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Processo n.º 891/11
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC:
«1. No Tribunal de Seia, no âmbito do processo comum coletivo n.º 12/10.6JAGRD:C1, foi julgado, entre outros, o arguido A., identificado nos autos, e condenado a final pela prática de um crime de roubo qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), ex vi, artigos 203.º, 204.º, n,ºs 1, alíneas a) e b) e 2, alínea f), 144.º, 23.º e 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Inconformado com a decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, em provimento parcial do recurso, lhe baixou a pena para 6 anos de prisão.
Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, arguindo uma nulidade por omissão de pronúncia quanto a uma questão levantada a respeito da matéria de facto e pretendendo o abaixamento da pena para uma medida inferior a 5 anos de prisão e a suspensão da sua execução.
No Supremo Tribunal de Justiça, foi proferida “decisão sumária” rejeitando o recurso por inadmissível, nos termos dos artigos 432.º, n.º1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP).
Por acórdão de 23 de novembro de 2011, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou esta a decisão.
2. O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), mediante requerimento do seguinte teor:
«(…) por não se conformar com o Douto Acórdão proferido nos autos vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
A presente interposição de recurso é efetuada ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, na medida em que a douta decisão recorrida aplica norma interpretando-a de forma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o decurso dos presentes autos.
Na verdade, no requerimento de recurso, bem como naquele que consubstanciou a interposição de reclamação para a conferência, o ora recorrente invocou inconstitucionalidades da interpretação de disposições contidas CP Penal.
Assim, aquando da interposição de recurso junto do Tribunal da Relação de Coimbra, em sede do segmento que designou de “questão Prévia” fez-se constar:
“É certo que o recorrente não ignora o entendimento que se tem sufragado sobre o preceito legal (artigo 400º, 1, al. f) do CP Penal) – todavia, salvo o devido respeito pela sobredita douta atividade hermenêutica plasmada em plúrimas decisões, reputa-a de inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32/1 da Constituição da República Portuguesa”
Por outro lado, no requerimento que suscitou a decisão em conferência, referiu-se: “De resto, a interpretação que a Douta decisão sumária sufraga emerge contra a ideia da «favorablia amplianda, odiosa restringenda» a impor que em matéria de admissibilidade de recursos as normas que a consagram não devem ser interpretadas restritivamenrte; até porque, a ocorrer tal interpretação restritiva sempre se viola o direito ao recurso, constitucionalmente plasmado como urna das garantias de defesa do arguido – cfr. artigo 32.º, 1, da Constituição da República Portuguesa”
Com efeito, está em causa a interpretação segundo a qual a decisão da Relação que condena pelos mesmos factos e subsunção jurídica efetuados pela 1ª instância, mesmo que em pena diferente, desde que menor, “confirma” a decisão da primeira instância e é, como tal, irrecorrível nos termos da al. f) do número 1, do artigo 400.º do CP Penal.
Ora, esta ideia de “confirmação jurídica” com um conteúdo significante diferente da aceção semântica da ideia de “confirmação” corresponde a uma interpretação restritiva da norma em causa que viola do direita ao recurso presente no artigo 31, 1 da Constituição da República Portuguesa.
Assim, em cumprimento do disposto no n.º 2, do art. 75.º-A, da Lei do TC, pretende-se que o Tribunal Constitucional declare que a interpretação da norma plasmada no artigo 400.º, 1, al. f) do Código de Processo Penal que entende que confirma a decisão proferida pelo tribunal da primeira instância o Acórdão da Relação que condena pelos mesmos factos e qualificação jurídica em pena menor e que, como tal é decisão irrecorrível, viola o direito ao recurso, constitucionalmente consagrado no número 1, do artigo 31.º da CRP.
3. Como a decisão recorrida refere, o Tribunal Constitucional tem reiteradamente entendido que no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição não confere, direta ou indiretamente, o direito a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, desde que não se consagrem critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. E mais se tem entendido que não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (Cfr., entre outros, os acórdãos n.º 189/2001, 451/2003, 495/2003, 640/2004, 255/2005, 64/2006, 140/2006, 487/2006, 682/2006, 645/2009 e 174/2010 disponíveis na Internet em www.tribunalconstitucional.pt). Acresce que o Tribunal Constitucional foi também por diversas vezes chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional da norma da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, mesmo na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, na perspetiva da violação do direito ao recurso, tendo decidido reiteradamente no sentido da não inconstitucionalidade de dimensões normativas em que estava em causa a limitação do acesso a um duplo grau de recurso ou triplo grau de jurisdição.
O recorrente, que mostra não desconhecer esta jurisprudência, argumenta que a interpretação que considera haver “dupla conforme” num caso em que a Relação mantém a condenação pelos mesmos factos e qualificação jurídica da sentença de primeira instância, mas aplica pena mais leve, constitui uma interpretação restritiva da norma em causa que viola o direito ao recurso.
Esta argumentação é improcedente.
Não cabe ao Tribunal a apreciação do acerto da decisão no plano da mera interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, designadamente quanto ao conceito de “confirmação”. O que tem de perguntar-se é se será desrazoável, arbitrário ou desproporcionado não admitir o recurso do arguido para o Supremo nos casos, como o dos autos, em que a Relação mantém os factos provados e a qualificação jurídica e, não obstante, reduz a pena aplicada.
Ora, pelas razões explanadas na jurisprudência referida no acórdão recorrido, não é desrazoável, quer reservar a possibilidade de recurso para Supremo para os casos mais graves em função da pena aplicada, quer, num sistema assim concebido, tratar do mesmo modo os casos em que a Relação, aplicando pena não superior a oito anos, confirma totalmente a decisão da 1.ª instância e os casos em que a Relação, dentro do mesmo limite, reduz a pena aplicada pela 1.ª instância.
Aliás, o que seria dificilmente compreensível num sistema em que a medida da relevância do caso para acesso ao Supremo é dado pela pena concreta, é que não fosse admitido recurso quando a Relação aplica a mesma pena, pelos mesmos facto e com a mesma qualificação adotada na 1ª instância, e já o fosse quando a Relação reduz a pena, mantendo tudo o mais.
Consequentemente, o recurso é manifestamente improcedente.
4. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, nega-se provimento ao recurso e condena-se o recorrente nas custas, com 7 UCs de taxa de justiça.»
2. O recorrente reclama para a conferência nos seguintes termos:
«(…) notificado da decisão sumária que conheceu do recurso que interpôs, vem dela reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Meritíssimos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional:
A douta decisão reclamada conclui pela manifesta improcedência do recurso apresentado e, com esse fundamento, nega-lhe provimento nos termos constantes do artigo 78-A da LTC.
Para o efeito alinha duas espécies de argumentação de forma lapidar:
- por um lado, enfatiza a corrente para não dizer unívoca – interpretação que o Tribunal Constitucional tem seguido quanto ao disposto no artigo 31/1 da CRP – inexoravelmente restritiva, na medida em que sempre considerou que o mesmo não assegura um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, nem uma tripla jurisdição em matéria penal;
Por outro lado, fazendo a apologia de que não cabe ao TC apreciar o acerto da decisão no plano da atividade interpretativa sobre a al. c) do artigo 400º do CPP, nomeadamente no que tange ao conceito de “confirmação”. Segundo se aduz, apenas se terá de indagar da desrazoabilidade, arbitrariedade, ou desproporcionalidade da não admissão de um recurso em caso como o dos autos.
E, inexoravelmente, conclui que não, enfatizando que arbitrário, desproporcional e incompreensível seria admitir o recurso nestas hipóteses e não o admitir quando funcionasse totalmente a dita “dupla conforme”.
Ora, não obstante o recorrente saber – como tem sido abundantemente repetido nas mais diversas decisões proferidas nos presentes autos – que, se é permitida a metáfora, que rema contra a corrente, deve dizer-se que a argumentação explanada não impressiona.
Desde logo, o legislador ordinário, apesar da interpretação que o Tribunal Constitucional vem efetuando do direito ao recurso, criou mecanismos procedimentais e garantísticos que não se deixam apreender pela apertada malha tecida por essas decisões – efetivamente, e a título meramente paradigmático, a Lei 59/98 de 25 de agosto, ao contrário daquilo que, percucientemente, preconizava este Tribunal, criou o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, mesmo quando se trata de decisão colegial; e a Lei 48/2007 de 29 de agosto, também ao arrepio do que vinha decidindo o Tribunal Constitucional, acabou com a iniquidade – potenciadora de algumas “habilidades” processuais – de não existir recurso em matéria de facto aquando da intervenção do Tribunal de Júri.
Ou seja, é insofismável que a lei ordinária tem acolhido e densificado uma conceção lata do direito ao recurso, enroupando-o com vestes mais ricas que aquelas que o Tribunal Constitucional sistematicamente advoga.
Na verdade, ao invés de serem as decisões do TC a servirem de cimento aglutinador da defesa do direito constitucional ao recurso, é o legislador ordinário que tem criado mecanismos que enriquecem e dão densidade a esse direito, fortificando-o e arreigando-o na pertinente legislação processual.
É certo, todavia, que essa atividade legiferante nem sempre tem sido coerente com a ideia surpreendida – e a Lei 48/2007 é elucidativa quanto a essa dialética, na medida em que se, por um lado, aumenta as hipóteses de recorrer, por outro lado, restringe-as – como é o caso da substituição, como critério de recorribilidade, da moldura aplicável pela pena concretamente aplicada.
No entanto, na hipótese em apreço debate-se a alteração introduzida, pelo citado instrumento legal, à al. f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal.
Todavia, no preceito normativo examinado mantém-se imutável a expressão “que confirmem” – isto é, a Lei, no predito inciso, exige o preenchimento de dois requisitos:
- por um lado, um de caráter objetivo ligado agora ao quantum concreto de pena aplicada – inferior a oito anos de prisão;
- por outro, ainda um outro pressuposto que, não obstante ser objetivo, se presta a díspares atividades interpretativas: exatamente, as tendentes a fixar um conteúdo operativo à ideia de “confirmação”.
Ora, caberá dilucidar o porquê do aludido texto legal inserir na respetiva letra a expressão que confirmem e, bem assim, procurar fixar um conteúdo hermenêutico ao concreto segmento do trecho legal em apreço.
No que tange à primeira questão feita emergir afigura-se óbvia que a exigência da chamada “dupla conforme” tem por fundamento a especial força de uma decisão judicial que surge inteiramente coincidente e coerente com outra previamente proferida. Ou seja, o legislador confere uma peculiar vinculatividade à decisão que vê o seu respetivo conteúdo integral reafirmado pelo Tribunal superior, vislumbrando nela uma inexpugnabilidade argumentativa que não a torna credora de qualquer dúvida quanto à respetiva bondade.
No entanto, só essas específicas características a dotam dessa potencialidade de repercussão. Ou seja, nos termos literais da Lei ordinária só é irrecorrível a decisão que seja – totalmente – confirmada.
Examinada essa questão prévia, importará abordar os possíveis significados da expressão com cunho legal (“que confirmem”), sublinhando-se que – no prisma do reclamante – a mesma emerge despida de qualquer conotação/aceção específica; ou, dito de outra forma, a expressão linguística em análise surge com o valor literal das palavras usadas, sem nenhum estigma jurídico ou sistémico que altere o seu valor facial.
Assim, de acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, “confirmar” significa “comprovar ou garantir a verdade ou existência de”, “afirmar categoricamente”, “tomar mais firme”, “ratificar”, “adquirir a certeza de”...
Ou seja, em todas as aceções do conceito perpassa a ideia de afirmação categórica que comprova algo, que o toma mais firme, convencendo da respetiva veracidade ou existência.
Assim, a ideia de “confirmação” apenas equivale à reiteração de algo que se afigurava duvidoso, ambíguo ou nebuloso, não transportando qualquer bondade intrínseca em si mesma, exceto a de ratificar ou certificar um ato anterior.
Isto é, o ato confirmante não tem qualquer espécie de validade a se; só se legitima enquanto derivado de um ato inicial e nos exatos limites em que àquele se reporta. Com efeito, só é “confirmação” o espaço comunicacional em que se repristina a validade de um determinado evento e se atesta a sua “verdade”.
Todavia, a importação da aludida aquisição para o campo da respetiva aplicação à problemática em estudo, já se afigura polémica, atenta a orientação que vem sendo defendida sobre uma tal ou qual existência de “confirmação” quando entre a primeira instância e o tribunal da relação existe identidade quanto ao crime punido, mas desigualdade quanto ao grau de punição, sendo esta inferior no tribunal de recurso (já não se fazendo similar apologia quando o tribunal de recurso, mantendo a imputação criminosa, elege medida mais gravosa).
No entanto, tal espécie de entendimento não resiste à lógica imanente ao conceito de “confirmar”.
Na realidade, a decisão do tribunal da relação que condena pela mesma imputação efetuada no tribunal de primeira instância, mas em pena menor, só parcialmente confirma a decisão em recurso. De facto, no segmento em que reitera a bondade da subsunção ao tipo (ou tipos) de crime já efetuada pela primeira instância é inescapável a validade confirmante da decisão. Contudo, quando se elege outra medida da pena (afigurando-se indiferente que esta seja menor ou maior do que a determinada no primitivo julgamento) está a introduzir-se um elemento novo no processo decisório, advindo de um diferente juízo; assim, evidente se toma que fica quebrada a relação de sequencial dependência entre ambas as decisões; com efeito, ao ficar aquém (ou ao ir além) da primitiva punição, o acórdão da relação deixou de ser uma mera ratificação que tomaria firme o ato de que derivava. Com efeito, surge um segmento – a determinação da medida da pena – que não ratifica, nem “toma firme” a anteriormente eleita, dado que dela inexoravelmente diverge.
Neste conspecto, apesar da pena aplicada ser inferior a oito anos, falta a verificação do requisito de irrecorribilidade que remanesce, uma vez que inexiste a similitude entre as decisões do Tribunal Coletivo de Seia e do Tribunal da Relação de Coimbra que permita dizer que esta se limita a “confirmar” aquela. Efetivamente, como se tem vindo a sublinhar, ao apontar para medida da pena diferente, o Douto Acórdão tirado pelo Tribunal da Relação de Coimbra deixou de ser uma mera decisão confirmatória, sendo por isso recorrível, dado que não se contém no conjunto de circunstâncias taxadas na al. f), do n.º 1, do artigo 400º do CP Penal.
Com efeito, reitera-se, quando a pena é modificada – mesmo in melius – emerge uma diferente leitura jurídica do pedaço de história submetido a julgamento, pelo que não pode falar-se de “confirmação” na aceção semântica conferida ao conceito.
Ora, qualquer atividade interpretativa a exercer pelo aplicador da norma tem de respeitar o significado corrente das partículas linguísticas utilizadas pelo legislador, sem procurar ir além – ou ficar aquém – do respetivo significado.
Assim – e também porque o intérprete tem de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, 3 do Código Civil) – assumirá meridiana clareza que a norma não pode ser alvo de atividade hermenêutica que desvirtue o sentido que lhe foi fixado. Na verdade, o legislador apenas quis irrecorrível a decisão da Relação que confirme a decisão da primeira instância – e, manifestamente, um Acórdão da Relação que altera a pena determinada na primeira instância não confirma esta, em toda a sua amplitude.
De resto, a interpretação que o reclamante crisma de inconstitucional emerge contra a ideia da “favorablia amplianda, odiosa restringenda” (a impor que em matéria de admissibilidade de recursos as normas que a consagram não devem ser interpretadas restritivamente), surgindo, pois, como interpretação restritiva do direito ao recurso e, como tal, desproporcional e em colisão com uma das garantias de defesa do arguido – o direito ao recurso constante do artigo 32°, 1, da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência, declarado que a interpretação da norma plasmada no artigo 400º, 1, al. f) do Código de Processo Penal que entende que confirma a decisão proferida pelo tribunal da primeira instância o Acórdão da Relação que condena pelos mesmos factos e qualificação jurídica em pena menor e que, como tal é decisão irrecorrível, viola o direito ao recurso, constitucionalmente consagrado no número 1, do artigo 31° da CRP.
3. O Ministério Público responde nos termos seguintes:
«O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe, vem dizer o seguinte:
1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 679/2011, negou-se provimento ao recurso interposto pelo arguido A..
2º
Constituindo objeto do recurso a questão da inconstitucionalidade “da norma plasmada no artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, que entende que confirma a decisão proferida pelo tribunal da primeira instância o Acórdão da Relação que condena pelos mesmos factos e qualificação jurídica em pena menor e que, como tal, é decisão irrecorrível”, a douta Decisão Sumária, remetendo para a abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre tal matéria, entendeu que a norma não era inconstitucional.
3º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente não invoca quaisquer novos argumentos que justifiquem uma alteração daquele juízo, ou sequer uma apreciação autónoma da questão.
4º
Aliás, insistindo o recorrente na delimitação do conceito de “confirmação” pela Relação da decisão proferida em primeira instância, na Decisão Sumária, após se esclarecer que não cabia ao Tribunal apreciar o acerto da decisão quanto ao conceito de “confirmação”, de forma absolutamente clara, diz-se:
“Aliás, o que seria dificilmente compreensível num sistema em que a medida de relevância do caso para acesso ao Supremo é dada pela pena concreta, é que não fosse admitido recurso quando a Relação aplica a mesma pena, pelos mesmos factos e com a mesma qualificação adotada na 1ª instância, e já o fosse quando a Relação reduz a pena, mantendo tudo o mais”.
5º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
4. O recorrente expõe, de modo claro e com um discurso juridicamente sustentado, as razões pelas quais, em seu entender, devia considerar-se que não há “dupla conforme” na hipótese considerada. Porém, essas razões são de escasso relevo para o que cabe na competência deste Tribunal. Com efeito, saber se a decisão que não admitiu o recurso fez boa ou má interpretação da norma ao abrigo da qual assim decidiu não é matéria para o recurso de constitucionalidade. Neste, apenas pode ser apreciada a conformidade à Constituição da norma tal como foi interpretada, isto é e concretizando, se é inconstitucional que a lei não admita recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por parte do arguido quando a Relação, mantendo os factos provados e a respetiva qualificação jurídica, se limita a aplicar pena menos grave do que a pena de prisão (igual ou inferior a 8 anos) que tinha sido aplicada em 1ª instância. Ora, dilucidar o porquê de o aludido texto legal inserir na respetiva letra a expressão “que confirmem” e, bem assim, procurar fixar um conteúdo hermenêutico ao concreto segmento do trecho legal em apreço é matéria de determinação e interpretação do direito infraconstitucional aplicável, em que os tribunais da causa decidem definitivamente, com a ressalva da hipótese prevista no n.º 3 do artigo 80.º da LTC.
É certo que o recorrente procura ligar a questão interpretativa a uma questão de violação da Constituição, argumentando que a interpretação que “crisma de inconstitucional emerge contra a ideia da “favorablia amplianda, odiosa restringenda” (a impor que em matéria de admissibilidade de recursos as normas que a consagram não devem ser interpretadas restritivamente), surgindo, pois, como interpretação restritiva do direito ao recurso e, como tal, desproporcional e em colisão com uma das garantias de defesa do arguido – o direito ao recurso constante do artigo 32.º, 1, da Constituição da República Portuguesa”.
Sucede que, mesmo a admitir que esse resultado interpretativo seja o produto de uma interpretação restritiva do preceito legal em causa, não estamos num domínio onde sejam constitucionalmente proibidos determinados métodos hermenêuticos ou integrativos do texto legal, nem estamos perante uma leitura que revele ter havido violação pelo legislador do princípio da determinabilidade das leis. Consequentemente, o Tribunal não pode controlar senão a solução normativa, ou seja, o resultado da interpretação. E nisto não pode ir além do que na decisão reclamada e na jurisprudência para que remete se disse acerca da não consagração constitucional de um triplo grau de jurisdição e do caráter não arbitrário da solução face ao que a estruturação constitucional das categorias de tribunais pode projetar no campo das garantias individuais de acesso. Designadamente, não pode falar-se, a propósito desta solução normativa, em restrição desproporcionada do direito ao recurso, pela elementar razão de que não existe o direito fundamental supostamente restringido de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em terceiro grau de jurisdição.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 1 de fevereiro de 2012.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.