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Proc.nº 648/92
2ª Secção Relator : Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I A CAUSA
1. A veio,na qualidade de dono de uma moradia sita em
..., dada de arrendamento a B, pedir, em acção intentada em Junho de 1989, na Comarca de Aveiro, o despejo desta inquilina com fundamento na falta de pagamento de rendas e de residência permanente no locado (fundamentos de resolução correspondentes na lei então vigente às alíneas a) e i) do nº 1 do artigo 1093º do Código Civil).
Julgado improcedente logo no despacho saneador o primeiro destes fundamentos (a falta de pagamento de rendas) foi, após julgamento, proferida sentença que, entendendo provada a alegada falta de residência permanente, decretou a resolução do contrato de arrendamento e o consequente despejo do locado.
1.1. Inconformada apelou a ré para o Tribunal da Relação de Coimbra negando este provimento ao recurso mantendo o despejo decretado na 1ª Instância.
1.2. Havia-se fixado relativamente à causa o valor de
9.516$00. Não obstante, na sequência do Acórdão da Relação, pretendeu a ré interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes termos :
'------------------------------------------ a) Em face do direito positivo e atento o valor da causa, a presente acção não admitiria o recurso agora interposto - artigo 57º do RAU, 678º do CPC e artigo
20º da Lei nº 38/87 de 23 de Dezembro.
b) Porém, está em causa o direito à habitação da apelante, já que este depende da manutenção do contrato de arrendamento, objecto da presente lide.
c) Tal direito e o da igualdade dos cidadãos perante a lei têm consagração constitucional-artigo 65º e 13º da CRP.
d) Se a presente acção tivesse valor acima da alçada deste venerando Tribunal - o que seria consequência do montante da renda mensal - admitiria o agora interposto recurso.
e) As normas aludidas em a) supra, no que ao direito à habitação respeita, tratam, assim, desigualmente os cidadãos pois a defesa do direito à habitação numa ou em duas instâncias de recurso é conforme o valor da renda mensal.
Tais normas são, por isso, inconstitucionais.
f) Assim sendo, pode este venerando Tribunal recusar a sua aplicação - artigo
207º da CRP.
Nestes termos se requer a V.Exª a admissão do interposto recurso de revista.'
Não foi tal pretensão acolhida pelo Exmº Desembargador Relator, que entendeu não ofendidos, pela não previsão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), as normas e princípio constitucionais indicados pela ré.
É deste despacho, não admitindo o pretendido recurso para o STJ, constante de fls.99/100, que vem a ré recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro
(LTC) e, cumprindo o disposto no artigo 75-A nºs 1 e 2 deste diploma, indica : como normas objecto os artigos 57º do DL nº 321-B/90 de 15 de Outubro (RAU),
678º do Código de Processo Civil (CPC) e 20º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro,
'ao não permitirem recurso do inquilino para o STJ, nas causas de valor não superior à alçada da Relação, em que se discuta o direito ao arrendamento'; como normas constitucionais violadas, as consagradas nos artigos 65º, 13º e 20º, nº 1 da Constituição; adiantando, também, reagir contra o desatendimento de questão de constitucionalidade suscitada na peça processual que provocou a decisão recorrida.
Admitido o recurso, alegou apenas a recorrente, reeditando a argumentação que anteriormente desenvolvera no sentido da desconformidade constitucional das normas invocadas.
Corridos, entretanto, os competentes vistos, cumpre decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. Previamente uma questão se coloca quanto à admissibilidade do recurso.
Estamos como se indicou no relatório, perante recurso interposto para o Tribunal Constitucional de um despacho do Desembargador Relator não admitindo recurso pretendido interpor para o STJ. Trata-se, portanto, de despacho relativamente ao qual era admissível reclamação dirigida ao Presidente do STJ a apresentar no tribnal recorrido no prazo de 5 dias, contados da notificação do despacho de não admissão do recurso (artigo 688º, nº 1 e 2 do CPC).
