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Processo nº 198/93 ACÓRDÃO Nº 563/96 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1.- O Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 281º, nº 2, alínea d), da Constituição da República (CR) e 51º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas no artigo 4º do Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho, e no nº 7, alínea a), da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, por entender que ambas ofendem o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CR.
Para esse efeito, desenvolve a entidade requerente fundamentação que sintetiza nas seguintes conclusões:
a) as normas cuja fiscalização de constitucionalidade se requer impedem que as vantagens garantidas aos beneficiários de revisão do processo de avaliação e qualificação como deficiente das Forças Armadas (artigo 18º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro) se comuniquem a todos quantos não precisaram de tal revisão por já terem sido como tal considerados, ao abrigo de legislação anterior a 1976;
b) produzem uma cisão dentro de um conjunto com as mesmas características (portadores de deficiências resultantes das campanhas militares em África no período 1961-1974, todos eles militares), porquanto admitido que foi a uns o reingresso no activo [alínea e), do nº 8, da Portaria nº 162/76, de 24 de Março), em momento oportuno (Portaria nº 114/79, de
12 de Março), bem como a reconstituição das respectivas carreiras (cfr. Portaria nº 94/76, de 24 de Fevereiro) antes da passagem à reforma extraordinária / pensão de invalidez [alínea a) do nº 6 da Portaria nº 162/76], a outros é mantida a inalterabilidade das pensões (artigo 4º do Decreto-Lei nº 295/73, de
9 de Junho) e é vedado o reingresso no activo [alínea a) do nº 7 da Portaria nº
162/76 citada];
c) colidem, por isso, com o princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da CRP), tanto na sua vertente da proibição do arbítrio, como na da proibição do tratamento discriminatório;
d) não possuem, por outro lado, qualquer fundamento constitucionalmente relevante que sirva de suporte objectivo à desigualdade apontada;
e) ainda que, por mera hipótese, se verificasse existir tal fundamento, sempre estariam em colisão com o princípio da proporcionalidade, consagrado enquanto corolário da primeira parte do artigo
2º do texto constitucional.
2.- Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos
54º e 55º, nº 3, da Lei nº 28/82, o Primeiro-Ministro veio pronunciar-se, concluindo do seguinte modo:
a) as normas em referência, em conjugação com a restante legislação aplicável aos deficientes das Forças Armadas, estabelecem uma diferença de tratamento entre dois grupos de militares;
b) a diferença de tratamento estabelecida consiste na outorga a alguns de uma faculdade de reingresso ao activo e consequente reconstituição da carreira, sem limitações de ordem temporal, enquanto aos restantes se esgotou no prazo de um ano a possibilidade de idêntico reingresso;
c) a opção pela reforma extraordinária posterior ao reingresso pode traduzir-se em benefícios ao nível do montante das pensões;
d) a existência de regimes distintos não só não viola o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, como responde a uma exigência da dimensão substancial deste princípio;
e) com efeito, trata-se da reparação de situações de injustiça resultantes do não reconhecimento, até 1976, da situação de deficientes das Forças Armadas, a um grupo de militares incapacitados durante o período da Guerra Colonial (1961-1974);
f) nesta perspectiva, atenta a gravidade de tais injustiças, de modo algum pode ter-se como desproporcionada a diferença de regimes estabelecida;
g) ainda que alguma dúvida surgisse a este respeito, não deveria ser declarada a inconstitucionalidade das normas em análise, já que se deve atender à presunção de racionalidade da legislação ordinária, ilidível apenas em casos de flagrante incompatibilidade com o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP).
Cumpre apreciar e decidir.
II
1.- Pretende-se a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos seguintes preceitos:
Artigo 4º do Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho
'A atribuição da graduação não confere ao militar direito a qualquer alteração na pensão de reforma calculada e estabelecida na data da mudança de situação'.
Nº 7, alínea a), da Portaria nº 162/76, de 24 de Março
'Aos DFA [deficientes das forças armadas] nas situações de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez que já puderam usufruir do direito de opção nos termos da legislação então em vigor não é reconhecido o direito de poderem optar pelo ingresso no serviço activo'.
Sendo este o objecto do pedido, fundamentado na violação do princípio da igualdade e, subsidiariamente, na do princípio da proporcionalidade, nos termos esquematicamente já registados, impõe a sua correcta intelegibilidade que se proceda, de imediato, à alusão do enquadramento legal em que aquelas normas se inserem.
