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Proc. nº 189/94
Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. recorreu para o Tribunal Judicial da Comarca de
----------- da decisão arbitral que, no processo de expropriação por utilidade
pública promovida pelo Estado (através da Direcção-Geral dos Edifícios e
Monumentos Nacionais, com vista à instalação do Estabelecimento Prisional do
Distrito de -----------), fixou em 1.403.9000$00 o valor a pagar pela parcela de
terreno com 4.704 m2 (designada pela letra --------), destacada do seu prédio
rústico, inscrito na matriz predial da freguesia de --------------------, sob o
artigo ----º, secção ---------------, e omisso na respectiva Conservatória do
Registo Predial.
Pediu que o valor da referida parcela fosse fixado em
98.976.000$00, uma vez que - disse - ela tem efectiva capacidade edificativa.
2. O expropriado, ao ser notificado do relatório dos
peritos com o laudo e as respostas aos quesitos, arguiu a nulidade do mesmo, no
tocante aos peritos do tribunal e ao da expropriante - o que foi indeferido pelo
juiz.
Desse despacho do juiz, que indeferiu a arguição de
nulidades, agravou o expropriado para a Relação de Évora, tendo o agravo sido
julgado improcedente pelo acórdão (agora sob recurso), de 3 de Junho de 1993.
No mesmo despacho em que indeferiu a arguição de
nulidades, ordenou também o juiz que os peritos visados no requerimento do
expropriado prestassem esclarecimentos.
Prestados os esclarecimentos pelos peritos, deles foi
notificado o expropriado, que, em resposta, requereu a inquirição de testemunhas
(já arroladas na petição de recurso da arbitragem), com vista a infirmar o
cálculo feito pelos avaliadores - cálculo que, em seu entender, era erróneo.
O juiz, sem nada dizer sobre aquele pedido de produção
de prova testemunhal, formulado pelo expropriado, mandou notificar as partes
para alegarem, querendo, nos termos do artigo 82º do Código das Expropriações
(despacho de 28 de Agosto de 1990).
3. Deste despacho (de 28 de Agosto de 1990), agravou o
expropriado, mas a Relação, por acórdão de 21 de Fevereiro de 1991, não conheceu
do agravo, por entender que, sendo tal despacho 'destinado a regular, de
harmonia com a lei, os termos do processo' é ele, 'por isso, de mero
expediente'.
Desse acórdão (de 21 de Fevereiro de 1991) recorreu o
expropriado para o Tribunal Constitucional e, como o recurso de
constitucionalidade não foi admitido, reclamou para o mesmo Tribunal. Sem êxito,
porém, pois que, pelo Acórdão nº 38/92, indeferiu-se a reclamação, com
fundamento em que, 'nem a questão de inconstitucionalidade da referida norma [a
do nº 2 do artigo 73º do Código das Expropriações] foi suscitada durante o
processo, nem, por outro lado, se pode dizer que o acórdão recorrido haja
chegado a aplicar directamente a norma do artigo 73º, nº 2, do Código das
Expropriações, cuja inconstitucionalidade o reclamante suscitou apenas no
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade'.
4. O expropriado apelou da sentença do Juiz de 1ª
Instância para a Relação de Évora, pedindo a indemnização de 5.409.740$00 que é
o valor indicado pelo seu perito, e dizendo que não deve 'haver lugar a custas'
(na sentença, o juiz fixara a indemnização em 1.707.800$00, que foi o valor
indicado pelos peritos do tribunal).
A Relação de Évora, pelo acórdão de 3 de Junho de 1993 -
para além de (recorda-se) negar provimento ao agravo interposto do despacho do
Juiz de 1ª Instância que indeferiu a arguição de nulidades do relatório dos
peritos maioritários - negou-o também à apelação interposta da sentença.
5. Deste acórdão da Relação de Évora (de 3 de Junho de
1993), interpôs o expropriado recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que,
no entanto, dele não conheceu, por considerar que o mesmo é legalmente
inadmissível (cf. acórdão de 2 de Março de 1994).
