Imprimir acórdão
Processo nº 555/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrentes J... e M..., e como recorrido o Ministério Público, pelos fundamentos constantes da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 416 e seguintes, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, e que mereceu a 'inteira concordância' do Ministério Público recorrido, não tendo sido abalada pela resposta dos recorrentes - depois de reconhecerem expressamente que 'a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça não se baseia, nem refere, a norma do artº 665º do C.P.P. de 1929' (e esta é a decisão ora recorrida), querem prevalecer-se da 'decisão que fez a aplicação do citado normativo inconstitucional e que foi a decisão do Tribunal da Relação de Évora, que o Supremo Tribunal de Justiça parcialmente confirmou' - , não se toma conhecimento do recurso e condenam-se os recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em cinco unidades de conta. Lisboa, 23.10.96 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 555/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1.J...e M..., com os sinais identificadores dos autos, vieram interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção), de 7 de Fevereiro de 1996, que concedeu
'parcial provimento ao recurso' por eles interposto, 'embora por razões diversas das nele invocadas', e fixou para eles, respectivamente, as penas de seis e cinco anos de prisão, como autores de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada.
2. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, dizem os recorrentes não se conformarem com aquele acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, 'não atendendo à pretensão de reenvio do processo para novo julgamento, manteve, confirmou e se baseou na matéria de facto fixada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora de acordo com os princípios do artº 665º do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de
1934', e daí interporem o recurso 'pelo facto de citada norma, aplicada na fixação da matéria de facto, ter sido declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, (por violação do princípio do artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa) pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/91, publicado no Diário da República nº 6, I Série-A, de 08 de Janeiro de 1992'
(invocam ainda a alínea f), do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, mas só o podem ter feito por mero lapso material, pois o fundamento é o da alínea g) do mesmo preceito legal: aplicação de 'norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional').
Será, então, este caso integrável naquela alínea g)?
3. O acórdão recorrido, depois de constatar que o 'presente processo segue a tramitação do Código de Processo Penal de 1929', e que, nos termos do seu artigo 666º, o Supremo 'apenas conhece de matéria de direito, sem embargo de poder fazer voltar o processo à 2ª instância, conforme dispõe o artigo 729º, nº 3 do Código de Processo Civil (artigo 1º, § único, daquele primeiro Código), e se considerar que a matéria de facto apurada pelos tribunais de instância não é suficiente para alicerçar a decisão de direito e que deva, por conseguinte, ser ampliada', passou a enunciar como 'questões a resolver' - e
'como transparece das alegações dos recorrentes' - as seguintes:
a) insuficiência da matéria de facto para a condenação da recorrente M..., com a consequente absolvição da mesma com a declaração de nulidade do acórdão recorrido, na parte que lhe toca, por violação do disposto no artigo 668º, 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil e reenvio para novo julgamento;
b) errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do artigo 24º, nº 1, do Código Penal, quanto a ambos os recorrentes, determinante da sua absolvição ou, em alternativa, a constatação de contradição entre os fundamentos e a decisão, igualmente a determinar o reenvio para novo julgamento, por violação do citado artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil e ainda a ocorrência de outros vícios, consistentes em 'contradições' reveladas no texto do acórdão recorrido, determinantes do mesmo efeito;
c) a da medida da pena aplicável em função do balanço entre circunstâncias atenuantes e agravantes e do respeito do princípio 'ne bis in idem' consagrado no seu nº 2 do artigo 72º do Código Penal'.
Dando resposta a tais questões, o acórdão recorrido pronunciou-se assim, em termos essenciais, e no que aqui importa:
- 'Alegam os recorrentes, como vimos, que esta matéria de facto é insuficiente para condenar M..., pelo que deve ser absolvida ou que se declare nulo o acórdão recorrido por violação do disposto no artigo 668º, nº 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável.
Mas não lhes assiste razão. A matéria de facto é suficiente para caracterizar o crime que lhes era imputado. O Tribunal da Relação procedeu a uma descrição exaustiva e minuciosa da factualidade apurada (v. supra nº 5) e esta contem todos os elementos que preenchem, objectiva e subjectivamente, o tipo legal de homicídio qualificado, na forma tentada, do artigo 132º do Código Penal, (...)'.
(...)
- 'Estão patentes, pois, todos os elementos da figura da tentativa: decisão de cometer o crime, actos de execução, não consumação. E nenhum facto se provou que favoreça a constatação de uma desistência, resultando justamente a convicção de uma ideia contrária'.
(...)
- 'Improcedem, pelo exposto, as conclusões das alegações atinentes à insuficiência da matéria de facto e à desistência. Corolariamente, improcede a crítica formulada ao acórdão, da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito justificativos da decisão condenatória ou a oposição entre eles e o decidido. Da fundamentação de facto já dissemos quanto baste para termos de afastar essa crítica: eles avultam da descrição minuciosa a que o acórdão procedeu em termos facto lógico, onde não se surpreendem lacunas, incoerências, ou contradições. Dos fundamentos de direito também não se detectam omissões relevantes: o acórdão avaliando os factos no seu conjunto, concluiu da sua aptidão para o preenchimento da figura da tentativa e citou correctamente as normas questionadas: artigos 132º, nº 1, 22º, nº 1, 23º, nº 2 e 79º, nº 1, do Código Penal, acrescentando, muito judiciosamente, que esses factos revelavam especial censurabilidade e perversidade na prática do crime, medida conjuntamente pelos arguidos de forma aleivosa e insidiosa, atraindo a vítima a sua casa a pretexto de uma bebida comemorativa de um evento'.
(...)
- 'Finalmente, e ainda no quadro de análise do primeiro meio de impugnação deduzido, diremos que não se verifica qualquer contradição entre os aludidos fundamentos e a decisão. Existe concatenação lógica este aqueles e esta. O dispositivo da sentença não podia ser outro'.
(...)
- 'Em conclusão, não se mostra violado o disposto no artigo 668º, 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, e, por conseguinte, improcede a alegação de nulidade do acórdão recorrido'.
4. Das transcrições feitas do acórdão recorrido ressalta que nele não foi convocada, para se decidir, a norma em causa do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934, talqualmente ela vem agora identificada pelos recorrentes, e relativamente à competência das relações em matéria de facto (e nem essa norma alguma vez foi invocada nas alegações de recurso e respectivas conclusões apresentadas pelos recorrentes perante o Supremo Tribunal de Justiça).
O eixo central do decidido no acórdão passou pela consideração do artigo 666º do mesmo Código e pela consideração de se 'poder fazer voltar o processo à 2ª instância, conforme dispõe o artigo 729º, nº 3 do Código do Processo Civil (artigo 1º, § único, daquele primeiro Código), e se considerar que a matéria de facto aprovada pelos tribunais de instância não é suficiente para alicerçar a decisão de direito e que deva, por conseguinte, ser ampliada'.
Não há qualquer alusão explicita ou implícita à norma em causa, como ela é identificada pelos recorrentes, ponderando o Supremo Tribunal de Justiça os seus poderes quanto a 'fazer voltar o processo à 2ª instância' no quadro normativo em que se colocou, sem apelar para tal norma.
Daqui decorre que não se vê no acórdão recorrido nenhum juízo de aplicação da norma do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, na tal interpretação do Assento, como agora querem fazer crer os recorrentes, e, faltando esse juízo, também não se pode concluir ter sido aplicada norma já julgada anteriormente inconstitucional por este Tribunal Constitucional, por via do seu acórdão nº 401/91.
Não se verificando o pressuposto processual exigido na alínea g), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a única que poderia servir para fundamento do presente recurso de constitucionalidade, deste não se pode tomar conhecimento.
5. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A,nº 1, da Lei nº 28/82, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.