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Processo nº 98/95
2ª Secção
Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de
Coimbra, em que é recorrente L..., concordando-se com o essencial da exposição
prévia elaborada oportunamente, ao abrigo das disposto no artigo 78º-A, nº 1, da
Lei do Tribunal Constitucional - exposição com a qual concordou o Ministério
Público, nada tendo dito o recorrente -, decide-se não tomar conhecimento do
recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se em cinco unidades de
conta a taxa de justiça
Lisboa, 5 de Abril de 1995
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 98/95
2ª Secção
Relator: Cons. Sousa e Brito
EXPOSIÇÃO
(Artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro - LTC)
1. Determinada que foi, no âmbito de investigação
desenvolvida pela Inspecção da Guarda da Polícia Judiciária (inquérito nº
339/94.2.JAGRD), a detenção, nos termos do artigo 257º, nº 2, do Código de
Processo Penal (CPP), de L..., foi este, no dia seguinte à detenção e após
apresentação ao Ministério Público da Guarda, apresentado ao Juiz de Instrução
Criminal da mesma cidade (no caso - por determinação do Presidente do tribunal
da Relação de Coimbra, encontrando-se impedidos em julgamento de arguidos presos
os juízes da Comarca da Guarda - ao juiz da Comarca de Celorico da Beira) para
'primeiro interrogatório judicial de arguido detido'.
Culminando tal diligência, cerca das 23 horas do dia 27
de Outubro de 1994, proferiu o referido magistrado judicial despacho que,
considerando 'fortemente indiciada' a prática pelo arguido de crime de
terrorismo previsto e punido pelo artigo 286º, nºs 1 e 2 do Código Penal,
determinou que este aguardasse os ulteriores termos do processo na situação de
prisão preventiva.
Sendo um dos ofendidos pelo crime atribuído ao arguido o
Juiz Presidente do Círculo Judicial da Guarda, foi proferido pelo Procurador da
República deste Círculo, em 2 de Novembro de 1994, despacho em que, atendendo ao
disposto no artigo 23º, do CPP, se excepcionou a 'incompetência territorial das
Comarcas do Círculo Judicial da Guarda' e se ordenou a transmissão dos autos,
nos termos do artigo 266º, do CPP, à Comarca da Covilhã.
Nesta, nesse mesmo dia, foi proferido pelo respectivo
juiz despacho onde, no que aqui releva, se lê:
'Considerando o disposto no artigo 33º, nº 3, do CPP, confirmo o despacho
proferido nos autos de fls. 83 a 85 e, consequentemente, determino que o arguido
L... aguarde os ulteriores termos do processo em 'prisão preventiva''.
Inconformado, deste despacho recorreu o arguido para o
Tribunal da Relação de Coimbra, rematando a respectiva motivação com as
seguintes conclusões:
'1. A intervenção do Mmº Juiz (substituto) de Instrução da Comarca da Guarda não
teve qualquer suporte legal, porquanto não se verificava situação que permitisse
a respectiva intervenção ao abrigo do disposto no nº 1 do artº. 142º, norma
destinada a colmatar situações de emergência que se não verificavam no momento
em que o recorrente foi presente ao Juiz.
Efectivamente,
2. Face ao exposto, a respectiva intervenção coenvolveu a prática de acto
insanavelmente nulo, como decorre da alínea e) do artº. 119º, por força do
disposto no artº. 23. Por outro lado,
3. A 'declaração de incompetência' feita pelo Ministério Público não o foi ao
abrigo do disposto nos artigos 42º e segs., mas sim nos termos do artº 266º.
Ora,
4. Como decorre do nº 2 do artº 266º, e, de resto, na sequência do que se deixou
precipitado nas conclusões 1ª e 2ª, o acto praticado pelo Mmº Juiz (substituto)
de Instrução Criminal da Guarda não podia ser 'aproveitado' por corporizar uma
nulidade insanável. Portanto,
5. Ao serem feitos os autos conclusos ao Mmº Juiz a quo, o que cabia a este,
manifestamente, não era confirmar um acto insanavelmente nulo, mas sim proceder,
desta feita validamente, ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
De resto,
6.Que ao Digno Delegado do Procurador da República também se afigurou a
existência de uma nulidade, aí está a confirmá-lo a circunstância de ter
ordenado fossem os autos conclusos ao Mmº Juiz, para os efeitos do disposto no
artº 33º, nº 3. Perante isto,
7. E sem curar por agora, da justeza do processado determinado pelo Ministério
Público, o que cumpria ao senhor Juiz não era confirmar um acto insanavelmente
nulo, mas substituí-lo por outro que não o fosse, ordenando se lhe apresentasse
o arguido. Ou seja:
8. Por assim não ter julgado, o Mmº Juiz violou o disposto no nº 2 do artigo
266º, norma que, salvo o devido respeito, pura e simplesmente desconsiderou,
para dar prevalência à do nº 3 do artº 33º, a qual não lhe cumpria observar.
