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Proc. nº 181/95
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A , com sede em Lisboa, deduziu, em 20 de Abril de 1988, oposição à execução contra si instaurada para cobrança da quantia de
5.512.625$00, por falta de pagamento da taxa prevista na alínea d) do artigo 1º do Decreto-Lei nº 75-C/86, de 23 de Abril - o que fez de harmonia com o disposto nos artigos 175º e seguintes do Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45.005, de 27 de Abril de 1963, então em vigor.
Sustentou a executada a inconstitucionalidade das normas contidas no Decreto-Lei nº 75-C/86, em virtude de este diploma ter sido emitido ao abrigo de uma autorização legislativa que já havia caducado, com a dissolução da Assembleia da República e com a exoneração do Governo. Defendeu ainda, para o caso de assim não se entender, que as normas constantes desse diploma seriam, não obstante, inconstitucionais, na medida em que teria sido desrespeitada a regra da anualidade do orçamento e porque no Orçamento do Estado para 1987 não fora contemplada qualquer cobrança das taxas que constituem receita do Instituto de Produtos Florestais.
2. A oposição foi julgada procedente, tendo-se considerado que o Decreto-Lei nº 75-C/86, de 23 de Abril, é inconstitucional, na medida em que a autorização legislativa constante do artigo 64º da Lei nº 2-B/85, de 28 de Fevereiro, ao abrigo da qual aquele diploma foi emitido, caducou em 31 de Dezembro de 1985, tendo o mencionado decreto-lei sido aprovado em Conselho de Ministros apenas em 3 de Abril de 1986.
3. É desta sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (de 11 de Novembro de 1994) que vem interposto o presente recurso obrigatório para o Ministério Público, ao abrigo do preceituado nos artigos
280º, nºs 1, alínea a), e 3, da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), e 72º, nº
3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Neste Tribunal, o representante do Ministério Público concluiu as suas alegações do seguinte modo:
'A norma constante do artigo 1º, alínea d) do Decreto-Lei nº
75-C/86, de 23 de Abril é organicamente inconstitucional, por violação do artigo
168º, nº 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa, já que a autorização legislativa ao abrigo da qual foi editado, constante do artigo 64º, nº 1, da Lei nº 2-B/85, de 28 de Fevereiro (Lei do Orçamento do Estado para
1985), caducou em 31 de Dezembro desse ano, momento anterior à aprovação do citado Decreto-Lei nº 75-C/86.'
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
4. A questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente já foi analisada por este Tribunal em diversos arestos, em todos eles se decidindo pela inconstitucionalidade das normas constantes do diploma, por violação do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea i), da Constituição (cf. Acórdãos nºs 387/91, D.R., II Série, de 2 de Abril de 1991, 388/91, inédito,
183/92, D.R., II Série, de 18 de Setembro de 1992, 380/92, 326/92, 271/93 e
280/94, todos inéditos).
É essa mesma conclusão que o Tribunal agora reitera, limitando-se, para tanto, a recordar o essencial da fundamentação então aduzida.
5. As normas em crise criaram uma imposição tributária a favor de um organismo de coordenação económica (no caso, o Instituto dos Produtos Florestais), com a natureza de imposto, como aliás tem entendido pacífica e reiteradamente o Supremo Tribunal Administrativo (cf. Acórdão deste Tribunal nº 271/93, cit.).
Assim, o Governo só poderia legislar sobre esta matéria munido da respectiva autorização parlamentar [artigo 168º, nº 1, alínea i), da Constituição]. Ora, tendo em conta a data da aprovação do Decreto-Lei nº 75-C/86 em Conselho de Ministros (3 de Abril de 1986) e a data da caducidade da autorização legislativa contida no artigo 64º, nº 1, da Lei nº 2-B/85, de 28 de Fevereiro (31 de Dezembro de 1985), conclui-se que as normas sub iudicio são inconstitucionais.
6. Na verdade, nos termos do artigo 168º, nº 5, in fine, da Constituição, as autorizações legislativas em matéria fiscal constantes da Lei do Orçamento 'caducam no termo do ano económico a que respeitam', ou seja, em 31 de Dezembro, uma vez que o ano económico coincide com o ano civil.
Sendo certo que esta disposição foi introduzida no texto constitucional pela Revisão de 1989 (Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho), ela não é aplicável aos autos. Todavia, o seu valor doutrinário não deve deixar de ser tomado em conta, como se entendeu, aliás, no já citado Acórdão deste Tribunal nº 387/91.
7. Neste aresto, depois de se ponderar que a autorização legislativa constante do nº 1 do artigo 64º da Lei nº 2-B/85 tinha a duração do Orçamento, ou seja, a duração máxima de um ano, já que o Orçamento do Estado, nos termos do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 40/83, de 13 de Dezembro - Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, então em vigor - é anual, depois de se considerar que, de acordo com os nºs 1 e 2 do artigo 15º desta mesma lei, o Orçamento do Estado para o ano de 1985 se manteve em vigor até à data do início da vigência da Lei do Orçamento para o ano de 1986 e depois de se discutir a conformidade à Constituição destas últimas normas da Lei nº 40/83, escreveu-se:
'(...)
E, na verdade, as razões invocadas para que, em caso de atraso na votação ou aprovação da proposta de orçamento, se mantenha em vigor o Orçamento do ano anterior, como se dispõe no nº 1 do artigo 15º da Lei nº 40/83
- ou seja, os serviços do Estado têm de funcionar sem interrupções, não podendo haver hiatos, no desenvolvimento da sua actividade financeira -, não procedem quanto às autorizações legislativas constantes da Lei do Orçamento que incidam sobre matéria fiscal. O atraso na entrada em vigor da nova Lei do Orçamento não impede o Governo de legislar, até 31 de Dezembro, sobre a matéria que foi objecto de autorização legislativa na lei anterior.
Dito de outra maneira: se se pode justificar a não observância da regra da anualidade para o Orçamento propriamente dito, já o mesmo não se pode dizer a respeito das autorizações legislativas concedidas ao Governo na Lei do Orçamento que incidam sobre matéria fiscal.
O nº 2 do citado artigo 15º da Lei nº 40/83, interpretado no sentido de que a manutenção da vigência do orçamento do ano anterior abrange as autorizações legislativas concedidas ao Governo que incidam sobre matéria fiscal, ofende, pois, a regra, resultante da conjugação do nº 3 do artigo 168º da Constituição, na versão de 1982 (as leis de autorização legislativa devem definir a duração da autorização), com os citados artigos 93º e 108º, nº 2, de que tais autorizações só podem ser utilizadas até 31 de Dezembro.'
8. A autorização legislativa contida na norma do artigo 64º, nº 1, da Lei nº 2-B/85, não podia valer nem ser utilizada para além do dia 31 de Dezembro de 1985, havendo, consequentemente, caducado à data em que foi aprovado o Decreto-Lei nº 75-C/86.
Tudo se passou, assim, como se este diploma houvesse sido aprovado a descoberto da necessária autorização parlamentar, e daí a sua inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea i), da Constituição.
III Decisão
9. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida na parte respeitante à questão de inconstitucionalidade suscitada.
Lisboa, 17 de Abril de 1996
Maria Fernanda Palma
Vitor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Diniz
José Manuel Cardoso da Costa