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Proc. nº 523/94
1ª Secção Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em 5 de Julho de 1993, A, director do jornal 'B', veio interpor recurso contencioso da decisão da ALTA AUTORIDADE PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL (AACS) de 12 de Maio de 1993, referente a uma queixa da Escola Secundária de Camões contra o jornal que aquele dirige por causa da publicação de um artigo referente a essa escola, tendo apresentado o respectivo requerimento no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Na petição de recurso, depois de se referir que o acto impugnado considerara em parte procedente a queixa daquela escola, ' na medida em que no artigo se procedia a simplificações e generalizações não compatíveis nem com a realidade global daquela escola, nem com a diversidade e complexidade do sistema escolar vigente, de que aquele estabelecimento de ensino
é naturalmente realidade singular' e determinara a publicação no jornal de uma recomendação exigindo 'maior rigor informativo', veio-se arguir a inconstitucionalidade do disposto na alínea e) do art. 3º da Lei nº 15/90, de 30 de Junho, norma que considera ser atribuição da AACS 'providenciar pelo rigor e isenção da informação', por violação do art. 39º da Constituição, na medida em que representava 'uma ingerência na liberdade de expressão e na liberdade de imprensa'. Dessa inconstitucionalidade decorreria a inconstitucionalidade do regime legal que se traduzia 'na imposição da publicação nos órgãos de informação de recomendações em que os referidos órgãos de comunicação social são censurados em nome de uma «isenção» e de um «rigor» definidos pela AACS! '(a fls. 5). Seriam, assim, inconstitucionais a alínea e) do art. 3º da Lei nº 15/90 e, consequencialmente, a alínea a) do nº 1 do art. 4º da mesma lei, 'na parte em que determina competir à AACS a elaboração da «directivas genéricas e recomendações que visem a realização» do objectivo referido na já mencionada alínea e) do art. 3º '(a fl. 6 dos autos). Seria, assim, nula, a decisão/deliberação da AACS impugnada através do presente recurso contencioso.
A autoridade recorrida respondeu, sustentando não serem inconstitucionais as normas legais impugnadas pelo recorrente.
Seguiram-se as alegações, apresentadas apenas pelo recorrente, reafirmando a tese sobre a inconstitucionalidade das normas invocadas pela autoridade recorrida. O agente do Ministério Público sustentou, no seu visto, que o recurso não merecia provimento.
Através de decisão proferida em 1 de Agosto de
1994, o Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou inconstitucionais as alíneas e) do art. 3º e a) do nº 1 do art. 4º da Lei nº
15/90 respectivamente, 'por violação do disposto no art. 39º, nºs. 1 e 5, art.
205º, nº 2, e art. 113º, nº 2 da Constituição', recusando a sua aplicação, e, em consequência, considerou procedente o recurso contencioso interposto.
Pode ler-se na fundamentação desta decisão:
'[IX] a) A Alta Autoridade para a Comunicação Social assegura o direito à informação e a liberdade de imprensa perante o poder político e o poder económico, já que, eventuais infracções praticadas no seu exercício são da competência dos tribunais judiciais, o que vem a configurar tais infracções como matéria jurisdicional, isto é, como litígios concretos a ser dirimidos por
órgãos independentes, cujo único interesse prosseguido é o da aplicação da lei para a resolução dos mesmos conflitos.
Por sua vez, o exercício do direito de rectificação, integrado no direito de resposta, já é especificamente assegurado pela Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Se o direito de rectificação e de resposta (...) integra uma das dimensões do direito à informação (cfr artº 37º da Constituição), então a sua previsão específica no nº 1 do artº 39º da Constituição ganha sentido pela restrição da intervenção da Alta Autoridade para a Comunicação Social à efectivação do direito à informação e da liberdade de imprensa perante o poder político e o poder económico.
b) Face a esta leitura, não nos parece que a atribuição de «providenciar pelo rigor da informação» esteja contida no artº 39º, nº 1, isto é, que a Constituição individualize como interesse público secundário a satisfazer pela Alta Autoridade para a Comunicação Social «providenciar pelo rigor da informação
(...)».
Daí que por força do princípio da tipicidade de competências (englobando as tarefas e os poderes necessários à sua prossecução), segundo o qual as competências dos órgãos constitucionais são apenas as expressamente enumeradas na Constituição, retemos a necessidade de uma remissão constitucional no sentido da lei alargar o âmbito das incumbências da Alta Autoridade para a Comunicação Social, de forma a esta poder providenciar pelo rigor da informação (...)
O que não é o caso.
Como vimos, as infracções cometidas no exercício do «direito à informação», expressão que engloba os direitos mencionados no artº 37º, nº 1, da Constituição, constituem matéria jurisdicional, da competência dos tribunais judiciais. E, seguramente, de outra banda, o direito de resposta e de rectificação podem igualmente fundar-se em falta de rigor, sendo certo que o seu exercício é especificamente assegurado pela Alta Autoridade para a Comunicação Social- cfr. Lei nº 15/90, de 30 de Junho, artº 4º, nº 1, alíneas b) «apreciar as condições de acesso aos direitos [...] de resposta [...],pronunciando-se sobre as queixas que, a esse respeito, lhe sejam apresentadas» e d) «deliberar sobre os recursos interpostos em caso de recusa do direito de resposta».' (fl.