Assim sendo,
9. As referidas violações de normas conduziu a que o recorrente se encontre
ilegalmente detido, em violação do disposto no nº 1 do artº 28º da Constituição
da República, norma esta directamente aplicável face ao disposto no nº 1 do artº
18º do mesmo diploma. Assim,
10. Deve ser revogado o despacho recorrido, com as legais consequências'.
A Relação de Coimbra, através de Acórdão de 18 de
Janeiro de 1985, negou provimento a tal recurso.
É deste Acórdão que o recorrente, invocando a alínea b),
do nº 1, do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, interpôs o presente
recurso de constitucionalidade, admitido pelo tribunal a quo.
2. Porém, o recurso não dispõe de condições para que
dele se possa conhecer, circunstância esta que leva à formulação da presente
exposição.
Com efeito, contrariamente ao que afirma o recorrente
não ocorreu qualquer invocação de inconstitucionalidade de normas, prévia à
decisão, e, tal qual o recurso foi configurado, nunca estaríamos perante um
recurso de constitucionalidade.
Vejamos porquê.
2.1. O Ponto de vista que o recorrente fez
valer no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra foi, em síntese, o de que
o 1º interrogatório judicial, no Tribunal da Guarda, não podia ser aproveitado,
após a transmissão dos autos ao tribunal da Covilhã, e que, consequentemente, o
juiz deste último teria de repetir essa diligência e não limitar-se a confirmar
o despacho relativo a medidas de coacção proferido a culminar o 1º
interrogatório realizado antes dessa transmissão.
As referências normativas indicadas pelo recorrente, em
apoio deste entendimento, foram o nº 2, do artigo 266º e o nº 3 do artigo 33º,
ambos do CPP; o primeiro teria sido violado ao não se repetir um acto que,
entende o recorrente, não podia ser aproveitado; a violação da segunda das
normas decorreria da circunstância de ter sido indevidamente cumprida.
Da violação destas disposições (v. conclusão 9 a fls 20)
resulta, na óptica do recorrente, encontrar-se 'ilegalmente detido, em violação
do disposto no nº 1 do artº 28º, da Constituição da República'.
A oportunidade processual de suscitar uma questão de
inconstitucionalidade normativa (não estando em causa a aplicação de qualquer
norma em termos imprevistos) esgotou-se, para o recorrente, com a motivação do
recurso para a Relação. Sendo evidente que em parte alguma da motivação se
qualificou de inconstitucional qualquer norma, designadamente os artigos 33º, nº
3 e 266º, nº 2, do CPP, a invocação de inconstitucionalidades só poderia
consistir na arguição de violação de normas ou princípios constitucionais numa
determinada interpretação.
Porém, para tal efeito, necessária seria a indicação de
mais de um sentido interpretativo das normas em causa, concomitantemente à
invocação de inconstitucionalidade de um desses concretos sentidos.
Ora, em vez disso, o que se fez foi, tão só, defender
que se devia ter aplicado o nº 2, do artº 266º, do CPP - e, consequentemente,
repetir o primeiro interrogatório, alegadamente não aproveitável - e não o
artigo 33º, nº 3, do mesmo diploma - alegadamente não aplicável à situação.
2.2. É certo que o recorrente remata a
motivação dizendo que se encontra ilegalmente detido, em violação do disposto no
artº 28º, nº 1, da Constituição. Trata-se, no entanto, de uma imputação feita
não a normas (ou a determinada interpretação destas), mas à própria decisão.
A ilegalidade de uma detenção fundamentará uma
providência de habeas corpus (o recorrente, aliás, já a deduziu sem êxito - v.
fls. 82/84), não serve, manifestamente, para fundar um recurso de
constitucionalidade.
3. Assim sendo, entende-se não preencher o presente
recurso os requisitos que possibilitem o seu conhecimento.
Ouçam-se, relativamente a esta posição do relator, as
partes por cinco dias (artigo 78º-A, nº 1 da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 15 de Março de 1995
(José de Souse e Brito)