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Proc. nº 97/95
2ª Secção
Rel. Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. B... requereu no Tribunal Administrativo do Círculo
de Lisboa a suspensão de eficácia do despacho da DIRECTORA-GERAL DO TURISMO, que
determinou o encerramento do Parque de Campismo das Marinhas, na Praia das
Maçãs, Sintra.
Vendo o pedido indeferido, por sentença de 9 de Setembro
de 1994, interpôs ele recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, alegando,
entre o mais, que 'o artigo 76º/1 da LPTA está ferido de inconstitucionalidade
material, por restringir desproporcionada e desnecessariamente o direito à
tutela jurisdicional efectiva, afectando o conteúdo essencial deste, em clara
violação do artigo 18º/2 e 3 da Constituição'.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 29 de
Novembro de 1994, negou provimento ao recurso, tendo concluído que o artigo 76º,
nº 1, da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos, não é inconstitucional.
Disse, a propósito, no que aqui importa, o seguinte:
Não merece, pois, censura a decisão recorrida quando concluiu pela inexistência
de prejuízo de difícil reparação, ou pela não verificação do requisito positivo
da alínea a), nº 1, do artigo 76º da LPTA, o que basta [ ] para conduzir ao
insucesso da pretensão do recorrente, sem necessidade de apreciar a existência
ou não do requisito negativo da alínea b), nº 1, do citado preceito.
E, mais adiante, acrescentou:
Efectivamente, como se escreveu no sumário do último aresto citado [refere-se ao
acórdão daquele Supremo Tribunal, tirado, em 25 de Agosto de 1993, no processo
nº 32.610, e publicado nos Acórdãos Doutrinais, nº 385, páginas 13 e seguintes],
'o artigo 76º, nº 1, da LPTA não viola o princípio constitucional do direito à
tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20º e 268º, nºs 4 e 5 da
CRP, já que incumbindo à Administração, nos termos do artigo 266º, nº 1, do
mesmo diploma, a prossecução do interesse público, é‑lhe reconhecido, num
sistema de administração executiva - implicitamente imposto na mesma Lei
Fundamental - a 'prerrogativa ou privilégio da execução prévia''.
2. É deste acórdão, de 29 de Novembro de 1994, que vem o
presente recurso, interposto pelo recorrente ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da
constitucionalidade do artigo 76º, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de
Julho.
3. Neste Tribunal, o relator lançou nos autos exposição
prévia ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, sobre ela
tendo mandado ouvir as partes.
Veio responder o recorrente, dizendo, em síntese, o
seguinte:
(a). Contrariamente ao que se sustenta na exposição
prévia (na qual se concluiu que, objecto do recurso, é tão‑somente a questão da
contitucionalidade da norma constante da alínea a) do nº 1 do artigo 76º da Lei
do Processo dos Tribunais Administrativos, por só essa ter sido aplicada pelo
acórdão recorrido), há também que apreciar a constitucionalidade da alínea b) do
nº 1 do mesmo preceito legal [por lapso, escreveu alínea a)], uma vez que o que
o recorrente questionou foi a conformidade constitucional da exigência
cumulativa dos requisitos dessas alíneas a) e b);
(b). A questão de constitucionalidade assim identificada
não é, diferentemente do que se diz na mesma exposição, uma questão simples,
pois que, para assim ser qualificada, não basta a existência de anteriores
decisões do Tribunal sobre ela;
(c). Contrariamente à conclusão a que se chega na dita
exposição, as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 76º da Lei do Processo dos
Tribunais Administrativos são inconstitucionais, uma vez que restringem 'o
direito à tutela jurisdicional efectiva, plasmado na garantia fundamental da
eficácia dos actos, com base no conceito indeterminado de grave lesão para o
interesse público, sem curar de assegurar os critérios objectivos destinados a
uma cabal aferição jurisdicional da gravidade da lesão'; e, além disso, remetem
'a procedência do pedido de suspensão de eficácia dos actos administrativos
impugnados para uma cláusula aberta, designadamente o prejuízo de difícil
reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a
defender no recurso, que devido à sua vaguidade permite a prevalência, na
jurisprudência administrativa e constitucional, do critério da reparação
pecuniária sobre o da restauração natural - como resulta bem claro, aliás, da
decisão recorrida -, retirando praticamente todo o sentido útil ao instituto da
suspensão de eficácia e, contrariando, em consequência, o direito à tutela
jurisdicional efectiva'.
4. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
5. Liminarmente, dir-se-á que pouco importa no caso que,
objecto do recurso, seja apenas a alínea a) do nº 1 do artigo 76º da Lei do
Processo dos Tribunais Administrativos, ou também a alínea b) do nº 1 do mesmo
artigo 76º.
De facto, o que se examinou na exposição prévia foi a
questão da constitucionalidade dos requisitos enunciados pelas várias alíneas do
nº 1 do referido artigo 76º - de todos eles. E o mesmo aqui se fará.
6. Não se reveste de qualquer interesse decidir o que
deva entender-se por questão simples para os efeitos do artigo 78º-A da Lei do
Tribunal Constitucional. O que tão-só importa é que a questão de
constitucionalidade que os autos colocam foi recentemente decidida nos acórdãos
nºs 631/94 e 8/95 [neste último aresto, apenas estava em causa a alínea b)],
desta Secção, e - tal como se disse na exposição prévia e ora se repete - não se
vêem razões para alterar a jurisprudência então adoptada.
7. A questão de constitucionalidade:
Sobre a questão de constitucionalidade aqui em causa
escreveu-se na exposição do relator:
Este Tribunal, no acórdão nº 631/94 (publicado no Diário da República, II série,
de 11 de Janeiro de 1995) reafirmou a conformidade dos requisitos enunciados
pelas várias alíneas do nº 1 daquele artigo 76º com a Constituição. Citando o
acórdão nº 450/91 (publicado no Diário da República, II série, de 3 de Maio de
1993), escrecveu-se neste aresto o seguinte:
Não se vê, porém, como é que o mecanismo da suspensão de eficácia pode afectar,
e em que medida, o direito ao acesso aos tribunais para defesa dos direitos e
interesses legítimos dos interessados requerentes.
[...] A fixação de um determinado condicionalismo fáctico, como necessário para
pedir a suspensão de eficácia, nem derroga a tutela judicial efectiva, a
exercer-se mediante recurso contencioso de anulação [...] nem implica tarefa que
não seja a do legislador ordinário.
Mais recentemente ainda, o Tribunal, no seu acórdão nº 8/95 (por publicar),
reiterou esse juízo de legitimidade constitucional relativamente à norma da
alínea b) do nº 1 do mesmo artigo 76º.
Esta conclusão é subscrita por quem, como o ora relator, entende que a
suspensão jurisdicional de eficácia dos actos admnistrativos não é uma garantia
constitucional (cf. o acórdão nº 187/88, publicado no Diário da República, II
série, de 5 de Setembro de 1988), mem tão-pouco se configura como 'uma faculdade
conatural à garantia de recurso contencioso' ou como 'pressuposto necessário'
dela (cf. o acórdão nº 163/91, publicado no Diário da República, II série, de 6
de Setembro de 1991). E é-o também por quem entende que o direito de acesso aos
tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos
(recte, o direito ao recurso contencioso para impugnação de actos
administrativos com fundamento em ilegalidae) pressupõe a faculdade de obter a
suspensão de eficácia dos actos administrativos [cf. os citados acórdãos nºs
450/91, 631/94 e 8/95, e bem assim os acórdãos nºs 43/92 e 366/92 (publicados no
Diário da República, II série, de 23 de Fevereiro de 1993).
Quem adopta este último entendimento reconhece que a exigência (para obter o
decretamento judicial da suspensão de eficácia do acto administrativo impugnado
ou a impugnar) da verificação cumulativa dos requisitos enunciados no nº 1 do
mencionado artigo 76º - para além de ser algo que releva ainda da liberdade de
conformação do legislador - preserva o contéudo essencial da garantia de recurso
contencioso, pois que os interessados não ficam impedidos de aceder aos
tribunais para defender os seus direitos e interesses legítimos, nem vêem esse
acesso, injustificada ou desproporcionadamente, restringido ou dificultado.
Pelas razões sumariamente expostas na exposição que, em
parte, se transcreveu, e que se podem ler in extenso nos acórdãos nºs 631/94 e
8/95, atrás citados, o Tribunal continua a entender que a decisão recorrida,
quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade, não merece censura.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e, em consequência,
confirma-se a decisão recorrida quanto ao julgamento da questão de
constitucionalidade.
Lisboa, 5 de Abril de 1995
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Luis Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Fernando Alves Correia
Bravo Serra
José Manuel Cardoso da Costa