A recorrente não lançou mão dessa reclamação, deixando esgotar-se o prazo respectivo, recorrendo para este Tribunal nos 8 dias facultados pelo artigo 75º, nº 1 da LTC [v. data do registo postal de fls.100 (2/4/92) e do registo de entrada do requerimento de fls.101 (22/4/92); cfr. cota de fls.102 e guia de fls. 103, artigos 1º, nº 3 do DL nº 121/76 de 11 de Fevereiro e 145º, nºs 5 e 6 do CPC).
A interposição do recurso de constitucionalidade depende, no caso do esgotamento dos recursos que no caso cabiam (artigo 70º, nº 2 da LTC) e, no entendimento deste Tribunal, a reclamação para o presidente do tribunal superior prevista no artigo 688º do CPC é considerada 'recurso ordinário', ou equiparado a tal, para o efeito do nº 2 do artigo 70º da LTC (v.Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2º ed., Lisboa 1994, p.332).
Acontece, porém, que o conceito de esgotamento ou de exaustão dos recursos ordinários, como se referiu no Acordão nº 8/88 (publicado no DR-II de
15.3.88 e ATC, 11º Vol., p.1065), não deixa de estar preenchido quando a parte não utilizou o recurso (ordinário ou a este equiparado) que ao caso (ainda) cabia, por haver decorrido o prazo de interposição 'sem este ter sido interposto'. Sublinha-se que este entendimento (subjacente ao Acórdão nº 8/88) foi recentemente reiterado, pela maioria desta 2ª Secção, no Acórdão nº 604/95
(ainda inédito).
Verifica-se, assim, o pressuposto de conhecimento traduzido no esgotamento dos recursos ordinários pertinentes, interpretado este conceito nos termos expostos.
3. Quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente tem esta que ver com a circunstância de numa acção de despejo, maxime numa acção em que, pela eventualidade de manutenção ou cessação de um arrendamento habitacional, está em causa o 'direito à habitação', a possibilidade de recurso para o STJ estar dependente do valor da acção.
Tendo a recorrente invocado a inconstitucionalidade das normas dos artigos 57º, nº 1 do RAU, 678º do CPC e 20º, nº 1 da Lei nº 38/87, 'ao não permitirem recurso do inquilino para o STJ nas causas de valor não superior à alçada da Relação, em que se discuta o direito ao arrendamento', importa averiguar a relação dos artigos invocados com a norma que se pretende inconstitucional, que é a proibição de recurso para o STJ. A recorrente não suscita a questão da inconstitucionalidade do nº1 do artigo 307º do CPC, que determina o critério do valor das acções de despejo, que também foi aplicado.
O artigo 57º, nº 1 do RAU, reproduzindo no essencial a disciplina que já anteriormente constava do artigo 980º, nº 1 do CPC (revogado pelo artigo
3º, nº 1, alínea b) do DL nº 321-B/90, que aprovou o RAU), estabelece que na
'acção de despejo', independentemente do valor da causa, é sempre possível recurso para o Tribunal de Relação. Só esta previsão, aliás, permitiu aqui à recorrente (numa acção com um valor de 9.516$00) recorrer para a Relação na sequência da decisão da 1ª Instância.
O artigo 678º, nº 1 do CPC, estabelece a regra geral do condicionamento do recurso ao valor da alçada e da sucumbência. Esta regra foi afastada pela regra especial do artigo 57º, nº 1 quanto ao recurso para a Relação, mas foi aplicada pela sentença recorrida precisamente enquanto implica a proibição de recurso para o STJ nas causas de valor não superior à alçada da Relação, sem exceptuar as acções de despejo.
Quanto ao artigo 20º, nº 1 da Lei nº 38/87 - a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais -, limitando-se este a fixar as alçadas dos tribunais, só instrumentalmente tem relação com a questão colocada pela recorrente, que o mesmo é dizer, não ser directamente em função dele, mas antes do artigo 678º, nº1 do CPC que no caso o recurso para o STJ não é possível.
Portanto, a norma aplicada pelo despacho impugnado como ratio decidendi da não admissão do recurso foi a do nº 1 do
artigo 678º do CPC, enquanto determina que só é admissível recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça nas acções de despejo de valor superior à alçada do Tribunal de Relação. A esta norma se refere exclusivamente a questão de constitucionalidade a decidir por este Tribunal.
