidade do pedido, importando afrontar a questão de fundo.
4.- Simplesmente, quanto a esta, o Tribunal Constitucional já se pronunciou de modo a não surpreender, na aplicação das ditas normas, violação do princípio da igualdade.
Com efeito, em acórdão recente - nº 761/95, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Fevereiro último - foi a mesma questão abordada (de resto, suscitada também pela ora recorrente) e decidida no sentido negativo, em termos que agora se retomam, para os devidos efeitos, mormente para os do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82 na parte remissiva ao objecto de decisão anterior, uma vez que com a solução então prestada se concorda.
Não se vislumbra, na verdade, uma disparidade censurável de tratamento no tocante às seguradoras.
Transcreve-se, a propósito, a seguinte passagem do citado acórdão nº 761/95, a cuja doutrina na essencialidade se adere:
'Efectivamente, em todos os casos em que o credor munido de título dotado de parata executio instaure directamente execução, a defesa dos executados é somente alcançavel mediante embargos, não se divisando qualquer diferenciação entre os meios de defesa postos à disposição das seguradoras que figuram como executadas no título ora em apreço e aqueloutros que são conferidos àqueles que, como devedores, constam de outras espécies de títulos executivos.
A diversidade - tão-somente em relação a meios processuais e não quanto à substância da validade de defesa - deparada relativamente a quem é demandado em acções declarativas e em acções executivas tem justificação bastante pela incorporação do crédito no próprio título, razão pela qual tal diversidade não constitui arbitrária desigualdade.
E, por isso, não se mostra afrontado o artigo 13º da Constituição.
Aliás, nem sequer se vê como é que - deduzidos que venham a ser pelas seguradoras, em autos de execução instaurados com base nos preceitos em análise, cabidos embargos, nos quais se venha a alegar, verbi gratia, a inexistência de factualidade de onde decorra a responsabilidade civil extracontratual do segurado - se pode dizer que, nestes, as regras sobre o
ónus da prova que impendem sobre os lesado e lesante (in casu a instituição ou serviço de saúde e o condutor e ou proprietário do veículo interveniente no acidente) se vão postar de jeito diferente relativamente a uma acção declarativa.'
5.- Em face do exposto, emite-se parecer, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A citado, remetendo para o mencionado acórdão nº 761/95, a cuja doutrina se adere, no sentido da improcedência da suscitada questão de constitucionalidade, assim se negando provimento ao recurso.
Ouçam-se as partes, por 5 dias, nos termos do nº 1 do citado artigo 78º-A.
Alberto Tavares da Costa