O expropriado, tendo dito, oportunamente, que, caso se
entendesse que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não era admissível,
então recorria para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, veio renovar tal requerimento. E
esclareceu, em resposta ao convite que lhe foi feito, que o acórdão de que
pretende recorrer é o da Relação de Évora já referido (ou seja: o acórdão de 3
de Junho de 1993), a fim de que este Tribunal aprecie a constitucionalidade das
normas, 'directamente ou pelo menos implicitamente', aplicadas por aquele
aresto, a saber: - artigos 8º, nº 1, s), e 126º, nº 2, do Código das Custas
Judiciais; - o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro; - o título IV,
designadamente os artigos 27º, nº 2, 28º, nº 1, 61º, 73º, nº 2, e 131º do
Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro;- e artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do
Código de Processo Civil.
Neste Tribunal, o expropriado concluiu as suas alegações
de recurso, dizendo:
1. O recorrente mantém e dá aqui por reproduzidas todas as conclusões
apresentadas nos recursos de agravo e de apelação.
2. O Título IV, bem como o artº 73º face ao artº 82º/1/ do DL 815/76, de 11 de
Dezembro, o mesmo dizendo dos arts. 523º, 524º e 500º/3/ do Cód. Proc. Civ., dos
arts. 8º/1/s/, 126º/2/ do Cód. Custas Judiciais e todo o DL nº 387-B/87, de 29
de Dezembro, quando aplicados ao processo expropriativo, são inconstitucionais,
porquanto tais disposições restritivas impedem que seja paga a justa
indemnização pelo bem expropriado.
3. As decisões impugnadas violaram os arts. 12º/1/, 13º/1/2/, 18º/1/2/3/,
20º/1/, 62º/2/, 205º/2/ e 207º da Lei Fundamental.
4. O expropriado recorrente reafirma a sua tese irrefutável, legal e
tecnicamente, de que todo o terreno a expropriar é pura e simplesmente de estufa
na sua totalidade, com uma muito próxima e efectiva potencialidade edificativa.
5. Por isso, as decisões recorridas julgarem em oposição com os doutos acórdãos
do TC nº 311/86, nº 131/88 e nº 52/90.
6. As decisões recorridas primarem pela discriminação, diferenciação e
desigualdade entre o Estado e o expropriado dado o cálculo expropriativo estar
baseado nos laudos periciais de peritos funcionários do Estado, que receberam
antecipadamente ordem expressas da DGEMN para atribuírem apenas o valor de
250$00/m2.
7. O Estado não pode no mesmo processo expropriativo ser 'comprador' de terreno
e 'vendedor de custas', esvaziadoras ou diminuidoras indevidas do valor
indemnizatório justo.
8. Tal privilégio ou superioridade processual estadual é inadmissível em matéria
expropriativa, e é inconstitucional.
9. O DL 387-B/87, de 29 de Dezembro, quando aplicado aos expropriados constitui
uma caridade inconstitucional, dado que o produto da indemnização deve ser
limpo, líquido, sem quaisquer deduções.
10. As referidas questões de inconstitucionalidade das citadas normas foram
suscitadas durante o processo e as decisões recorridas aplicaram directamente
tais normas inconstitucionais.
11. Donde, no caso vertente, foram aplicados o princípio da verdade formal e
normas inconstitucionais que violaram os arts. 12º/1/, 13º/1/2/, 18º/1/2/3/,
20º/1, 62º/2/, 205º/2/ e 207º da Lei Fundamental, resultando num valor
indemnizatório confiscatório.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal
concluiu as suas alegações do modo que segue:
1º O recorrente não suscitou atempadamente, antes de proferida a decisão e
esgotado o poder jurisdicional do juiz, a questão da concreta
inconstitucionalidade dos artigos 523º, 524º, 580º, nº 3, do Código de Processo
Civil, do Decreto-Lei nº 387/B/87, de 29 de Dezembro, dos artigos 8º, nº 1,
alínea s), e 126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, e dos artigos 73º, nº
2, e 131º do Código das Expropriações, pelo que se não mostram preenchidos os
pressupostos de admissibilidade, decorrentes do preceituado no artigo 70º, nº 1,
alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
2º Não foram aplicadas, na decisão recorrida, quaisquer normas
inconstitucionais, constantes do Título IV do Código das Expropriações, aprovado
pelo Decreto-Lei nº 845/76, já que o único preceito, aí inserido
sistematicamente, e com vocação para se aplicar ao caso dos autos, que
efectivamente é inconstitucional - o artigo 30º - não serviu de suporte material
à decisão recorrida, não sendo, pois, por ela aplicado.