32 vº -33 dos autos)
Em seguida, a decisão recorrida considerou a AACS como um órgão constitucional, 'imediatamente constituído pela Constituição, com um poder de auto-organização interna, numa posição de independência e autonomia', sem natureza jurisdicional, afirmando ainda que:
'Aqui, verificamos que a Constituição se limita a remeter para a lei o funcionamento, da Alta Autoridade para a Comunicação Social, e só o funcionamento, no que se entende como remissão apenas da procedimentalização, isto é, da sucessão ordenada de actos, em que se vem a revelar a prossecução das tarefas respectivas. De que resulta que vai pressuposto a cristalização constitucional do interesse público secundário a prosseguir pelo órgão em causa. O que significa a não permissão constitucional para a definição legal de outros interesses para além dos definidos pela Constituição.
Pelo que, o disposto no artº 3º, alínea e), da Lei nº 15/90, de 30 de Junho, relativo à incumbência da Alta Autoridade para a Comunicação Social de providenciar pelo rigor da informação excede o conteúdo normativo do artº 39º, nºs 1 e 5, da Constituição.' (a fls. 34)
E, a partir deste entendimento, concluiu do seguinte modo a decisão recorrida:
'[XII] a) Pelo exposto, verificamos que a Alta Autoridade para a Comunicação Social fez aplicação dos artº 3º, alínea e), e artº 4º, nº l, a), da Lei nº
15/90, de 30 de Junho, interpretando-os no sentido de poder emitir uma recomendação veiculando uma apreciação sobre o rigor informativo de um jornal, visando dirimir um litígio emergente do exercício do direito à informação e da liberdade de imprensa, o que, como acima referido, pressupõe uma atribuição que não lhe é conferida constitucionalmente, sendo da competência dos tribunais judiciais, parecendo-nos, pois violado o disposto nos artº 39º, nºs 1 e 5, artº
37º, nº 3, artº 205º, nº 2, e artº 113º, nº 2, da Constituição.
b) As violações referidas constituem fundamento de inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artº 3º, alínea e) [providenciar pelo rigor da informação], e artº 4º, nº 1, a) [elaborar recomendações que visem realizar o objectivo de providenciar pelo rigor da informação], da Lei nº 15/90, de 30 de Junho, o que, atendendo o disposto nos artºs 3º, nº 3, e 277º, nº 1, da Constituição, veda ao Tribunal a sua aplicação por força do comando do artº 207º da Lei Fundamental, e do artº 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril.
c) A aplicação de norma legal atributiva de competência entendida como inconstitucional, em acto administrativo, configura o vício de incompetência por carência de atribuições, o que acarreta a sua nulidade, nos termos do artº 123º, nº 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo.' (a fls. 35).
Notificados desta decisão, dela interpuseram recursos para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do nº 1 do art.
70º da lei do Tribunal Constitucional, o agente do Ministério Público (a fls.
37) e a própria Alta Autoridade para a Comunicação Social (a fls. 38).
Ambos os recursos foram admitidos por despacho de fls. 43.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apresentaram alegações ambos os recorrentes e o recorrido.
O Ministério Público propugnou pela procedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
'1- A Constituição não deixou à lei a possibilidade de intervir na definição da competência da Alta Autoridade para a Comunicação Social, mas definiu-a ela própria no artigo 39º, nº 1, em termos de atribuir àquele órgão competência para garantir uma informação adequada e verdadeira, e, consequentemente, para elaborar recomendações que visem a realização daquele objectivo.
2- Assim, a norma do artigo 3º, alínea e), da Lei nº 15/90, na parte em que incumbe a Alta Autoridade de providenciar pelo rigor da informação, não viola o artigo 39º, nºs 1 e 5, da Constituição, como também o não viola a norma constante do artigo 4º, nº 1, alínea a), no segmento em causa.
3- A Alta Autoridade para a Comunicação Social é uma autoridade administrativa independente, devendo as suas deliberações ser consideradas decisões administrativas, pelo que as citadas normas, da Lei nº 15/90, também não violaram o disposto nos artigos 37º, nº 3, 205º, nº 2 e 113º, nº 2, da Constituição.
4- Deve, pelo exposto, conceder-se provimento ao recurso e determinar-se a reforma da decisão recorrida, na parte impugnada.' (a fls. 59 a 61 dos autos)
A Alta Autoridade para a Comunicação Social pediu igualmente a revogação da decisão recorrida, concluindo do modo seguinte:
1º- Vem o presente recurso limitado à questão da constitucionalidade da parte da alínea do artº 3º da Lei 15/90, de 30-06, que determina incumbir à AACS providenciar pelo rigor da informação e da parte da alínea a) do nº 1 do artº 4º da mesma lei que confere à AACS competência para elaborar recomendações que visem esse objectivo.
2º- Para desaplicar tais normas com fundamento na sua inconstitucionalidade a douta sentença recorrida considerou que a competência aí atribuída à AACS não continha credencial bastante no artº 39º CRP, violando o princípio da tipicidade das competências ínsito no nº 5 do mesmo artigo, e invadindo a reserva de competência dos tribunais.
