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Processo n.º 42/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
Relatório
A., na execução que lhe é movida pelo “B., SA”, no processo n.º 5462-A/1992, veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação de Lisboa que, por considerar prejudicada a apreciação dos agravos, julgou extinta a instância recursória.
O recurso foi admitido como agravo em 2ª instância.
No Supremo Tribunal de Justiça, o Conselheiro Relator deste processo entendeu não ser de receber o recurso de agravo interposto pelo executado, nos termos do preceituado pelo artigo 678º, nº 1, do Código de Processo Civil, tendo este suscitado a sua apreciação pela conferência.
Por acórdão proferido em 13 de setembro de 2011 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu não conhecer do objeto do recurso.
O Executado recorreu para o Tribunal Constitucional para apreciação da ilegalidade, inconstitucionalidade e violação das seguintes normas: arts 201.º, 916º, 917º do CPC, art. 1305º do CC, art.s 2º, 62º, 20º e 204º da CRP e art. 17º, nº 2 da DUDH, cuja ilegalidade e inconstitucionalidade foi levantada pelo Recorrente nas alegações de recurso e reclamação dirigidas a este Venerando Supremo Tribunal de Justiça e bem assim nas alegações de recurso dirigidas ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
O Conselheiro Relator proferiu despacho de não admissão do recurso com os seguintes fundamentos:
“A fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, em sede de recurso para o Tribunal Constitucional, abarca, nos termos do disposto pelo artigo 280º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e seu nº 1, as decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade [a], que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo [b], e ainda, no seu nº 2, as decisões que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua ilegalidade, por violação da lei com valor reforçado [a], que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade, por violação do estatuto da região autónoma [b], que recusem a aplicação de norma constante de diploma emanado de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade, por violação do estatuto de uma região autónoma [c] e que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo, com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas a), b) e c) [d].
Efetivamente, os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, conforme os casos, consoante decorre ainda do estipulado pelo artigo 280º, nº 6, da CRP.
Porém, para que se verifique o pressuposto da interposição e subsequente admissão deste específico recurso, é necessário uma decisão positiva de inconstitucionalidade, uma decisão negativa de inconstitucionalidade, uma decisão de acolhimento de ilegalidade ou uma decisão de rejeição de ilegalidade.
Ora, o executado pretende reagir contra a decisão proferida pelo supracitado acórdão, que não admitiu o agravo, por não poder conhecer-se do objeto do recurso, relativamente ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, por si interposto, com base nas disposições conjugadas dos artigos 700º, nº 3, 704º, nº 1, 754º, nº 1, 756º, 726º e 749º, todos do Código de Processo Civil (CPC).
Na verdade, o executado não questionou qualquer um destes normativos legais pelo vício da sua legalidade ou inconstitucionalidade, tendo sim, nas alegações do recurso de agravo em 2ª instância, para este Supremo Tribunal de Justiça, arguido a violação dos artigos 2º, 62º e 204º, da CRP, mas, porém, no contexto do alegada pagamento integral da quantia exequenda.
Efetivamente, para o caso que aqui importa considerar, o executado não arguiu a ilegalidade ou a inconstitucionalidade das normas fundamentadoras da não admissão do recurso de agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, em que se sustentou o acórdão de folhas 1011 e seguintes.
Outro deveria ter sido o itinerário processual prosseguido pelo executado, após a prolação do acórdão da Relação, a bem da arguida visão constitucional que aí propugnou, que não a voluntaristica opção pelo agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, onde o principio geral da alçada iria, irremediavelmente, fazer soçobrar quaisquer veleidades que o recurso para o Tribunal Constitucional, na sequência imediata do acórdão proferido pela Relação, ainda poderia fazer acalentar.
Assim sendo, não se tendo suscitado, a propósito do teor do acórdão de folhas 1011 e seguintes, qualquer uma das mencionadas questões de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, inexiste fundamento legal para a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
Deste modo, não se admite o recurso interposto pelo executado, através do requerimento de folhas 1022, dirigido ao Tribunal Constitucional.”
O Recorrente reclamou desta decisão, alegando o seguinte:
I – Vem a presente reclamação do douto despacho de fls. dos autos que decidiu indeferir o requerimento de interposição de recurso para este Venerando Tribunal Constitucional por, em síntese, dever ter sido outro “... o itinerário processual prosseguido pelo executado, após a prolação do acórdão da Relação, a bem da arguida visão constitucional que aí propugnou, que não a voluntarística opção pelo agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, onde o princípio geral da alçada iria, irremediavelmente, fazer soçobrar quaisquer veleidades que o recurso para o Tribunal Constitucional, na sequência imediata do acórdão proferido pela Relação, ainda poderia acalentar.”
II – Não pode, pois, o Recorrente, conformar-se com o douto despacho proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito,
III – a interposição do recurso de agravo em 2ª instância para o venerando Supremo Tribunal de Justiça foi objeto do seguinte despacho, proferido em 2010.06.11:
“Por a decisão ser recorrível, o recorrente ter legitimidade e estar em tempo, admito o recurso, que é de agravo em 2ª instância, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.”
Daí que,
IV – “... o agravo para este Supremo Tribunal de Justiça... ., não possa ser configurado como uma qualquer “... voluntaristica opção...”, mas como a utilização admitida de um meio processual ao dispor do Recorrente.
V – A apreciação do agravo em 2ª instância veio, a final, indeferida pelo venerando Supremo Tribunal de Justiça em virtude de aí se ter entendido que aquele agravo não observava o principio geral da alçada.
VI – Indeferida que se achou a Reclamação do indeferimento do recurso, pela conferência do Supremo Tribunal de Justiça, não restava, pois, ao Recorrente, senão interpor recurso, como fez, para o Tribunal Constitucional.
VII – Ao contrário do que parece resultar do despacho ora reclamado, o Recorrente não veio interpor recurso da decisão que lhe indeferiu a apreciação do agravo em 2ª instância.
VIII – No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o que pode ler-se é que, é na sequência da notificação do douto acórdão que lhe indeferiu a apreciação das alegações de recurso, que vem interpor o recurso constitucional. E nada mais.
IX – O que o Recorrente pretendia era que o venerando Supremo Tribunal de Justiça, investido do poder dever que o art. 204º da CRP lhe confere, à semelhança dos demais Tribunais, apreciasse as inconstitucionalidades e ilegalidades verificadas ao longo do processo, e que foram suscitadas nas alegações de recurso dirigidas ao venerando Tribunal da Relação e também nas dirigidas ao próprio Supremo Tribunal, o que não sucedeu, em virtude de não terem sido admitidas.
X – No modesto entendimento do Recorrente, não pode vir agora o venerando Supremo Tribunal de Justiça, indeferir o recurso para este Tribunal Constitucional, na base do entendimento de que cabia ao Recorrente ter antecipado a decisão daquele Supremo no que concerne à impossibilidade de apreciação das alegações que lhe dirigiu!
XI – Doutro modo, a ter agido como propõe o Supremo Tribunal, arriscava-se o Recorrente a ver, junto do venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a mesma decisão de indeferimento com fundamento no facto de não ter recorrido para o Supremo, e por isso não ter esgotado todos os recursos ordinários que no caso cabiam.
XII – o Recorrente pretendia que o Supremo Tribunal de Justiça apreciasse a “...arguida visão constitucional que...” propugnou nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, obstando assim ao recurso para este venerando Tribunal Constitucional.
XIII – Não pode ser a circunstância da decidida inadmissibilidade do recurso para o venerando Supremo Tribunal a determinar a impossibilidade de recorrer para o Tribunal Constitucional, desde logo porque só nesta fase se encontram esgotadas todas as possibilidades de recurso ordinário.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge?se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas, ou a interpretações normativas (hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Daí que o artigo 75.º - A, n.º 1, da LTC, exija que o requerimento de interposição de recurso indique a alínea do n.º 1, do artigo 70.º, ao abrigo do qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal fiscalize.
E tendo este recurso natureza instrumental, relativamente à decisão recorrida, deve também o requerimento de interposição indicar com clareza qual a decisão de que se pretende interpor recurso.
O Recorrente, no requerimento por si apresentado, por um lado, não indicou a norma ou normas cuja constitucionalidade pretendia ver fiscalizada e, relativamente à decisão recorrida, utilizou uma formulação que indiciava que esta era a proferida em 13 de setembro de 2011 pelo Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a decisão do Conselheiro Relator de não admissão do recurso de agravo.
Na reclamação agora apresentada constata-se que o Recorrente pretendia afinal invocar inconstitucionalidade e ilegalidades relativas a outras decisões anteriormente proferidas no processo, as quais continua a não identificar, assim como também não identifica a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, ao abrigo do qual o recurso foi interposto, assim como as normas cuja constitucionalidade e ilegalidade pretendia questionar.
Perante a ausência do cumprimento dos requisitos mínimos de recebimento do recurso para o Tribunal Constitucional não pode este ser conhecido pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os elementos estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa,8 de fevereiro de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.