4. Não reinvindica, portanto, a recorrente algo configurável como direito de acesso à justiça ( que lhe é garantido directamente pelo artigo 55º do RAU e, antes deste, pelo artigo 971º do CPC, já revogado). Não reinvindica também um direito ao recurso, entendido como direito a um 'duplo grau de jurisdição' (que precisamente lhe é garantido pelo artigo
57º, nº 1, do RAU). O que a recorrente reinvindica, alcandorando-o à categoria de exigência constitucional, é o direito a um 'triplo grau de jurisdição' consubstanciado na possibilidade de acesso ao STJ de todas as acções de despejo.
Esta visão, como imposição constitucional, decorre na óptica da recorrente, do 'direito à habitação', do 'princípio da igualdade e do 'direito de acesso aos tribunais', plasmados respectivamente nos artigos 65º, 13º e 20º, da Lei Fundamental.
4.1. A questão das limitações à faculdade de recorrer em função de mecanismos processuais diversos, como
sejam as alçadas, tem sido equacionada por este Tribunal em diversas ocasiões
(v. a propósito, como obras de referência mais recentes, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, ob.cit. pp.99 e segs. e Carlos Lopes do Rego, Acesso ao Direito e aos Tribunais, in Estudos Sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa 1993, pp.80 e segs.). Através de algumas passagens retiradas do Acórdão nº 287/90 (publicado no DR-II de 20/2/91 e ATC, 17º vol., p. 159) dare-mos conta do entendimento que consensualmente se fixou a tal propósito :
' A garantia da via judiciária traduz-se, prima facie, no «direito de recurso a um tribunal e de obter dele uma decisão jurídica sobre toda e qualquer questão jurídicamente relevante» (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., 1º vol., 1984, p.187). Contudo deve incluir-se ainda na garantia da via judiciária a protecção contra actos jurisdicionais, que assume «lugar autónomo e relevo especial» neste sentido se pronunciam Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.cit., ibidem). Isto é, o direito de acção incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais, o qual, obviamente, só é exercível mediante o recurso para
(outros) tribunais.
Por outro lado, a favor da tese de que o direito de recurso (de actos jurisdicionais) tem dignidade constitucional milita também a explícita previsão da existência de tribunais de primeira instância e de tribunais de recurso [cf. a alínea b) do nº 1 do artigo 212º da Constituição; assim se pronuncia Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, 1982, p.126, concluindo que
«[...] o legislador ordinário não pode suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos.»]
Daqui não se pode inferir todavia a existência de um ilimitado direito de recurso extensivo a todas as matérias, o que implicaria a inconstitucionalidade do próprio estabelecimento de alçadas. Na esteira da jurisprudência da Comissão Constitucional, este Tribunal tem entendido que tal direito não é um direito absoluto - irrestringível (cf. os Acórdãos nºs 31/87 e 65/88, Diário da República, 2ª série, de 1 de Abril de 1987 e 20 de Agosto de 1988 e Parecer nº
9/82, Pareceres da Comissão Constitucional, 19, pp.29 e segs.) -, com ressalva da matéria penal, atendendo ao que dispõe o nº 1 do artigo 32º da Constituição
(ver os Acórdãos nºs 202/86 e 8/87, Diário da República, 2ª série, de 26 de Agosto de 1986, e Diário da República, 1ª série, de 9 de Fevereiro de 1987).
O que se pode retirar, inequivocamente, das disposições conjugadas dos artigos
20º e 212º da Constituição, em matérias diversas da penal, é que existe um genérico direito de recurso dos actos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude. Ao legislador ordinário estará vedado exclusivamente, abolir o sistema de recursos in toto ou afectá-lo substancialmente (assim, Armindo Ribeiro Mendes, op. cit., idid.; exemplo de «afectação substancial» do sistema é dado por Fernão F.Thomaz e Colaço Canário, que prefiguram uma elevação da alçada dos tribunais de comarca para 10 000 contos, considerando-a ilegítima, «O objecto do recurso em processo civil», Revista da Ordem dos Advogados, 42, 1982, pp. 366 e segs.; mais expressiva do que a ideia de «afectação substancial» nos parece, todavia, a de
«redução intolerável ou arbitrária» do direito de recurso, a desenvolver ulteriormente, à luz do princípio do Estado de direito democrático).
