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Processo: n.º 371/92.
Plenário
Relator: Conselheiro Messias Bento.
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I — Relatório
1 — A. e outros recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção),
pedindo a declaração de nulidade do Despacho n.º 1332/90, de 10 de Julho de
1990, do Secretário de Estado do Tesouro, publicado no Diário da República, II
Série, de 1 de Setembro de 1990, que não homologou a decisão da Comissão
Arbitral, constituída nos termos do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, para
avaliação dos valores da indemnização devida pela nacionalização da sociedade
«Companhia Sintra Atlântico», de cujo capital social os recorrentes possuíam
percentagens diversas.
Nas alegações que então apresentaram, os recorrentes suscitaram a
inconstitucionalidade do artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro,
e do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, os quais — disseram —
violam a «reserva da jurisdição instituída nos artigos 205.º e 206.º da
Constituição da República» e a «separação de poderes consagrada pela Lei
Fundamental (citado artigo 114.º)».
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 24 de Março de 1992, da Secção
do Contencioso Administrativo (1.ª Secção, 2.ª Subsecção), recusou aplicação,
com fundamento em violação dos artigos 205.º e 206.º da Constituição da
República, ao artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (redacção
do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro), e ao artigo 24.º do Decreto-Lei
n.º 51/86, de 14 de Março, e, em consequência, declarou nulo o acto impugnado.
2 — É deste acórdão que vêm os presentes recursos, interpostos ao abrigo da
alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo
Ministério Público, um, e o outro, pelo Secretário de Estado do Tesouro, visando
ambos a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º
80/77, de 26 de Outubro, e do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de
Março.
Neste Tribunal, alegaram os recorrentes e os recorridos.
O Procurador-Geral Adjunto formulou as seguintes conclusões:
1.º Não são inconstitucionais, pois não violam qualquer princípio ou preceito
constitucional, designadamente os artigos 205.º e 206.º da Lei Fundamental, as
normas constantes do n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, na
redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e do artigo 24.º do
Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, na medida em que estabelecem que as
decisões das comissões arbitrais terão validade após homologação, por despacho
do Ministro das Finanças e do Plano.
2.º Deve, em consequência, conceder-se provimento ao recurso, determinando-se
a reforma da decisão recorrida, na parte impugnada.
O Secretário de Estado do Tesouro disse, a concluir:
Termos, em que se conclui, pela não inconstitucionalidade das normas constantes
do n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, na redacção
atribuída pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e do artigo 24.º do
Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, na medida em que consignam que as
decisões das comissões arbitrais terão validade após homologação do Ministro das
Finanças, não violando qualquer princípio ou preceito constitucional,
designadamente, os artigos 205.º e 206.º da Constituição da República
Portuguesa.
Deve, em consequência, dar-se provimento ao presente recurso, devendo ordenar-se
a reforma da decisão recorrida em conformidade com a posição ora defendida na
matéria da constitucionalidade das normas atrás apontadas.
Os recorridos concluíram como segue:
a) A Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, na primeira redacção,
prevendo a emergência de litígios entre a Administração e os interessados na
indemnização devida pela nacionalização de bens objecto de propriedade privada,
institui uma comissão arbitral — de que fixa a composição — para, em via de
recurso, resolver tais litígios;
b) As atribuições e competência deferidas pela Lei n.º 80/77, na
primeira redacção (ut, artigo 16.º, n.os 1 e 4), e a natureza e eficácia das
suas decisões (citado artigo 16.º, n.os 8 e 11) qualificam a comissão arbitral
como órgão jurisdicional e as suas decisões finais como actos jurisdicionais
susceptíveis de produzir efeitos de res judicata;
c) O artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, na redacção do
Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º
51/86, de 14 de Março, condicionando a validade das decisões das comissões
arbitrais, instituídas ao abrigo daquela Lei, à homologação por despacho do
Ministro das Finanças e do Plano, viola a reserva de jurisdição estabelecida nos
artigos 205.º e 206.º da Constituição da República e a separação de poderes
consagrada no artigo 114.º da Lei Fundamental.
Termos em que, supridas as deficiências do patrocínio, deve ser negado
provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida, […].
3 — Corridos os vistos, cumpre decidir a questão de saber se sim (ou não) são
inconstitucionais os artigos 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro
(redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro), e 24.º do Decreto-Lei
n.º 51/86, de 14 de Março (não está, aqui, em causa a primitiva redacção do
artigo 16.º da Lei n.º 80/77, uma vez que ela não era aplicável ao caso, nem o
acórdão recorrido a desaplicou).
É o que vai fazer-se.
II — Fundamentos
4 — O artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (na redacção do Decreto-Lei
n.º 343/80, de 2 de Setembro) — que, entretanto, foi revogado pelo Decreto-Lei
n.º 332/91, de 6 de Setembro (cfr. artigo 12.º) —, cujo n.º 6 aqui está sub
judicio, preceitua como segue:
Artigo 16.º
1 — Sem prejuízo do recurso para outras instâncias competentes, a resolução de
quaisquer litígios relativos à titularidade do direito à indemnização e à sua
fixação, liquidação e efectivação poderá ser feita por comissões arbitrais.
2 — As comissões arbitrais serão constituídas a requerimento dos titulares de
direito à indemnização, dirigido ao Ministro das Finanças e do Plano, de acordo
com os seguintes princípios:
a) Só pode haver uma comissão arbitral para os ex-sócios ou
accionistas de uma mesma empresa nacionalizada;
b) Só pode haver uma comissão arbitral para os comproprietários
de um mesmo bem nacionalizado ou expropriado.
3 — Cada comissão arbitral será constituída por três membros, sendo um
representante do Governo, outro da parte litigante e o terceiro, que presidirá,
um árbitro escolhido por mútuo acordo entre os dois primeiros.
4 — O Governo designará o seu representante no prazo de 30 dias a contar da
solicitação de constituição da comissão arbitral, devendo esta emitir a sua
decisão no prazo máximo de 60 dias após a sua entrada em funcionamento.
5 — O Ministro das Finanças e do Plano fixará, por despacho, os emolumentos
devidos ao árbitro presidente, os quais serão satisfeitos pelo litigante.
6 — As decisões das comissões arbitrais terão validade após homologação por
despacho do Ministro das Finanças e do Plano publicado na II Série do Diário da
República.
7 — Dos despachos que recaiam sobre decisões das comissões arbitrais cabe
recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
8 — Os requerimentos visando a criação de comissões arbitrais só terão efeito se
forem enviados ao Ministro da Finanças e do Plano no prazo de 30 dias a contar
da data do despacho ou acto que seja causa de litígio.
De sua parte, o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março [diploma
que visa regulamentar o artigo 16.º da Lei n.º 80/77 e que, entretanto, foi
revogado pelo Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro (cfr. artigo 12.º)]
reproduz a doutrina do n.º 6 daquele artigo 16.º Assim, dispõe como segue:
Artigo 24.º
As decisões das comissões arbitrais terão validade após a homologação por
despacho do Ministro das Finanças, publicado no Diário da República, II Série.
O artigo 25.º deste Decreto-Lei n.º 51/86 prescreve que, dos despachos que
recaiam sobre as decisões das comissões arbitrais (homologando-as ou não), cabe
recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
Como se vê da leitura do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro
(redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro), e dos artigos 3.º e 13.º
do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março, os «litígios relativos à titularidade
do direito à indemnização, à sua fixação, liquidação e efectivação» podem ser
resolvidos por comissões arbitrais — uma por cada empresa ou por bem
nacionalizado ou expropriado (n.os 1 e 2 do artigo 16.º citado e artigos 3.º e
13.º do Decreto-Lei n.º 51/86). As decisões proferidas por tais comissões
carecem de homologação do Ministro das Finanças (n.º 6 do citado artigo 16.º e
artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86), havendo recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo dos despachos ministeriais que recaiam sobre elas (n.º 7 do
artigo 16.º e artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 51/86).
As comissões arbitrais só intervirão se os titulares do direito à indemnização o
requererem (artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 80/77 e artigo 3.º do Decreto-Lei n.º
51/86). Por isso, essa possibilidade de intervenção existe, como diz o n.º 1 do
artigo 16.º, «sem prejuízo do recurso para outras instâncias competentes». Ou
seja: a par do direito de recorrer aos tribunais, para a resolução das questões
atinentes ao direito à indemnização de que aqui se trata, abre-se aos
particulares a via (facultativa) de acesso a comissões arbitrais.
5 — Este Tribunal, em fiscalização abstracta sucessiva, já confrontou o artigo
16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80,
de 2 de Setembro) com o direito ao recurso contencioso, consagrado na
Constituição (artigo 269.º, n.º 2, na sua versão originária, passando, depois,
na versão de 1982, para o artigo 268.º, n.º 3, e, na versão de 1989, para o
artigo 268.º, n.º 4). Fê-lo no Acórdão n.º 39/88, publicado no Diário da
República, I Série, de 3 de Março de 1988. Escreveu-se, então:
Pretende-se que a disciplina legal acabada de descrever «compromete o êxito do
recurso à via jurisdicional».
E isso seria assim porque as decisões das comissões arbitrais carecem de
homologação ministerial. E, então, bastaria que o Ministro as não homologasse
para que o recurso, a interpor do respectivo despacho, só pudesse visar a
anulação deste «nos limitados termos em que o direito português prevê a
fiscalização jurisdicional do exercício de poderes discricionários» (cfr.
parecer junto pela CIP).
Esta argumentação não procede, porém.
Vejamos:
O Ministro das Finanças só haverá de decidir-se pela não homologação da decisão
de uma comissão arbitral quando esta não respeitar os critérios legais. E, ao
fazê-lo, fundamentará a sua decisão, tal como quando o despacho for
homologatório (cfr. artigo 268.º, n.º 2, da Constituição e artigo 1.º do
Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho).
A ser assim, como parece, não se vê como o recurso a interpor do despacho
ministerial deva restringir-se à invocação do desvio do poder. Haja o Ministro
homologado ou não a decisão da comissão arbitral, sempre o recurso haverá de
poder fundamentar-se em outros vícios de que o acto administrativo acaso padeça.
É certo que, sendo o recurso em causa um recurso de mera legalidade, as
possibilidades que o Supremo Tribunal Administrativo tem de avaliar a correcta
ou incorrecta aplicação dos critérios legais de determinação dos valores das
indemnizações — e, assim, de anular o despacho impugnado — são, naturalmente,
mais limitadas do que se se tratasse de um recurso de plena jurisdição: só
quando se prove a ilegalidade dos métodos adoptados ou dos critérios utilizados
na avaliação é que a anulação é possível.
Nada disto, porém, afecta a garantia do recurso contencioso, consagrada no
artigo 268.º, n.º 3, da Constituição, quando preceitua:
Artigo 268.º […]
3 — É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em
ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios,
independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um
direito ou interesse legalmente protegido.
Na verdade, como este Tribunal já decidiu por mais de uma vez, seguindo a
jurisprudência da Comissão Constitucional, «a garantia de recurso contencioso
tem por conteúdo a possibilidade de acesso aos tribunais para defesa dos
direitos». O que se quer é «fazer valer de forma expressa para os actos
administrativos definitivos e executórios […] a doutrina geral consignada pela
parte primeira do artigo 20.º, quando dispõe que ‘a todos é assegurado o acesso
aos tribunais para defesa dos seus direitos [...]’. Garante-se aí aos
interessados a possibilidade de impugnação dos actos administrativos viciados»
(cfr. Acórdão n.º 86/84, in Diário da República, II Série, de 2 de Fevereiro de
1985, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 354, pp. 229 e segs.).
Ora, seja qual for o fundamento que, para impugnação do despacho ministerial, os
particulares possam invocar, e bem assim as possibilidades de que disponha a
jurisdição administrativa para sindicar o acto impugnado, uma coisa é certa: o
acesso à via judicial para atacar um acto administrativo eventualmente viciado
aí está. Mas, mais do que isso: os particulares podem, como já se mostrou,
lançar mão da via judicial, não já para atacar o despacho do Ministro que
homologou ou não a decisão da comissão arbitral, a que decidiram recorrer, mas
sim para, nessa sede, serem decididas as questões suscitadas pela titularidade
do direito à indemnização, pela sua fixação, liquidação e efectivação.
Concluindo este ponto: o artigo 16.º da Lei n.º 80/77 (redacção do Decreto-Lei
n.º 343/80) não viola, pois, a garantia de recurso contencioso, consagrada no
n.º 3 do artigo 268.º da Constituição.
(Um comentário a este acórdão e, concretamente, sobre este ponto pode ver-se em
José de Oliveira Ascensão, Expropriações e Nacionalizações, Lisboa, 1989, pp.
230 e segs., esp. pp. 258-9).
Não há razão para alterar a conclusão a que, então, se chegou e que vale, por
identidade de razões para o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de
Março.
6 — Aliás, verdade seja dita que os recorridos também não sustentam haver
violação do direito ao recurso contencioso; o que sustentam é que o n.º 6 do
artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro (redacção do Decreto-Lei n.º
343/80, de 2 de Setembro) viola os artigos 205.º e 206.º (reserva do juiz) e
114.º (separação de poderes) da Constituição (quanto aos artigos 205.º e 206.º,
na versão de 1982, claro, pois que, na de 1989, em causa estão os n.os 1 e 2 do
artigo 205.º, como adiante se verá).
Essa é também a via por que o acórdão recorrido chega à inconstitucionalidade
das normas sub iudicio. Escreveu-se, aí, a propósito:
Deste modo, quando o artigo 16.º, n.º 6, da Lei n.º 80/77, na redacção dada pelo
Decreto-Lei n.º 343/80, e o artigo 24.º do Decreto--Lei n.º 51/86 conferem ao
Ministro das Finanças e do Plano o poder de fixar as indemnizações devidas por
actos de nacionalização ou expropriação, através da homologação ou não
homologação das «decisões» das comissões arbitrais estão a atribuir àquele órgão
administrativo o poder de decidir, em termos autoritários, um conflito de
interesses em que a própria Administração é parte interessada, atribuindo-lhe um
poder próprio da função jurisdicional que a Constituição reserva aos Tribunais e
exclui da função administrativa que ao Governo compete […].
Para o acórdão recorrido, pois, a fixação de indemnização devida por
nacionalização é matéria em que é ao juiz que cabe, não apenas a última, mas
logo a primeira palavra.
É, pois, ao confronto das normas sub iudicio com o princípio da reserva do juiz
que há que proceder, uma vez que, se os artigos 205.º e 206.º da Constituição
não forem violados, também, por razões óbvias, o não será o princípio da
separação de poderes, consagrado no artigo 114.º da Lei Fundamental.
Este Tribunal já analisou a essa luz o artigo 16.º da Lei n.º 80/77, mas tendo
em conta a sua redacção originária. Fê-lo no Acórdão n.º 280/89, publicado no
Diário da República, II Série, de 12 de Junho de 1989, tirado em fiscalização
concreta. Aí se concluiu no sentido da não inconstitucionalidade do preceito
em causa.
Tem aqui pleno cabimento o que então se escreveu para concluir que, tendo em
conta os termos em que essa competência é exercida, o facto de a lei cometer a
fixação das indemnizações devidas por nacionalizações a entidade diversa do juiz
(recte, ao Ministro das Finanças) não constitui violação do princípio da reserva
da função jurisdicional aos juízes e aos tribunais.
Sublinha-se que a doutrina do artigo 205.º (na redacção original e na de 1982)
corresponde, na versão de 1989, ao n.º 1 desse artigo 205.º; e que a do artigo
206.º (também da redacção original e da de 1982) consta, hoje, do n.º 2 do mesmo
artigo 205.º Prescreve-se, aí:
Artigo 205.º
(Função jurisdicional)
1 — Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a
justiça em nome do povo.
2 — Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da
legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
3 — […].
4 — […].
A propósito dos artigos 205.º e 206.º da Constituição (versão originária),
escreveu-se no citado acórdão n.º 280/89, entre o mais, o que segue, aplicável,
hoje, aos n.os 1 e 2 do artigo 205.º, acabados de transcrever:
Assim, enquanto o artigo 205.º reservava aos tribunais o exercício da função
jurisdicional [...], o artigo 206.º descrevia, em termos finalísticos, tal
função, isto é, especificava que a ela cabiam as seguintes tarefas: 1) a defesa
dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos; 2) a repressão de
violações à legalidade democrática; 3) a dirimição dos conflitos de interesses
públicos e privados.
Desenvolvendo o sentido e alcance destas tarefas, constitucionalmente reservadas
à função judicial, escreviam, a propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.
cit., p. 397:
A distinção entre direitos e interesses legalmente protegidos é corrente no
direito administrativo para distinguir entre os direitos subjectivos (privados
ou públicos) e as situações ou posições juridicamente protegidas que se não
reconduzem a direitos subjectivos propriamente ditos («interesses legítimos»).
O conceito de legalidade democrática parece estar utilizado aqui num sentido
prescritivo — isto é, no sentido de ordem jurídica democraticamente instituída
—, e não num sentido normativo, como no artigo 3.º, n.º 4 (v. nota respectiva).
Os conflitos de interesses tanto podem ser entre interesses públicos (ou pelo
menos entre interesses de diversas entidades públicas), entre interesses
públicos e privados ou entre interesses privados.
Com esta descrição normativa não se esgotam, no entanto, as dificuldades
existentes na distinção da função jurisdicional da função administrativa, dados
os pontos em comum que as unem [v., por exemplo, o artigo 202.º, alínea f), da
Constituição da República Portuguesa, que estipula que compete ao Governo, o
exercício de funções administrativas, defender a legalidade democrática]. Sem
divergência em relação à definição constitucional da função jurisdicional,
outros traços, outros aspectos tidos por típicos de tal função têm vindo a ser
salientados, em ordem a diferenciá-la da função administrativa.
E, mais adiante, acrescenta, transcrevendo, de resto, o que se escrevera no
Acórdão n.º 104/85, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Agosto
de 1985:
Referenciando o que une e o que separa uma e outra função, escreveu-se, a
propósito, no Acórdão n.º 104/85 do Tribunal Constitucional:
É certo que existe algum paralelismo, alguma analogia, entre a função
jurisdicional e a função administrativa: ambas, como funções do Estado, são
expressão do imperium emanado da soberania popular, ambas são executivas e ambas
agem sobre o caso concreto. Mas apesar de ligadas entre si por estes pontos
comuns, mantêm-se no fundo irredutivelmente diferenciadas.
A separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa
pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que
os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na
presença de interesses alheios, realiza o interesse público. Na primeira
hipótese, a decisão situa-se num plano distinto do dos interesses em conflito;
na segunda hipótese, verifica-se uma osmose entre o caso resolvido e o interesse
público.
Todavia, ainda por outra vertente se distinguem as funções consideradas: ao
passo que o medium da jurisdição é a vontade da lei (concretizada no apuramento
da conclusão decisória a partir das premissas previamente enunciadas do
silogismo judiciário), o medium da Administração é a vontade própria (o que
pressupõe a possibilidade de agir sobre as várias alternativas propostas pela
lei).
Mais recentemente, no Acórdão n.º 443/91, publicado no Diário da República, II
Série, de 2 de Abril de 1992, no intuito de caracterizar a função judicial,
escreveu-se, a dado passo, o seguinte:
Será, pois, na chamada de resolução de um conflito relativo a um caso concreto,
resolução essa cujo atingir decorre dos critérios constantes de normas jurídicas
já existentes (e, desta arte, tendo como fim específico a realização do direito
e da justiça), que residirá o punctum saliens caracterizador da função
jurisdicional que, assim, não almeja a prossecução e realização de um interesse
público diferente do da composição dos conflitos.
Esta é também a lição da Doutrina. Assim, Afonso Rodrigues Queiró [Lições de
Direito Administrativo (policopiadas), Coimbra, 1976, pp. 50 e 51] — depois de
dizer que «essencial, para que se fale de um acto jurisdicional, parece-nos ser,
para já, que um agente estadual tenha que resolver de acordo com o Direito uma
‘questão jurídica’, entendendo-se por tal um conflito de pretensões entre duas
ou mais pessoas, ou uma controvérsia sobre a verificação em concreto de uma
ofensa ou violação da ordem jurídica» — escreve:
Ao cabo e ao resto, o quid specificum do acto jurisdicional reside em que ele
não apenas pressupõe mas é necessariamente praticado para resolver uma «questão
de direito». Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma situação de facto
traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito objectivo ou na
ofensa de um direito subjectivo), se actua, por força da lei, para se conseguir
a produção de um resultado prático diferente da paz jurídica decorrente da
resolução dessa «questão de direito», então não estaremos perante um acto
jurisdicional: estaremos, sim, perante um acto administrativo.
Na actividade administrativa, com efeito — como sublinha Rogério Soares
(Interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra, 1955, pp. 101, 102 e 120) — a
resolução do conflito de interesses (da «questão de direito») é orientada por
uma perspectiva de interesse público — justamente, do interesse público
específico ou particular que a norma acolhe e incorpora.
Está-se, por isso, ainda no domínio da actividade administrativa, quando, ao
resolver uma questão de facto (que se traduz numa «questão de direito»), se visa
a prossecução do interesse público que a lei põe a cargo da Administração, e não
a paz jurídica que decorre da resolução dessa questão.
7 — As normas sub iudicio, na medida em que sujeitam as decisões das comissões
arbitrais, que hajam fixado indemnizações devidas por nacionalizações, a
despacho ministerial de homologação (ou de não homologação), atribuem ao
Ministro das Finanças a última palavra sobre o montante dessas indemnizações.
Última palavra, obviamente, ao nível da Administração, pois que, cabendo recurso
contencioso (para o Supremo Tribunal Administrativo) do despacho do Ministro, a
última e definitiva palavra cabe, em boa verdade, aos tribunais.
Esta fixação do valor da indemnização pelo Ministro das Finanças não viola a
reserva do juiz.
É que — como se sublinhou no Acórdão n.º 317/89 (publicado no Diário da
República, II Série, de 16 de Junho de 1989), a propósito do artigo 15.º da Lei
n.º 80/77 — «ao fixar-se esse valor, ainda se está a prosseguir o interesse
público subjacente ao acto de nacionalização [...] ou, por outras palavras,
ainda se está no domínio da função administrativa. Ponto é que a lei não exclua
o recurso aos tribunais».
A competência, que as normas sub iudicio atribuem ao Ministro das Finanças,
releva, pois, ainda da actividade administrativa, e não — contrariamente ao que
foi decidido pelo acórdão sob recurso — da função judicial.
O que, então, importa (para que a solução legal tenha assegurada a sua
legitimidade constitucional) é, como se disse, que o despacho do Ministro das
Finanças, previsto nessas normas, seja contenciosamente impugnável.
Ora, já atrás se viu, que dele se pode recorrer para o Supremo Tribunal
Administrativo.
8 — Dir-se-á, no entanto, que o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo a
que acaba de fazer-se referência, sendo de mera anulação, não protege
satisfatoriamente os interesses dos particulares, os quais só serão
suficientemente acautelados se esse recurso for de plena jurisdição.
Ainda, porém, que assim seja — o que aqui não tem que decidir-se —, daí apenas
poderá decorrer a inconstitucionalidade do n.º 7 do artigo 16.º da Lei n.º
80/77, de 26 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de
Setembro, e nunca a do n.º 6 do mesmo preceito legal.
É, de facto, o n.º 7 que prescreve que «dos despachos que recaiam sobre decisões
das comissões arbitrais cabe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo».
Simplesmente, o n.º 7 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77 não está aqui sub iudicio.
Objecto deste recurso — para além do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de
14 de Março — é tão-só, recorda-se, o n.º 6 do mesmo artigo 16.º
III — Decisão
Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento aos recursos e revoga-se o
acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de inconstitucionalidade, que,
por isso, nessa parte, deve ser reformado.
Lisboa, 9 de Maio de 1995. — Messias Bento — Fernando Alves Correia — Bravo
Serra — José de Sousa e Brito — Luís Nunes de Almeida — Guilherme da Fonseca —
Maria da Assunção Esteves — Alberto Tavares da Costa — Vítor Nunes de Almeida —
Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira (vencida quanto à
fundamentação nos termos da declaração de voto junta) — Antero Alves
Monteiro Diniz (sem prejuízo de entender que a fixação das indemnizações
decorrentes de nacionalização, quando não exista acordo entre as partes, se
há-de inserir no âmbito da função jurisdicional, votei a decisão por força do
entendimento de que a norma do artigo 169.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro,
na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, ao permitir aos
interessados «o recurso a outras instâncias competentes» para «a resolução de
quaisquer litígios relativos à titularidade do direito à indemnização e à sua
fixação, liquidação e efectivação», lhes concedia em todos os casos o acesso à
via jurisdicional)— Armindo Ribeiro Mendes (vencido, nos termos da declaração de
voto junta) — José Manuel Cardoso da Costa (com a declaração de voto junta).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida quanto aos fundamentos da declaração de não inconstitucionalidade,
por considerar que ela apenas se justifica partindo do princípio de que os
artigos 16.º, n.º 6, e 24.º da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º
343/80, não excluem a possibilidade de acesso à via judicial para resolução das
questões atinentes ao direito de indemnização devida por nacionalização, por
força do artigo 16.º, n.º 1, do referido diploma.
Entendo, diferentemente do que o acórdão pressupõe, que a actividade de fixação
do direito à indemnização não corresponde ao exercício de função administrativa.
Trata-se, na verdade, da determinação, no caso concreto, segundo critérios
legais preexistentes, do conteúdo de um direito, correspondendo, por isso, ao
exercício de função jurisdicional. Desse modo, se a solução legislativa
oferecida pelo diploma em que se inserem os artigos 16.º, n.º 6, e 24.º não
previsse o acesso à via jurisdicional, haveria colisão com o artigo 205.º, n.os
1 e 2, da Constituição.
Todavia, apesar de o legislador ter criado uma forma administrativa de
determinação da indemnização, não negou o acesso imediato aos tribunais, não se
pondo em causa, por conseguinte, a reserva de função jurisdicional.
A reserva de função jurisdicional não tem de significar, em qualquer situação,
uma imposição aos particulares da via contenciosa para realização dos seus
direitos ou solução de quaisquer litígios. A reserva de função jurisdicional
apenas implica, na minha opinião, competência dos tribunais para decidir certo
tipo de questões.
Em matéria de complexidade técnica, é compreensível que a Administração se
disponha a actuar no sentido de adequar os critérios legais à situação concreta
— e isso será legítimo desde que não obste, repete-se, ao recurso aos tribunais.
Por outro lado, é igualmente aceitável que os particulares prefiram a via do
diálogo com a Administração por razões do seu interesse. Há, de algum modo, na
criação de comissões arbitrais mistas em que os particulares estão representados
uma forma dialogante e participada de Administração que a tradicional divisão de
funções não tem que impedir. A própria homologação do Ministro das Finanças
prevista no artigo 24.º, só tem como fim a verificação da conformidade da
decisão da comissão arbitral com os critérios legais.
Além disso, a actividade administrativa não tem de se caracterizar, hoje, pela
prossecução de interesses públicos em detrimento de fins de realização do
Direito. Entendida a realização do Direito, ou a prossecução de fins de Justiça,
como decisão segundo os critérios jurídicos vigentes, também, de algum modo,
estes fins caracterizam uma Administração moderna.
É claro que a subordinação da Administração a estritos critérios de legalidade
não pode enfraquecer uma perspectiva essencial de salvaguarda das máximas
garantias de independência e imparcialidade do órgão decisor, nem tornar inútil
a divisão de funções decorrente da separação de poderes. A intensificação da
referência da actividade administrativa à Legalidade e à Justiça, apenas implica
uma relativização da divisão de funções, assente tradicionalmente no tipo de
interesse prosseguido, deslocando a perspectiva para as exigências da realidade
pré-normativa.
Por tudo isto, entendi, no caso sub judicio, que a reserva de função
jurisdicional se satisfazia com a possibilidade de acesso aos tribunais.
Segundo tal interpretação do artigo 16.º, n.º 1, a constitucionalidade do
sistema pressupõe que a opção pela via administrativa nunca vincula
definitivamente os particulares à decisão da Administração.
Neste sentido, também a constitucionalidade da via administrativa prevista
legalmente se não basta com as garantias do recurso contencioso de anulação.
Impõe-se sempre a plena revisibilidade da decisão homologada pelo Ministro das
Finanças, nomeadamente através de recurso contencioso de plena jurisdição, como
decorrência do artigo 20.º da Constituição.
Este último limite da constitucionalidade da solução legal prevista nos artigos
16.º, n.º 6, e 24.º não constitui, porém, directamente, objecto do pedido, pois
apenas se questiona a colisão dos artigos 16.º, n.º 6 e 24.º com os artigos
205.º, n.os 1 e 2, e 114.º da Constituição.
Assim, e exclusivamente pelas razões sustentadas nesta declaração de voto, votei
a decisão de não inconstitucionalidade. — Maria Fernanda Palma.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — No presente processo de fiscalização concreta, estava em recurso um acórdão
do Supremo Tribunal Administrativo que desaplicara, com fundamento em
inconstitucionalidade, o n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, de 26 de
Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, e o
artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março.
Por não ter podido concordar com a tese subscrita por significativa maioria no
Tribunal Constitucional, votei vencido. Passo a indicar os fundamentos desse
voto.
A) O artigo 16.º, n.º 6, da Lei das Indemnizações aos ex-Titulares de Direitos
sobre Bens Nacionalizados ou Expropriados
2 — Na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974 e, em especial, a partir de
11 de Março de 1975, o Conselho da Revolução e os Governos provisórios
procederam a nacionalizações de grande parte das empresas de significativa
dimensão em diferentes sectores da economia nacional (banca, seguros,
cimenteiras, empresas transportadoras, tabacos, cervejas, cimentos, produtos
químicos, produtos siderúrgicos, meios de comunicação, etc.). A par dessas
nacionalizações de empresas, assistiu-se também a expropriações e a
nacionalizações de prédios rústicos, na zona de intervenção da Reforma Agrária
(Decretos-Leis n.os 406-A/75, de 29 de Julho, e 407-A/75, de 30 de Julho).
Ainda antes da entrada em vigor das normas de distribuição de competência
legislativa entre os novos órgãos de soberania consagrados na Constituição de
1976 — diploma que consagrou, na sua versão originária, o princípio da
irreversibilidade das nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974,
qualificadas como «conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras» (artigo
83.º, n.º 1) — foi publicado o Decreto-Lei n.º 528/76, de 7 de Julho, emanado do
Conselho da Revolução, o qual veio consagrar um conjunto de normas a seguir no
cálculo e posterior pagamento das indemnizações devidas pelo Estado aos
ex-titulares de direitos sobre empresas ou bens nacionalizados e expropriados.
No preâmbulo deste decreto-lei explicitava-se que o processo indemnizatório aí
regulado procurava traduzir «o justo equilíbrio entre os vários interessados —
Estado, empresas e titulares de acções ou partes de capital —, de modo a
salvaguardar, quer os direitos dos particulares com especial destaque para os
pequenos e médios investidores, quer as superiores conveniências da economia
nacional», procurando evitar-se «uma nova e indesejável concentração de
riqueza».
Neste diploma de 1976, estabeleciam-se os critérios gerais do processo
calculatório das indemnizações (artigos 1.º a 7.º), prevendo-se que as
modalidades de pagamento, os prazos desse pagamento e as taxas de juro
referentes às eventuais formas de titulação da respectiva dívida pública seriam
fixados em Conselho de Ministros mediante proposta do Ministro das Finanças. Do
artigo 13.º deste diploma resultava, com segurança, que se tratava de um
primeiro passo legislativo, de carácter emblemático, que pressupunha a edição
posterior de legislação concretizadora.
3 — Em 1977, a Assembleia da República veio aprovar uma nova lei indemnizatória,
a Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, na sequência do Decreto-Lei n.º 528/76 e com
remissões para parte da disciplina deste, onde se estabeleceu, no seu artigo
1.º, o princípio geral da indemnização aos ex-titulares dos bens nacionalizados
ou expropriados:
Do direito à propriedade privada, reconhecido pela Constituição, decorre que,
fora dos casos expressamente previstos na Constituição, toda a nacionalização ou
expropriação apenas poderá ser efectuada mediante o pagamento de justa
indemnização. (artigo 1.º, n.º 1).
Nos termos do diploma, previa-se que haveria, em primeiro lugar, uma
indemnização provisória, a que se seguiria uma indemnização definitiva, sendo o
valor desta última «fixado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da
Agricultura e Pescas, de acordo com os princípios e regras a definir pelo
Governo, nos termos do n.º 2 do artigo 37.º» (artigo 15.º, n.º 1). A fixação do
valor indemnizatório seria, porém, precedida do parecer de uma comissão
tripartida, composta por representantes dos Ministérios das Finanças, da
Agricultura e Pescas e do titular ou titulares do direito à indemnização.
O artigo 16.º, na sua versão originária, organizava a impugnação do acto
administrativo de fixação da indemnização definitiva de uma forma relativamente
original: ou através de recurso contencioso a interpor para o Supremo Tribunal
Administrativo (meio geral que está englobado indubitavelmente na primeira parte
do n.º 1 deste artigo 16.º: «sem prejuízo do recurso para outras instâncias
competentes…» como se confirmava pela leitura do seu n.º 8), ou através de um
recurso a interpor para uma comissão arbitral única composta por 7 membros e
presidida por um juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Através do recurso
interposto para a referida comissão arbitral, por livre opção do interessado,
podia obter-se «a resolução de quaisquer litígios relativos à titularidade do
direito à indemnização definitiva e à sua fixação, liquidação e efectivação».
De harmonia com o n.º 4 do artigo 16.º, a Comissão arbitral julgaria «da
existência dos créditos pretendidos face ao direito vigente», reapreciando «de
pleno direito a liquidação, avaliação e formas de pagamento, de acordo com a lei
aplicável, podendo anular ou modificar actos impugnados», e julgaria os casos de
compensação com outros créditos que lhe fossem submetidos pelo Estado ou outras
entidades públicas. Da decisão desta comissão arbitral cabia recurso
jurisdicional, nos termos gerais de direito, para o Supremo Tribunal
Administrativo, sendo obrigatório o recurso para o Ministério Público sempre que
a decisão fosse desfavorável ao Estado (n.º 8).
Para que não subsistissem dúvidas, o n.º 11 do artigo 16.º estabelecia que se
aplicava as resoluções da comissão arbitral «o regime da inexecução legítima das
sentenças dos tribunais administrativos».
Face a este regime legal, podia razoavelmente concluir-se — embora a 1.ª Secção
do Tribunal Constitucional o não tivesse feito no Acórdão n.º 280/89 adiante
referido — que o legislador organizava um sistema administrativo de fixação da
indemnização definitiva, atribuindo competência ao Ministro das Finanças para
proceder, através de acto administrativo, a essa fixação, ouvido antes o parecer
de uma comissão consultiva tripartida. Este acto administrativo era impugnável
contenciosamente, ou por recurso a interpor directamente para o Supremo Tribunal
Administrativo ou por recurso para uma comissão arbitral. O âmbito desse
recurso era muito amplo, quando interposto para a comissão arbitral única,
podendo falar-se de um sistema de revisibilidade plena ou de um recurso de plena
jurisdição. A última palavra na matéria cabia sempre ao Supremo Tribunal
Administrativo, ou através do conhecimento do recurso jurisdicional interposto
da decisão da comissão arbitral, ou através de recurso directo de anulação para
ele directamente interposto, nos termos gerais de direito.
4 — O Governo da Aliança Democrática veio alterar a Lei n.º 80/77, visando, no
dizer do próprio legislador, tornar mais expedito o sistema de atribuição das
indemnizações definitivas, eliminando dúvidas de interpretação e mecanismos mais
complexos do articulado original.
O Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, descaracterizou o sistema anterior,
eliminando a alternatividade dos órgãos competentes para conhecer dos litígios
relativos à titularidade do direito à indemnização definitiva e à sua fixação,
liquidação e efectivação, bem como a referência ao objecto do recurso constante
da precedente redacção do n.º 4 do artigo 16.º De facto, em vez de um órgão
arbitral típico — como era a anterior comissão arbitral, de cujas decisões cabia
recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo — passou a haver
uma comissão arbitral cujas decisões estavam sujeitas a homologação pelo
Ministro das Finanças. Do despacho que recaísse sobre as decisões das comissões
arbitrais, de homologação ou de não-homologação, caberia um recurso contencioso
de anulação para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos da lei geral. A
acreditar no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 343/80, as alterações à constituição e
fornecimento das comissões arbitrais visariam torná-las «mais operativas».
A norma desaplicada pela decisão recorrida é precisamente a constante do n.º 6
do artigo 16.º da redacção de 1980 da Lei n.º 80/77 [entretanto revogada pelo
artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de Setembro],
norma que, repete-se, descaracterizou a natureza arbitral da antiga comissão
única, ao transmudá-la em diferentes órgãos ancilares da Administração,
encarregados da preparação das decisões indemnizatórias definitivas
relativamente aos diferentes bens ou empresas nacionalizados ou expropriados.
Cabe, por isso, perguntar se a redução última do controlo jurisdicional, em
matéria de contencioso de indemnizações, ao Supremo Tribunal Administrativo,
através de um recurso de anulação, recurso de mera legalidade, poderá
considerar-se conforme à Constituição, na sua versão presente.
5 — O acórdão recorrido do Supremo Tribunal Administrativo deu uma resposta
clara a esta interrogação.
Considerou que o despacho do Ministro das Finanças que recusasse a homologação
da decisão da chamada comissão arbitral estaria afectado de vício de usurpação
de poder, sendo, por isso, nulo na tese do acordão recorrido — e que traduz a
orientação jurisprudencial predominante no Supremo Tribunal Administrativo,
sendo minoritária a corrente que sustenta não se verificar tal vício— a
resolução dos litígios decorrentes do acto de nacionalização é uma matéria
tipicamente jurisdicional, integrada na reserva do juiz. Tratar-se-ia de um
caso em que a primeira e a última palavra haveriam de caber ao juiz e não a um
órgão administrativo. Ora, a norma em apreciação, ao conferir ao Ministro das
Finanças o poder de fixar as indemnizações definitivas devidas por actos de
nacionalização ou expropriação, através do acto de homologação ou de
não-homologação das decisões das comissões arbitrais, estaria, no fundo, a
conferir-lhe o poder de decidir, em termos autoritários e finais, um conflito de
interesses entre a administração e o particular privado do bem nacionalizado ou
expropriado, fazendo a Administração agir como juiz em causa própria, isto é,
conferindo-lhe um poder próprio da função jurisdicional que a Constituição
reserva aos Tribunais e deixa, por isso, fora da função administrativa que ao
Governo compete. A homologação administrativa de uma decisão que deveria ser
proferida por órgão jurisdicional, como seria um tribunal arbitral, implicaria
uma usurpação de poderes jurisdicionais, proibida pelo princípio constitucional
da divisão de poderes ou de separação e interdependência dos poderes do Estado
(cfr. artigo 114.º, n.º 1, da Constituição). No caso concreto, a comissão
arbitral teria resolvido um litígio entre o Estado e a recorrente, o que
traduziria um objectivo de realização do direito ou da justiça através de um
acto de declaração do direito (jurisdictio), agindo de forma desinteressada e
imparcial. A decisão de não-homologação da decisão arbitral por uma autoridade
administrativa provinha do representante de uma das partes no litígio, pelo que
não haveria nesse acto desinteresse e imparcialidade. A contrariedade com os
artigos 205.º, n.os 1 e 2, e 206.º da Constituição seria patente.
Seria indesmentível a semelhança entre a nacionalização e a expropriação por
utilidade pública. Também neste último caso, os interesses públicos prosseguidos
pela Administração se esgotam na declaração de utilidade pública e no eventual
decretamento da posse administrativa. Na falta de acordo entre expropriante e
expropriado quanto ao valor da indemnização devida pelo acto de ablação, o
expropriado é remetido para os tribunais comuns, a quem cabe resolver o litígio
existente, de forma autoritária e definitiva (cfr. Código das Expropriações de
1991, artigos 10.º, 22.º e 36.º).
6 — Como se refere no texto do presente acórdão, o Tribunal Constitucional teve
ocasião, em 1988 e em 1989, de negar que fosse contrário à Constituição o regime
de homologação administrativa das decisões arbitrais. No Acórdão n.º 39/88 (in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º Vol., p. 282) — em passo transcrito no
presente acórdão — indicaram-se os seguintes fundamentos para o juízo de não
inconstitucionalidade:
— o Ministro das Finanças só deveria decidir-se pela não-homologação da decisão
de uma comissão arbitral quando esta não respeitasse os critérios legais
(estando excluída a discordância do Ministro das Finanças com a decisão da
comissão arbitral por razões de conveniência ou oportunidade);
— O acto administrativo de não-homologação teria, nos termos da lei geral, de
ser fundamentado (tal como o de homologação), ficando excluído o risco de
qualquer secretismo nas razões da decisão administrativa em causa;
— No recurso directo de anulação, poderiam arguir-se, assim, todos os vícios de
natureza administrativa quanto ao concreto acto administrativo praticado pelo
Ministro das Finanças (homologação ou não-homologação) e não só o desvio de
poder;
— De todo o modo, as eventuais limitações do conhecimento dos fundamentos de
impugnação no recurso de contencioso administrativo nunca afectariam a garantia
constitucional do recurso contencioso;
— Fosse qual fosse o fundamento que, para impugnação do despacho ministerial,
os particulares pudessem invocar, e, bem assim, as possibilidades de que
dispusesse a jurisdição administrativa para sindicar o acto impugnado, uma coisa
seria certa: «o acesso à via judicial para atacar um acto administrativo
eventualmente viciado aí está. Mas, mais do que isso os particulares podem,
como já se mostrou, lançar mão da via judicial não já para atacar o despacho do
Ministro que homologou ou não a decisão da comissão arbitral, a que decidiram
recorrer, mas sim para, nessa sede serem decididas as questões suscitadas pela
titularidade do direito à indemnização pela sua fixação, liquidação e
efectivação» (ob. cit., p. 283, itálicos acrescentados; desconsiderando tal
possibilidade, veja-se o comentário de Freitas do Amaral, in Indemnização Justa
ou Irrisória, publicado in Direito e Justiça, vol. v, 1991, pp. 68-69; em
sentido concordante, Oliveira Ascensão, estudo citado no texto do acórdão, pp.
259-260).
No Acórdão n.º 280/89, tirado em fiscalização concreta, interpretou-se a versão
originária do artigo 16.º da Lei n.º 80/77 no sentido de se consagrar aí uma
tríplice possibilidade de «impugnação» do acto de fixação das indemnizações ou
através de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 16.º, n.º 8),
ou através de recurso para a comissão arbitral prevista no n.º 1 da disposição,
ou, por último, por meio processual alternativo dirigido aos tribunais judiciais
(seria esse o sentido da ressalva inicial constante desse n.º 1 «sem prejuízo do
recurso para outras instâncias competentes»):
E, por isso mesmo, outro tinha de ser o sentido da ressalva, ou seja, o sentido
que logo se lhe assinalou: o de que aos interessados era também lícito
recorrerem directamente aos tribunais, e com prevalência sobre as decisões
administrativamente tomadas, para resolução de litígios relativos à fixação da
indemnização definitiva (Acórdãos, 13.º Vol., Tomo II, p. 848).
Nessa ordem de ideias, se os particulares recorressem desde logo aos tribunais
judiciais para a fixação do valor da indemnização — o que, concedia-se, seria
«tipicamente uma situação não standard» — «a opção pela via judicial retirava
automaticamente valência ao despacho ministerial conjunto que tivesse procedido
àquela fixação» (ob. cit., p. 852). Este acto administrativo, «tão precário»,
não poderia, «de modo algum, participar da dialéctica interna ao conceito de
função jurisdicional. Antes a actuação dos Ministros das Finanças e da
Agricultura e Pescas, prevista no artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 80/77, redacção
originária, desenvolvendo-se numa fase pré-conflitual, como que preventiva, era
tipicamente administrativa» (ob. cit., pp. 852-853). Não haveria, em caso
algum, violação da reserva de juiz porque o acto administrativo em causa seria
«condicionado», num momento em que não se verificara ainda «qualquer violação de
um direito subjectivo, situação esta que só a posteriori, e eventualmente,
poderia ocorrer, ou seja, se a indemnização compensatória, administrativamente
fixada, viesse a ser inferior ao valor real do prédio nacionalizado ou
expropriado». Mas havendo ofensa do direito à justa indemnização, o ofendido
poderia — em situação de real «conflito entre o interesse público e o interesse
privado» — recorrer aos tribunais, únicos legitimados, face à Constituição, para
dirimir tal conflito, no exercício da função jurisdicional. A determinação
indemnizatória pelo órgão administrativo «situava-se antes num plano
pré-jurisdicional» (ob. cit., p. 854; vejam-se as críticas a este acórdão de
Oliveira Ascensão, in «A Reserva Constitucional de Jurisdição», em O Direito,
ano 123.º, ii/iii, 1991, pp. 478 e segs.).
Já no Acórdão n.º 317/89, tirado em fiscalização concreta pela outra secção do
Tribunal Constitucional (a 2.ª), houve uma clara tomada de posição sobre a não
inconstitucionalidade do artigo 15.º da Lei n.º 80/77, adoptando-se o
entendimento de que a fixação da indemnização por nacionalização podia ser, à
luz da Constituição, determinada por via administrativa: «a fixação do ‘valor da
indemnização definitiva devida pela nacionalização e expropriação de prédios ao
abrigo da legislação sobre reforma agrária’ pode ser objecto daquele despacho
[do Ministro das Finanças e do Ministro da Agricultura e Pescas], pois, ao
fixar-se esse valor, ainda se está a prosseguir o interesse público subjacente
ao acto da nacionalização ou expropriação ou, por outras palavras, ainda se está
no domínio da função administrativa. Ponto é que a lei não exclua o recurso aos
tribunais» (Acórdãos, 13.º Vol., Tomo II, p. 936).
Não pode deixar de acentuar-se a diversidade de entendimentos entre estes dois
últimos acórdãos, tirados em fiscalização concreta. No fundo, a 1.ª Secção do
Tribunal Constitucional entendia que a resolução do litígio não cabia, em caso
algum, à função administrativa. Outro entendimento era perfilhado pela 2.ª
Secção neste Acórdão n.º 317/89.
7 — O acórdão em que votei vencido considera que a indemnização pode, em termos
constitucionais, ser fixada administrativamente, independentemente de se saber
se existe ou não uma via alternativa de recurso aos tribunais judiciais (via que
estaria, porventura contida na ressalva inicial constante do n.º 1 do artigo
16.º da Lei n.º 80/77), ou qual o âmbito de cognição do tribunal administrativo
quanto ao objecto do respectivo recurso.
Tenho para mim que a melhor interpretação do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º
80/77 — em qualquer das suas sucessivas redacções — exclui a via de acesso aos
tribunais judiciais para a fixação das indemnizações, como atrás deixei referido
(cfr. n.º 3 desta Declaração). Nessa medida — e não obstante a substancial
concordância, quanto ao fundo, com a doutrina acolhida no citado Acórdão n.º
280/89 — impõe-se que tenha de votar vencido, por considerar inconstitucional o
n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77.
Na verdade, não me parece compatível com o disposto, hoje, no n.º 3 do artigo
214.º da Constituição — mas acentuo que este preceito só foi introduzido na
revisão constitucional de 1989, sendo o Acórdão n.º 280/89 tirado antes dessa
alteração constitucional — que os particulares ex-detentores de bens
nacionalizados ou expropriados possam, ad libitum, recorrer aos tribunais
judiciais para resolução dos litígios com o Estado acerca da fixação da
indemnização definitiva, ou seguir a via do contencioso administrativo e
impugnar o acto administrativo de homologação ou de não homologação da decisão
da concreta comissão arbitral. E, mesmo antes de 1989, sempre acrescentarei que
dificilmente poderia sustentar-se tal existência de impugnações alternativas, no
contencioso administrativo e nos tribunais judiciais, situação que o Acórdão n.º
280/89 concedia não ser típica ou standard...
No plano interpretativo do direito ordinário, entendo que os cânones de uma boa
interpretação sempre imporiam que a ressalva da parte inicial do n.º 1 do artigo
16.º da Lei n.º 80/77 — na sua versão originária de forma clara; na versão
posterior ao Decreto-Lei n.º 343/80, com menor clareza, mas ainda de forma
suficientemente segura — fosse entendida essencialmente como a ressalva da via
do contencioso administrativo: na versão originária, permitia-se ou o recurso
directo para o Supremo Tribunal Administrativo ou o recurso a um tribunal
arbitral de natureza permanente, com subsequente recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo, tendo cada um destes últimos meios diferente âmbito de cognição
(cognição plena e plena revisibilidade do acto de fixação da indemnização
definitiva pela comissão arbitral; recurso jurisdicional quanto a matéria de
direito para o S.T.A.); na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 343/80,
permitia-se igualmente o recurso directo para o S.T.A. do acto administrativo
ministerial, mas admitia-se — como sobrevivência da solução originária — a
existência de uma comissão tripartida «de tipo arbitral» (na realidade, um órgão
de natureza auxiliar ou consultiva do Ministro das Finanças, a que poderiam
recorrer os interessados, sendo que esse ministro tinha o poder de decisão
administrativa final, homologando ou não o «laudo arbitral»). Deve, aliás,
entender-se que a ressalva da parte inicial do n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º
80/77 cobre, em qualquer das versões desse número o recurso aos tribunais
judiciais quando haja litígios entre os particulares sobre a titularidade do
direito à indemnização definitiva (por exemplo, sucessão mortis causa do titular
da indemnização; cfr. o artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do E.T.A.F., Decreto-Lei
n.º 129/84, de 27 de Abril).
8 — Tal como sustenta Rebelo de Sousa (in Comissões Arbitrais, Indemnizações e
Privatizações, estudo também publicado no vol. v, de 1991, da revista Direito e
Justiça, pp. 92 e segs.) entendo que a fixação do valor das indemnizações
previstas em matéria de nacionalizações ou expropriações cabe no âmbito material
da função jurisdicional, à face da Constituição portuguesa. Essa é, de resto, a
orientação tradicional do direito francês desde a revolução, de 1789, vendo no
juge judiciaire o «guardião natural da propriedade privada e das liberdades
essenciais» (cfr. Franck Moderne, «L’Exemple des Nationalisations Françaises»,
in Direito e Justiça, vol. v, p. 24, nota 25; quanto à situação espanhola,
note-se que, a propósito da nacionalização do Grupo Rumasa, os ex-titulares das
empresas nacionalizadas suscitaram a questão de inconstitucionalidade da lei de
nacionalização perante o tribunal judicial — cfr. Pierre Bon, «Les
Nationalisations dans la Jurisprudence Constitutionnelle de l’Europe de
l’Ouest», in Revue Française de Droit Constitutionnel, n.º 17, 1994, pp. 30 e
segs.).
Tal como Rebelo de Sousa, creio que, na matéria de indemnização por
nacionalização ou por expropriação por utilidade pública, «não existe legalmente
interesse público administrativo autónomo relevante». A decisão de
nacionalização é de natureza política ou, pelo menos, de direito público; a
decisão de expropriar por utilidade pública é de natureza administrativa. Os
critérios das respectivas indemnizações — que não têm de ser constitucionalmente
idênticos, como afirmou, e bem, o Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º
39/88 — hão-de constar da lei. Mas há-de caber ao juiz ordinário a primeira e a
última palavra na resolução do conflito entre o particular, ex-titular do bem
nacionalizado ou expropriado, e a Administração, e tal «primeira palavra» há-de
caber ao tribunal judicial e não ao tribunal administrativo. Como nota ainda
Rebelo de Sousa, «se, em teses, existisse caso em que, por absurdo, seria
defensável a existência de um interesse administrativo autónomo a ponderar na
fixação das indemnizações seria no previsto [no] Código das Expropriações, que,
no entanto, precisamente o afasta», do mesmo passo que «falar num interesse
político-legislativo autónono do interesse essencial de dirimir conflitos de
interesses seria admitir que um direito como o é a indemnização mereceria menos
protecção em face de actos legislativos» (artigo citado, revista citada p. 96;
do mesmo autor, mais desenvolvidamente, «As Indemnizações por Nacionalização e
as Comissões Arbitrais», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 49.º, ii, 1989,
pp. 378 e segs.; e ainda Oliveira Ascensão, «A Reserva Constitucional de
Jurisdição», in O Direito, ano 123.º, ii/iii, 1991, pp. 465 e segs.).
Admitindo o critério de distinção da actividade administrativa e da actividade
judicial que o Tribunal Constitucional vem adoptando, na esteira do ensino de
Afonso Rodrigues Queiró, e considerando que a função jurisdicional se
caracteriza por ter como objecto e como fim específico a resolução de uma
questão de direito (cfr. Acórdãos n.os 104/85, 443/91, 52/92 e 179/92, publicado
o primeiro nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., pp. 633 e segs., e
os restantes no Diário da República, II Série, n.º 78-S, de 2 de Abril de 1992,
I Série-A, n.º 62, de 14 de Março de 1992, e II Série, n.º 216, de 18 de
Setembro de 1992, respectivamente), creio que a primeira e a última palavra na
fixação do quantum indemnizatório hão-de caber aos tribunais, visto aí se
encontrar, indiscutivelmente, a realização do interesse público de composição de
conflitos, uma vez que importa definir autoritariamente a resolução de uma
questão de direito, ou seja, a aplicação dos critérios indemnizatórios legais ao
caso concreto controvertido.
Sem desconhecer as dificuldades de aplicação (bastará citar Gomes Canotilho e
Canelas de Castro, «Constitucionalidade do Sistema de Liquidação Coactiva
Administrativa de Estabelecimentos Bancários», in Revista da Banca, n.º 23,
1992, pp. 59 e segs.; e ainda Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pp. 792 e 793) e sem
contrariar frontalmente mesmo o entendimento de que a fixação do «núcleo duro»
da função jurisdicional possa ser temporalmente contingente em diferentes ordens
jurídicas do nosso «círculo cultural» (por exemplo, no caso de despejos,
execuções, falências, divórcios, fixação de indemnização em expropriações e
nacionalizações), reverterei em todo o caso à ideia atrás referida de que, desde
a Revolução Francesa e no círculo de direitos da família romano-germânica, em
especial dos direitos influenciados pelo direito francês, é o juiz dos tribunais
comuns «o guardião natural da propriedade privada e das liberdades essenciais»
(Franck Moderne), aquele que assegura cabalmente o respeito pelo princípio da
igualdade perante os encargos públicos e evita que a Administração queira
prejudicar os titulares dos bens nacionalizados ou dos bens expropriados,
invocando obscuras razões de ordem financeira ou domínios de discricionaridade
técnica insusceptíveis de ser sindicadas num recurso administrativo de mera
anulação (cfr. Freitas do Amaral e Robin de Andrade, «As Indemnizações por
Nacionalizações em Portugal», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 49.º, i,
1989, pp. 73-74, e ainda, a «Adenda», pp. 79 a 81; Sousa Franco, As
Indemnizações e as Privatizações como Institutos Jurídico-Financeiros, pp. 125 e
segs., nota 4).
Concluo, assim, que a resolução dos litígios do tipo do dos autos deve caber aos
tribunais comuns, não estando excluído a priori que o legislador possa optar por
um tribunal arbitral necessário, desde que aí se verifiquem as necessárias
condições de imparcialidade (cfr. citado Acórdão n.º 52/92 deste Tribunal).
Por isso, entendo que a sujeição da decisão desse «tribunal arbitral» a
homologação ministerial inutiliza a solução arbitral, tornando inconstitucional
o n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, na redacção vigente a partir da
alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 343/80, por violação dos artigos
205.º, n.os 1 e 2, e 206.º da Lei Fundamental.
9 — Acrescentarei uma última palavra a este propósito.
Como é evidente, a minha discordância é radical quanto à tese daqueles que não
votam a inconstitucionalidade do preceito em causa porque entendem que a
actividade calculatória e de fixação da indemnização definitiva é essencialmente
administrativa, cabendo, nos termos gerais, recurso de anulação do respectivo
acto administrativo final. Mesmo assim, neste campo houve vozes que sustentaram
ser necessário sempre um recurso de plena jurisdição, dados os interesses dos
particulares em jogo.
A minha discordância é menor relativamente à tese daqueles que, pensando como eu
que a fixação de indemnização é uma actividade materialmente jurisdicional,
admitem que a Administração possa ter a primeira palavra na matéria, desde que
aos tribunais administrativos caiba a última palavra, havendo, por isso, nesse
caso de se assegurar uma via processual que garanta a plena revisibilidade desse
acto administrativo (recurso administrativo de plena jurisdição; eventualmente,
recurso à acção administrativa a que se refere o n.º 5 do artigo 268.º da
Constituição — cfr. artigos 69.º e seguintes da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos e Fiscais). Entre a minha posição e a daqueles que perfilham a
indicada tese, há, apesar de tudo, uma concordância substancial quanto à
conclusão de que se está perante uma actividade materialmente jurisdicional.
Para esta última posição, o n.º 6 do artigo 16.º da Lei n.º 80/77 não seria
inconstitucional, antes o sendo o n.º 7 do mesmo artigo 16.º, enquanto não prevê
que o recurso aí contemplado seja um recurso de plena jurisdição, que garanta a
plena revisibilidade do acto e uma decisão judicial eventualmente substitutiva
do acto administrativo.
Relativamente aos que perfilham a tese acolhida no várias vezes citado Acórdão
n.º 280/89, a concordância entre a minha posição e aqueles é praticamente total.
Deles me afasto apenas no ponto em que admitem que o acto administrativo possa
ter uma valência limitada (no fundo, esse acto estaria sujeito a condição
resolutiva) e que seja cumulável com a impugnação administrativa do acto o
recurso ilimitado aos tribunais judiciais. As razões de tal afastamento radicam
não só na interpretação que reputo mais correcta do n.º 1 do artigo 16.º da Lei
n.º 80/77, como também no entendimento que faço do disposto no artigo 214.º, n.º
3, da Constituição, considerando que as vias administrativa e judicial não são
cumuláveis, mas exclusivas uma da outra, quanto a um certo litígio concreto.
B) O artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 51/86, de 14 de Março
10 — O acórdão do S.T.A. sob recurso desaplicou igualmente a norma do artigo
24.º do Decreto-Lei n.º 51/86. Trata-se de um diploma que visou regular o
recurso às comissões arbitrais previsto no artigo 16.º da Lei n.º 80/77.
Este preceito limita-se a estipular, repetitivamente, que as decisões das
comissões arbitrais «terão validade após a homologação por despacho do Ministro
das Finanças, publicado no Diário da República, II Série».
Como resulta do seu teor literal, a coincidência com a norma do artigo 16.º, n.º
6, da Lei n.º 80/77 é total.
Aplicam-se, por isso, as razões do juízo de inconstitucionalidade que atrás
deixei expresso. — Armindo Ribeiro Mendes.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — A questão reapreciada pelo Tribunal no precedente acórdão contende com duas
interrogações fundamentais que o procedimento de fixação do valor das
indemnizações devidas pela nacionalização de empresas pode suscitar, sub specie
constitutionis: — a de saber, em primeiro lugar, se a competência para
determinar originária ou inicialmente esse valor pode ser deferida à
«Administração», lato sensu (ao Governo ou a um órgão ou entidade dele
dependente ou sujeito, de alguma forma, à sua «tutela»); — e, no caso de tal ser
constitucionalmente admissível, a de saber, depois, qual a natureza e a extensão
das garantias contenciosas que devem, então, ser concedidas aos interessados,
contra o acto administrativo que estabeleça o valor da indemnização.
Não me sendo possível justificar agora (ainda que sucintamente), o meu ponto de
vista sobre estas interrogações fundamentais e remetendo por isso, a tal
respeito, para a declaração de voto que juntarei ao Acórdão a tirar no processo
de fiscalização abstracta n.º 417/91 (relativo ao Decreto-Lei n.º 332/91, de 6
de Setembro), cuja decisão foi também hoje votada, limitar-me-ei aqui, pois, a
enunciar os seguintes postulados — de que evidentemente partirei — e que são as
respostas que, efectivamente entendo deverem ser dadas a tais interrogações:
1.º é lícito ao legislador atribuir à Administração a competência para fixar,
em primeira linha, o valor de indemnização de uma empresa nacionalizada. Ou
seja: essa fixação inicial da indemnização pode operar-se através de um acto
administrativo, sem que isso envolva violação do princípio constitucional da
«reserva do juiz» (artigo 205.º da Constituição);
2.º no caso de o legislador adoptar tal solução — da determinação do valor da
indemnização por acto administrativo — há-de, porém, assegurar a revisibilidade
jurisdicional plena e integral desse acto. Ou seja: há-de prever um meio ou
mecanismo processual que dê aos interessados a possibilidade de fazerem intervir
um «tribunal» (isto é, uma instância imparcial e independente, deles e da
Administração) na fixação directa e definitiva do valor da indemnização. Só
assim, de facto, se satisfará, na hipótese, o princípio constitucional do
«direito de acesso aos tribunais» (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.os 4 e 5, da
Constituição).
2 — A partir destes postulados, tornar-se-á claro que, se não poderei julgar
contrário à Constituição o disposto no artigo 14.º da Lei n.º 80/77, na redacção
do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro (competência do Ministro das
Finanças para determinar o valor de cada acção ou parte do capital social de
cada empresa nacionalizada, para efeitos de indemnização definitiva), já haverei
necessariamente de concluir pela insuficiência, sob o ponto de vista
constitucional, do regime de reapreciação do correspondente acto, constante do
artigo 16.º dessa Lei, na redacção desse mesmo Decreto-Lei. Na verdade, ao
admitir-se aí a possibilidade de submeter o litígio relativo à fixação da
indemnização a uma chamada «comissão arbitral», mas, depois, ao fazer-se
depender a «validade» da decisão da comissão de «homologação» ministerial
(homologação pelo próprio autor do acto que inicialmente determinara o valor da
indemnização) (n.º 6) e ao prever-se um mero recurso contencioso de anulação do
acto homologatório (n.º 7), acaba por não se respeitar o princípio segundo o
qual o valor da indemnização há-de poder ser fixado, directamente e em
definitivo, por uma instância de natureza jurisdicional.
3 — Ao concluir assim, estou evidentemente a afastar-me agora do entendimento
perfilhado por este Tribunal, sobre o ponto em apreço, no Acórdão n.º 39/88 —
acórdão que, nesse mesmo ponto, subscrevi, na altura, sem qualquer reserva
expressa. A tanto fui conduzido por uma nova reflexão sobre a problemática em
causa, suscitada pelo largo debate doutrinal e forense a que a mesma,
entretanto, deu azo, e se acha recenseado e comentado, por último, em J. Pedro
Cardoso da Costa, «A fixação das indemnizações por nacionalização e o princípio
da reserva do juiz» (nos «Estudos em homenagem à Dr.ª Maria de Lourdes Órfão de
Matos Correia e Vale», vol. 171 de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1995).
O meu afastamento de tal doutrina ou entendimento logo se revela na
circunstância, já referida, de considerar hoje constitucionalmente
imprescindível a plena revisibilidade contenciosa do acto administrativo que
fixa o valor da indemnização (enquanto nesse aresto se julgou suficiente a
garantia contenciosa do mero recurso de anulação); não pára, contudo aí.
Desde logo, também não creio agora — o ponto, que é mais de pormenor,
relaciona-se naturalmente com o anterior — que se possa extrair qualquer
consequência («salvadora» da conformidade constitucional do regime em apreço) do
facto de a recusa de homologação só haver de ocorrer (como se pondera nessa
anterior decisão do Tribunal) no caso de a comissão arbitral «não respeitar os
critérios legais». É que, sendo que tal afirmação só será exacta (e nem mesmo
se pode extrair conclusão diversa do que disse o Tribunal) se nela se englobar
toda a legalidade (no sentido de toda a «juridicidade») pela qual deve reger-se
a deliberação da comissão (incluindo, pois, a própria «legalidade técnica» que a
mesma deverá observar), segue-se que, afinal, a revisibilidade desta pelo acto
homologatório é plena e a sua dependência desse acto completa: ora, assim sendo,
só mais nítido se torna como o simples recurso contencioso de anulação (cujo
alcance «limitado», de resto, é o próprio Acórdão n.º 39/88 a reconhecer) não
pode constituir aqui garantia contenciosa suficiente.
Por outro lado, tão pouco subscrevo hoje a ideia, acolhida no aresto em
referência, de que, abrindo a lei a via de acesso às comissões arbitrais «sem
prejuízo do recurso a outras instâncias competentes» (n.º 1 do supra citado
artigo 16.º), a utilização de tal via, bem como do recurso de anulação do
subsequente despacho de homologação (ou não homologação), é, no fim de contas,
puramente facultativa, e isto porque, atenta aquela ressalva, sempre poderão os
interessados, em alternativa, «lançar mão da via judicial» para, nessa sede,
serem decididas as questões suscitadas, inter alia, pela «fixação» do direito à
indemnização. Tal ideia — e o argumento que a partir dela se extrairia no
sentido de o regime legal em apreço ser ainda, em último termo, compatível com a
Constituição — esbarra, na verdade, nos dois obstáculos seguintes (além de
eventualmente outros), que se me afiguram essenciais e decisivos:
— por um lado, tendo o legislador estabelecido a regra da fixação
administrativa do valor da indemnização, seria absurdo imputar-lhe a intenção de
conceder aos interessados um quadro de garantias contenciosas, relativamente à
determinação daquele valor, que inclusivamente lhes permitisse fazer pura e
simples tábua rasa do correspondente ou dos correspondentes actos ministeriais
(a outra coisa não conduziria, de facto, a tese ora rejeitada), os quais
passariam, assim, a não ter mais do que um valor «precário» ou «provisório»,
inteiramente desconforme com aquela que é a eficácia «natural» de um acto
administrativo;
— por outro lado, reportando-se a reserva legal em causa ao «recurso para
outras instâncias competentes» em ordem à «resolução de quaisquer litígios»
relativos ao direito à indemnização (sublinhou-se), não apenas o seu teor e o
seu contexto sistemático não apontam para tal intenção ou propósito legislativo,
como ela remete, afinal, não mais do que para as regras comuns, em matéria de
meios contenciosos e de competência jurisdicional, preexistentes no ordenamento
jurídico.
Daí — da conjugação destes dois tópicos — que, a meu ver, a única via de
recurso, no tocante especificamente à fixação do valor indemnizatório, aberta
aos interessados pela ressalva em causa, em alternativa à constituição de uma
«comissão arbitral», seja a da impugnação contenciosa directa, em vista da
respectiva «anulação», do acto administrativo ministerial (o acto originário)
que procedeu àquela fixação (com o que, dentro dos postulados de que se partiu,
subsiste, claro está, a insuficiência constitucional da solução). Não excluo,
entretanto, que outras consequências possam extrair-se ainda da mesma ressalva:
penso, porém, que respeitarão já a aspectos diferentes do direito à
indemnização, que não ao do estabelecimento do valor desta.
4 — Esclarecida assim — como cumpria — a extensão do meu actual afastamento da
doutrina do Acórdão n.º 39/88, na parte dele que aqui importa, e retomando a
conclusão, já avançada, de que o regime do artigo 16.º da Lei n.º 80/77, na
redacção que recebeu em 1981, é, globalmente considerado, insatisfatório, do
ponto de vista constitucional, resta-me justificar como, assim sendo, acabei por
não votar a confirmação do acórdão recorrido.
De facto, há-de reconhecer-se que a solução a que neste se chegou já realizaria
as exigências que, em meu juízo, a Constituição faz na matéria. Na verdade,
eliminada, porque julgada inconstitucional, a necessidade de «homologação» da
deliberação da «comissão arbitral» (n.º 6 do artigo 16.º), e recuperado assim,
plenamente, o carácter «jurisdicional» dela, ficava aberta aos interessados uma
dupla via de impugnação contenciosa do acto ministerial de fixação da
indemnização: em alternativa, poderiam eles, fosse interpor no Supremo Tribunal
Administrativo recurso de mera anulação desse acto (se entendessem que, no caso,
tal era caminho suficiente, e até o adequado), fosse requerer a constituição de
uma «comissão arbitral», a qual, funcionando com a independência e a autonomia
típicas de um «tribunal», iria poder rever, na íntegra, o referido acto e fixar,
ela própria, o montante da indemnização. Eis, pois, um caminho que certamente
conduzia a repor os postulados constitucionais de que acima se partiu.
Só que, desde logo a consagração de uma «comissão arbitral», verdadeira e
própria, para intervir no domínio em causa, não é, em si mesma, nada de
constitucionalmente necessário: há outros caminhos susceptíveis de igualmente
conduzirem a um resultado conforme com o que a Constituição aqui exige. Mas
além disso, e noutro plano, sucede que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal
Administrativo no acórdão recorrido parece assentar em premissas mais estritas
do que as atrás enunciadas e levar implícito um juízo de inconstitucionalidade
mais radical do que o que delas se poderia extrair. Mais concretamente, e
quanto a este segundo ponto: se bem vejo, o que estará em causa para o Supremo
é, mais do que a extensão da revisibilidade contenciosa do acto de fixação de
indemnização, o próprio carácter não jurisdicional que esse acto acaba por
assumir no regime em apreço.
Ora, não considerando eu que o cerne da questão resida aí, e antes, justamente,
em garantir a possibilidade da revisão integral do mesmo acto por uma instância
jurisdicional, e sendo certo, por outro lado, que tal garantia também viria a
obter-se se do acto ministerial recaindo sobre a decisão da comissão arbitral
coubesse recurso, não de mera anulação, mas de plena jurisdição — eis como posso
entender que a insuficiência constitucional do regime constante do artigo 16.º
da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, se situará, em último
termo, mais no disposto no n.º 7 desse preceito do que no seu n.º 6, que é (este
último) a única norma agora sub judicio. Ou seja: eis como posso ainda, sem
contradizer a minha posição de princípio, acompanhar a «decisão» (mas não mais)
a que chegou maioritariamente o Tribunal.
Não, porém, sem deixar dito que o faço, apesar de tudo, com grande reserva, e
isto porque o tempo me não chegou para averiguar em definitivo — tal há-de ser,
de facto, o critério determinante, em último termo, para optar entre essas duas
soluções alternativas — se um juízo de inconstitucionalidade recaindo
especificamente sobre o n.º 7, antes que sobre o n.º 6, do artigo 16.º é, na
verdade, aquele que menos «atinge», na sua estrutura global, o regime definido
no mesmo preceito. Ou, dito de outro modo, e se se preferir: para averiguar se
esse primeiro juízo é, dos dois, aquele que realmente mais se aproximará da (ou
respeitará a) «vontade presumível» de um legislador colocado perante a
necessidade constitucional de modificar tal regime. — José Manuel Cardoso da
Costa.
1 — Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Julho de 1995.