3º Ao imputar extemporaneamente e sem qualquer fundamento sério aos peritos
designados pelo tribunal comportamento processual censurável, o recorrente
altera intencionalmente a verdade dos factos, incorrendo em litigância de má fé,
nos termos conjugados das disposições dos artigos 84º, nºs 5 e 6, da Lei do
Tribunal Constitucional e 456º do Código de Processo Civil.
Como o Procurador-Geral Adjunto suscitou a questão
prévia do não conhecimento do recurso e propôs a condenação do recorrente como
litigante de má fé, foi este ouvido, tendo ele finalizado a sua resposta,
dizendo:
[...] as inconstitucionalidades foram suscitadas atempadamente, aplicadas
directa ou indirectamente na decisão recorrida, o artigo 73º/2 do CE é
limitativo para a fixação da justa indemnização e os peritos declararam, perante
testemunhas, que o Estado lhes impôs o preço de 250$00/metro quadrado, o que é
de todo em todo inadmissível e intolerável.
6. Corridos os vistos, cumpre decidir. E, desde logo, se
deve ou não conhecer-se do recurso.
II. Fundamentos:
7. Questão prévia:
7.1. Referiu-se atrás que o Procurador-Geral Adjunto
suscita a questão prévia do não conhecimento do recurso, uma vez que, em seu
entender, o recorrente não suscitou atempadamente (isto é: antes de proferido o
acórdão recorrido) a inconstitucionalidade dos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3,
do Código de Processo Civil, nem a das normas do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29
de Dezembro, nem a dos artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código das
Custas Judiciais, nem a dos artigos 73º, nº 2, e 131º do Código das
Expropriações. E quanto às normas do título IV do Código das Expropriações de
1976 - disse o mesmo Magistrado -, aquele aresto não aplicou qualquer delas, 'já
que o único preceito, aí inserido sistematicamente, e com vocação para se
aplicar ao caso dos autos, que efectivamente é inconstitucional - o artigo 30º -
não serviu de suporte material à decisão recorrida, não sendo, pois, aplicado'.
7.2. Vejamos então:
Sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea
b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para que dele se
possa conhecer, é necessário, entre o mais:
(a). que o recorrente tenha suscitado, durante o
processo, a inconstitucionalidade das normas que pretende que este Tribunal
aprecie;
(b). que tais normas tenham sido aplicadas no julgamento
do caso, não obstante essa acusação de ilegitimidade constitucional.
A inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se
suscita durante o processo, quando tal se faz a tempo de o tribunal recorrido
poder decidir essa questão - o que, salvo casos excepcionais e anómalos, em que,
por o recorrente não ter oportunidade processual de cumprir esse ónus, ele deve
ser dispensado do seu cumprimento (cf., entre outros, o Acórdão nº 391/89,
publicado no Diário da República, II série, de 10 de Setembro de 1989), exige
que essa suscitação se faça antes de ser proferida decisão sobre a matéria a que
respeita a questão de constitucionalidade. Além disso, necessário é ainda que
tal questão seja suscitada 'de forma clara e perceptível' (cf. Acórdão nº
560/94, publicado no Diário da República, II série, de 10 de Janeiro de 1995;
cf. também o Acórdão nº 253/93, por publicar), que o mesmo é dizer que o seja em
termos de o tribunal recorrido ficar a saber que tem essa questão para resolver
[cf. o Acórdão nº 269/94, (Diário da República, II série, de 18 de Junho de
1994)].
Há, assim, um tempo e um modo processualmente adequados
de suscitar a questão de constitucionalidade.
