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Proc. nº 227/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 – A. impugnou, no Tribunal Tributário de 1ª instância de Lisboa, a liquidação adicional do imposto complementar, secção A, dos anos de
1980, 1981 e 1982, nos montantes, respectivamente, de 553.215$00, 249.154$00 e
219.355$00, efectuada pela Repartição de Finanças do 12º Bairro Fiscal de Lisboa e respeitante a valores de prémios de seguros de capital diferido efectuado por B., de que o impugnante é administrador, à companhia de seguros C..
Para tanto alegou, além do mais, a inconstitucionalidade orgânica da alínea f), do § 2º, do artigo 1º do Código do Imposto Profissional, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho.
Por sentença de 25 de Março de 1992, foi julgada improcedente a impugnação.
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2 - Desta decisão foi levado recurso pelo interessado ao Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 20 de Dezembro de 1985, lhe concedeu provimento, revogando a sentença impugnada e anulando a liquidação adicional do imposto complementar que havia sido contestada.
Para tanto, suportou-se o aresto na fundamentação cujas linhas essenciais se transcrevem. Assim:
'Este diploma [Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho] foi editado no uso de autorização legislativa constante do artº 17º, alínea l) da Lei nº
8-A/80 de 26 de Maio (Lei do Orçamento), concedida para que o Governo, para efeitos de imposto profissional pudesse 'caracterizar certos tipos de subsídio e outros benefícios ou regalias sociais considerados rendimentos de trabalho.'
Isto porque os impostos só podem ser criados por lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei no uso de autorização legislativa daquele órgão de soberania.
O Governo, então, no uso dessa autorização - segundo o aresto do Tribunal Constitucional [Acórdão nº 492/94] definiu como rendimentos do trabalho
- rendimentos que assim passaram a ficar sujeitos a imposto profissional - 'os subsídios e outros benefícios ou regalias sociais auferidos no exercício ou em razão do exercício da actividade profissional'.
Mais se refere no mesmo aresto, que 'ao invés de definir os tipos de subsídios, benefícios e outras regalias sociais que passaram a ficar sujeitas a tributação - definui apenas o elemento de conexão que teve por relevante para o efeito - a saber: o tratar-se de um subsídio, benefício ou outra regalia social auferido no exercício ou em razão da actividade profissional', o que como ali se defendeu a norma sub judicio (cfr. a citada alínea f) do § 2º do artº 1º do C.I.P. na redacção do Dec-Lei 183-D/80 de 9 de Junho) não cumpriu o sentido da autorização legislativa, tarefa que lhe cumpria levar a cabo mas que não o conseguiu.
É o que decorre da exigência constitucional para as autorizações legislativas que tem de definir o respectivo objecto, o seu sentido, a sua extensão e duração
(cfr. artº 168º, nº 2 da Constitução).
Perante a declarada inconstitucionalidade da alínea f) do § 2º do artº 1º do C.I.P. naquele caso concreto, também nós pelas razões expendidas não podemos deixar de recusar a aplicação daquela norma de incidência porque se mostra em desconformidade com a Constituição, com a redacção que lhe deu o Dec.Lei 183-D/80, de 9 de Junho que, por isso, se reputa de inconstitucional por violação do artº 168º, nº 2 conjugado com a alínea i) do seu nº 1 da C.R.P. com reflexos no artigo 106º da mesma Lei Fundamental, no que respeita aos princípios da legalidade e da tipicidade que também foram violados.'
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3 - Contra o assim decidido, foi interposto para o Tribunal Constitucional, recurso obrigatório pelo Ministério Público, em obediência ao disposto nos artigos 280º, nºs 1, alínea a) e 72º, nºs 1 alínea a) e 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
Nas alegações entretanto oferecidas pelo senhor Procurador-Geral Adjunto conclui-se assim:
'1º - A norma constante da alínea f) do § 2º do artigo 1º do Código do Imposto Profissional, na redacção do Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho,
é inconstitucional por violação do artigo 168º, nº 2, conjugado com a alínea i) do seu nº1, da Constituição da República Portuguesa.
2º Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida'.
O recorrido não produziu contralegações.
Dada a simplicidade de que o julgamento da causa se reveste, foram dispensados os vistos de lei.
Cabe agora apreciar e decidir.
*///* II - A fundamentação
1 - O Tribunal Constitucional teve já ensejo de decidir questões em tudo idênticas à que no presente processo se apresentam (cfr. por todos, os Acórdãos nºs 492/94 e 493/94, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 16 e 17 de Dezembro de 1994) sempre concluindo no sentido da inconstitucionalidade da norma da alínea f) do § 2 º do artigo 1º do Código do Imposto Profissional, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho, por violação do artigo 168º, nº 2 em conjugação com a alínea i) do seu nº
1, da Constituição.
Dá-se aqui por acolhida a fundamentação que serviu de suporte a tais arestos, destacando-se tão só, por nela se conter o essencial da respectiva linha argumentativa, o seguinte passo:
'Os impostos só podem ser criados por lei. E essa lei tem que ser uma lei da Assembleia da República ou um decreto-lei por esta autorizado. É a reserva de lei formal [artigo 168º, nº 1, alínea i), da Constituição].
Em matéria de impostos - escreveu-se no Acórdão nº 274/86 (Diário da República, I série, de 20 de Outubro de 1986), 'aquilo que é reserva da lei segundo o artigo 106º, nº 2, é reserva de lei da AR segundo o artigo 168º'
(sublinhado no original).
In casu, e como se viu já, a Assembleia da República delegou no Governo a tarefa de 'caracterizar certos tipos de subsídios e outros benefícios ou regalias sociais considerados rendimentos do trabalho', para o efeito de, por eles, fazer pagar imposto profissional, que justamente incide sobre os rendimentos do trabalho.
O Governo, então, no uso dessa autorização legislativa, definiu como rendimentos do trabalho - rendimentos que assim passaram a ficar sujeitos a imposto profissional - 'os subsídios e outros benefícios ou regalias sociais auferidos no exercício ou em razão do exercício da actividade profissional' (cf. a citada alínea f) do § 2º do artigo 1º do Código do Imposto Profissional, na redacção do Decreto-Lei nº 183-D/80, de 9 de Junho).
Significa isto que a norma sub iudicio - ao invés de definir os tipos de subsídios, benefícios e outras regalias sociais que passaram a ficar sujeitos a tributação - definiu apenas o elemento de conexão que teve por relevante para o efeito - a saber: o tratar-se de um subsídio, benefício ou outra regalia social auferido no exercício ou em razão da actividade profissional.
Com isto, porém, a norma sub iudicio não cumpriu o sentido da autorização legislativa.
Ora, as autorizações legislativas têm que definir o respectivo objecto, o seu sentido, a sua extensão e duração (cf. artigo 168º, nº 2, da Constituição).
Assim, do mesmo modo que, quando legisla excedendo o objecto da autorização legislativa, o Governo edita normas sem ter competência para o efeito (desse modo violando o preceito constitucional que reserva a matéria em causa à Assembleia da República), também quando ele contraria o sentido da autorização ou (como no caso acontece) produz a norma autorizada sem cumprir tal sentido, actua com violação dos poderes que lhe foram delegados - e, assim, sem a credencial parlamentar de que necessitava para legislar validamente.
Sem necessidade de outros desenvolvimentos, havidos por redundantes dada a linearidade e segurança da argumentação assim desenvolvida, conclui-se também no sentido da inconstitucionalidade da norma desaplicada no acórdão recorrido.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Lisboa, 10 de Julho de 1996
Antero Alves Monteiro Dinis Maria Fernanda Palma Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa (Vencido, conforme declaração junta aos Acórdãos nºs 462/94 e 493/94)