3º- Mas, ao cometer à AACS, órgão independente do Estado incumbido de prosseguir o interesse público de regulação do sector da comunicação social, a tarefa de assegurar o direito à informação e a liberdade de imprensa, o artº
39º, nº 1 CRP, expressa, ou, pelo menos, implicitamente, legitima a intervenção dessa autoridade conferida pelas normas impugnadas.
4º Na verdade, é do interesse público, no domínio da comunicação social, que a informação veiculada pelos órgãos de imprensa (lato sensu) obedeça a critérios de rigor, aliás consagrados no código deontológico dos jornalistas, e o direito à informação inclui o direito a uma informação rigorosa.
5º Mesmo que assim se não entendesse, isto é, mesmo que se considerasse que a Lei 15/90, nas disposições em causa, introduz uma competência não contida no nº 1 do artº 39º CRP, nem assim se verificaria qualquer inconstitucionalidade.
6º O princípio da tipicidade da competência constitucional dos órgãos de soberania consagrado no artº 113º, nº 2 CRP não é extensível a outros órgãos previstos na Constituição que não sejam órgãos de soberania.
7º Nenhum argumento em sentido contrário se pode extrair do facto de o nº 5 do citado artº 39º CRP não cometer à lei a definição de competências que já vêm enunciadas no nº 1 desse dispositivo, visto que também aí se não consagra nenhuma proibição nesse sentido.
8º O que o legislador não poderia fazer era limitar as competências constitucionalmente garantidas, ou conferir novas que se não harmonizassem com a natureza ou a finalidade da AACS, tais como definidas na Constituição, ou violassem outras normas ou princípios constitucionais.
9º A incumbência, conferida à AACS pelas normas desaplicadas, de providenciar pelo rigor da informação ajusta-se inteiramente ao desenho constitucional desta autoridade.
10º E não viola a liberdade de informação através da imprensa desde logo porque tais recomendações não têm força vinculativa, não são obrigatórias, tendo apenas a natureza de um conselho, ou opinião qualificada, que vale pelo seu poder de persuasão, na medida em que o tenha .
11º Nem mesmo a obrigatoriedade da divulgação de tais recomendações, prevista em norma que não é objecto deste recurso, se traduziria em limitação ilegítima da liberdade de imprensa, antes se configurando como direito de expressão qualificado (de um órgão constitucional especialmente destinado a prosseguir o interesse público neste domínio), garante do pluralismo por aquela liberdade.
12º As normas em causa não violam a reserva de competência dos tribunais, quer porque a competência nelas atribuída se não move, ou, pelo menos, se não moveu no caso sub judice, no domínio da resolução de litígios entre particulares, de conflitos de direitos subjectivos, antes se reportou ao cumprimento de regras deontológicas, quer porque, e decisivamente, a deliberação tomada não tem força vinculativa.
13º Mas ainda que a tivesse, nem assim assumiria natureza semelhante a uma decisão judicial, não só porque a AACS não é um tribunal, mas, sobretudo, porque as recomendações proferidas ao abrigo das normas impugnadas não solucionam litígios, mas prosseguem o interesse público que a Constituição e a lei incumbiram a AACS de defender.
14º As normas desaplicadas não violam, pois, qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente os artºs 39º, nºs 1 e 5, 37º, nº 3, 205º, nº 2 e
113º, nº 2 CRP.' (a fls. 70 - 71).
Por seu turno, o recorrido sustentou a plena correcção da decisão impugnada, pedindo a sua confirmação quanto ao julgamento de inconstitucionalidade feito pelo tribunal recorrido:
'I- A AACS é um órgão estatal com atribuições e composição estabelecidas constitucionalmente - artº 39..º nº1 a 4 da CRP.
II- A nova competência, conferida à AACS pela Lei 15/90, de providenciar pela isenção e rigor da informação, através da alínea e) do artº 3º conjugada com a da alínea a) do nº 1 do artº 4º, tendo em conta o disposto no nº 1 do artº 23º da mesma lei - agora, com o aditamento operado pela introdução de um novo nº 2 pela Lei 30/94 -, deverá ser declarada inconstitucional por se estar no âmbito dos direitos, liberdades e garantias fundamentais - 37º nºs 1 a 5, 38º nºs 1, 2 e 4 e 39º nºs 1 a 5 da CRP - com força jurídica referida no artº 18º da CRP, nomeadamente no seu nº 2.
III- Só o funcionamento da AACS pode ser regulado pela lei, nos termos do nº 5 do artº 39º, não sendo possível alterar lei constitucional através de lei ordinária.
IV- Igualmente se mostra violado o disposto no artº 113º nº 2 e 205º nº 2 da CRP, já que a AACS, no uso de tal competência, se arroga função jurisdicional.'
(a fls. 84).
3. Foram corridos os vistos legais.
Por não haver razões que a tal obstem, impõe-se conhecer do objecto do recurso
II
4- As normas desaplicadas pela decisão recorrida proveêm da Lei nº 15/90, de 30 de Junho, sobre 'Atribuições, Competências, Organização e Funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social'.
Depois de, no art. 2º desta lei, se qualificar a AACS como 'órgão independente, que funciona junto da Assembleia da República', o art. 3º regula as atribuições deste órgão e o art. 4º as respectivas competências.