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não haverá uma garantia de duplo grau de jurisdicção, entendida como absoluta, ressalvando o particular regime do processo penal. Deve, porém, reconhecer-se a existência do direito a um duplo grau de jurisdição, que se não distingue materialmente, do assinalado direito de recurso. Com efeito, aquela expressão limita-se a focar uma outra vertente da mesma realidade : o direito (subjectivo) de recorrer visa assegurar aos particulares a possibilidade de impugnarem actos jurisdicionais e ainda tornar mais provável em relação às matérias com maior dignidade, a emissão da decisão justa, dada a existência de mais do que uma instância. Só um conceptualismo estrénuo distinguiria o «direito de recurso» do
«direito a um duplo grau de jurisdicção» : trata-se de um único direito e a primeira expressão é suficientemente compreensiva para o identificar.
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O que se conclui nesta matéria - com abstracção do particular regime aplicável ao processo penal - é que o direito de recurso é restringível pelo legislador ordinário, ao qual apenas estará vedada a abolição completa ou afectação substancial (entendida como redução intolerável ou arbitrária) do direito de recurso.
Dizendo o mesmo, por forma mais adaptável à concreta pretensão da recorrente, refere-se no Acórdão nº 275/94 (ainda inédito) :
'... a Constituição não garante, genericamente, o direito a um segundo grau de jurisdição e muito menos, a um terceiro grau muito embora não se possa suprimir em bloco a existência desses três graus ...'
(sublinhado nosso).
Fixada a ausência de uma obrigação constitucional de estabelecimento de um terceiro grau de recurso, poder-se-ia concluir, desde logo, pela improcedência da tese da recorrente. Analisemos, porém, com mais detalhe a sua argumentação, designadamente no que concerne ao princípio da igualdade e à invocação do artigo 65º da Lei Fundamental, como implicando uma permissão de acesso ao STJ dos recursos nas acções de despejo.
4.2. A igualdade, enquanto princípio constitucional, contém um mandato (e dispensamo-nos de citar a larga jurisprudência deste Tribunal a este respeito) de igual ponderação de interesses; aquele em que a escolha decorrente dessa ponderação seja uma escolha racional e não arbitrária; uma escolha que, na lógica de funcionamento do princípio da proporcionalidade
(subjacente, entre outros, ao artigo 18, nº 2 da Constituição), seja adequada, necessária e proporcional em sentido estrito (Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986, p.100 e segs.).
Trata-se no caso de confrontar a possibilidade de defesa, através da via do recurso contra actos jurisdicionais, com um sistema de recursos que tenha possibilidade de funcionamento prático (e só o terá se existir um mínimo de
'filtragem' que assegure que nem todas as acções possam, depois de reapreciadas pela Relação, chegar ao STJ).
Nesta ordem de ideias, a escolha que subjaz ao artigo 57º, nº1 do RAU sendo adequada (impede que acções de menor valor patrimonial sobrecarreguem o Supremo Tribunal) e necessária (por imperativo de optimização dos meios judiciários) representa uma ponderação que (colocando em pé de igualdade todas as acções situadas dentro de valores patrimoniais tão amplos quanto os situados até 2.000.000$00) não pode deixar de ser considerada como uma escolha racionalmente explicável na aludida lógica de optimização de meios, pressuposto da organização de um sistema de recursos.
Esta questão, aliás, na perspectiva de uma limitação à recorribilidade para o STJ decorrente do artigo 46º, nº 1 do Código das Expropriações, já foi, à luz do princípio da igualdade, apreciada por este Tribunal no Acórdão nº 330/91 (publicado no DR-II de 15/11/91 e ATC, 19º Vol.,p.431) concluindo-se pela sua conformidade constitucional, em termos transponíveis para a presente situação.
4.3. O artigo 65º da Constituição - e assim entramos na outra vertente argumentativa da recorrente - contém, à semelhança de outros direitos económicos, sociais e culturais, consagrados na Lei Fundamental, uma dimensão que não sendo essencialmente dirigida ao Estado exigiria deste - como recentemente se referiu no Acórdão nº 575/95 (ainda inédito) - 'uma política legislativa virada para a concretização daquilo que os constitucionalistas, Vital Moreira e Gomes Canotilho, chamam 'o direito de não ser arbi-trariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma '(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra 1993,p.344)'.
A apreciação de todas as acções de despejo (já apreciadas, por sua vez, num Tribunal da Relação) pelo STJ, constituiria, na perspectiva da recorrente, uma concretização da defesa do direito à habitação. Porém, não ensaia sequer a recorrente a demonstração de como a 'privação' de um arrendamento, resultante de uma sentença judicial já controlada por um tribunal de recurso, possa representar uma privação arbitrária do direito à habitação. Tudo acaba, assim, por se resumir, ao acrescento de um plus desmedido traduzido num acesso indiscriminado à jurisdição do STJ.
Subjaz a este entendimento uma visão desvirtuadora da essência e intencionalidade própria de um Supremo Tribunal ('orgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais', nos termos da Constituição - artigo 212º, nº 1) as quais não podem deixar de pressupor, na delimitação da respectiva competência, uma selecção dos casos mais importantes. Essa especial posição do STJ foi equacionada recentemente no preâmbulo do DL nº 329-A/95 de 12 de Dezembro
(revisão do Código de Processo Civil), a propósito da abolição da figura dos assentos, aludindo-se à 'normal autoridade e força persuasiva' das decisões do STJ, num contexto de garantia (dentro dos parâmetros fixados no Acórdão nº
810/93 do Tribunal Constitucional) da 'desejável unidade da juris-prudência'. O entendimento que a jurisprudência deste Tribunal, nos termos já expostos, faz do direito ao recurso e a um duplo grau de jurisdição, não deixa de ter implícita a ideia de que uma banalização do acesso à jurisdição do STJ não tem qualquer acolhimento constitucional.
Aliás, a generalidade dos modelos judiciários assentes na existência de um Supremo Tribunal, não deixam de incluir mecanismos restritivos diversos de selecção das causas a apreciar nesta instância. Este aspecto, particularmente presente em sistemas de common law, através de uma 'filtragem' (screening) quase discricionária das causas a apreciar [é o que sucede com o Supreme Court americano e a House of Lords inglesa: v. Elisabetta Silvestri, La selezione dei ricorsi in cassazione: un problema per la riforma del processo civile, in Rivista di Diritto Processuale, Ano XXXIX (seconda serie), 1984, nº 3, p.490 e segs.], não deixa de estar presente em sistemas com os quais apresentamos maiores afinidades. Na Alemanha, por exemplo, a filtragem das causas a aceder ao Bundesgerichtshof é aceite como conforme à Lei Fundamental pelo Tribunal Constitucional (Elisabetta Silvestri, ob.cit., p.501); em Itália, por sua vez, e face a uma disposição constitucional (o artigo 111º) particularmente exigente na admissibilidade do 'ricorso in Cassazioni per violazione di legge', vem sendo aceite, no domínio do processo civil, uma visão não 'exasperantemente garantística' do artigo 111º, interpretando-o antes como consagração do direito
'ao recurso de cassação só onde não esteja prevista qualquer forma de impugnação ordinária' (Elisabetta Silvestri, ob. cit., p.504).
4.4. O artigo 57º, nº 1 do RAU já garante um efectivo direito de recurso nas acções de despejo. A exigência suplementar de recurso para o STJ, não tem, como se viu, qualquer consagração constitucional não podendo consequentemente, ser aceite.
III DECISÃO
4.5. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido no que ao julgamento de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 6 de Março de 1996 José de Sousa e Brito Messias Bento Bravo Serra (votei o fundo da questão, mas quanto à questão constante do ponto
2. do presente acórdão, votei pelo não conhecimento do recurso, pelas razões que causei ao voto de vencido no acórdão nº 604/95) Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida