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Processo n.º 256/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pela decisão sumária n.º 240/2012, decidiu o relator não conhecer do objeto dos recursos interpostos pelos recorrentes A. e B., ora reclamantes, por inobservância do ónus de prévia e adequada suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, considerando-se, nesse contexto, inútil convidar os recorrentes, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a indicarem as normas cuja inconstitucionalidade pretendiam ver apreciadas.
Os recorrentes, inconformados, reclamaram da decisão sumária para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da (LTC), invocando que estão verificados todos os pressupostos processuais do recurso, designadamente aquele que o relator julgou omisso.
O Ministério Público é de parecer de que a reclamação deve ser indeferida, por inobservância do ónus de prévia suscitação.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Sustenta o reclamante A. que «a decisão judicial proferida [contra si], privativa da sua liberdade, padece de vício de inconstitucionalidade, por afetar o disposto no art. 18.º n.º 2 da CRP», pelo que, tendo cumprido os formalismos constantes do artigo 75.º-A da LTC, é legítima a sua pretensão de ver aferida «a constitucionalidade de uma decisão que lhe afeta o seu direito à liberdade com estrita necessidade a outros interesses e direitos protegidos pelas normas».
Sucede que, sendo o recurso de constitucionalidade, tal como está estruturado no nosso ordenamento jurídico, apenas um instrumento de fiscalização da conformidade das normas legais com a Constituição, não releva, para o efeito do presente recurso, as inconstitucionalidades diretamente imputadas à decisão recorrida, designadamente no que tange à determinação da medida da pena aplicada ao arguido, ora reclamante.
Ora, sendo esse o registo argumentativo usado pelo ora reclamante na enunciação, em sede de motivação do recurso, da questão de inconstitucionalidade invocada perante o Tribunal recorrido, referindo-se, então, à «inconstitucionalidade material da pena aplicada ao recorrente, por vício do ato praticado, por desadequado e desproporcional à atuação do agente», ou à «aplicação inconstitucional de uma pena demasiado desadequada e desproporcional à atuação criminosa do recorrente», por violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, como destacado pelo relator, é manifesto que não observou ónus de suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa suscetível de ser reapreciada em sede de recurso de constitucionalidade.
Carece, por isso, de legitimidade para interpor o presente recurso, o que, como sumariamente decidido, inviabiliza o seu prosseguimento (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
Defende o reclamante B., por seu lado, que invocou perante o Tribunal da Relação, nas conclusões da motivação do recurso, que «a aplicabilidade do artigo 31.º [do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro] não exige, sob pena de inconstitucionalidade, como requisito de aplicabilidade, que o arguido se autoincrime», observando, desse modo, o ónus de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade que pretende ver reapreciada no presente recurso.
Analisadas as conclusões da motivação do recurso interposto pelo ora reclamante, perante o Tribunal recorrido, verifica-se que o mesmo alegou, a propósito, o seguinte:
«45. Por outro lado, este art.º 31.º, não exige, como requisito da sua aplicabilidade, que o arguido se autoincrimine, mas apenas e só colabore, de forma verdadeira e empenhada, na descoberta de demais agentes do crime e na descoberta da verdade material, sob pena de inconstitucionalidade, uma vez que ‘o privilégio contra a autoincriminação significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos (v.g. documentais) que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória’».
Ora, o que impressivamente decorre do trecho, acima transcrito, é o entendimento que o recorrente considera ser conforme à Constituição; mas o que lhe era exigível, para o efeito de observância do ónus legal de prévia suscitação, era a clara e exata enunciação da norma, ou interpretação, que, por inconstitucional, não poderia ser aplicada, de modo a permitir a formulação a final, pelo Tribunal Constitucional, de um juízo de inconstitucionalidade, ou não inconstitucionalidade, facilmente inteligível pela generalidade dos operadores judiciários, por claramente delimitada nos seus contornos objetivos, o que não sucedeu no caso vertente.
Mas ainda que se entendesse que o modo de enunciação da questão de inconstitucionalidade foi o processualmente adequado, por, ainda assim, permitir, em leitura contraposta, descortinar qual o critério decisório que o arguido considera violador da Lei Fundamental, a verdade é que não só não está em causa uma verdadeira interpretação da lei, à luz dos critérios enunciados no artigo 9.º do Código Civil, como, analisado o teor do acórdão recorrido, se verifica que em nenhum momento nele se perfilha o entendimento, explícito ou implícito, de que a autoincriminação do arguido é condição de aplicação do regime de atenuação especial previsto no artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 15/93.
O que, ao invés, se considerou, valorando-se, por um lado, as concretas declarações do arguido, ora reclamante, e, por outro, a sua culpa e as particulares exigências de prevenção, geral e especial, que o caso reclama, foi que não estavam verificados os pressupostos da atenuação especial da pena previstos no citado normativo legal, designadamente a prestação, pelo arguido, de um auxílio concreto às autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, como nele expressamente se prevê, não relevando, para esse efeito, o maior ou menor grau de conhecimento sobre os factos a investigar que o arguido possua.
Assim sendo, seja por inobservância do ónus de adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade, seja por inutilidade do recurso, decorrente da circunstância de não ter o Tribunal recorrido adotado, como ratio decidendi, o entendimento que a parte reputa inconstitucional, não pode o recurso do arguido B. prosseguir para apreciação de mérito.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir as reclamações deduzidas pelos recorrentes A. e B..
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça, para cada um deles, em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 19 de junho de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.