2.1.- Até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 44 995, de 24 de Abril de 1963, eram afastados do serviço activo os militares dos quadros permanentes das forças armadas que, em consequência de ferimentos ou acidentes ocorridos em serviço, mesmo em casos de serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública, ficavam diminuídos na sua capacidade física.
Reconheceu-se, porém, que a plena validez física era dispensável no desempenho de alguns cargos da competência dos militares no activo, sendo certo que o afastamento da carreira das armas imposto aos militares que sofreram diminuição da capacidade física com manutenção de validez suficiente para continuarem a desempenhar utilmente funções para as quais foram preparados e dedicaram a sua vida, constítuia procedimento não coadunável com o
'reconhecimento que a Nação' lhes deve.
O legislador de 1963 entendeu, a essa luz, que o aproveitamento da capacidade e da actividade dos militares em condições para o desempenho desse serviço, beneficiaria não só o Estado como, material e moralmente, os próprios e, por conseguinte, dispôs, no corpo do artigo 1º daquele diploma, que os militares dos quadros permanentes das forças armadas mutilados em consequência de ferimentos ou acidentes produzidos em serviço de campanha ou de manutenção de ordem pública ou em serviço directamente relacionado, podem, se assim o desejarem, continuar no serviço activo ainda que a sua capacidade física apenas lhes permita o desempenho em cargos ou funções que dispensam plena validez (o respectivo § 1º, por sua vez, diz-nos o que são mutilados, para os efeitos do diploma, e o § 2º exclui do âmbito do corpo do artigo certas situações relacionadas, de um modo geral, com ferimentos e acidentes intencionalmente provocados).
De acordo com o artigo 2º, os militares em questão são presentes a uma junta médica que julgará da aptidão para todo o serviço activo ou apenas para os cargos que dispensem plena validez.
A regulamentação das medidas constantes no diploma veio a ser feita na Portaria 21 776, do Ministério do Exército, de 7 de Janeiro de 1966 (publicada no Diário do Governo, nº 5, da mesma data) aí se definindo, nomeadamente, os militares considerados abrangidos pela providência legal em causa e o regime da sua sujeição às JHI (juntas hospitalares de inspecção).
Pouco depois, o Decreto-Lei nº 45 684, de 27 de Abril de 1964, revelando idêntica preocupação - considera-se preambularmente a necessidade de assegurar aos que se inferiorizam ao serviço da Pátria as condições indispensáveis à sua subsistência - reconhece terem direito à reforma extraordinária os militares que nesta qualidade são subscritores da Caixa Geral de Aposentações e que se tornem inábeis para o serviço por algumas das causas enumeradas no seu artigo 1º (concretizadas mais claramente pela Portaria nº 127/72, de 6 de Março) estabelecendo o artigo 3º os critérios de fixação da pensão de reforma extraordinária e a fórmula do respectivo cálculo, tendo em conta o posto no activo (o último posto no activo, nos termos do artigo
3º do Decreto-Lei nº 45 684, e, posteriormente, do nº 1 do artigo 121º do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro) - pensão que
é de invalidez para os militares não subscritores daquela Caixa (cfr. o nº 1 do artigo 127º deste Estatuto).
2.2.- O Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, invocando o reconhecimento que 'a Nação deve àqueles que, no cumprimento dos seus deveres militares, se sacrificaram por ela', o qual exige se torne extensivo à generalidade dos militares o regime criado pelo texto legal de 1963, vem alargar o universo dos destinatários desse regime, de modo a abranger todos os militares do quadro permanente e do quadro de complemento do Exército e pessoal militar não permanente da Armada e da Força Aérea que se tornem deficientes em consequência de acidentes ou doenças resultantes de serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública
(cfr. o respectivo preâmbulo e o nº 1 do artigo 1º), aos quais se concede poderem continuar na situação de activo ou optar pela passagem à situação de reforma extraordinária.
Mantem-se a possibilidade de opção pela reforma extraordinária (ou pensão de invalidez), enunciam-se de novo as circunstâncias fácticas que originam acidentes ou doenças resultantes do serviço de campanha, para os efeitos do diploma, e revogam-se, entre outros, o Decreto-Lei nº 44 995 e a Portaria nº 127/72 (artigo 18º).
De acordo com o nº 1 do seu artigo 15º, os militares que, pelos motivos indicados no artigo 1º, já se encontrem na situação de reforma extraordinária ou fruindo pensão de invalidez, podem voltar à situação de activo desde que o requeiram no prazo de um ano, a contar do início da vigência deste diploma (preceitua, por sua vez, o nº 2 que os vencimentos e demais abonos a que vierem a ter direito são devidos somente a partir da data que coloca esses militares na situação de activo, acrescentando o nº 3 que os militares que regressem a essa situação serão colocados no posto e no lugar que lhes competiria se não tivesse havido interrupção de serviço).
Pouco depois, o Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho, passou a contemplar o problema das graduações dos militares dos quadros permanentes na situação de reforma extraordinária por alguma das causas indicadas no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 210/73, determinando-lhes a graduação no posto a que teriam ascendido se não tivessem mudado de situação
(artigo 1º), logo a seguir se prescrevendo, no entanto, não conferir a atribuição da graduação ao militar direito a qualquer alteração na pensão de reforma, calculada e estabelecida na data da mudança de situação. É a norma do artigo 4º, ora sob sindicância, e que permanece em vigor, como veremos a seguir.
2.3.- Os textos legais referenciados aproveitam aos militares vítimas dos eventos que os deficientaram desde que ocorridos posteriormente a 1 de Janeiro de 1961 (Decreto-Lei nº 44 995, artigo 8º; Decreto-Lei nº 45 684, artigo 9º; Decreto-Lei nº 210/73, artigo 17º).
A eclosão da guerra colonial e o subsequente aumento de acidentes ou doenças em serviço de campanha ou de manutenção de ordem pública constituiram a (não confessada) occasio legis da descrita actividade legislativa, desperto o legislador para a necessidade de exprimir reconhecimento aos que se sacrificaram em cumprimento dos seus deveres militares e, mormente, para uma desejável perspectiva de reintegração desses militares no meio social, permitindo que continuassem em serviço os que sofreram diminuição de capacidade física em consequência de acidentes ou doenças resultantes do serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública, desde que possível o desempenho desse serviço.
O Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Fevereiro, surgido no período subsequente à rotura institucional do 25 de Abril, cessada já a chamada guerra colonial, visou propósitos mais vastos ao instituir um regime de reabilitação e assistência 'aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar'
(do nº 1 do artigo 1º), não apenas no serviço de campanha ou situações equiparadas mas também no exercício de quaisquer funções e deveres militares em condições de que resulte 'risco agravado equiparável' ao definido naquelas situações (o diploma foi objecto de várias rectificações: cfr. declarações publicadas no Diário do Governo de 13 de Fevereiro e de 16 de Março e Diário da República, de 26 de Junho, todos na I Série de 1976).
Pretendeu-se, em vésperas de vigência de um novo texto constitucional onde o Estado se obrigaria a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes - cfr. o nº 2 do artigo 71º da Constituição de 1976 - afastar o regime instituído pelos anteriores diplomas que, designadamente, criara injustiças aos que se deficientaram nas campanhas pós-1961 - como se lê do preâmbulo respectivo - com desrespeito do 'princípio de actualização de pensões e outros abonos, o que provocou, no seu conjunto, situações económicas e sociais lamentáveis'.
E, na verdade, o novo texto alarga o conceito de deficiente das forças armadas - artigo 1º - e reequaciona o direito de opção pela continuação no serviço activo, previsto no Decreto-Lei nº 210/73, direito esse que se manteve - cfr.artigo 7º (o preâmbulo refere-se expressamente à manutenção desse direito 'ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961, a fim de contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo').
Ainda de acordo com o nº 1 do seu artigo 18º consideram-se, automaticamente, DFA: a) 'os inválidos da 1ª Guerra Mundial, de
1914-1918, e das campanhas ultramarinas anteriores'; b) 'os militares no activo que foram contemplados pelo Decreto-Lei nº 44 995, de 24 de Abril de
1963, e que pelo nº 18 da Portaria nº 619/73, de 12 de Setembro, foram considerados abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio'; c) 'os considerados deficientes ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio'.
Pelo nº 2 do mesmo artigo 18º aplica-se o diploma aos 'cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo', o mesmo sucedendo, por via do nº 3, aos 'militares que venham a contrair deficiência em data ulterior à publicação deste decreto-lei e forem considerados DFA'.
O artigo 20º - cfr. a rectificação publicada em
13 de Fevereiro - prescrevia, originariamente, que 'todos os direitos, regalias e deveres dos DFA ficam definidos no presente decreto-lei, com expressa revogação do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, excepto nos seus artigos 1º e 7º', mas logo a rectificação publicada em 16 de Março veio aditar ao eixo sinalagmático 'presente decreto-lei' esse outro 'e no Decreto-Lei nº
295/73, de 9 de Junho', redacção que se mantém.
A produção de efeitos foi, por sua vez, reportada a
1 de Setembro de 1975, 'data a partir da qual terão eficácia os direitos que reconhece aos DFA' (artigo 21º do texto rectificado'.
A Portaria nº 94/76, de 24 de Fevereiro, disciplina o regime do serviço activo que dispense plena validez, constando do seu nº 9:
'Os militares que optarem pela continuação na situação do activo em regime que dispense plena validez podem, mediante declaração, no prazo de um ano, passar à situação de reforma extraordinária se dos quadros permanentes, ou pensão de invalidez, se dos quadros de complemento ou não permanentes, sendo-lhes atribuída a pensão correspondente ao posto em que nessa data se encontrem promovidos ou graduados'.
Por seu lado, a Portaria nº 162/76, de 24 de Março, teve por objectivo regulamentar situações transitórias resultantes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, nela se inserindo a segunda das normas postas em crise pelo Provedor de Justiça.
A portaria em causa debruça-se, nuclearmente, sobre a 'revisão do processo' prevista no nº 2 do artigo 18º do decreto-lei, querendo significar, com tal expressão, a 'elaboração, reabertura, revisão ou simples consulta dos processos, conduzida de forma a pôr em evidência a percentagem de incapacidade do requerente ou a sua inexistência e as circunstâncias em que foi contraída a deficiência, tendo em vista a aplicação da definição de deficiente das forças armadas (DFA) constante nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro', como nos diz o seu nº 1.
A revisão do processo, adianta-nos o nº 3, efectua-se a pedido do interessado mediante requerimento que entrará na repartição competente no prazo que, na redacção inicial, se fixou em cento e oitenta dias contados a partir da data da publicação da portaria, mas que foi sendo sucessivamente prorrogado (Portarias nº 603/76, de 14 de Outubro, e
197/77, de 12 de Abril) até que a Portaria nº 114/79, de 12 de Março, veio eliminar definitivamente a exigência de prazo.
Esta Portaria nº 162/76 pressupõe, na verdade, a existência de dois grupos diferenciados de destinatários: os que já eram considerados deficientes das forças armadas, anteriormente ao Decreto-Lei nº
43/76, e os que, não o sendo, requereram a revisão dos seus processos individuais para apreciação das suas situações pela nova definição de DFA, constante do artigo 1º e complementado pelo artigo 2º do citado Decreto-Lei nº
43/76.
Aos primeiros, 'encontrando-se nas situações de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez, que já puderam usufruir do direito de opção nos termos da legislação então em vigor, não é reconhecido o direito de poderem optar pelo ingresso no serviço activo', diz-nos a alínea a) do nº 7 da Portaria nº 162/76.
Aos segundos - todos os que não se encontram naquela situação, ou a ela equiparados - a alínea a) do nº 8 permite-lhes, verificado um certo condicionalismo, optarem pelo serviço activo após a revisão do processo, podendo pedir o trânsito para a situação de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez, consoante pertençam aos quadros permanentes ou aos quadros complementares ou similares [alínea c) do nº 8], indo, nos termos da alínea e) do mesmo número, 'recuperar o posto e a antiguidade a que teriam ascendido se não tivessem estado desligados do serviço activo'.
2.4.- Na tese do Provedor de Justiça, a manutenção da norma contida no artigo 4º do Decreto-Lei nº 295/73 e a superveniência da norma da alínea a) do nº 7 da Portaria nº 162/76, constituem uma 'dupla barreira à comunicabilidade dos benefícios' de que são destinatários os novos DFA, passível de censura jurídico-constitucional.
Na esteira de anterior legislação, aos militares abrangidos pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 210/73 foi permitido manterem-se na situação de activo ou optarem pela passagem à situação de reforma extraordinária
(nº 1 do artigo 1º), podendo aqueles que já se encontravam nessa situação ou a fruir pensão de invalidez voltar à situação de activo desde que o requeressem no prazo de um ano, a contar do início da vigência do diploma, nos termos do nº 1 do artigo 15º (na realidade, 'na parte respeitante ao Ministério do Exército' a Portaria nº 619/73, de 12 de Setembro, veio fixar o dies a quo a contar do início da sua vigência, de acordo com o seu nº 2).
Pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 295/73, aos militares (dos quadros permanentes) na situação de reforma extraordinária por alguma das causas indicadas no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 210/73, foi atribuída a graduação no posto a que teriam ascendido se não tivessem mudado de situação.
No entanto, a atribuição de graduação não confere ao militar direito a qualquer alteração na pensão de reforma, calculada e estabelecida na data da mudança de situação (artigo 4º do Decreto-Lei nº
295/73). Ou seja, trata-se de uma graduação meramente 'honorífica': os deficientes entre 1961 e 1973, a quem se concedeu, por sua opção, reforma extraordinária, como prova do 'reconhecimento da Nação', foram graduados nos seus quadros ou classes como se não tivessem optado pela reforma sem, no entanto, beneficiarem das respectivas diferenças remuneratórias.
Esta diferenciação manteve-se, não obstante o início da vigência do Decreto-Lei nº 43/76 e do espírito que o informou: uma norma como a da alínea a) do nº 7 da Portaria nº 162/76 veio impedir a verificação plena dos efeitos que normalmente decorreriam do exercício do direito de opção previsto no novo diploma.
2.5.- A possibilidade de ser alterado o montante das respectivas pensões aos beneficiários das pensões de reforma atribuídas como DFA ficou a depender, na tese do Provedor de Justiça, de a qualificação de DFA ser reconhecida anteriormente à vigência do Decreto-Lei nº 43/76 ou em data posterior, em sede de revisão, o que significa a introdução de um elemento de mera natureza temporal no tratamento a conceder a um corpo homogéneo de destinatários de tal modo que um dos grupos assim constituído passou a ser negativamente discriminado, barrando-se-lhe a via do acesso aos benefícios resultantes do novo regime jurídico dos deficientes das forças armadas, deste modo se criando tratamentos desiguais que, em sua óptica, são injustificados e desproporcionados.
Para a entidade requerente, esta dualidade de regimes ofende o princípio da igualdade, seja porque consubstancia arbítrio legislativo, pois que ditada sem justificação constitucionalmente válida, seja pela adopção de procedimento ilegitimamente discriminatório.
Para o Primeiro-Ministro, no entanto - como resulta da resposta oportunamente apresentada - a diferenciação de regimes, que reconhece, não é tida como precipitação de complexos normativos globalmente diferentes, antes a considerando decorrente de 'soluções diferenciadas quanto ao aspecto particular da faculdade de reingresso ao activo e inerente possibilidade de reconstituição da carreira, com consequências ao nível dos montantes das pensões de reforma auferidas'.
A situação de desigualdade não reside na atribuição a certo grupo de militares de um direito que a outros é negado, mas tão-só no distinto âmbito temporal dentro do qual esse direito pode ser exercido, o que, a seu ver, não se recorta como constitucionalmente censurável, uma vez que a iniciativa do legislador de 1976 procurou compensar ou reparar uma injustiça -
recusa de qualificação como deficiente antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76 - desse modo justificando a diferença, não desproporcionada ao fim em vista.
No entanto, para o caso de assim não se entender, o Primeiro-Ministro remata as suas considerações com a invocação da presunção de racionalidade da legislação ordinária, no âmbito da margem de liberdade do legislador e do primado da conformação legal que se lhe reconhece, presunção ilidível apenas em casos de 'flagrante incompatibilidade com o princípio da igualdade'.
Chegados a este ponto, importa abordar a temática da igualdade para, em momento posterior, cuidar da conformidade constitucional das normas objecto do pedido. III
1.1.- O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13º da CR que, no seu nº 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o nº 2, por sua vez, que 'ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social'.
Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional global (cfr., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125) o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. ob. cit., pág. 129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da
'atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (artigo 18º, nº 1, da Constituição)' (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 186/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990).
Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado acórdão nº 186/90, os acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90,
330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de
1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
1.2.- O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, 'razoável, racional e objectivamente fundadas', sob pena de, assim não sucedendo, 'estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes', no ponderar do citado acórdão nº 335/94. Ponto
é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. Vieira de Andrade - Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como 'princípio negativo de controlo' ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127 e, por exemplo, os acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados nºs. 330/93 e 335/94
- sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial
('tertium comparationis'). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio (cfr., a este propósito, Gomes Canotilho, in - Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão nº 330/93).
Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual de direito igual (cfr. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, pág. 381; Alves Correia, ob. cit., pág. 402) o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da
'diferença', de modo a que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.
O nº 2 do artigo 13º da CR enumera uma série de factores que não justificam tratamento discriminatório e assim actuam como que presuntivamente - presunção de diferenciação normativa envolvendo violação do princípio da igualdade - mas que são enunciados a título meramente exemplicativo: cfr., v.g., os acórdãos nºs. 203/86 e 191/88, publicados no Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1986, e, I Série, de 6 de Outubro de 1988, respectivamente, na esteira do parecer nº 1/86, da Comissão Constitucional, in, Pareceres da Comissão Constitucional, vol., 1º, pág. 5 e segs., maxime pág. 11. A intenção discriminatória em situações como a presente, não expressamente aludida naquele catálogo, não opera, porém, automaticamente, tornando-se necessário integrar a aferição jurídico-constitucional da diferença nos parâmetros finalístico, de razoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade.
Importa, a esta luz, decidir se a normação em causa
é materialmente fundada ou, pelo contrário, se mostra inadequada, desproporcionada e, no fim de contas, arbitrária.
2.1.1.- O Decreto-Lei nº 43/76 - relembre-se - surge teleologicamente orientado para pôr termo a um regime legal que cuidava dos cidadãos portugueses deficientados no cumprimento do serviço militar mas que, no entanto, proporcionava situações de injustiça tidas por contrariarem, nomeadamente, o princípio de actualização de pensões e outros abonos.
Na sequência do objectivo que o informou, o diploma pretendeu atingir um universo de destinatários com a amplitude que o seu artigo
18º lhe concedeu: vasta e indiferenciadamente - também já se consignou - o novo texto legal propôs-se aplicar o princípio de actualização de todas as pensões e abonos devidos aos DFA 'sempre que houver alteração de vencimentos e outros abonos do activo', alargou o regime jurídico do deficiente das forças armadas, atribuíu novos direitos e regalias sociais e económicas, tornou possível para todos os DFA o direito à opção entre o serviço activo que dispense plena validez e as pensões de reforma extraordinária ou de invalidez.
Ou seja, o diploma de 1976 tem uma vocação universalista, extensível, na sua vertente benefícios/regalias, a todos os que, no cumprimento dos deveres militares se deficientaram, tendo havido o cuidado de manter o estabelecido no Decreto-Lei nº 210/73 sobre o direito de opção pelo serviço activo, ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961, 'a fim de contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo' (do preâmbulo).
No entanto, a contenção na diferenciação que o texto revela e que se pretendeu consagrar, tomando a situação de DFA como denominador comum, não foi tão longe que não se possa dizer que nem todos quantos se deficientaram e fariam parte, em princípio, desse universo, beneficiam do respectivo regime, mercê das normas sindicadas, ou, pelo menos, de alguma delas.
É o que se depreende, claramente, do artigo 20º, após as rectificações a que foi sujeito: 'Todos os direitos, regalias e deveres dos DFA ficam definidos no presente decreto-lei e no Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho, com expressa revogação do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, excepto os seus artigos 1º e 7º'. O que, no fundo, significa manterem-se as 'opções de
1973' a par das 'opções de 1976' (se assim podemos dizer): as primeiras, geradas em contexto de guerra, a exercerem-se em dado prazo e a darem lugar a uma pensão calculada com base no posto que o militar detinha no momento em que se deficientou, não sendo a graduação posterior mais do que honorífica; as segundas, com efeitos reportados a 1 de Setembro de 1975, criadas em diferente contexto histórico como expressão de um reconhecimento nacional, de exercício temporal incondicionado, proporcionando reconstituição integral da carreira, com pensão correspondente (cuidando o legislador de preservar a lógica do novo regime, como ilustra, por exemplo, a alteração ao artigo 13º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76, introduzida pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 203/87, de 16 de Maio).
Situação que a norma sindicanda da Portaria nº
162/76 fixou.
Ou seja, não obstante se ter visado, com o diploma de 1976, concretizar 'um modo de compensar ou reparar uma injustiça' a todos
(deficientes) tocante, não se deixou de se afastar da plenitude do novo regime parte desse todo, mais propriamente, os militares que, qualificados DFA na vigência do regime anterior, mais exigente, optaram pela passagem à situação de reforma extraordinária nos termos do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 210/73.
O que, na verdade, proporciona a questão equacionada pelo Provedor de Justiça, em sede de controlo do princípio da igualdade.