Constituem objecto deste recurso as normas desaplicadas, uma a titulo principal, outra a título consequencial, com fundamento em inconstitucionalidade:
Art. 3º- Atribuições
'Incumbe à Alta Autoridade:
a) [...]
b) [...]
c) [...]
d) [...]
e) Providenciar pela isenção e rigor da informação;
f) [...]
g) [...]
Art. 4º- Competências
1- Compete à Alta Autoridade, para a prossecução das suas atribuições;
a) Elaborar directivas genéricas e recomendações que visam a realização dos objectos constantes das alíneas a), b), c), e), f) e g) do artigo anterior;
2- [...]
3- [...]
5- Para compreender plenamente o enquadramento das questões de constitucionalidade objecto do presente recurso, torna-se vantajoso analisar a evolução do texto constitucional em matéria de liberdade de expressão e de informação e de liberdade de imprensa, a par da evolução da própria lei ordinária.
Antes ainda da entrada em vigor da Constituição de 1976, foi publicada uma Lei de Imprensa pelo Poder Democrático saído da Revolução de 25 de Abril de 1974, que teve na sua base um projecto elaborado por uma comissão presidida pelo Professor António de Sousa Franco - trata-se do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro.
De harmonia com o preâmbulo deste diploma - que se mantém substancialmente em vigor, embora alterado pelos Decretos-Leis nºs
181/76, de 9 de Março, e 377/88, de 24 de Outubro, e pelas Leis nºs 13/78, de 21 de Março, 15/90, de 30 de Junho, e 15/95, de 25 de Maio - não se poderia
'conceber o processo democrático em curso sem a liberdade de expressão de pensamento pela imprensa, como, aliás, através de outros meios de comunicação social'. A nova Lei de Imprensa descrevia a sua génese próxima nos seguintes termos:
'O programa do Movimento das Forças Armadas, que tem força de lei constitucional, criou os fundamentos para a sua rápida institucionalização, ao formular os princípios básicos da actual Lei de Imprensa, através da abolição de quaisquer formas de censura prévia, e ao criar as condições para o exercício imediato de todas as liberdades fundamentais.
Assim, os jornalistas e homens de letras puderam começar a desenvolver a sua actividade criativa, usufruindo os benefícios da liberdade conquistada após um longo e dramático período de obscurantismo, monolitismo informativo e de repressão à cultura.' (Porto 2).
Ainda no mesmo preâmbulo, realçava-se a importância de um novo órgão colegial, o Conselho de Imprensa, 'órgão independente, em que convergem representantes dos órgãos de imprensa e da opinião pública portuguesa'. Segundo o art. 17º, o Conselho de Imprensa, órgão independente, funcionaria junto do Ministério da Comunicação Social durante o período de vigência do Governo Provisório, tendo uma composição plural (um presidente, magistrado judicial, designado pelo Conselho Superior da Magistratura; três elementos designados pelo Movimento das Forças Armadas; seis jornalistas, designados pelas respectivas organizações profissionais; dois representantes das empresas jornalísticas designados pelas respectivas associações patronais; dois directores de periódicos, um da imprensa diária e outro da imprensa não diária, escolhidos por eleição das respectivas categorias profissionais; seis elementos representantes dos partidos da coligação governamental e quatro elementos independentes, cooptados pelos restantes).
De harmonia com o nº 5 do art. 17º, o Conselho de Imprensa exerceria, entre outras funções, as de se pronunciar 'sobre matérias de deontologia e de respeito pelo segredo profissional' e de 'apreciar as queixas apresentadas pelos particulares [...]' (alíneas c) e e) ).
No desenho deste conselho, avultavam diferentes experiências europeias, nomeadamente do Press Council inglês e dos conselhos da República Federal Alemã e da Aústria, que configuram esses órgãos como 'tribunais morais' da actividade da imprensa (sobre este ponto, veja-se Alberto Arons de Carvalho, A Liberdade de Informação e o Conselho de Imprensa,
1975/1985, Lisboa, 1986, págs. 11 e seguintes).
A Constituição de 1976, na sua versão originária, não constitucionalizou o Conselho de Imprensa. Depois de garantir a liberdade de imprensa, no nº 1 do art. 38º, a nova Constituição estatuiu que nenhum regime administrativo ou fiscal, nem política de crédito ou comércio externo, podia 'afectar directa ou indirectamente a liberdade de imprensa, devendo a lei assegurar os meios necessários à salvaguarda da independência da imprensa perante os poderes político e económico ' (nº 5 do mesmo artigo).
O art. 39º da Constituição, também na versão originária, era consagrado aos meios de comunicação social do Estado, sendo garantida a 'possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião nos meios de comunicação social referidas no número anterior' (nº 2). Para assegurar uma orientação geral que respeitasse o pluralismo ideológico desses meios de comunicação social, a Lei Fundamental impunha a criação de
'conselhos de informação, a integrar, proporcionalmente, por representantes indicados pelos partidos políticos com assento na Assembleia da República' (nºs
3 e 4).
Deve notar-se que, em virtude da entrada em vigor da Constituição, o Governo entendeu que deveria estabelecer que o Conselho de Imprensa já criado passaria a exercer as suas funções junto da Assembleia da República (Decreto-Lei nº 816-A/76, de Novembro, diploma que veio a ser inconstitucionalizado por resolução do Conselho da Revolução com fundamento em violação da reserva da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdade e garantias - cfr. Parecer nº 8/77 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 1º vol., págs. 173 e segs.).
A partir de 1976, passaram a coexistir o Conselho de Imprensa e diferentes conselhos de informação de meios de comunicação social da Estado. O Conselho de Imprensa passou a ser regulado pela Lei nº 31/78, de 20 de Junho, tendo uma nova composição. Ficou então claro que cabia a este órgão, entre outras funções, 'zelar por uma orientação geral que respeite o pluralismo ideológico, possibilite a expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, garanta o rigor e a objectividade da imprensa
(...)' (art.2º, b) ), competindo-lhe 'apreciar as queixas apresentadas por pessoas singulares ou colectivas cujos direitos tenham sido ofendidos através da imprensa periódica, emitindo sobre elas recomendações ou juízos de valor' (art.
3º, alínea b) ).
Na primeira revisão constitucional, ultimada em 1982, o nº 2 do art. 39º da Constituição passou a prever a existência de um
único Conselho de Comunicação Social 'composto por onze membros eleitos pela Assembleia da República, o qual tem poderes para assegurar uma orientação geral que respeite o pluralismo ideológico', devendo a lei regular o funcionamento deste órgão (nº 4 do mesmo artigo). Essa regulamentação passou a constar da Lei nº 23/83, de 6 de Setembro.
Na segunda revisão constitucional, os Partidos Social Democrata e Socialista celebraram um acordo político de revisão em 14 de Outubro de 1988, através do qual previram a abertura da televisão à iniciativa privada, bem como a 'substituição do Conselho da Comunicação Social por uma Alta Autoridade que, além das actuais competências da CCS, terá de emitir parecer prévio à decisão de licenciamento, pelo Governo, do exercício por entidades privadas da actividade televisiva, decisão esta que só pode recair nos candidatos seleccionados pela Alta Autoridade'. Este órgão teria uma composição a definir por lei com 'inclusão obrigatória' de um magistrado designado pelo Conselho Superior da Magistratura, três representantes do Governo e cinco representantes da Assembleia da República, eleitos segundo o método de Hondt
(veja-se o texto do acordo in José Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional, Lisboa, 1989, pág. 165). Foi, assim, aceite um órgão proposto no projecto de revisão do Partido Socialista.
Nos debates parlamentares, foi posta em causa a solução acordada pelos dois maiores partidos, acusando-se a mesma de possibilitar a governamentalização do novo órgão, do mesmo modo que se criticava a não constitucionalização do Conselho de Imprensa, órgão que o Deputado C entendia que não tinha de ser extinto por mera decorrência da futura revisão
(veja-se Diário da Assembleia da República, II Série nº 74-RC, de 14 de Fevereiro de 1989, pág. 2219). Defendendo na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional a solução de criação da AACS, afirmava o Deputado D que para esse
órgão se transferiria o 'complexo de poderes que visam fazer de uma entidade com a categoria de Órgão constitucional um órgão que represente uma magistratura moral de garantia do direito à informação, da liberdade de imprensa e da independência dos meios da comunicação social perante o poder político e o poder económico e que garanta a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião, bem como supervisione o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política' (D.A.R., II Série, nº 74-RC, pág. 2223). Nesta configuração, o novo órgão poderia substituir-se, com alguma probabilidade, ao Conselho de Imprensa. Foi neste quadro, que veio a ser votado o novo art. 39º, dedicado à AACS (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 71, de 28 de Abril de 1989, e nº 75, de 5 de Maio do mesmo ano), estatuindo o nº 1 deste artigo que a AACS asseguraria 'o direito à informação, a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem como a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política.'
Dando conta da inovação introduzida, referia logo em 1989 C que não tinha sido constitucionalmente atribuído à AACS o monopólio das funções da fiscalização nas áreas que lhe haviam sido atribuídas,
'pelo que a sua acção poderá e deverá articular-se com as de outros órgãos
(desde logo o Conselho de Imprensa, que detém competências específicas na garantia do direito de resposta dos cidadãos, não previsto no artigo 40º) e funções no plano deontológico em que o seu papel é insubstituível, como reconheceram nos debates os partidos responsáveis pela criação da AACS'. O mesmo parlamentar afirmava que a definição constitucional das competências e poderes do novo órgão era 'incompleta', pelo que a lei deveria 'estabelecer um quadro de poderes adequado às atribuições vastíssimas da AACS' (Dicionário cit., pág. 22). E Gomes Canotilho e Vital Moreira, por seu turno, dão conta de que a Constituição não especifica 'que tipos de poderes há-de ter a Alta Autoridade, a fim de assegurar as tarefas constitucionais individualizadas no nº 1. Eles hão-de traduzir-se na elaboração de directivas e recomendações, na apreciação das condições de acesso aos direitos de antena, de resposta e de réplica política (com a faculdade de apreciação de queixas relacionadas com o exercício destes direitos), na arbitragem de conflitos entre os titulares de tempos de antena, na apreciação de recursos sobre a recusa destes direitos (cfr. Lei nº
15/90, art. 4º)'. (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º ed., Coimbra, 1993, pág. 237).
