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Processo dos Tribunais Administrativos.
Dessa sentença recorreu ele para o Supremo Tribunal
Administrativo, dizendo, entre o mais, que o nº 1 do citado artigo 76º é
inconstitucional.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 20 de
Julho de 1994, negou provimento ao recurso, em virtude de o recorrente não ter
feito prova de que a execução do acto lhe causava prejuízos de difícil
reparação, ou seja, por se não verificar no caso o requisito da alínea a) do nº
1 do mencionado artigo 76º.
Nesse acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo
concluiu que o citado artigo 76º, nº 1, não enferma de qualquer
inconstitucionalidade.
2. É deste acórdão de 20 de Julho de 1994 que vem o
presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade do artigo
76º, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho.
Neste Tribunal o recorrente formulou as seguintes
conclusões:
1ª - Com a autonomização, na segunda Revisão Constitucional de 1989, de um
preceito especificamente dedicado a garantir o acesso à justiça administrativa,
não apenas para o 'reconhecimento' - como se dispunha no texto anterior -, mas
também para a tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos (art.
268º/5 CRP), a Constituição superou decididamente o quadro originário dos
recurso de anulação dos actos administrativos, consagrando um verdadeiro direito
à tutela jurisdicional efectiva, pelo que:
a) abriu caminho a acções de tutela positiva dos direitos dos administrados
perante a Administração;
b) reconheceu o particular como legítimo titular de uma posição subjectiva de
vantagem em ordem à satisfação ou conservação de um bem jurídico, digna da
atribuição dos correspondentes poderes processuais para a sua efectiva
realização;
2ª - A elevação do princípio da tutela jurisdicional efectiva a direito
fundamental, nos termos dos arts. 20º e 268º/4 e 5 da Constituição, implica a
concretização do seu conteúdo perceptivo mínimo ao nível da Constituição,
traduzido nos seguintes vectores:
a) primeiro, a garantia de uma tutela jurisdicional administrativa sem lacunas,
consubstanciada no princípio de que a qualquer ofensa de direitos ou interesses
legalmente protegidos e a qualquer ilegalidade da Administração Pública deve
corresponder uma forma de garantia jurisdicional adequada;
b) segundo, a garantia da existência de meios necessários com vista à sua plena
exequibilidade e operatividade, no sentido de que o direito à tutela
jurisdicional efectiva se tem de traduzir obrigatoriamente na plena eficácia da
decisão jurisdicional na esfera jurídica do particular;
c) terceiro, e em consequência, a paralisação do privilégio da execução prévia
inerente à actividade administrativa, no caso da sua violação ou da
possibilidade de preclusão da sua tutela eficaz, em obediência ao comando
constitucional contido no art. 266º/1 CRP;
3ª - A Constituição da República Portuguesa consagra o direito fundamental à
suspensão da eficácia dos actos administrativos de que se haja interposto ou de
que se pretenda interpor recurso contencioso de anulação, sendo reconduzível ao
núcleo fundamental do direito dos administrados à tutela jurisdicional efectiva,
pelo que é de afastar o entendimento segundo o qual a suspensão de eficácia é
uma providência de carácter excepcional;
4ª - A presunção de legalidade dos actos administrativos nunca pode funcionar
como meio ou critério de prova, ainda que sumária, no quadro do incidente da
suspensão da eficácia, sob pena de se violar o núcleo fundamental do direito à
tutela jurisdicional efectiva, vertido nos arts. 20º e 268º/4 e 5 da
Constituição.
5ª - O nº 1 do art. 76º da L.P.T.A. está ferido de inconstitucionalidade,
porquanto:
a) é, desde logo, redundante, no sentido de que toda a suspensão da eficácia de
um determinado acto administrativo lesa sempre o interesse público, tal como é
configurado por uma Administração executiva, como é a nossa, pelo que se
constitui, afinal, em cláusula de exclusão ilícita do funcionamento desse meio
jurisdicional, denegando, em consequência, o direito à tutela jurisdicional
efectiva, previsto nos arts. 20º e 268º/4 e 5;
b) apela a uma valoração judicial da gravidade da lesão do interesse público
contrária à ideia material do Direito prosseguida pela Administração, no sentido
de que recorta a actividade por esta desenvolvida numa feição contrária aos
direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, violando, pois, o
preceituado no art. 266º/1 da Constituição;
6ª - O art. 76º/1 da L.P.T.A. está ferido de inconstitucionalidade material, por
restringir desproporcionada e desnecessariamente o direito à tutela
jurisdicional efectiva, afectando o conteúdo essencial desta, em clara violação
do art. 18º/2 e 3 da Constituição.
Nestes termos deve ser julgado inconstitucional o art. 76º/1 da L.P.T.A., com
todas as consequências legais.
De sua parte, a Câmara Municipal de Sintra concluiu as
suas alegações como segue:
1 - A inconstitucionalidade invocada mostra-se totalmente infundada, já que o
ora recurso, não se fundamenta na b) do Artº 70º da Lei nº 28/92.
2 - Por outro lado, no requerimento inicial de suspensão de eficácia do acto
administrativo de que se requer a suspensão, não se põe em causa a
inconstitucionalidade do nº 1 do Artº 76º da L.P.T.A., tendo-se antes,
fundamentado todo o pedido neste mesmo artigo, o que mostra total incoerência.
3 - O princípio do privilégio de execução prévia e de presunção da legalidade
dos actos administrativos decorrem do sistema da administração executiva,
próprio do nosso ordenamento jurídico.
4 - O princípio da presunção da legalidade dos actos administrativos é
facilmente compreensível e aceitável, tendo em conta os imperativos
constitucionais do Art.º 266º nº 1 e 2, e 268º nº 4 e 5 da C R P..
5 - A Administração tem em vista a prossecução do interesse público, mas, sempre
em conformidade com o princípio da legalidade, daí que a harmonização daquele
interesse e o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos, estejam desta forma, claramente harmonizados e defendidos.
6 - É com base nestes dois princípios fundamentais, que o privilégio de execução
prévia faz sentido e prevalece no nosso ordenamento jurídico.
7 - O acto administrativo é executório e só excepcionalmente pode ser privado
dessa característica.
8 - A suspensão da eficácia dos actos deve ser uma providência a adoptar apenas
nas situações em que excepcionalmente e perante os interesses em jogo se
preencham cumulativamente os requisitos previstos no art. 76º, nº 1, da
L.P.T.A..
9 - É ao Tribunal que compete ponderar sobre a gravidade da lesão do interesse
público.
10 - Esta ponderação não confere o arbítrio ao tribunal, mas sim um poder
vinculado, visto que a Administração, numa hipótese de actuação discricionária,
não pode deixar de estar submetida à Lei.
11 - Não proibindo a Constituição à Administração, conferir prioridade e
urgência à execução de certa categoria de actos administrativos, não se verifica
assim a inconstitucionalidade do nº 1 do art. 76º e a violação dos arts. 20º,
268º, nºs 4 e 5, 266º, nº 1, 18º, nº 2 e 3 todos da C.R.P..
12 - Não se entende o suporte da alegada inconstitucionalidade da b) do nº 1 do
art. 76º da L.P.T.A., desconhecendo-se qualquer declaração ou tomada de posição
do Tribunal Constitucional sobre esta matéria.
Nestes termos, e nos demais de direito não deve ser julgado inconstitucional o
art. 76º, nº 1, da L.P.T.A., devendo o presente recurso ser julgado
improcedente, mantendo-se assim a douta sentença recorrida, não se concedendo a
requerida suspensão de eficácia do acto [...].
3. Dispensados os vistos, cumpre decidir:
II. Fundamentos:
4. Este Tribunal, ainda recentemente, no acórdão nº
631/94 (Diário da República, II série, de 11 de Janeiro de 1995), reafirmou a
conformidade dos requisitos enunciados pelas várias alíneas do nº 1 do
mencionado artigo 76º com a Constituição. E, no acórdão nº 8/95 (por publicar),
reiterou esse juízo de legitimidade constitucional relativamente à alínea b) do
dito nº 1 do artigo 76º.
É esta uma conclusão que não tem qualquer dificuldade em
subscrever quem, como o ora relator, entende que a suspensão jurisdicional de
eficácia dos actos administrativos não é uma garantia constitucional (cf. o
acórdão nº 187/88, publicado no Diário da República, II série, de 5 de Setembro
de 1988), nem tão-pouco se configura como 'uma faculdade conatural à garantia de
recurso contencioso' ou como 'pressuposto necessário' dela (cf. o acórdão nº
173/91, publicado no Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1991).
Mas tal conclusão é ainda subscrita por quem entende que
o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos (recte, o direito ao recurso contencioso para impugnação
de actos administrativos com fundamento em ilegalidade) pressupõe a faculdade de
obter a suspensão de eficácia dos actos administrativos [cf. os citados acórdãos
nºs 631/94 e 8/85, e bem assim os acórdãos nºs 450/91 (Diário da República, II
série, de 3 de Maio de 1993), 43/92 (Diário da República, II série, de 23 de
Fevereiro de 1993) e 366/92 (Diário da República, II série, de 23 de Fevereiro
de 1993)].
Quem assim pensa reconhece, na verdade, que a exigência
(para obter o decretamento judicial da suspensão de eficácia do acto
administrativo impugnado ou impugnando) de que 'a execução do acto cause
provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os
interesses que este defenda ou venha a defender no recurso' [alínea a)]; de que
'a suspensão não determine grave lesão do interesse público' [alínea b)]; e de
que 'do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade da interposição do
recurso' [alínea c)] preserva o conteúdo essencial da garantia de recurso
contencioso: os interessados não ficam impedidos de aceder aos tribunais para
defender os seus direitos e interesses legítimos, nem vêem esse acesso,
injustificada ou desproporcionadamente, restringido ou dificultado. E mais: uma
tal modelação do instituto da suspensão de eficácia é algo que releva ainda da
liberdade de conformação do legislador.
As razões assim sumariamente expostas - que se podem ler
in extenso nos citados acórdãos nºs 631/94 e 8/95, para cuja fundamentação aqui
se remete - levam o Tribunal a concluir pelo improvimento do recurso.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 5 de Abril de 1995
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Luis Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Fernando Alves Correia
Bravo Serra
José Manuel Cardoso da Costa