A questão de constitucionalidade não se suscita em tempo
e de modo processualmente adequado, entre outros casos, quando a mesma só é
suscitada, pela primeira vez, no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional ou nas alegações aqui apresentadas; quando se indicam
como inconstitucionais todas as normas de um diploma legal [cf. Acórdãos nºs
393/91 (por publicar), 442/91 (Diário da República, II série, de 2 de Abril de
1992), 21/92 (Diário da República, II série, de 11 de Junho de 1992), 170/92
(Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992)] ou as normas de todo
um título, relativamente extenso, de um Código (cf. Acórdão nº 253/93, por
publicar); ou quando se não fornece a mínima justificação para a
inconstitucionalidade que se invoca (cf., neste sentido, o Acórdão nº 269/94, já
citado, onde se escreveu que, suscitar a inconstitucionalidade de uma norma
jurídica durante o processo, 'reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa
incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou
princípio constitucional infringido').
Acresce que, vindo o recurso interposto de um acórdão da
Relação, é perante ela que a questão de constitucionalidade, que se pretende que
o Tribunal Constitucional aprecie, há-de ter sido suscitada, não bastando que o
tenha sido perante o juiz de 1ª Instância, se, depois, foi abandonada no recurso
para a Relação [cf. Acórdãos nºs 36/91 (Diário da República, II série, de 22 de
Outubro de 1991), 177/91 (Diário da República, II série, de 7 de Setembro de
1991), 422/91 (Diário da República, II série, de 2 de Abril de 1992), 468/91
(Diário da República, II série, de 24 de Abril de 1992), entre outros].
Também não é dispiciendo recordar aqui que o controlo de
constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, a
Constituição e a lei cometem ao Tribunal Constitucional é um controlo normativo,
que apenas pode incidir sobre as normas jurídicas que essas decisões tenham
desaplicado com fundamento na sua desconformidade com a Lei Fundamental ou que
hajam aplicado, não obstante a acusação que lhes foi feita de ilegitimidade
constitucional. As decisões judiciais, consideradas em si mesmas, essas não
podem ser objecto de um tal controlo.
Necessário é também advertir para o facto de que a
suscitação da inconstitucionalidade de uma norma legal só faz sentido (e, assim,
só é relevante para o efeito de abrir a via do recurso de constitucionalidade),
se esta puder ser convocada para o julgamento do caso de que emerge o recurso.
De contrário, a acusação de desconformidade com a Lei Fundamental não pode ter a
virtualidade de abrir a via do recurso de constitucionalidade, até porque, num
tal caso, a decisão recorrida não faz aplicação da norma em causa.
Está-se, então, em presença de situação similar àquela
em que um tribunal se pronuncia sobre a constitucionalidade de uma dada norma
legal, que o julgamento do caso não convoca: também nessa hipótese se não abre a
via do recurso para o Tribunal Constitucional, pois que a pronúncia do tribunal
recorrido mais não é que a decisão de uma questão irrelevante ou, se se
preferir, um obiter dictum ou um argumento ad ostentationem (cf., neste sentido,
os Acórdãos nºs 169/92 e 182/92, o primeiro, publicado no Diário da República,
II série, de 18 de Setembro de 1992, e o segundo, por publicar).
7.3. Prosseguindo:
Nas alegações para a Relação, no que concerne a questões
de constitucionalidade, o que o recorrente disse foi o seguinte:
Por esse motivo, o expropriado considera que a limitação do artigo 73º/2 do DL
845/76 é inconstitucional, por impedir a descoberta do valor real e corrente do
bem expropriado (cf. IV, 4).
Enfim, o Mmº Juiz 'a quo' defende uma tese geral de capacidade edificativa e do
seu respectivo cálculo completamente ilegal e inconstitucional, já que o valor
real, corrente, de mercado na zona é na ordem. pelo menos de 2.500$00 por metro
quadrado (cf. IV, 5).
A decisão recorrida primou pela discriminação, diferenciação e desigualdade
entre o Estado e o expropriado, dado o cálculo expropriativo estar baseado nos
laudos periciais de peritos funcionários do Estado, que receberam anteriormente
ordens expressas da DGEMN para atribuírem apenas o valor de 250/m2 (cf.
conclusão 18ª, V, 18).
Tal privilégio ou superioridade processual estadual (o de o Estado 'no mesmo
processo expropriativo ser 'comprador' de terreno e 'vendedor de custas',
esvaziadoras ou diminuidoras do valor indemnizatório justo') é inadmissível em
matéria expropriativa, e é inconstitucional (cf. conclusões 19ª e 20ª, V, 18).
O DL 387/B/87, de 29 de Dezembro, quando aplicado aos expropriados constitui uma
caridade inconstitucional, dado que o produto da indemnização deve ser limpo,
líquido, sem quaisquer deduções (cf. conclusão 21ª, V, 18).
Termos em que .... deve dar-se provimento ao recurso de apelação, anulando o
laudo dos srs. peritos maioritários, bem como a sentença recorrida,
relativamente à parte desfavorável ao recorrente, porque ilegal e
inconstitucional [...] (cf. trecho que se segue às conclusões).
E, no final de tudo, acrescentou:
Decidindo nessa conformidade far-se-á a melhor Justiça, até porque o Título IV,
designadamente os artigos 27º/2, 28º/1, bem como os artigos 61º, 73º/2/ face ao
artº 82/1/todos do DL 845/76, de 11 de Dezembro, o mesmo dizendo dos arts. 523º,
524º e 580º/3/ do Cód. Proc. Civil, dos arts. 8º/1/s/, 126º/2/ do Cód. Custas
Judiciais e todo o DL 387/B/87, de 29 de Dezembro, quando aplicados ao processo
expropriativo, são inconstitucionais, porquanto tais disposições restritivas
impedem inequivocamente que seja paga a justa indemnização, violando assim os
arts. 12º/1/, 13º/1/2/, 18º/1/2/3/, 20º/1/, 62º/2/, 205º/2/ e 207º da Lei
Fundamental.
7.4. Como se alcança das transcrições que acabam de
fazer-se, a única norma legal (de entre as que o recorrente pretende que este
Tribunal aprecie sub specie constitutionis), que ele acusou de afrontar a
Constituição, foi o artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações de 1976 - e,
ainda assim, sem repetir a acusação nas conclusões que tirou.
Quanto às restantes normas, limitou-se o recorrente a
dizer no final das alegações, depois mesmo de formular as respectivas
conclusões, que elas são inconstitucionais, indicando como violados um conjunto
de preceitos constitucionais, mas sem dizer por qual norma infraconstitucional
cada um deles é infringido; e também sem estabelecer qualquer ligação entre essa
acusação de inconstitucionalidade e o discurso que desenvolveu ao longo das
alegações ou as conclusões que nelas formulou.
Trata-se, assim, de uma afirmação que, por tão genérica,
não pode ser havida como modo processualmente adequado de suscitar a questão de
inconstitucionalidade para o efeito de se ter por preenchido o pressuposto da
suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo.
Na verdade, não tendo o recorrente apontado, em relação
a cada uma das normas, o porquê da sua incompatibilidade com a Constituição, ao
tribunal recorrido não foi colocada uma questão de constitucionalidade para
decidir. Não o foi, ao menos 'de forma clara e perceptível'.
Passando, então, a cada uma das normas questionadas,
constata-se que, quanto aos artigos 8º, nº 1, alínea s), e 126º, nº 2, do Código
das Custas Judiciais - relativos, o primeiro, ao valor dos processos de
expropriação para efeitos de custas; o segundo, ao pagamento das custas em
dívida nesses processos pelo produto da indemnização a receber -, nunca o
recorrente, ao longo das alegações, lhes assacou qualquer vício de
inconstitucionalidade. O que o recorrente disse, a propósito da questão das
custas, foi que é inconstitucional o Estado ser, em tais processo, ''comprador'
de terreno e 'vendedor de custas' esvaziadoras ou diminuidoras do valor
indemnizatório justo' - o que, há-de convir-se, não é o mesmo que suscitar a
inconstitucionalidade das normas que se contêm nos apontados preceitos legais.
Quanto ao Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro -
diploma que, ao longo de 58 artigos, regula o acesso ao direito e aos tribunais
-, também o recorrente não disse, nas alegações, que este ou aquele preceito
fosse inconstitucional. Afirmou, antes e tão-só, que tal diploma legal, 'quando
aplicado aos expropriados constitui uma caridade inconstitucional'.
Ora, esta não é forma processualmente adequada de
suscitar a questão de inconstitucionalidade, pois que fica sem se saber que
norma ou normas, das que se contêm nos 58 artigos, serão inconstitucionais ou
que significam 'caridade inconstitucional'.
Quanto às normas do título IV do Código das
Expropriações ('Da indemnização') - ou seja: às normas constantes dos artigos
27º a 38º -, também o recorrente não suscitou a sua inconstitucionalidade
durante o processo. O que tão-só disse, com alguma relação com estas normas, é
que 'o Mmº Juiz 'a quo' defende uma tese geral de capacidade edificativa e do
seu respectivo cálculo completamente ilegal e inconstitucional'; que 'a decisão
recorrida primou pela discriminação, diferenciação e desigualdade entre o Estado
e o expropriado'; e que os laudos dos peritos, bem como a sentença recorrida
devem ser anulados - esta, 'porque ilegal e inconstitucional'.
O vício de inconstitucionalidade foi, assim, imputado à
decisão judicial, e não às normas por ela aplicadas.
De todo o modo, indicar todo um título de um Código, sem
especificar qual ou quais os preceitos que contêm normas inconstitucionais, não
é modo processualmente adequado de suscitar a inconstitucionalidade de normas
jurídicas, como atrás se disse.
Aliás, no que em particular respeita ao artigo 30º, nº
1, do Código das Expropriações, tal norma não foi aplicada, no acórdão recorrido
na sua dimensão inconstitucional. Ponderou-se, na verdade, no acórdão recorrido
o seguinte:
[...] sempre o terreno da parcela, apesar de manifestamente situado fora de
aglomerado urbano (nisso está o próprio apelante de acordo), é valorizado em
razão de uma circunstância objectiva que não respeita unicamente ao seu destino
como prédio rústico, desta feita em contrário à medida da inconstitucionalidade
que afecta o nº 1 do artigo 30º do Código das Expropriações aplicável.
De notar é ainda que, no título IV do Código das
Expropriações, há artigos que são incompatíveis entre si, pois que visam
realidades distintas e não justaponíveis (cf., sobre as normas deste título IV,
o já citado Acórdão nº 253/93, cujas considerações, a propósito da não aplicação
dos preceitos no julgamento do caso, são inteiramente transponíveis para aqui).
Quanto aos artigos 61º e 131º do mesmo Código (relativo,
o primeiro, ao pedido de expropriação total, e o segundo, aos conceitos de
aglomerado urbano e zona diferenciada), não há, ao longo das alegações, uma
única palavra que levante o problema da sua desconformidade constitucional. Ao
que acresce que nenhum dos preceitos em causa foi aplicado pelo acórdão
recorrido.
No que concerne aos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3, do
Código de Processo Civil - relativos, os dois primeiros, ao momento da
apresentação de documentos destinados a fazer prova dos factos alegados em
juízo, e o segundo, referente à possibilidade de os funcionários serem nomeados
peritos pelo tribunal -, também o recorrente não suscitou a sua
inconstitucionalidade nas referidas alegações, pois não traduz suscitação de
inconstitucionalidade a afirmação de que 'o cálculo expropriativo está[r]
baseado nos laudos parciais de peritos funcionários do Estado, que receberam
anteriormente ordens expressas da DGEMN para atribuírem apenas o valor de
250$00/m2', nem o pedido de anulação do 'laudo dos srs. peritos maioritários'.
De resto, no que se refere ao artigo 580º, nº 3, do
Código de Processo Civil, conforme parece resultar da resposta do recorrente à
questão prévia suscitada pelo Ministério Público, a sua inconstitucionalidade
residirá, não propriamente no facto de um funcionário público poder ser nomeado
perito pelo tribunal, mas antes na circunstância de os concretos peritos que
intervieram no processo, designados pelo juiz, não se terem comportado 'com
imparcialidade e isenção', pois que eles próprios (segundo o recorrente) terão
declarado perante testemunhas 'que a DGEMN lhes tinha imposto a obrigação de
atribuir o valor de 250$00 por metro quadrado'.
Ora, dizer isto - há-de convir-se - não é suscitar a
inconstitucionalidade daquela norma legal, mas imputar aos peritos um
comportamento censurável e processualmente impróprio.
7.5. Passando à norma do artigo 73º, nº 2, do Código das
Expropriações de 1976:
Esta norma preceitua que, no recurso da arbitragem, 'não
é admissível, a prova testemunhal, sem prejuízo de o juiz poder requisitar
qualquer pessoa para depor, sempre que o repute indispensável'.
Disse-se já que o recorrente, nas alegações para a
Relação (embora não nas respectivas conclusões), acusou este artigo 73º, nº 2,
de violar a Constituição, 'por impedir a descoberta do valor real e corrente do
bem expropriado'.
Apesar disso, porém, este Tribunal não vai decidir esta
questão de constitucionalidade.
É que, o acórdão recorrido não aplicou, como vai ver‑se
(nem, de resto, podia aplicar), tal normativo. E não podia aplicar, porque a
questão da inquirição (ou não) de testemunhas, com vista a infirmar o cálculo
feito pelos peritos (avaliadores), achava-se já decidida nos autos, com trânsito
em julgado. Não era, por isso (nem podia ser), objecto dos recursos decididos
pelo acórdão aqui recorrido.
Objecto do recurso de agravo era o despacho que
indeferiu a arguição de nulidade da avaliação feita pelos peritos maioritários -
o que não convocava a aplicação do preceito em causa. E da apelação, era a
sentença final, que fixou em 1.707.800$00 o valor da indemnização a pagar ao
expropriado, interessando assim saber se esse valor corresponde ao valor real e
corrente da parcela expropriada. E, para o efeito, o acórdão recorrido
considerou que 'não tem cabimento pretender-se que, em recurso da decisão
arbitral, se proceda à remediação da parcela expropriada'. E acrescentou que os
peritos não cometeram qualquer ilegalidade 'ao não considerarem a prova
documental carreada para os autos'; que 'não há lacuna em qualquer dos laudos
por neles se não ter valorizado autonomamente o muro de vedação da parcela
expropriada'; que 'a circunstância de também não terem os peritos, todos eles,
valorado a potencialidade de implantação de estufas na parcela expropriada não
constitui qualquer lacuna', pois que 'a lacuna verificada no relatório acabou
por ser remediada [no] esclarecimento [...]'; e que, no laudo dos peritos
maioritários, não 'há lacuna, nem tão-pouco contradição e, muito menos, uma ou
outra, obstativa à sua eleição na sentença apelada, como base de fixação
valorativa da justa indemnização devida pela expropriação em apreço'.
Mais ainda: o acórdão recorrido - para além de ter
decidido as questões apontadas, sem que nenhuma delas faça apelo ao mencionado
artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações - disse expressamente, quanto ao
referido pedido de 'inquirição das testemunhas indicadas pelo expropriado' (cf.
conclusão 4ª das alegações respectivas), o seguinte:
[...] da 4ª já não há que falar por a questão nela equacionada já estar
definitivamente arrumada mediante a decisão desta Relação, já transitada, de não
conhecimento do recurso de agravo que a tinha por objecto.
Ora, a decisão, neste ponto, é insindicável por este
Tribunal. E, para além disso, é ela inteiramente correcta.
Na verdade, o recorrente - recorda-se -, ao ser
notificado dos esclarecimentos prestados pelos peritos do tribunal e da
expropriada - que disseram que, embora sem que o tenham especificado no
relatório, tinham tomado em consideração a configuração rectangular do terreno
expropriado e o seu declive suave (e, assim, o seu valor edificativo) -,
requereu a inquirição de testemunhas, com vista a infirmar o cálculo feito pelos
avaliadores. E, como o juiz, sem nada dizer sobre esse pedido, tivesse ordenado
a notificação das partes para alegarem, o expropriado agravou desse despacho (de
28 de Agosto de 1990) para a Relação. Esta, porém, não conheceu do recurso
(acórdão de 21 de Fevereiro de 1991).
Ora, este acórdão (e, assim, a decisão implícita de não
inquirição das testemunhas arroladas) transitou em julgado, uma vez que, tendo o
expropriado recorrido, primeiro, e reclamado, depois, para o Tribunal
Constitucional, a fim de que este apreciasse a constitucionalidade do mencionado
artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações, tal recurso não foi mandado
admitir, em virtude de a inconstitucionalidade da norma do mencionado artigo
73º, nº 2 - inconstitucionalidade consistente no facto de ela 'impedir a
descoberta do valor real e corrente do bem expropriado' - não ter sido suscitada
durante o processo e de tal preceito, em direitas contas, não haver sido
aplicado por aquele acórdão da Relação (cf. o citado acórdão nº 38/92).
Quando, pois, o recorrente, nas alegações da apelação,
suscita a inconstitucionalidade do referido artigo 73º, nº 2, coloca uma questão
de todo irrelevante, pois que ela interessava tão-só à decisão de matéria já
arrumada nos autos, por decisão transitada em julgado.
7.6. Procede, pois, a questão prévia do não conhecimento
do recurso.
8. A questão da má fé processual:
Nas suas alegações, o Procurador-Geral Adjunto imputa ao
recorrente um comportamento processual que qualifica de litigância de má fé. Diz
ele: 'afigura-se-nos que a conduta processual do recorrente terá, de algum modo,
ultrapassado o limiar da litigância de má fé, ao vir alegar, perante este
Tribunal, que os peritos designados judicialmente receberam 'ordens expressas',
'terminantes' e 'antecipadas' do Estado (DGEMN) para só pagarem o terreno a
2.500$00/m2, limitando-se a fazer aquilo que a respectiva Direcção-Geral lhes
disse para fazer, de forma a atribuírem um valor irrisório e ridículo aos
terrenos'. E acrescentou: 'trata-se de imputação totalmente infundamentada,
feita pela primeira vez no processo e que traduz alteração consciente da verdade
dos factos - imputando gratuitamente aos peritos que intervieram na avaliação
por designação judicial e que, perante o juiz, prestaram juramento de
desempenhar conscientemente a sua tarefa de colaboração na administração da
justiça - um comportamento que, a ter-se verificado, constituiria censurável
violação dos seus deveres deontológicos e processuais'.
Em resposta a esta questão, diz o expropriado: 'o
expropriado prova as imputações feitas aos peritos: é preciso que o Tribunal
ouça as testemunhas presenciais relativamente a esse facto'. Mais adiante,
acrescenta: 'os peritos declararam perante testemunhas que o Estado lhes impôs o
preço de 250$00/metro quadrado, o que é de todo em todo inadmissível e
intolerável'. E indica duas testemunhas.
A afirmação de que os peritos, ao fixar o valor da
parcela expropriada, obedeceram a ordens, não surge pela primeira vez nas
alegações apresentadas neste Tribunal.
De facto, já nas alegações para a Relação o recorrente
afirmara:
A decisão recorrida primou pela discriminação, diferenciação e desigualdade
entre o Estado e o expropriado, dado o cálculo expropriativo estar baseado nos
laudos parciais de peritos funcionários do Estado, que receberam antecipadamente
ordens expressas da DGEMN para atribuírem apenas o valor de 250$00/m2
(sublinhado acrescentado).
Sendo este recurso restrito à questão de
inconstitucionalidade (cf. artigo 280º, nº 6, da Constituição), não pode este
Tribunal pôr-se a averiguar se os peritos, nomeados pelo juiz para avaliarem a
parcela de terreno expropriada, sim (ou não) 'receberam antecipadamente ordens
expressas da DGEMN para atribuírem o valor de 250$00/m2'.
Não tendo sido feita prova de que o recorrente, ao fazer
aquela afirmação desprimorosa e indignificante dos peritos, tenha alterado
conscientemente a verdade dos factos, não pode este Tribunal concluir que ele
agiu no processo com má fé.
Improcede, assim, o pedido de condenação do recorrente
como litigante de má fé.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional, atendendo a questão
prévia, decide não conhecer do recurso interposto e, em consequência, condenar o
recorrente nas custas, fixando, para tanto, a taxa de justiça em cinco unidades
de conta.
Lisboa, 15 de Março de 1995
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Guilherme da Fonseca
Luís Nunes de Almeida