2.1.2.- Atente-se na inequívoca formação de dois grupos:
- aos militares que se encontravam na situação de reforma extraordinária à data do início da vigência do Decreto-Lei nº 43/76, por terem sido reconhecidos como deficientes em face do nexo causal diminuição física - campanha, e terem, então, exercido o direito de opção, não foi aplicado o novo regime, por força do nº 7, alínea a), da Portaria nº 162/76;
- aos militares que a essa data se encontravam na situação de reserva, reforma não extraordinária, passagem ao quadro de complemento ou na disponibilidade, por a Junta Hospitalar de Inspecção não ter reconhecido aquele nexo causal, foi dado o direito de pedirem a revisão do processo e, por essa via, beneficiarem do regime alargado de direitos e regalias previsto na nova legislação de 1976.
Para melhor ilustrar a diferenciação criada, figure-se a hipótese de dois oficiais da mesma patente, com idêntica antiguidade, vítimas de acidente em condições semelhantes:
a) o oficial A, apresentado à junta hospitalar militar, foi reconhecido como deficiente em razão do acidente ocorrido em campanha, em condições de poder continuar na situação do activo ou de optar pela passagem à situação de reforma extraordinária;
Optou por esta última e a sua pensão foi calculada de acordo com o vencimento que na altura auferia (artigos 3º do Decreto-Lei nº 45 684 e 121º, nº 1, do Estatuto da Aposentação).
Após o Decreto-Lei nº 295/73 foi graduado no posto a que teria ascendido se não tivesse mudado de situação - por hipótese, o de coronel - (artigo 1º) - mas não beneficiou de qualquer aumento na pensão, mercê do artigo 4º deste diploma, nem lhe foi permitido o reingresso no activo nos termos do Decreto-Lei nº 43/76, mercê da alínea a) do nº 7 da Portaria nº
162/76.
b) o oficial B, apresentado à mesma junta, viu recusarem-lhe a qualificação como deficiente, nos termos então em vigor, transitando para a reserva.
Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76 pediu a revisão do seu processo e foi considerado DFA (artigos 1º e 2º do diploma) pelo que reingressou no activo.
Permanecendo no serviço efectivo o mínimo de tempo possível - um ano, ou menos: cfr. nºs. 8, alíneas a), b), c), e), 10, alínea b), 11, alínea b), e 12, alínea b), da Portaria nº 162/76 - pôde reformar-se como coronel, com a remuneração respectiva - pois não se lhe aplica quer o artigo 4º do Decreto-Lei nº 295/73 quer a alínea a) do nº 7 desta portaria.
2.2.- A liberdade de conformação do legislador permite-lhe criar regimes desiguais que motivações várias, nomeadamente de indirizzo político, aconselhem. Ponto é que esse espaço de actuação tenha como fundamento material a não disponibilidade constitucional, na síntese de Gomes Canotilho (cfr. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, cit., pág. 64), isto é, dito de outro modo, que se justifique constitucionalmente a inaplicabilidade do regime mais favorável do Decreto-Lei nº 43/76 a parte dos militares deficientados, que integrariam naturalmente o universo dos seus destinatários
- concretamente, afastando os que exerceram o direito de opção à luz do ordenamento anterior - mercê das normas do artigo 4º do Decreto-Lei nº 295/73 e do nº 7, alínea a), da Portaria nº 162/76, que lhes vedaram o acesso.
Ora, não parece que a norma do artigo 4º do Decreto-Lei nº 295/73, em si considerada, mereça censura na perspectiva constitucional do princípio da igualdade ou do princípio da proporcionalidade: integrada em diploma que contempla a situação dos militares deficientados que, por alguma das causas indicadas no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 210/73, optaram pela reforma extraordinária, a norma mais não será, afinal, do que mera expressão do que na disciplina geral em matéria de aposentação se dispõe relativamente ao momento de fixação do respectivo regime (cfr. o artigo 43º do Estatuto da Aposentação).
De resto, poderá defender-se não terem os militares nessas circunstâncias feito mais do que manifestado a sua opção, em concreto momento histórico e à luz e no âmbito do enquadramento legal então vigente, não se surpreendendo, por conseguinte, censura constitucional se alguma diferenciação resultar da sucessão no tempo de dois regimes, até porque o Tribunal Constitucional já por várias vezes entendeu não operar o princípio da igualdade diacronicamente (cfr., v.g., os acórdãos nºs. 34/86 e 309/93, publicados no Diário da República, II Série, de 13 de Maio de 1986 e 5 de Junho de 1993, respectivamente).
O mesmo se não dirá, no entanto, quanto à segunda das normas questionadas, a contida na alínea a) do nº 7 da Portaria nº 162/76.
O próprio diploma 'justifica' a sua existência na medida em que a promulgação do Decreto-Lei nº 43/76 tornou necessário regulamentar as 'situações provisórias' previstas neste texto, sendo a alínea a) do nº 7 respeitante a um desses casos, o dos DFA em situação de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez que, nos termos da legislação então em vigor, 'já puderam usufruir do direito de opção'.
A esses, não se lhes reconhece a possibilidade de poderem optar pelo (re)ingresso no serviço activo, em contraste evidente com os demais DFA, beneficiários do novo regime do Decreto-Lei nº 43/76 - em termos que a lógica de uma argumentação diacrónica não justifica.
Na verdade, se todos podem (ou puderam) optar, seja porque o Decreto-Lei nº 210/73 o permitiu a alguns, seja porque o regime de 1976 o proporcionaria aos restantes, as condições de exercício do direito de opção são desiguais: àqueles, qualificados DFA em contexto legal mais exigente, foi reconhecido um dado prazo para a opção, num específico circunstancialismo sócio-político; aos últimos, de estatuto como DFA recene, ou porque o obtiveram mediante a revisão dos seus processos nos termos que passaram a ser permitidos pelo diploma de 1976, ou porque o novo regime lhes veio permitir a sua qualificação como DFA, mesmo com dispensa de qualquer relacionação com campanha ou equivalente, a esses, reconheceu-se-lhes poderem exercer a sua opção sem qualquer limitação temporal (após sucessivas prorrogações dos prazos).
A norma da alínea a) do nº 7 da Portaria não se compagina com uma visão holística e igualitária do Decreto-Lei nº 43/76. Como se diz no preâmbulo deste diploma, o direito à opção entre o serviço activo que dispensa plena validez e as pensões de reforma extraordinária ou de invalidez
'será agora possível para todos os DFA [...]' e se o preceituado sobre o direito de opção pelo serviço activo no Decreto-Lei nº 210/73 é mantido em vigor, 'ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961', o objecto confessado é o de
'contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo'.
Não parece que a norma da portaria se compagine com a filosofia subjacente ao decreto-lei. A norma introduz um tratamento diverso para situações essencialmente iguais, não razoavelmente justificado: não só parte dos militares deficientes é afastada da plenitude de fruição do novo regime que, no entanto, visou alcançar 'um modo de compensar ou reparar uma injustiça' a todos tocante, sem que se apercebam ou denunciem as razões de marginalização assim provocada - o que figura arbítrio - como a diferença de tratamento se modela inadequada e injustificadamente.
A situação é relevantemente diferente da contemplada em acórdão deste Tribunal - nº 330/93, no Diário da República, II Série, de 30 de Julho de 1993 - onde se julgou não violar nem o princípio da igualdade, nem o princípio da confiança, a interpretação então feita das normas dos artigos 7º do Decreto-Lei nº 43/76 e 121º do Estatuto da Aposentação (na redacção do Decreto-Lei nº 75/83, de 8 de Fevereiro) pois, nesse caso, entendeu-se ser intenção do legislador, claramente, a de introduzir uma relação de proporção entre o tempo de exercício da actividade geradora do risco (salto em paraquedas) que é a própria razão da gratificação em causa e a sua repercussão no valor da pensão de reforma - o que afasta o arbítrio e não põe em crise a certeza e a segurança jurídicas.
Considera-se, sim, que existe violação do princípio da igualdade quando, como é o caso, não existe adequado suporte material para a diferença. Esta deve ser materialmente fundada sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, e não se basear em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, como frisou este Tribunal, no acórdão nº 80/86 (in Diário da República, I Série, de 9 de Junho de
1986).
O que, do mesmo passo, afasta a procedência da argumentação contida, por último, na resposta ao pedido do requerente, relativa
à presunção de racionalidade da legislação ordinária. IV
Em face do exposto decide-se:
a) não declarar a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4º do Decreto-Lei nº 295/73, de 9 de Junho;
b) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da alínea a) do nº 7 da Portaria nº
162/76, de 24 de Março, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, nº 2, da Constituição da República.
Lisboa, 10 de Abril de 1996
Ass) Alberto Tavares da Costa Luis Nunes de Almeida Antero Alves Monteiro Dinis Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Bravo Serra Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa