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Processo n.º 774/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo - Sul, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 636/11:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social e recorrida A., Lda., a primeira vem interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido pelo 1º Juízo da 2ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, em 09 de Junho de 2011 (fls. 240 a 249), cujo recurso de revista foi rejeitado, por não verificação dos pressupostos de admissão, pelo acórdão proferido pela 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, em 22 de Setembro de 2011 (fls. 402 a 410), para que seja apreciada a constitucionalidade das seguintes questões:
“a) A interpretação do disposto no art., 120°, nº 1, al. b) do CPTA, segundo a qual se verifica uma “situação de facto consumado” com a publicação de um direito de resposta, por determinação expressa da entidade reguladora, acarreta a denegação desse mesmo direito, sendo inconstitucional por violação do art. 37°, nº 4 da CRP que consagra o direito de resposta como direito fundamental integrante da própria liberdade de informação;
b) A mesma interpretação é igualmente inconstitucional por pôr em causa as atribuições da entidade reguladora que está incumbida pelo legislador constitucional de assegurar nos meios de comunicação social o direito à informação, conforme dispõe o art. 39°, nº 1, al. a) da CRP;
c) O entendimento de que o direito de resposta e de rectificação tem subjacente meros interesses de ordem privada contraria a natureza, conteúdo e alcance de tal direito e viola o disposto no art. 37°, nº 4 da CRP;
d) Na ponderação dos interesses em causa a que se refere o nº 2 do art. 120° CPTA, o entendimento de que deve prevalecer o interesse particular do requerente da suspensão sobre o interesse particular do respondente e o interesse público, prosseguido pela entidade reguladora, traduz-se na denegação do próprio direito de resposta que, por ser de natureza efémera, tem de ser reconhecido e exercido em tempo útil e, consequentemente, põe em causa esse direito fundamental consagrado no art. 37°, nº 4 da CRP e viola esta disposição da lei fundamental;
e) Atendendo à ime[di]aticidade que deve existir — entre a resposta/rectificação e a notícia que lhe dá origem, — a intervenção da entidade reguladora tem de ser agilizada e não ficar refém de procedimentos administrativos sujeitos a prazos e diligências incontornáveis, pelo que é aplicável ao recurso sobre denegação do direito de resposta e de rectificação o procedimento previsto nos art.s 59º e 60º dos Estatutos da ERC.
f) No caso das alíneas a), c), d) e e) supra, ao ser denegado o exercício do direito de resposta, é ainda posto em causa o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20°, nº 5 da CRP.” (fls. 433 e 434)
Cumpre apreciar.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 838) com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. A título preliminar, importa frisar que as questões colocadas pelo presente recurso se reportam, exclusivamente, à determinação da constitucionalidade de normas extraídas de preceitos processuais que apenas regulam o processo cautelar [artigo 120º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA], mas já não chamados a dirimir o processo da acção principal de impugnação do acto administrativo. Como tal, independentemente da posição que se tome quanto à questão do conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade no domínio das providências cautelares quando se trate de questões que se voltarão a colocar na acção principal (num sentido mais restritivo, ver Acórdãos n.º 400/97, n.º 667/07, n.º 442/00 e n.º 457/07, disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.pt/; em sentido contrário, ver Acórdãos n.º 624/09 e n.º 62/10, idem), no presente caso, nada obstaria ao conhecimento deste recurso.
4. Porém, outras razões se detectam que conduzem à conclusão contrária, ou seja, no sentido da impossibilidade legal de conhecimento do objecto do presente recurso.
Desde logo, a recorrente inclui no objecto do presente recurso diversas questões que não assumem uma verdadeira natureza normativa, antes se traduzindo numa discordância face ao próprio teor da decisão recorrida. Ora, por força do artigo 277º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da inconstitucionalidade de normas jurídicas, mas não já das correspondentes decisões jurisdicionais.
Com efeito, as questões enunciadas nas alíneas c) e e) do requerimento de interposição de recurso nem sequer enunciam qualquer preceito legal do qual possa ser extraída qualquer interpretação normativa. Ou seja, não se identifica, em momento algum, uma contradição entre uma específica norma infra-constitucional e o respectivo parâmetro de validade constitucional. Pelo contrário, a recorrente limita-se a discordar da fundamentação da decisão recorrida segundo a qual os interesses protegidos pelo direito de resposta corresponderiam a interesses de natureza privada e, para além disso, que o procedimento administrativo previsto nos artigos 59º e 60º dos Estatutos da ERC não seria aplicável ao caso em apreço nos autos recorridos.
Acresce que a questão enunciada na alínea f) não possui qualquer autonomia normativa face às demais alíneas, limitando-se a acrescentar um outro parâmetro de alegada inconstitucionalidade, que, na perspectiva da recorrente, corresponderia à violação do direito de acesso à Justiça, para protecção expedita de direitos, liberdades e garantias pessoais (artigo 20º, n.º 5, da CRP.
Por conseguinte, não se conhece das questões enunciadas nas alíneas c), e) e f) do requerimento de interposição de recurso, por manifesta ausência de dimensão normativa.
5. Quanto às interpretações normativas identificadas nas alíneas a), b) e d), deve começar-se por salientar que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de questões de inconstitucionalidade normativa que tenham sido efectivamente colocadas, pelas partes, perante os tribunais recorridos, cabendo àquelas suscitar a respectiva inconstitucionalidade de modo processualmente adequado (artigo 72º, n.º 2, da LTC).
Da análise dos autos recorridos, verifica-se que as questões relativas à caracterização da publicação de decisão administrativa que confirma o exercício do direito de resposta como “facto consumado”, quando executada em momento anterior à decisão definitiva de acção administrativa de impugnação de tal decisão, remontam ao próprio requerimento cautelar originariamente apresentado pela ora recorrida. Com efeito, a recorrida invocou, precisamente, que a execução da decisão administrativa suspendenda esvaziaria de conteúdo a própria decisão definitiva no processo principal (cfr. §§ 89 e 90, a fls. 33), tendo a ora recorrida tido a oportunidade de contrariar tal perspectiva, em sede de oposição (cfr. §§ 55º a 73º, de fls. 138 a 142). Posteriormente, a própria decisão de primeira instância viria a confirmar o entendimento da ora recorrida – portanto, considerando que a execução da decisão administrativa impugnada correspondia à criação de um “facto consumado” (cfr. fls 158 e 159) –, ainda que viesse a negar provimento ao pedido de suspensão (fls. 159 a 163), com fundamento na preponderância dos interesses (público e privado) que conflituavam com o interesse da requerente (artigo 120º, n.º 2, do CPTA).
Perante esta decisão de não provimento, a ora recorrida viria a insistir na tese do efeito inutilizador da decisão a proferir na acção principal, por força da execução imediata da decisão administrativa impugnada (§§ 30 a 32, a fls. 174 e 175), passando a defender a inadequação do juízo de ponderação de interesses, efectuado ao abrigo do n.º 2 do artigo 120º do CPTA (§§ 33º a 73º, de fls. 175 a 182). Mais uma vez, a recorrente teve oportunidade de contraditar estes argumentos, conforme se comprova pelas conclusões das suas contra-alegações (fls. 214 a 217).
Por fim, a decisão ora recorrida viria a confirmar o entendimento da primeira instância de que a publicação imediata da decisão administrativa impugnada corresponderia a um esvaziamento do objecto da acção principal de impugnação (cfr. 1º parágrafo do § 5, a fls. 248) e a proceder a uma nova ponderação dos interesses em confronto, ao abrigo do n.º 2 do artigo 120º do CPTA, que implicou uma revogação da decisão de primeira instância e, por conseguinte, a decretação da providência de suspensão (cfr. fls. 248 e 249).
Sucede que, apesar das questões normativas que ora constituem objecto do presente recurso, terem sido discutidas desde o início do processo cautelar – e de a recorrente ter podido e contestado determinada aplicação das correspondentes normas –, não houve momento algum em que aquela tenha efectivamente suscitado a inconstitucionalidade de uma específica interpretação normativa extraída da alínea b) do n.º 1 ou do n.º 2 do artigo 120º do CPTA. Pelo contrário, a recorrente limitou-se a defender a sua interpretação acerca das normas infra-constitucionais aplicáveis, nunca lhes tendo associado qualquer violação de princípios ou normas constitucionais. Limitou-se apenas a enunciar alguns preceitos constitucionais, sem que, contudo, tenha associado tais parâmetros de validade a uma relação de antinomia com as normas infra-constitucionais cuja constitucionalidade pretende agora ver sindicada.
A mero título de exemplo, vejam-se, sucessivamente, a sua oposição ao requerimento cautelar:
“65º
Por outro lado, a tese da Requerente conduz necessariamente à concessão automática e directa das providências que visem a suspensão do exercício do direito de resposta.
66º
O que porá irremediavelmente em causa esse mesmo exercício do direito de resposta que, para ser eficaz, tem de ocorrer logo após a divulgação da notícia que lhe deu origem, sob pena de ocorrer denegação da tutela jurisdicional efectiva consagrada no art. 20º, nº 5 da CRP.” (fls. 140)
E as suas contra-alegações para o Tribunal Central Administrativo Sul:
“E) Esses prejuízos constituem um pressuposto legal e podem ser encarados sob duas perspectivas: prejuízo para o visado na notícia, que é impedido de veicular a sua versão dos factos ou de se insurgir contra o que entende ser uma ofensa à sua honra e bom, nome; e prejuízo para o interesse público que a entidade reguladora tem por missão acautelar, dado que o direito de resposta é integrante da própria liberdade de imprensa (art. 37º, nº 4 da CRP)” (fls. 215)
Aliás, ainda que sejam irrelevantes para efeitos de suscitação adequada da inconstitucionalidade – uma vez que foram rejeitadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, por incumprimento de pressupostos necessários à admissão e, portanto, não foram deduzidas previamente à decisão recorrida, que corresponde à produzida pelo Tribunal Central Administrativo Sul –, nem sequer em sede de reacção (legalmente inadmissível) à decisão ora recorrida logrou a recorrente suscitar qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, tendo apenas referido que:
“G) A concepção restritiva do direito de resposta – tal como resulta do acórdão recorrido – é manifestamente inconstitucional por violação do disposto no art. 37º, nº 4 da CRP, na medida em que contende com a natureza, conteúdo e alcance daquele direito fundamental.” (fls. 319)
“R) O acórdão recorrido ao restringir o papel da entidade reguladora, sobre a publicação ou recusa de uma resposta, ao de mero árbitro entre interesses particulares, desqualifica a missão que lhe cumpre levar a cabo, põe em causa as suas atribuições e incorre em violação do disposto no art. 39º da CRP.” (fls. 321)
Daqui decorre que, mesmo que se tivessem em consideração as alegações de recurso de revista – que não constituem articulado adequado à suscitação da inconstitucionalidade de interpretações normativas adoptadas pelo Tribunal Central Administrativo Sul e cuja apreciação apenas ocorre por mero dever de esgotamento de fundamentação –, nem sequer assim a recorrente teria suscitado, de modo processualmente adequado qualquer questão de inconstitucionalidade de normas jurídicas, tendo apenas colocado em crise a própria decisão jurisdicional, mas já não os comandos normativos decorrentes de um preceito legal de natureza infra-constitucional.
Aliás, conforme já supra evidenciado, através da enunciação da sucessiva tramitação dos autos recorridos, nem sequer se pode configurar a decisão recorrida como surpreendente, na medida em que aderiu a uma posição que foi sendo, sucessivamente, defendida pela recorrida nos autos e que, portanto, poderia ser objectivamente antevista pela ora recorrente. Cabia, portanto, à ora recorrente ter confrontado o tribunal recorrido com a alegada inconstitucionalidade das interpretações normativas por si adoptadas. Não o tendo feito, resta recusar o conhecimento do objecto do presente recurso, por incumprimento do ónus processual decorrente do n.º 2 do artigo 72º da LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.”
2. A recorrente vem agora reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, nos termos que ora se resumem:
“Vejamos, pois, cada uma das alíneas c), e) e f), constantes do pedido de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
1. Admite-se uma inadequada formulação das questões que se pretende submeter ao Tribunal Constitucional que deu origem, nomeadamente, à aparente separação entre o que consta das alíneas c) e d) do pedido. Daí que, na Decisão Sumária, tivesse sido considerado que o pedido da alínea c), para além de não “enunciar qualquer preceito legal do qual possa ser extraída qualquer interpretação normativa”, também padecia de “manifesta ausência de dimensão normativa”.
Por sua vez, o pedido da alínea d) foi rejeitado porque “a recorrente limitou-se a defender a sua interpretação acerca das normas infra-constitucionais aplicáveis, nunca lhes tendo associado qualquer violação de princípios ou normas constitucionais. Limitou-se apenas a enunciar alguns preceitos constitucionais, sem que, contudo, tenha associado tais parâmetros de validade a uma relação de antinomia com as normas infra-constitucionais cuja constitucionalidade pretende agora ver sindicada”.
Certo é, porém, que da leitura atenta das diversas alíneas do pedido se retira que a alínea c) está intimamente ligada à alínea d), como resulta da circunstância de ambas se referirem expressamente aos interesses em jogo numa providência cautelar em que é pedida a suspensão de deliberação da entidade reguladora que determinou a publicação de um texto ao abrigo do direito de resposta.
É preciso não esquecer que o Acórdão do TCA Sul é peremptório ao afirmar, no sumário, o seguinte:
“1. O direito de resposta e de rectificação geral - artº 37º nº 4 CRP – resolve-se como questão de direito entre particulares, na medida em que o titular passivo é um órgão de comunicação social detido por entidade do sector empresarial privado e o titular activo é uma pessoa singular destituída de quaisquer prerrogativas de autoridade pública”.
(…)
Admite-se que a inversão das alíneas em causa pudesse ajudar à compreensão do pedido, passando a ser a al. c) o complemento lógico da al. d).
O que já não é de todo razoável é que o problema colocado na Decisão Sumária tenha sido sumariamente abordado sem que tivesse sequer sido facultada à Recorrente a possibilidade de melhor explicitar o pretendido.
Na verdade, está previsto no art. 75ºA, nºs. 5 e 6 da LTC o poder-dever do relator no Tribunal Constitucional de convidar o requerente a indicar os elementos em falta no seu requerimento de interposição de recurso, designadamente os previstos no nº 2 do mesmo artigo, entre eles, a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado.
Ou seja, antes de ser feita a afirmação, a propósito da alínea c) do pedido, de que a Recorrente não enunciou “qualquer preceito legal do que possa ser extraída qualquer interpretação normativa”, deveria ter sido aquela convidada a suprir a invocada falta.
(…)
A ratio decidendi resulta evidente da fundamentação do Acórdão recorrido, onde se pode ler:
“Como já referido supra, no caso concreto dos autos o direito de resposta e de rectificação geral resolve-se como questão de direito entre particulares, na medida em que o titular passivo é um órgão de comunicação social detido por entidade do sector empresarial privado e o titular activo é uma pessoa singular destituída de quaisquer prerrogativas de autoridade pública.
O nosso ordenamento jurídico, repete-se, configura o direito de resposta como direito subjectivo juridicamente protegido ao mais alto nível, em sede constitucional, artº 37º nº 4 CRP, na veste de “elemento constituinte do direito de expressão e de informação em geral”, pelo que a sua natureza jurídica não é, pois, um comando, uma ordem.
(…)
A circunstância de o direito de resposta e rectificação geral revestir a natureza de direito fundamental no contexto da liberdade de expressão e informação, inserido no catálogo constitucional dos direitos liberdades e garantias por menção expressa do artº 37º nº 4 CRP, não contende com a questão trazida a juízo de violação dos requisitos normativos que pré-ordenam a publicação do texto de direito de resposta, objecto da recusa em causa – cfr. artºs. 24ºnº 1 e 26º nº 6 da Lei 2/99 (Lei de Imprensa) – que apenas envolve interesses de ordem privada e não interesses de ordem pública, quais sejam, o direito de resposta, do lado do titular activo – a contra interessada ora Recorrida C.; a obrigação imposta a terceiros, do lado do titular passivo - o órgão de comunicação social “A..” - vinculado por sujeição a abrir mão da liberdade editorial e inserir o texto enviado pela contra interessada ora Recorrida a título de direito de resposta”.
Se retirarmos as referências à identificação da contra interessada e do órgão de comunicação social, a mesma situação pode vir a repetir-se num número infindável de casos. Sempre que a entidade reguladora determinar a publicação de uma resposta, que tiver sido recusada por um órgão de comunicação social, a sua deliberação será suspensa pelo Tribunal se o art. 120º, nº 2 do CPTA for interpretado no sentido de que, nesses casos, estão apenas em causa interesses privados – o interesse da respondente e o interesse do órgão de comunicação social –, sendo postergado o interesse público defendido pela entidade reguladora, que decorre da tese de que o direito de resposta integra a própria liberdade de expressão e de informação, consagrada no art. 37º da CRP, pelo que lhe subjaz em fortíssimo interesse público.
2. É precisamente esta concepção restritiva quanto à natureza do direito de resposta adoptada pelo tribunal recorrido que leva este, em decisão surpresa, a afirmar que o procedimento a seguir pela entidade reguladora – em caso de ter de apreciar um recurso de particular por recusa de divulgação de um texto de resposta – é o que consta dos art.s 55º a 58º dos Estatutos da ERC (Procedimentos de queixa) e não o do art. 59º (Direito de resposta e de rectificação).
(…)
Poder-se-á argumentar que, efectivamente, o disposto nos art.s 59º e 60º dos Estatutos da ERC não foram aplicados pelo Acórdão recorrido. Contudo, sobre tal questão, leia-se o que vem dito pelo Conselheiro Carlos Lopes do Rego (ob. cit., pág. 112): “E deverá ainda considerar-se como «aplicação de uma norma» uma interpretação «restritiva» de tal norma, da qual resulte a sua inaplicabilidade ao caso concreto controvertido, de modo a obstar que a dita norma, nessa especifica interpretação, possa ser sindicada pelo Tribunal Constitucional à luz da Constituição (cfr., Acórdão nº 153/2000)”.
Expressamente se reconhece a dificuldade sentida pela Recorrente em explicitar uma “interpretação normativa” implícita no acórdão recorrido, ao considerar inaplicável o disposto nos art.s 59º e 60º dos Estatutos da ERC, que possa sustentar o recurso para o Tribunal Constitucional.
No entanto, a clarificação de uma tal questão é da maior importância para a subsistência do próprio direito de resposta enquanto direito fundamental efémero, cuja concepção assenta fundamentalmente na consideração do interesse público que lhe subjaz.
Por esse motivo, e porque o art. 75ºA, nºs 5 e 6, da LTC assim o impõe, deveria ter sido convidada a Recorrente a aperfeiçoar, no que diz respeito à alínea e), o seu pedido. Não lhe tendo sido facultada essa via para colmatar a deficiência detectada na formulação da referida alínea, vem procurar fazê-lo agora, apresentando a seguinte redacção:
e) Atendendo à imediaticidade que deve existir – entre a resposta/rectificação e a notícia que lhe dá origem – a intervenção da entidade reguladora tem de ser agilizada e não ficar refém de procedimentos administrativos sujeitos a prazos e diligências incontornáveis pelo que a interpretação dos art.s 59º e 60º dos Estatutos da ERC, segundo a qual o seu regime não é aplicável em caso de recurso sobre direito de resposta, tem como pressuposto que estejam em causa meros interesses particulares, em violação do disposto no art. 37º, nº 4 da CRP.
3. Sobre a questão enunciada na alínea f) do pedido, considera a Decisão Sumária que a mesma “não possui autonomia normativa face às demais alíneas, limitando-se a acrescentar um outro parâmetro de alegada inconstitucionalidade (…)”. Efectivamente assim é, sendo certo que não pode deixar de ser invocada mais essa consequência resultante do entendimento expresso no Acórdão recorrido sobre as questões suscitadas pela Recorrente
III – Posto isto, haverá que analisar o segundo fundamento invocado pela Decisão Sumária para recusar a admissibilidade do recurso.
(…)
Vejamos, pois, o que sobre cada uma das questões foi dito anteriormente pela Recorrente, quer na 1ª instância, quer no TCA Sul, não relevando o que acrescentou nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo já que a revista não foi sequer admitida.
Sobre a “situação de facto consumado” a que se refere a alínea a) do pedido, é certo que a mesma foi invocada logo no requerimento inicial pela requerente para fundamentar o invocado preenchimento dos requisitos da alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA (v. pontos 81, 89 e 92).
E porque são relevantes para a compreensão do que aqui está em causa (cfr. art. 72º, nº 2 da LTC) transcrevem-se, de seguida, os artigos da contestação da entidade reguladora, em que são invocadas normas e princípios constitucionais que importava salvaguardar:
53º
Em qualquer caso, é de assinalar que está aqui em causa um direito fundamental constitucionalmente consagrado – direito de resposta e de rectificação (art. 37º, nº 4 da CRP) – que não se compadece com a demora no seu reconhecimento, quer pela entidade reguladora, quer pelos tribunais.
54º
Efectivamente, nunca será de mais lembrar que o tempo mediático corre célere e um direito de resposta e de rectificação que venha a ser reconhecido no final de um processo judicial que se arrasta por vários anos é um não direito, uma aparência de direito e traduz-se na negação de uma tutela jurisdicional efectiva, também ela consagrada no art. 20º, nº 5 da C.R.P.
56º
Ao justificar o periculum in mora, vem a Requerente dizer que o não decretamento da providência acarretaria uma situação de facto consumado “pois com a publicação do texto de resposta nas páginas do A., ficará esvaziada de efeito a acção principal de impugnação da Deliberação 63/DR-I/2010” (ponto 89 do requerimento inicial).
65º
Por outro lado, a tese da Requerente conduz necessariamente à concessão automática e directa das providências que visem a suspensão do exercício do direito de resposta.
66º
O que porá irremediavelmente em causa esse mesmo exercício do direito de resposta que, para ser eficaz, tem de ocorrer logo após a divulgação da notícia que lhe deu origem, sob pena de ocorrer denegação da tutela jurisdicional efectiva consagrada no art. 20º, nº 5 da CRP.
67º
De forma bastante elucidativa, foi frisado por Vital Moreira que “a resposta destina-se a contestar uma notícia em tempo útil, devendo por isso manter uma relação de contemporaneidade com a notícia publicada. Não teria sentido deixar passar anos sobre uma notícia e vir responder-lhe quando esta já está esquecida na memória daqueles que dela tiveram conhecimento. É o que se chama princípio da actualidade ou da imediaticidade” (in ob. cit., pág.s 107 e 108).
68º
Conclui o mesmo Autor que “o direito de resposta é, por natureza, um «direito efémero» (...), que só tem sentido útil enquanto perdurar o impacto público da notícia a que se pretende responder” (in ob. cit. pág. 108)”.
No que diz respeito à ponderação dos interesses públicos e privados em jogo, foi ainda dito o seguinte:
80º
No caso em análise há dois interesses particulares em jogo: o da titular do direito de resposta e de rectificação que quer ver os seus textos publicados em tempo útil e o do órgão de comunicação social que entende que a divulgação daqueles textos tem reflexos negativos na sua imagem institucional, sem explicar porquê, nem de que forma.
81º
Mas existe ainda o interesse público prosseguido pela ERC em ver assegurado o direito de resposta em condições de igualdade e de eficácia, conforme determina o artigo 37º, n.º 4 da CRP.
82º
Interesse público esse que compete à ERC garantir pelo que a suspensão da deliberação inutiliza o próprio exercício do direito, cuja eficácia se perde se não for exercido em tempo útil, e põe em causa a própria competência da ERC nesta matéria, criando suspeitas sobre a sua actuação.
83º
A suspensão do acto recorrido afectaria irremediavelmente a imagem da ERC, as suas competências e autoridade, com grave lesão do interesse público expresso pelo legislador constituinte e ordinário quando a criou e definiu as suas actuais atribuições”.
A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal conheceu as concretas questões suscitadas pelas partes e apreciou-as, aferindo da sua relevância face às (in)constitucionalidades invocadas. Aí pode ler-se (pág 9):
“Em conclusão, este argumento traduz um efeito que, para além do plano jurídico no apontado sentido, também pelo senso comum e ordem natural das coisas se tem como evidente e necessário em consequência da obrigação de publicação decorrente da eficácia do acto da ERCS em causa – pelo menos quanto à parte decisória do acto suspendendo que determina a publicação do texto de resposta – pelo que não pode deixar de se concluir, a nosso ver, que é fundado o receio da constituição de uma situação de facto consumado tal como manifestado pela Requerente”.
Para concluir, a final:
“Todavia, á luz dos argumentos agora carreados pelas partes nestes autos, designadamente pela Entidade Requerida, outro nível de apreciação se impõe, que pode conduzir a resultado diverso daquele.
Vejamos então este prejuízo consubstanciado na inutilização do próprio exercício do direito de resposta se não for exercido em tempo útil, considerando este como um interesse que, embora privado, é atendível por estar em presença nestes autos, tal como o nº 2 do art. 120º do CPTA impõe.
O direito de resposta e rectificação – nº 4 do art. 37º da CRP – é um instrumento de defesa das pessoas contra qualquer opinião ou imputação de carácter pessoal ofensiva ou prejudicial, ou contra qualquer notícia ou referência pessoal inverídica ou inexacta, sendo constitucionalmente concebido como elemento constituinte do direito de expressão e informação em geral, independentemente da forma de exercício e do seu suporte ou veículo.
Tal como citado pela ERC a partir de «O Direito de Resposta na Comunicação Social» «a resposta destina-se a contestar uma notícia em tempo útil, devendo por isso manter uma relação de contemporaneidade com a notícia publicada. Não teria sentido deixar passar anos sobre a notícia e vir responder-lhe quando esta já está esquecida na memória daqueles que dela tiveram conhecimento. É o que se chama princípio da actualidade ou da imediatividade».
Neste contexto, está encontrado o ponto de incidência máxima dos prejuízos suscitados pela Requerida ERC e que está em presença nestes autos, assegurado pela deliberação suspendenda, ou seja, o concreto dano suscitado pela invocada inutilização do exercício deste direito.
Finalmente, ponhamo-los em confronto.
Por um lado, a consumação irreversível do prejuízo – sem que se possa concluir por acentuada gravidade – que acima vimos para a imagem e bom nome da Requerente.
Por outro, a consumação, pela violação do princípio da actualidade ou imediação, do prejuízo para o direito de resposta em causa que o acto suspendendo visa acautelar, incluído que está esse dever na alínea d) do nº 1 do artº 39º da CRP.
Ora, atendendo aos planos de ponderação carreados pelas partes e os direitos envolvidos, afigura-se de maior gravidade a ofensa do direito fundamental de resposta e rectificação com assento constitucional no nº 4 do art. 37º da CRP, face à referida consumação do dano, do que a gravidade, para a imagem e bom nome da Requerente, resultante da publicação do acto suspendendo com inclusão do texto de resposta.
Neste cenário, afigura-se que da concessão da suspensão da eficácia do acto poderão resultar danos que, na parte relativa à determinação de publicação do texto de resposta e aqui em causa (o ponto 2 daquele decisório), não se mostram superiores aos que podem resultar da sua não concessão.
É, pois, de não conceder tal providência cautelar”
No que respeita ao alegado no TCA Sul, há que salientar antes de mais, que a posição processual da aqui Recorrente estava sustentada na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, acima transcrita, que havia recusado a providência cautelar, tendo apenas que rebater a argumentação da requerente da providência.
Ainda assim, salientam-se os seguintes excertos:
“Na verdade, a natureza sui generis do direito de resposta, para ser dotada de efectividade, não se compadece com um exercício distanciado no tempo da notícia que lhe deu origem, nem tão pouco depende da apresentação de “fundamentos de facto” (v. ponto 36 das alegações), nem “careceria de demonstração no caso concreto” (v. ponto 45 das alegações), pelo simples facto de que a convicção do Tribunal a quo se bastou com a correcta interpretação de um pressuposto legal.
De forma bastante elucidativa, foi frisado por Vital Moreira que “a resposta destina-se a contestar uma notícia em tempo útil, devendo por isso manter uma relação de contemporaneidade com a notícia publicada. Não teria sentido deixar passar anos sobre uma notícia e vir responder-lhe quando esta já está esquecida na memória daqueles que dela tiveram conhecimento. É o que se chama princípio da actualidade ou da imediaticidade”.
Acrescenta que “o próprio titular do direito de resposta tem interesse em exercê-lo o mais depressa possível por duas razões: para não diminuir o impacto dela e para poder reformar a resposta dentro do prazo, caso ela venha a ser rejeitada por qualquer motivo não «absoluto»” (in O Direito de Resposta na Comunicação Social, Coimbra Editora, 1994, pág. 107 e 108).
Conclui dizendo que “o direito de resposta é, por natureza, um «direito efémero» (...), que só tem sentido útil enquanto perdurar o impacto público da notícia a que se pretende responder”.
Quer isto dizer que é esta a natureza do direito de resposta. Por opção clara do legislador, este só se efectiva se for imediatamente sequencial o lapso de tempo que decorre entre o artigo respondido e a publicação da resposta, sem necessidade de invocar ou provar prejuízos decorrentes da não publicação da mesma.
Por esse motivo, o Tribunal recorrido decidiu em absoluta conformidade com aquele princípio jurídico, dando assim prevalência aos interesses defendidos pela Recorrida e pela Contra-Interessada.
(…)
Como exposto na oposição apresentada pela Entidade Recorrida, o interesse público prosseguido pela ERC tem a ver com a necessidade em ver assegurado o direito de resposta em condições de igualdade e de eficácia, conforme determina o artigo 37º, n.º 4 da CRP.
(…)
De facto, esse interesse público compete à ERC garantir, sendo certo que a suspensão da deliberação inutilizaria o próprio exercício do direito – cuja eficácia se perde se não for exercido em tempo útil, como, aliás, já fora explicado supra – e põe em causa a própria competência da ERC nesta matéria, criando suspeitas sobre a sua actuação.
(…)
O direito de resposta, consagrado na CRP como integrante da liberdade de informação (art. 37º, nº 4), encontra-se regulado na Lei da Imprensa [art.s 24º a 27º], na Lei da Televisão [art.s 65º a 69º] e na Lei da Rádio [art.s 59º a 63º].
O art. 37º da CRP consagra a liberdade de expressão e informação, abrangendo esta última o direito de informar, de se informar e de ser informado (nº 1), e explicitando o nº 2 do mesmo artigo a proibição de qualquer tipo de censura. Contudo, como integrando a mesma liberdade de expressão e informação, há que tomar em consideração o nº 4 desse artigo que vem dizer: “A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos”.
Como bem salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, pág. 576: “A inserção do direito de resposta neste artigo [37º] e não no artigo seguinte (que tem por objecto a liberdade de imprensa), significa que ele é constitucionalmente concebido como elemento constituinte do direito de expressão e de informação em geral, independentemente da forma de exercício e do seu suporte ou veículo.”
Ora, o direito a informar pressupõe necessariamente que a informação seja veiculada com rigor e isenção, bem como o direito de ser informado conduz a que qualquer cidadão possa ter acesso às diversas versões sobre os factos noticiados, e não apenas àquela que um órgão de comunicação social entendeu ser a única fidedigna.
O direito de resposta e de rectificação é um direito indissociável da própria liberdade de informação que, sem ele, ficaria limitada no seu conteúdo e finalidade, para além de, dessa forma, poderem vir a ser afectados outros direitos fundamentais, tais como, o direito ao bom nome e reputação dos visados.
(…)
Resulta do exposto que o direito de resposta e de rectificação integra o complexo de direitos que definem a liberdade de expressão e de informação pelo que o seu não acatamento põe em causa um interesse público essencial que compete à entidade reguladora, no âmbito das suas atribuições, salvaguardar.
Ou seja, como bem entendido pelo Juíz a quo, e contrariamente à tese defendida pela Recorrente, “afigura-se de maior gravidade a ofensa do direito fundamental de resposta e rectificação com assento constitucional no nº 4 do art. 37º da CRP, face à referida consumação do dano”.
Resulta do que ficou transcrito que o que estava em discussão era efectivamente a questão da ponderação de interesses a que havia que proceder por força do disposto no art. 120º, nº 2 do CPTA.
Na verdade, a questão da “situação de facto consumado” não foi relevada pela sentença da 1ª instância como fundamento da decisão pelo que não teria a Recorrente de sobre ela se pronunciar nas suas contra-alegações, tendo-se limitado a rebater a argumentação da outra parte.
Já o Acórdão do TCA Sul foi mais incisivo (pág. 9):
“De modo que, se na pendência da causa principal sobreviver a publicação, é de total evidência que o quid discussão jurídica no domínio dos autos principais se perdeu pelo caminho e a sentença a proferir naquele processo principal já não terá qualquer relevância – nomeadamente de sentença cujo efeito jurídico seja no sentido da bondade da recusa de publicação – porque o facto já está consumado com a publicação dos ditos três textos enviados a título de exercício de direito de resposta (…)”.
O que não impediu o mesmo tribunal de reconhecer ao direito de resposta a natureza de “direito efémero” “que só tem sentido útil enquanto perdurar o impacto público da notícia a que se pretende responder. Daí o estabelecimento de prazos curtos para o exercício de direito de resposta” (v. pág. 7).
Segundo, o Conselheiro Carlos Lopes do Rego (ob. cit. pág. 105): “(…) tem o Tribunal Constitucional entendido que incumbe ao recorrente fornecer ao tribunal uma justificação ou fundamentação mínima para a inconstitucionalidade que invoca: para além de ter necessariamente de confrontar o tribunal que irá proferir a decisão, impugnada perante o tribunal Constitucional, com a indicação de quais são, na sua perspectiva, as normas ou princípios constitucionalmente violados, carece a parte de justificar, em termos inteligíveis e concludentes, a imputação de inconstitucionalidade que faz, articulando-a com um suporte argumentativo mínimo, problematizando a validade constitucional das normas questionadas com um mínimo de substanciação que permita ao tribunal saber que, antes de esgotado o seu poder jurisdicional, tem uma questão jurídico-constitucional para decidir”.
Julga-se ter sido cumprido tal desiderato, razão pela qual não se entendem os motivos que conduziram à não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inobservância do disposto no art. 72º, nº 2 da LTC.”
3. Notificada para o efeito, a recorrida deixou esgotar o prazo sem que viesse aos autos apresentar qualquer resposta.
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Deve começar-se por apreciar o argumento de que a decisão reclamada de não conhecimento, quanto às alíneas c), e) e f), não poderia ter sido proferida sem que antes a Relatora procedesse a convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75º-A, n.º 6, da LTC.
Resulta inequívoco, da leitura daquelas questões (conforme enunciadas no requerimento de interposição de recurso) que, apesar de autonomizadas, elas não visam colocar em crise a constitucionalidade de normas jurídicas que já não estivessem discriminadas naquele requerimento. Aliás, conforme a própria reclamante agora admite, a alínea c) limita-se a acrescentar argumentação à questão de inconstitucionalidade enunciada na alínea d), enquanto a alínea f) – conforme já evidenciado pela decisão reclamada – apenas tem por função acrescentar novos fundamentos de inconstitucionalidade às questões enunciadas nas alíneas anteriores.
Assim sendo, ao apontar a falta de dimensão normativa das alíneas c) e f) a decisão reclamada limitou-se a precisar o objeto (defeituosamente) fixado pela reclamante, frisando que aquelas alíneas apenas faziam sentido se incorporadas nas efetivas questões de inconstitucionalidade normativa que foram colocadas nas demais alíneas; como, aliás, vem agora reconhecer a reclamante. Deste modo, a reclamante não ficou impedida de ver conhecidas as respetivas questões de inconstitucionalidade – por força exclusiva daquela falta de dimensão normativa –, razão pela qual não faria sentido algum proceder a convite ao aperfeiçoamento.
Quanto à alínea e), pode afirmar-se que a mesma não é passível de ser incorporada em qualquer das questões normativas efetivamente enumeradas como objeto do recurso [alíneas a), b) e d)]. Pelo contrário, dispõe de autonomia face às demais. Porém, nesse caso, a reclamante limitou-se a tecer uma consideração sobre a circunstância de a decisão recorrida não ter aplicado os artigos 59º e 60º dos Estatutos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), não requerendo a inconstitucionalidade daquelas normas – na medida em que preconiza a sua aplicação –, nem tão pouco mencionando qualquer norma efetivamente aplicada pela decisão recorrida que padecesse de inconstitucionalidade.
Pretende, contudo, a reclamante que – por não o ter feito – caberia à Relatora convidá-la a fazê-lo. Não tem razão. O instituto do convite ao aperfeiçoamento (artigo 75º-A, n.º 6, da LTC), não tem como objetivo, nem deve servir como instrumento da sucessiva ampliação do objeto dos recursos de constitucionalidade, que, conforme decorre de jurisprudência consolidada neste Tribunal, deve ser fixado no requerimento de interposição de recurso. Por conseguinte, sendo possível individualizar, pelo menos, três questões de inconstitucionalidade normativa, não se vislumbra de que modo é que o mecanismo de convite ao aperfeiçoamento poderia ser tido por obrigatório. Se a reclamante pretendia fixar como objeto do presente recurso outras interpretações normativas para além daquelas que logrou identificar, deveria tê-lo feito, não cabendo a este Tribunal suprir as suas falhas.
Confirma-se, portanto, a decisão reclamada quanto ao não conhecimento das questões c), d) e e), por não assumirem natureza normativa.
5. Quanto ao mais, ou seja, a falta de suscitação processualmente adequada das questões enunciadas nas alíneas a), b) e d), impõe-se frisar que as várias citações extraídas pela ora reclamante, quer da sua resposta ao requerimento cautelar, quer das sucessivas decisões jurisdicionais, vêm apenas confirmar que aquela nunca colocou os tribunais recorridos perante verdadeiras questões de inconstitucionalidade de normas jurídicas.
É certo que a reclamante teceu inúmeras considerações sobre Direito Constitucional, designadamente sobre a articulação entre os vários direitos fundamentais em presença: direito à tutela jurisdicional efetiva, direito de resposta, liberdade de expressão, liberdade de imprensa. Porém, isso não basta para que se dê por preenchido o ónus de prévia suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa. Na medida em que o Tribunal Constitucional apenas conhece da constitucionalidade de “normas jurídicas” (artigo 280.º da CRP), forçoso é que os recorrentes impugnem expressamente determinada norma jurídica que seja passível de aplicação pelos tribunais comuns, demonstrando que essa contraria determinados preceitos constitucionais.
Ora, a reclamante nunca colocou os tribunais recorridos perante a questão de terem de decidir sobre a inconstitucionalidade das normas extraídas quer da alínea b) do n.º 1, quer do n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na medida em que nunca individualizou tais normas nem nunca lhes imputou uma específica violação de normas ou princípios constitucionais.
Ao invés, limitou-se a tecer considerações, genéricas – ainda que relevantes num plano mais global, conceda-se – ao conflito entre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, por um lado, e o direito de resposta, por outro.
Por fim, quanto à questão da alegada inconstitucionalidade da norma extraída da alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA – ou seja, da ocorrência de uma “situação de facto consumado” –, é a própria reclamante quem, indiretamente, acaba por confessar que nunca chegou a suscitá-la perante o Tribunal Central Administrativo – Sul (TCA-S). Senão, veja-se:
“No que respeita ao alegado no TCA Sul, há que salientar antes de mais, que a posição processual da aqui Recorrente estava sustentada na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, acima transcrita, que havia recusado a providência cautelar, tendo apenas que rebater a argumentação da requerente da providência.”
(…)
Na verdade, a questão da “situação de facto consumado” não foi relevada pela sentença da 1ª instância como fundamento da decisão pelo que não teria a Recorrente de sobre ela se pronunciar nas suas contra-alegações, tendo-se limitado a rebater a argumentação da outra parte.”
Dito de outro modo, na medida em que o recorrido nos presentes autos, em sede de recurso para o TCA-S, não impugnou – porque não podia, por falta de legitimidade processual – o juízo sobre o preencimento do requisito do “fumus boni iuris” [artigo 120º, n.º 1, alínea b), do CPTA], que lhe havia sido favorável, a ora reclamante optou por apenas rebater a fundamentação do recurso ordinário, não curando de prevenir a possibilidade de o tribunal superior vir a mudar o entendimento da primeira instância. Como é evidente, “ad cautelam”, a ora reclamante deveria, em sede de contra-alegações para o TCA-S, ter suscitado as inconstitucionalidades resultantes das alíneas a) e b) que constituem objeto do presente recurso, na eventualidade de aquele tribunal vir dar razão à recorrida nos presentes autos. Não o fez, contudo.
E não pode sequer alegar – nem o fez – que a decisão do TCA-S, quanto às alíneas a) e b) do presente recurso fosse surpreendente, na medida em que aquele adere à fundamentação que a ora recorrida desenvolveu nas suas alegações de recurso ordinário para aquele tribunal.
Como tal, a reclamante não suscitou de modo processualmente adequado as questões que elencou nas alíneas a), b) e d) do requerimento de interposição de recurso, pelo que, em estrita aplicação do n.º 2 do artigo 72º da LTC, confirma-se integralmente a decisão reclamada.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pela recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 22 de fevereiro de 2012. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.