6. Na sequência da entrada em vigor da Lei Constitucional nº 1/89, de 30 da Junho, veio a Assembleia da República a ocupar-se com a discussão da Proposta de Lei 126/V, sobre as atribuições, competências, organização e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social, a par de projectos de Deputados sobre esse órgão. Esta proposta previa a extinção do Conselho de Imprensa e a transferência das suas atribuições para a AACS (cfr. art. 25º e respectivo preâmbulo, bem como o Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, in D.A.R., II Série-A, nº 11, de 6 de Janeiro de 1990 e nº 14, de 24 do mesmo mês e ano, respectivamente).
O processo de elaboração desta lei não foi pacífico, tendo o respectivo Decreto sido objecto de um veto político por parte do Presidente da República, por este considerar que o diploma traduzia 'uma acentuação do predomínio tendencial das maiorias parlamentares e dos governos, quaisquer que sejam, na composição da Alta Autoridade', do mesmo passo que considerava que a extinção do Conselho de Imprensa, - órgão de acção meritória e cuja independência ficara 'bem patente no modo probo e isento' como exercera as suas funções - suscitava dúvidas 'pela possibilidade que abre de criação de um certo vazio no tocante à apreciação das matérias de deontologia profissional ou conexas com elas' (veja-se a mensagem presidencial no D.A.R., I Série, nº 66, de
26 de Abril de 1990, pág. 2247).
No decurso dos trabalhos parlamentares foi suscitada a questão da eventual inconstitucionalidade de algumas soluções, nomeadamente quanto ao modo de designação dos seus membros, importando referir que, no parecer elaborado pelo Deputado Mário Raposo, na Comissão de Assuntos Constitucionais, se formulava a questão de saber se 'uma comunicação social desejavelmente livre e disponível 'poderia ser' tutelada, através de directivas específicas e concretas endossadas a quaisquer dos seus órgãos (...)' (in D.A.R., II Série-A, nº 14, de 24 de Janeiro de 1990, pág. 656), directivas que revestiriam em alguns casos, carácter vinculativo. Mas tornou-se claro, desde a apresentação da proposta de lei do Governo, que se pretendia investir a Alta Autoridade em funções que transcendiam, em muito, 'o âmbito do sector público de comunicação social, no pressuposto de que a preservação da independência dos
órgãos de informação e do pluralismo, tal como a salvaguarda da liberdade de imprensa, [deviam] ser garantia de todos os operadores sem distinção', o que postulava a solução proposta no sentido de o novo órgão absorver as competências do Conselho de Imprensa (intervenção do Secretário de Estado Albino Soares, in D.A.R., I Série, nº 35, de 24 de Janeiro de 1990, pág. 1204), sem prejuízo da eventual criação pelos profissionais da comunicação social de uma entidade privada que servisse de 'tribunal moral do jornalismo e do desenvolvimento da actividade dos profissionais da comunicação social'. As grandes polémicas surgiram quer quanto à solução de cooptação de quatro membros de AACS e aos apontados riscos de governamentalização, quer quanto à extinção do Conselho de Imprensa (vejam-se as intervenções dos Deputados E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, C e P no debate na generalidade, além das dos dois membros do Governo presentes, in D.A.R., I Série, nº 35, de 24 de Janeiro, págs. 1203 a 1234).
Não obstante o veto, o Decreto veio a ser objecto de confirmação sem quaisquer alterações (veja-se o debate no D.A.R., I Série, nº 75, de 16 de Maio de 1990), tendo sido promulgado pelo Presidente da República.
7. Pareceu desejável que se analisassem a evolução do texto constitucional e os trabalhos preparatórios da Lei nº 15/90, pois assim se poderá com maior facilidade proceder à apreciação das teses em confronto e, nomeadamente, da posição acolhida na decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
8. Desde já se considera que as normas desaplicadas com fundamento em inconstitucionalidade não violam o disposto no art. 39º da Constituição.
Na verdade, e diferentemente da tese sustentada pelo recorrente e acolhida na decisão recorrida, não há uma enumeração taxativa de atribuições e competências da Alta Autoridade para a Comunicação Social na Constituição, sendo indispensável que o legislador ordinário estabeleça as competências necessárias à prossecução das finalidades da AACS, havendo de interpretar-se nesse sentido o que consta do nº 5 do art.
39º da Constituição, sob pena de não serem exequíveis tais finalidades, enunciadas com carácter de generalidade.
A opção do legislador ordinário de extinguir o Conselho de Imprensa e de transferir parte das atribuições e competências desse
órgão para uma autoridade administrativa independente não viola o texto constitucional, convindo recordar que o Conselho de Imprensa nunca chegou a ser constitucionalizado e que as suas atribuições e competências foram sempre previstas pela lei ordinária, mesmo depois da Constituição ter entrado em vigor
(recorde-se a Lei nº 31/78, de 20 de Junho). Não se vê, pois, como da solução de extinção do Conselho de Imprensa (art. 27º, alíneas a) e b), da Lei nº 15/90), se havia de impor como fatalidade a impossibilidade de atribuição de parte das suas atribuições a uma autoridade administrativa independente, só porque estava previsto na Constituição esse órgão.
Tão-pouco se pode sustentar, relativamente a uma autoridade administrativa independente consagrado na Constituição, que exista um princípio de tipicidade constitucional de competências, não sendo possível aplicar por analogia o que se dispõe no nº 2 do art. 113º da Constituição quanto aos órgãos de soberania (vejam-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição cit., págs. 494 e segs.; dos mesmos autores, Os Poderes do Presidente da República, Coimbra, 1991, págs. 34 e segs.; do primeiro autor, Direito Constitucional, 6º ed., Coimbra, 1993, págs. 676 e seguintes). Seja como for, a verdade é que a Constituição não estebelece, sequer, um quadro de competências, limitando-se a indicar as finalidades a cargo da AACS ou, quando muito, as suas principais atribuições.
Como se referiu já, logo em 1989, o Deputado C, ao tratar da AACS no seu Dicionário da Revisão Constitucional, afirmava que a definição constitucional de competências e poderes deste órgão constitucional era 'incompleta' e que o legislador ordinário deveria 'estabelecer um quadro de poderes adequado às atribuições vastíssimas da AACS'.
Improcede, por isso, a tese acolhida no acórdão recorrido de que, por força do princípio da tipicidade das competências dos órgãos constitucionais, não podia o legislador ordinário conferir à AACS competência para 'providenciar pelo rigor da informação'.
9. Como se põe em relevo na decisão recorrida, a escola secundária que foi objecto de um artigo jornalístico exerceu, através do respectivo órgão directivo, o direito de resposta, tendo sido difundida pelo jornal a sua resposta. Além disso, a mesma escola secundária, através do presidente de um outro órgão, o Conselho Pedagógico, apresentou uma queixa à AACS sobre a falta de rigor do conteúdo desse artigo jornalístico, considerando-se o autor da queixa, bem como os restantes colegas docentes, 'atingidos na sua dignidade profissional e na sua postura profissional'.
Ora, atendendo apenas a esta última queixa e à deliberação que sobre a mesma tomou a AACS, a decisão recorrida põe em causa, noutro plano ainda, a constitucionalidade das normas que veio a desaplicar depois, com fundamento em inconstitucionalidade.
Nessa decisão, começa por se notar que as infracções cometidas no exercício do direito à informação (expressão que engloba, no dizer da mesma decisão, os direitos mencionados no art. 37º, nº 1, da Constituição) constituem matéria jurisdicional, da competência dos tribunais judiciais -trata-se dos bem conhecidos crimes por abuso da liberdade de imprensa, ou de infracções atinentes à violação do direito de resposta, ou ainda de outras infracções previstas na Lei de Imprensa. E, por outro lado, põe-se em destaque que a lei confere à AACS competências no que toca ao direito de resposta e de rectificação, os quais se podem igualmente fundar em falta de rigor. Em seguida, analisa-se a natureza juridica da AACS afirmando-se que se trata de um órgão constitucional, com um poder de auto-organização interna, numa posição de independência e autonomia, que se configura como 'órgão do Estado-aparelho, enquadrado no âmbito da administração-organização do Estado', sendo as tarefas cometidas constitucionalmente ao mesmo órgão 'insusceptíveis de se reconduzirem à função legislativa ou à função jurisdicional' (a fls. 33 e vº dos autos).
A partir desta caracterização da AACS como
órgão administrativo, o Senhor Juiz recorrido considera que está vedado, por força da Constituição, integrar a competência atinente a providenciar pelo rigor da informação no âmbito da resolução de litígios entre os particulares, como uma concretização da função jurisdicional definida no art. 205º, nº 2, da Lei Fundamental.
10. Merecem concordância a qualificação feita na decisão recorrida da AACS como autoridade administrativa independente - qualificação pacificamente acolhida pela doutrina (cfr. por todos, Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2º ed., Coimbra, 1994, págs.
300 - 301) - e a afirmação de que a reserva da função jurisdicional aos Tribunais impede a atribuição exclusivamente pela lei ordinária de competências jurisdicionais a uma autoridade administrativa, ainda que independente (cfr. sobre uma autoridade administrativa independente não consagrada constitucionalmente, o que se escreveu no acórdão nº 165/85 do Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., págs. 664 -
665).
11. Simplesmente, e para além de outras considerações que se poderiam fazer, não pode acompanhar-se a mesma decisão quando qualifica o exercício da função de apreciação de queixas sobre o rigor da informação como exercício de funções jurisdicionais.
De facto, enquanto existiu o Conselho de Imprensa, não se conhecem opiniões doutrinais que apontassem para que idêntica competência - a de formulação de recomendações respeitantes à actividade jornalística - fosse uma competência jurisdicional. Pelo contrário, tendia a falar-se, no caso do Conselho de Imprensa, de um 'tribunal moral', de um órgão plural especialmente vocacionado para dirimir questões atinentes à deontologia profissional. E, no domínio do texto constitucional saída da Segunda Revisão, a doutrina tende a falar apenas de funções 'para-jurisdicionais' a propósito da apreciação pela AACS de queixas em matéria de direito de resposta (Vital Moreira, O Direito de Resposta na Comunicação Social, Coimbra, 1994, págs. 145 -
146).
Ora, a apreciação de queixas sobre falta de rigor de informação e a tomada de deliberação sobre a verificação dessa falta de rigor deve reconduzir-se ainda à problemática do direito à informação e da liberdade de imprensa. Mas a deliberação, proveniente de um órgão plural e independente, que tenha incidido sobre o conteúdo de uma notícia já publicada ou difundida, não pode configurar-se como uma forma de censura ex post, contrária à liberdade de imprensa, nem tão-pouco como um acto jurisdicional de resolução de um litígio 'jurídico'.
A proibição constitucional da censura implica um conceito amplo de censura que abrange 'não apenas a censura prévia à expressão ou informação originária mas também a censura posterior (a posteriori) que se traduz no impedimento da sua difusão ou divulgação (proibição de index). Por outro lado, cabem no conceito não apenas os meios juridicos (exame prévio, apreensão de publicações, proíbição de divulgação de notícias) mas também os meios de facto, directamente dirigidos aos mesmos objectivos (cfr. art. 38º -
6). Idêntica consideração vale para o abuso de meios de polícia administrativa no controlo de algumas formas de expressão (cartazes, grafitti, meios de difusão sonora), condicionando-os a autorização administrativa '(Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição, cit., pág. 226).
12. É manifesto que a deliberação junta aos autos não traduz um acto censório com implicações administrativas ou penais, nomeadamente no domínio de um qualquer direito sancionatório público.
Na deliberação impugnada - junta a fls. 9 a 15 dos autos - afirma-se repetidamente que não está em causa 'a liberdade criativa do jornalista', nem o 'valor expressivo de enunciados utilizados tanto na prosa quanto no título, e que o jornalista tem total liberdade de utilizar'. Afirma-se, porém, que está em causa o facto de que, 'ao extrapolar-se dos aspectos concretos que poderão afectar parte significativa da escola, destes para toda a escola, e desta escola para todo o sistema, se penaliza de modo desproporcionado o estabelecimento em causa, tornando-se particularmente legítima a parte da queixa em que se referem existirem no artigo generalizações que atingem toda a escola' (cfr. conclusão III. 2).
Quer isto dizer que a autoridade administrativa independente fundou a sua competência para conhecer da queixa no disposto na alínea e) do art. 3º da Lei nº 15/90 ('providenciar pela isenção e rigor da informação'), entendendo que podia elaborar uma recomendação que visasse a realização desse objectivo constante da referida alínea e) do mesmo artigo (art. 4º, nº 1, alínea a) da Lei nº 15/90).
Tal recomendação nem traduz um acto censório
-traduz-se antes num juízo opiniativo de natureza deontológica relativo ao exercício de uma profissão jornalística, a propósito de uma concreta notícia - nem, manifestamente, um acto jurisdicional de resolução de um litígio cível ou de conhecimento de uma infracção criminal. A publicação de recomendação no jornal destinatário, imposta pelo art. 23º, nº 1, da Lei nº 15/90, visa permitir aos leitores que tomem conhecimento do teor da recomendação e que, sobre o seu conteúdo, formulem, eles próprios, um juízo. A circunstância de o
órgão de comunicação social envolvido ser propriedade de uma empresa particular não impossibilita que a informação que veicula seja apreciada por um órgão administrativo independente, não obstante o silêncio do art. 39º na matéria.
Improcede, por isso, a afirmação acerca do carácter jurisdicional da competência impugnada que consta da decisão recorrida
(em especial do seu ponto XII a) ).
13. Não integra o objecto do recurso de constitucionalidade a norma do art. 23º, nº 1, da Lei nº 15/90 que impõe a obrigação legal de publicação das recomendações da AACS pelos órgãos de comunicação social a que digam directamente respeito, nos termos das notas oficiosas.
Não tem, por isso, de apreciar-se se tal norma traduz uma ingerência constitucionalmente proibida, por parte da AACS, 'no direito de informar e na liberdade de imprensa na medida em que configura uma
«censura» ao conteúdo do jornal e impõe a publicação de uma informação no mesmo que não resulta da vontade do seu director e com o qual não está de acordo
'(alegações a fls. 73, reproduzindo o art. 5º da petição do recurso).
Tão-pouco se tem de fazer qualquer apreciação sobre a opção constitucional no desenho da figura da AACS, em especial no que toca à composição do órgão, visto não caber ao Tribunal Constitucional a censura das decisões do legislador constituinte, facto que o próprio recorrido reconhece ao afirmar que não está em causa no recurso 'a complexa questão de normas constitucionais feridas de inconstitucionalidade' (a fls. 73 dos autos).
14. Contrariamente ao sustentado pelo recorrido, a solução de formulação de recomendações sobre falta de rigor da informação não pressupõe que exista uma única informação adequada e verdadeira, uma espécie de versão oficiosa de informação. A circunstância de o juízo ser formulado por um órgão administrativo independente, com composição que traduz um objectivo de pluralismo, impede o risco de se instaurar um qualquer figurino informativo, válido urbi et orbe. Como é evidente, não está em causa, no presente recurso, formular um juízo sobre se o Conselho de Imprensa tinha maior aptidão, dada a sua composição, para actuar neste domínio, do que a AACS, com a actual composição.
Tão-pouco se pode dizer que se esteja no domínio de um direito sancionatório público, confiado a um organismo administrativo.
15. Por todas estas razões, hão-de proceder os recursos interpostos.
III
16. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional julgar procedentes ambos os recursos, revogando a decisão recorrida, a qual deverá ser reformulada tendo em conta o julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 2o de Março de 1996 Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa