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Processo nº 274/95
2ª secção Relqtor: Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A apresentou no Tribunal Cível da comarca do Porto um pedido de injunção contra B, director do denominado 'Grupo C', que instruiu com documentos, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 106.567$00, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Por se haver frustrado a notificação do requerido por via postal, foi o pedido levado à distribuição nos termos do nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro.
Como o requerido se achava em parte incerta, foi citado editalmente, depois do que o juiz ordenou a citação do Ministério Público, nos termos do artigo 15º do Código de Processo Civil, para contestar, querendo.
Designado dia para julgamento - e depois de um adiamento
'por impedimento momentâneo' do advogado -, veio este a apresentar rol de testemunhas.
O juiz, no entanto, por despacho de 16 de Fevereiro de
1995, ordenou o desentranhamento daquele rol, por entender que era logo de início que o autor devia ter dado cumprimento ao disposto no artigo 793º do Código de Processo Civil.
O autor, notificado deste despacho, veio arguir a inconstitucionalidade - por violação da garantia do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20º, nº 1, da Constituição - do nº 2, in fine, do artigo 6º do Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, 'na interpretação de que, conclusos os autos ao juiz após a redistribuição (sic), já não poderá ser apresentado rol de testemunhas'.
O juiz, por despacho de 3 de Março de 1995, manteve o despacho de 16 de Fevereiro de 1995; referiu que 'o A. não pode retirar a interpretação que apresenta relativamente ao artigo 6º, nº 2, do Decreto-Lei nº
404/93' e que 'não refere, ou melhor não menciona quais [as] normas constitucionais violadas'. E concluiu que, 'logo que se opta pelo processo de injunção, à partida tem a parte de se precaver com a hipótese de os autos seguirem a forma de acção declarativa e não a executiva'.
2. É deste despacho (de 3 de Março de 1995) que vem o presente recurso, interposto pelo autor ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da norma do nº 2, in fine, do artigo 6º do Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, interpretado no sentido de que, 'após a distribuição de um processo de injunção frustrado, já não poderá ser apresentado rol de testemunhas'.
Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações, que concluiu dizendo que a norma do mencionado nº 2 do artigo 6º, interpretada no sentido apontado, é inconstitucional.
De sua parte, o Procurador-Geral Adjunto contra-alegou, concluindo do modo que segue:
1 - Inexistindo, em processo declarativo sumaríssimo, uma fase autónoma de saneamento e condensação, é perfeitamente adequado - ponderado o princípio da celeridade e economia processual - impôr às partes o ónus de indicarem as provas que pretendem produzir juntamente com os articulados em que aleguem os facto considerados relevantes.
2 - Sendo perfeitamente previsível para a parte que desencandeia um processo de injunção a eventualidade de o mesmo se converter em processo sumaríssimo - bastando, para tal, que o requerido não haja sido citado por via postal - não constitui restrição excessiva ou desproporcionada ao direito de acesso aos tribunais a imposição de, prevendo tal eventualidade, apresentar logo com a petição os requerimentos probatórios. Termos em que deve ser julgado improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir se a norma do artigo 6º, nº 2, in fine, na interpretação apontada, é ou não inconstitucional.
II. Fundamentos:
4. A injunção é uma providência instituída pelo Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, destinada a permitir ao credor de uma obrigação pecuniária decorrente de contrato, cujo valor não exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, a obtenção, de forma célere e simplificada, de um título executivo.
Na verdade - lê-se no preâmbulo -, 'após a apresentação na secretaria do tribunal territorialmente competente do pedido de injunção, atribui-se ao respectivo secretário judicial competência para proceder à notificação do requerido e, na ausência de oposição, também para a imediata aposição da fórmula executória na injunção'.
Se, porém, o requerido deduzir oposição ou se, antes disso, a notificação do mesmo, por via postal, se frustrar, 'o secretário judicial do tribunal apresentará os autos à distribuição, sendo conclusos ao juiz, o qual, se o estado do processo o permitir, designará, desde logo, o dia para julgamento, observando-se a tramitação estabelecida para o processo sumaríssimo' (cf. artigo 6º, nº 2).
5. A norma, cuja constitucionalidade vem questionada, é, justamente, a da parte final do nº 2 do artigo 6º, que acabou de transcrever-se, interpretado no sentido de que, após a distribuição do pedido de injunção, subsequente à frustração da notificação postal do requerido, o requerente
(autor) já não poderá apresentar rol de testemunhas - interpretação que, na tese do recorrente, viola a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República.
O recorrente não tem razão.
Dir-se-á, antes de mais, que a norma, cuja constitucionalidade o recorrente questiona, fazendo-a derivar da parte final do nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, se pode, desde logo, extrair do artigo 3º do mesmo diploma legal, na remissão que faz para o artigo 793º do Código de Processo Civil.
De facto, o referido artigo 3º prescreve que, 'no requerimento de injunção, deve o requerente expor os factos que fundamentam a sua pretensão, juntando os documentos comprovativos, se os houver, concluindo pelo pedido da prestação a efectuar, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 793º do Código de Processo Civil'.
Ora, este artigo 793º (relativo ao processo sumaríssimo) dispõe que, na petição inicial, 'o autor exporá a sua pretensão e os fundamentos dela e indicará o nome e domicílio do réu e das testemunhas.
Com dizer isto não se pretende concluir que a decisão recorrida não tenha feito aplicação do mencionado artigo 6º, nº 2, in fine - caso em que faltaria um pressuposto de conhecimento do recurso, a saber: o ter sido aplicada a norma arguida de inconstitucional.
É que, não tendo o juiz, no despacho que ordenou o desentranhamento do rol de testemunhas, indicado a disposição legal do Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, ao abrigo do qual tal ordenava, limitando-se a fazer apelo à circunstância de, na falta de notificação do requerido, a injunção dever seguir a forma de processo declaratório, não é irrazoável que o requerente tenha admitido que essa doutrina a extraía ele do mencionado artigo 6º, nº 2.
Aceita-se, pois, como tendo sido aplicado implicitamente pela decisão recorrida este preceito de lei, na interpretação que atrás se deixou apontada.
6. Os elementos probatórios de que o requerente da injunção dispuser devem por ele ser indicados no requerimento da providência, à semelhança do que se passa com o processo sumaríssimo, em que o autor também tem o ónus de os indicar na petição inicial.
É isto algo que decorre da circunstância de não haver aí uma fase de saneamento e condensação, em que o juiz defina os factos relevantes para a decisão da causa que às partes cumpra provar de acordo com as regras de distribuição da carga probatória, aliado, naturalmente, a razões de economia e de celeridade processuais.
O ónus de se indicarem logo no requerimento de injunção todos os elementos de prova de que se disponha (documentos e outros) apresenta-se, assim, com bom fundamento material, para além de que não representa qualquer exigência excessiva ou desproporcionada, que restrinja o direito de acesso aos tribunais, designadamente, porque não torna o seu exercício particularmente oneroso.
De facto, é absolutamente previsível a eventualidade de a providência de injunção passar a correr termos como processo sumaríssimo, pois, para que tal aconteça - e sem considerar, agora, o caso de ser deduzida oposição, que aqui não está em causa -, basta que o requerido não seja notificado por via postal. Numa tal hipótese, o requerente pode ver-se na necessidade de ter que produzir prova, em julgamento, dos factos que alegou. Não pode, porém, dizer-se que, com isso, seja afectado o seu direito a fazer examinar a sua causa por um tribunal independente e imparcial, com a possibilidade de produzir perante ele as provas de que dispuser, pois basta um mínimo de diligência de sua parte para carrear para o processo o material probatório necessário à decisão justa do feito.
A isto acresce que, não havendo na injunção uma fase de saneamento e condensação, não há motivo para que se alongue o processo com a concessão de prazos para a apresentação de provas que podem ser apresentadas logo no requerimento em que se formula o pedido.
7. Conclusão:
Tudo, pois, concorre para concluir que a norma aqui sub iudicio não é inconstitucional. Designadamente, ela não viola a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida quanto ao julgamento de constitucionalidade que nela se contém.
Lisboa, 6 de Março de 1996 Messias Bento José de Sousa e Brito
Guilherme da Fonseca Bravo serra Luis Nunes de Almeida